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Nove galerias brasileiras participam da ARCOmadrid 2020

Valeska Soares E Mauro Restiffe, “Proscenium”, 2018. No estande da Fortes, D'Aloia & Gabriel.

A feira ARCOmadrid 2020 reúne, entre 26 de fevereiro e 1 de março, um total de 209 galerias de 30 países em seus setores principais. Realizada pelo IFEMA (Institución Ferial de Madrid), entidade responsável por organização de eventos, a feira tem como foco o Programa Geral, composto por 171 galerias selecionadas pelo Comitê Organizador.

É apenas uma questão de tempo é uma proposta especial para uma seção desta ARCOmadrid. Esta seção é comissariada por Alejandro Cesarco e Mason Leaver-Yap e é composta por 16 artistas de 13 galerias. Esse projeto propõe observar a  prática artística a partir da obra do artista cubano-americano Felix Gonzalez-Torres. O setor Diálogos, que inclui 10 galerias selecionadas por Agustín Pérez Rubio e Lucía Sanromán, oferece uma análise da criatividade contemporânea focada no diálogo entre duas criadoras, prestando atenção especial à maneira como as mulheres praticam arte na América Latina e aos pontos em comum na obra de artistas de diferentes gerações.

Já o programa Opening é novamente um espaço para descobrir novos trabalhos na feira, com 21 galerias selecionadas pelo brasileiro Tiago de Abreu Pinto e pelo turco Övül Ö. Durmusoglu, que representará o compromisso com jovens galerias internacionais.

As representantes brasileiras na ARCOmadrid deste ano são as galerias Anita Schwartz Galeria De Arte, Baró Galeria, Casa Triângulo, Fortes D’aloia & Gabriel, Jaqueline Martins, Luisa Strina, Sé, Superfície e Vermelho, que levam artistas brasileiros e também internacionais para seus estandes.

Confira toda a programação no site do evento.


ARCOmadrid 2020
de 26 de fevereiro a 1 de março
Avenida del Partenón, 5 28042, Madrid, Espanha

Onde nós estávamos quando não estávamos aqui?

Cena do filme "Você Não Estava Aqui", de Ken Loach. Foto: Divulgação.
Cena do filme "Você Não Estava Aqui", de Ken Loach. Foto: Divulgação.

“No último sábado à noite eu me casei. Eu e minha esposa nos estabelecemos. Agora, eu e minha esposa estamos separados. Vou dar um passeio pela cidade”. Canta uma senhora, Rosie, ao pentear o cabelo de Abby (Debbie Honeywood), que está sentada na frente dela com as pernas e os braços juntos e organizados de forma harmoniosa, disfarçando em partes – com sua postura e a rapidez de enxugar seus olhos – o estado emocional fragilizado. Não é uma cena crucial, nem pivotal, mas é dotada da gentileza e candura habilmente injetadas em conjunto no novo filme do cineasta britânico Ken Loach, aos 83 anos de idade — vigoroso, ainda. 

Sorry We Missed You, traduzido no Brasil para Você Não Estava Aqui, diz respeito a Abby e sua família, em Newcastle, no nordeste da Inglaterra. Ela é uma enfermeira e cuidadora de idosos e pessoas com mobilidade reduzida que trabalha em um “esquema de sem garantias”, recebendo apenas pelos serviços prestados e trabalhando apenas quando é chamada pelo patrão. Seu marido, Ricky (Kris Hitchen), perdeu o emprego na área da construção civil e a chance de obter uma hipoteca após o colapso econômico de 2008. Sob indicação de um amigo ele começa a trabalhar como motorista autônomo, conceito que nos é explicado logo no começo do filme pelo supervisor da frota, Maloney (Ross Brewster): “Você não é contratado aqui, [você] entra a bordo. Algo que gostamos de chamar de integração. Você não trabalha para nós, [você] trabalha conosco. Você não dirige para nós, [você] realiza serviços”

 

Mesmo perdendo o temperamento algumas horas, Ricky é um pai afetuoso, como também é Abby, cuja convivência com pessoas prejudicadas por questões da velhice e do abandono talvez faça com que ela invista de forma profunda na união da sua família — uma tarefa difícil tendo em mente as longas jornadas do casal. “Estou vendo aqui. Das 7h30 da manhã até as 21h? E as jornadas de oito horas?”, pergunta Molly, outra das senhoras sob cuidado de Abby. Como consequência, há um peso imbuído por ambos, uma culpa parental por não passarem tempo suficiente com as crianças Seb (Rhys Stone) e Liza Jane (Katie Proctor). “Ele está crescendo todo dia diante dos nossos olhos. Quer dizer, isso quando o vejo”. O maior (cuja observação empática do autor pode lembrar O Garoto da Bicicleta dos Dardenne, ou até De Cabeça Erguida, primogênito de Emmanuelle Bercot na direção) tem talento para o Grafitti, mas começa a perder aulas e acaba por se encrencar com a polícia, enquanto a menor é inteligente a ponto de surpreender o próprio pai, contudo, preocupa Abby e Ricky quando rompe a ter problemas para dormir.

Onde nós estávamos quando não estávamos aqui?

As questões que entremeiam Você Não Estava Aqui são trazidas por Loach em tempo hábil, principalmente o que pode ser relacionado com a “Sociedade do Cansaço” (conceito pelo filósofo sul coreano Byung-Chul Han) e a lógica “24/7” (destrinchada pelo crítico de arte e ensaísta Jonathan Crary). Chegamos a uma fórmula de sociedade onde não existem intervalos de calma, descanso ou aposentadoria. Há, em seu lugar, um cansaço coletivo, uma “implacável tradução para o valor monetário de qualquer intervalo de tempo possível ou de qualquer relação social concebível, de tornar todos os elementos de nossas vidas conversíveis aos valores do mercado”, como afirma Crary, complementando que o tempo para o descanso ou o bem-estar é simplesmente caro demais na visão da atual economia global, a mensagem transmitida? É a que, assim, a sobrevivência a longo prazo do indivíduo torna-se cada vez mais dispensável. 

A exemplo disso, tanto Maloney quanto seus “companheiros de frota” obedecem com medo quase ozymandiano ao aparelho que registra as entregas, no qual, os motoristas — dentro de uma cadeia macro — não passam de registros digitais passíveis de monitoramento: “o digital não pesa, não tem cheiro, não opõe resistência”, comentaria Han. O autor da Sociedade do Cansaço, para o jornal El País, coloca que “precisamos de um tempo próprio que o sistema produtivo não nos deixa ter; necessitamos de um tempo livre, que significa ficar parado, sem nada produtivo a fazer, mas que não deve ser confundido com um tempo de recuperação para continuar trabalhando”.

Ainda que o longa não quebre barreiras dentro da filmografia de Loach, ele ecoa um lamento — compartilhado por Paul Laverty, roteirista da obra e colaborador de longa data do cineasta — que importa mais que nunca vide o movimento de “uberização da economia” que é causa e agravante dos fenômenos descritos acima. “Eu pensei que fosse meu negócio”, argumenta Ricky, recebendo de Maloney a resposta: “Sim, mas é minha franquia”

Uma pesquisa do IBGE apontou que 38,8 milhões dos 93,8 milhões de pessoas que compõem a força de trabalho no Brasil atuavam na informalidade no terceiro trimestre do ano passado. Assim como para Ricky, não há salário fixo, benefícios ou folgas. Enquanto isso, ficam para o trabalhador praticamente todos os custos do serviço, da manutenção ao transporte, da internet ao seguro. A liberdade vai se rarefazendo ao contrário da imagem inicial vendida por aplicativos como o que nomeia esse movimento.

Apesar da rispidez do assunto, Loach consegue trazer certo humor à questão através de algumas derrapadas cômicas de Ricky — incluindo uma tentativa absurda de fugir de uma fiscal de rua e um toma lá dá cá com um cliente que se mostra torcedor do time rival — e utilizando da figura de Maloney, cujo positivismo estilo “coaching” é por si só uma chacota.  

Últimos pensamentos

Às vezes o longa-metragem é didático demais, com uma aproximação um tanto formulaica, algo que podemos relevar tendo em vista o caráter de diálogo com o público britânico que Laverty consegue estabelecer por essa aproximação. É uma história carregada a oito mãos: a família – passando pelos desgastes do mercado livre, pelo encerramento do estado de bem estar e pelas atribulações demonstradas pelos criadores – ainda é o foco do filme, é seu objeto, o avatar de todas as questões macro da história e quem permite que o roteiro de Laverty tome formato. Seria difícil pensar a execução de Você Não Estava Aqui sem esse conjunto de atores. Aliás, o cineasta mantém sua tendência a encontrar novos rostos que parecem ter nascido para suas histórias, encarando a progressão narrativa com sinceridade. Essa espécie de protagonismo coletivo nos permite também examinar o impacto, reverberado em escala familiar e através dessas duas gerações, da série de frustrações sofridas por Abby e Ricky em seus trabalhos.

Em cena de "Você Não Estava Aqui", Ricky (Kris Hitchen) e Liza Jane (Katie Proctor) sentam juntos para comer durante o intervalo de entregas.
Ricky (Kris Hitchen) e Liza Jane (Katie Proctor) sentam juntos para comer durante o intervalo de entregas.

Para Ken Loach — em entrevista ao El País —, ainda há motivos para esperança: “O primeiro é que os povos sempre resistirão e alguém sempre lutará. O segundo é que vivemos em um sistema que não pode continuar por mais tempo. Pensemos, por exemplo, no trabalho dos entregadores que utilizam gasolina para fazer suas entregas, quando o petróleo tem os dias contados. Estamos destruindo os pequenos comércios nos centros das cidades e dos povoados, encomendando e comprando tudo pela Amazon. Queremos continuar assim?”. 

A Gentil Carioca inaugura a 16ª edição do projeto Abre Alas

Obra de Darks Miranda.

A galeria A Gentil Carioca apresenta exposição coletiva que traz obras de artistas selecionados no edital Abre Alas 16, tendo nesta edição  Keyna Eleison, Pablo León de la Barra e Yhuri Cruz na comissão de seleção e curadoria.

Os artistas selecionados são Andre Niemeyer, Andréa Hygino, Darks Miranda, Fátima Aguiar, Gilson Andrade, Juliana dos Santos, Leka Mendes, m. morani, max wíllà morais, Mulambo, Nathalia Favaro, Reitchel Komch, Val Souza e Yan Copelli.

Além disso, a galeria traz A Porta na Parede, de Ana Linnemann, para integrar a 35ª Parede Gentil e convidou o artista de Marcos Abreu para realizar a arte da 86ª Camisa Educação, que traz a estampa de uma bandeira geométrica escura com a imagem do livro Pedagogia do Oprimido, de Paulo Freire.

A exposição, primeiramente programada para terminar em março, foi prorrogada até o dia 9 de abril.

Três seleções artísticas para aproveitar o carnaval

Foto do ensaio sobre a Estação Primeira de Mangueira, realizado por Maureen Bisilliat em 1969.
Foto do ensaio sobre a Estação Primeira de Mangueira, realizado por Maureen Bisilliat em 1969.

Agora ou Nunca – devolução: paisagens audiovisuais de Maureen Bisilliat

Em Agora ou Nunca – devolução: paisagens audiovisuais de Maureen Bisilliat, a fotógrafa inglesa Maureen Bisilliat, radicada desde 1957 no Brasil, reúne pela primeira vez em uma exposição parte de sua produção audiovisual, com extratos de 12 vídeos. 

Bisilliat começa a traçar um percurso relevante em vídeo a partir dos anos 1980, quando já era consagrada no campo da fotografia. A mostra busca seus registros, apresentando um panorama de sua produção mais recente como também uma resposta àqueles que foram retratados por ela antes em suas fotografias. Há entrevistas com Darcy Ribeiro, Roberto Burle Marx, Pietro Maria Bardi e Alberto Korda. Destaque para o vídeo Morro da Mangueira, onde ela reencontra personagens fotografados por ela na década de 1960, quando em trabalho para a Revista Quatro Rodas.

Suas imagens dos mangueirenses em trajes verde e rosa (as cores da Estação Primeira de Mangueira), incluindo um retrato do compositor Cartola, foram feitas no próprio morro onde fica a escola e compuseram as matérias É sempre verão nesta baía e A batucada dos bambas. Alguns destes registros e outros feitos por Bisilliat na Banda de Ipanema nas décadas de 1960/70 podem ser consultados no seu próprio acervo no Instituto Moreira Salles

QUANDO: A visitação vai até o dia 5 de abril às 20h
ONDE: Galeria 1 do Instituto Moreira Salles Avenida – Avenida Paulista, 2424, São Paulo/SP

Ratos e Urubus, Larguem Minha Fantasia

A foto mostra a escultura "Cristo Mendigo" que foi o carro abre-alas do desfile Ratos e Urubus. Na imagem, a escultura é coberta por sacos de lixo como uma censura, e carrega a faixa que diz "Mesmo proibido olhai por nós!"
Abre-alas “Cristo Mendigo” no desfile Ratos e Urubus, Larguem Minha Fantasia. Foto: Sebastião Marinho (Agência O Globo)

Com título homônimo ao emblemático desfile da escola de samba Beija-Flor de Nilópolis – ocorrido há alguns carnavais, mais especificamente no amanhecer de 7 de fevereiro de 1989 – a exposição que ocupa a Galeria Tarsila do Amaral, no Centro Cultural São Paulo (CCSP), presta homenagem ao desfile e ao carnavalesco Joãosinho Trinta, que se referia ao evento como uma “Ópera de Rua”. 

Na mostra, Ratos e Urubus entra como mais que inspiração ou referência, o samba enredo é trazido como uma das obras componentes da exposição, através de um trabalho curatorial com os registros imagéticos e em vídeo do desfile, os esboços dos carros alegóricos e o “por trás das cenas” do seu processo de construção. Raphael Escobar, Barbara Wagner e Benjamin de Burca, Nuno Ramos e Márcia X integram a exposição com trabalhos selecionados e também obras comissionadas. Confira nossa matéria na íntegra clicando neste link.

QUANDO: A visitação vai até o dia primeiro de março às 20h30
ONDE: Galeria Tarsila do Amaral, no Centro Cultural São Paulo (CCSP) – Rua Vergueiro, 1000, São Paulo/SP

FAZ QUE VAI 

Still da videoinstalação "FAZ QUE VAI" de Bárbara Wagner e Benjamin de Burca mostrando o dançarino Edson Vogue
Still da videoinstalação “FAZ QUE VAI” de Bárbara Wagner e Benjamin de Burca

“Faz que vai”, passo do frevo que simula um momento de instabilidade, nomeia o curta de 12 minutos da dupla de artistas audiovisuais Bárbara Wagner e Benjamin de Burca. Para a obra, eles retratam quatro bailarinos em seus respectivos modos de articular uma forma dessa tradição popular do estado do Pernambuco. Aliás, este é um dos pontos de maior interesse da dupla ao desenvolver o projeto: a atualização da tradição – um lugar de instabilidade para os artistas, que se relaciona metaforicamente com o próprio movimento do faz que vai. 

O frevo surge logo após o fim da escravidão no Brasil, quando as tropas no carnaval das bandas militares contratavam grupos de capoeiristas para liderar a procissão e afastar as gangues de rua da cidade ao abrir suas sombrinhas em frente à multidão como um movimento de controle de multidões improvisado. Quando as sombrinhas diminuíram e os movimentos dos capoeiristas começaram a ficar cada vez mais estilizados o frevo apareceu. Ao longo da nossa história, pessoas de diversas origens encontraram meios de expressão coletiva em oposição ao colonialismo. Hoje, o frevo se tornou patrimônio da UNESCO e é ensinado em escolas. 

No caminho de atualizar a tradição, os capoeiristas de Wagner e de Burca não são guarda-costas masculinos, mas em sua maioria homens afeminados e uma mulher trans. Em seu trabalho, a manifestação dessa dança de rua, num espaço tridimensional, se transforma completamente diante da câmera tecendo uma série de anotações entre ela, o corpo registrado e a dança típica que o movimenta, sem perder de vista a música como cerne da questão já que para a dupla “a música é o elemento que constitui uma espécie de fundamento para as práticas que pesquisamos. Seja de dança, dos videoclipes, da canção”.

Confira o trabalho completo no site de Wagner e de Burca, acessando este link.

Sucesso de público no Rio, mostra sobre o Egito antigo chega ao CCBB de São Paulo

Artefatos expostos na mostra no CCBB. Crédito: Divulgação

Após ser vista por mais de 1,4 milhão de visitantes no Rio de Janeiro, a exposição Egito Antigo: do Cotidiano à Eternidade fica exposta até o dia 11 de maio no CCBB paulistano. Com 140 peças emprestadas pelo Museu Egípcio de Turim (Itália), que abriga a segunda maior coleção egiptológica do mundo, a mostra reúne tanto réplicas quanto peças originais.

Se a pirâmide montada no espaço expositivo é uma representação em escala reduzida, há artefatos originais como uma múmia humana de verdade, estátuas e estatuetas, um Livro dos Mortos em papiro e objetos litúrgicos. Há ainda sarcófagos, vasos e modelos de diferentes períodos do Antigo Egito (que vai de 3100 a.C até 30 a.C).

Segundo texto de apresentação, as peças da mostra “têm em comum a relevância para o entendimento da cultura egípcia, que manteve parcialmente os mesmos modelos religiosos, políticos, artísticos e literários por três milênios”. Segundo Pieter Tjabbes, curador da mostra junto com Paolo Marini, “o principal objetivo é possibilitar a um público grande e diverso um entendimento qualificado sobre a cultura egípcia”.

A exposição, que seguirá ainda para os CCBBs de Brasília e Belo Horizonte, é dividida em três seções: vida cotidiana, religião e eternidade. A mostra apresenta também uma seção interativa, com um vídeo com reconstrução 3D de monumentos, baseada em dados reais, que permitirá aos visitantes percorrer lugares no Egito Antigo.

Egito Antigo: do Cotidiano à Eternidade
Centro Cultural Banco do Brasil – Rua Álvares Penteado, 112
Entrada gratuita

Casa Fiat traz, em maio, mostra de Botticelli em Belo Horizonte

Detalhe da Vênus, de Botticelli.


Um dos grandes nomes do renascentismo italiano, Sandro Botticelli (1445–1510) será tema de uma grande exposição na Casa Fiat de Cultura, que marca a celebração dos 14 anos do espaço mineiro.

Intitulada Botticelli e seu Tempo, a mostra tem curadoria do historiador italiano Alessandro Cecchi e reunirá trabalhos de diferentes períodos da produção do artista. Incluindo ainda trabalhos de outros nomes centrais da arte do período – como Antonio del Pollaiolo, Andrea del Verrocchio e Filippo Lippi –, a exposição se propõe a apresentar um pouco da efervescência cultural da Florença renascentista.

Alessandro di Mariano di Vanni Filipepi, nome de nascença de Sandro Botticelli, é autor de obras célebres como O Nascimento de Vênus, A Tentação de Cristo e A Adoração dos Magos, muitas delas de cunho religioso ou mítico. Dedicou boa parte da carreira às grandes famílias florentinas, especialmente aos Médici, para os quais pintou diversos retratos. A exposição em belo Horizonte poderá ser vista entre os dias 5 de maio e 12 de julho de 2020.

 

Anna Bella Geiger — Sesc Avenida Paulista/MASP

Organizada pelo MASP em parceria com o Sesc Avenida Paulista, a mostra individual “Brasil nativo / Brasil alienígena”, de Anna Bella Geiger, é parte das exposições que fazem parte do eixo “Histórias das mulheres, Histórias feministas”, que ocupou o museu em 2019.

A exposição traz 190 obras da artista desde os anos 50 até os dias atuais, propondo um passeio por sua trajetória em duas das maiores instituições culturais do país até 1 de março.

Confira entrevistas com Adriana Souza, coordenadora de programação do Sesc Avenida Paulista, e Tomás Toledo, curador-chefe do MASP e curador da exposição.


Anna Bella Geiger: Brasil nativo / Brasil alienígena
até 1 de março
No MASP e no Sesc Avenida Paulista

Exposição em Nova Iorque aborda tempos autoritários no Brasil

Capa edição 43 - Sem Título - Moisés Patrício
Obra Sem Título da série "Aceita?", de Moisés Patrício. A obra foi capa da nossa edição 43.

A exposição Against, Again: Art Under Attack in Brazil aborda a presente onda transnacional de autoritarismo, apresentando diversas práticas artísticas que respondem à opressão no Brasil. Desde a ascensão de um movimento político conservador nos últimos anos, que resultou na eleição de um presidente de extrema direita em 2018, até as posteriores ameaças e ataques contra políticos, ativistas, intelectuais e artistas.

A exposição desenvolve um breve diagnóstico desses tempos e também analisa as condições históricas do autoritarismo no Brasil, mostrando como os artistas prosperaram e criaram novos imaginários para lidar com a opressão.

A mostra tem curadoria de Tatiane Schilaro e Nathalia Lavigne e foi organizada pela AnnexB, se estendendo entre 14 de fevereiro até 3 de abril de 2020 na Anya and Andrew Shiva Gallery, que fica dentro do John Jay College of Criminal Justice. Estão presentes na exposição obras dos artistas Sonia Andrade, Maria Thereza Alves, Marcelo Amorim, Giselle Beiguelman, Rafael BQueer, Nino Cais, #CóleraAlegria, Jonathas de Andrade, Anna Bella Geiger, Hudinilson Jr., Clara Ianni, Eduardo Kac, Randolpho Lamonier, Jaime Lauriano, Antonio Manuel, Arjan Martins, Virginia de Medeiros, Cildo Meireles, Ismael Monticelli, Rafael Pagatini, Anna Parisi, Regina Parra, Moisés Patrício, Dalton Paula, Aretha Sadick e João Simões, Berna Reale, Sallisa Rosa, Aleta Valente, Regina Vater, Igor Vidor.

De Geiger a Sidney Amaral: o colapso do autorretrato continua

Felipe Cama, "Notícias de lugar nenhum (made in China)".

Por que uma pessoa se retrata hoje em dia? Não falo do selfie, essa praga a que todos nós estamos sujeitos a olhar (e a produzir, muitas vezes), mas ao autorretrato supostamente artístico e presumivelmente fruto de uma necessidade de se mostrar ao mundo como um sujeito autônomo.

Será possível que esse tipo de autorretrato ainda seja viável, após as produções de Anna Bella Geiger, comentadas no último artigo aqui publicado[1]? Afinal, ainda nos anos 1970, ela usou a própria imagem para discutir a posição da mulher (branca, latino-americana e artista) em plena ditadura civil-militar brasileira. Por outro lado, Cindy Sherman, artista norte-americana, naquela mesma década também apresentou a si mesma desdobrada em inúmeros estereótipos femininos criados pelo cinema norte-americano.

Anna Bella, no Brasil e Cindy Sherman, nos Estados Unidos, no entanto, não estavam sós nesse processo de ressignificação do autorretrato. Concomitante às duas, outras e outras profissionais desenvolveram trabalhos usando a própria imagem não mais explorando os paradigmas revelhos do autorretrato convencional (quando o artista se desnuda para o mundo, de forma literal ou metafórica), enquanto subjetividade única e autossuficiente.

Na cena brasileira, durante aquela mesma década, mais artistas também se dedicaram a produções em que a própria imagem não era usada para explorar uma subjetividade incontaminada (como se isso fosse possível), mas como um alerta sobre a certeza de que o eu se constitui em luta contra fatores externos, contra as normas preestabelecidas pela família, pela sociedade, pela tradição, pela indústria cultural, etc. Os trabalhos de Lenora de Barros, por exemplo, emergem mais ou menos durante aquele período e, até hoje, a artista lança mão da própria imagem para a produção de trabalhos em que seu corpo aparece sempre como instrumento de luta contra a precessão dos clichês que nos envolvem a todos.

Para não deixar a impressão de que o uso da própria imagem como ferramenta crítica tenha sido uma estratégia usada exclusivamente por mulheres, vale relembrar trabalhos de alguns homens que também usaram a imagem do próprio corpo para a produção de trabalhos de endereçamento claro: Para um jovem de brilhante futuro (1973/74), de Carlos Zilio (acervo MAC-USP) – uma valise com pregos e fotos em formato de postais com o artista retratado como um jovem executivo de “brilhante futuro” –; o álbum Trama, de 1975, em que Gabriel Borba incluiu uma foto em que aparece como se estivesse sendo torturado (acervo MAC-USP). Em meados da mesma década, Gastão de Magalhães, por sua vez, fundiu a própria imagem a fotos icônicas de Brasília, estabelecendo uma relação pouco usual entre o “eu”, o estado e a religião (acervo MAM-SP).  No final daquela década e início da seguinte, impossível não registrar os trabalhos de Mario Ishikawa, em xerox, em que pedaços de seu corpo eram representados como símbolos da impotência frente o estado repressivo de então.

Os anos 1990 também estão repletos de obras concebidas para discutirem a subjetividade como efeito, não de uma singularidade sem conflito, mas como luta/construção social e política. Em 1994, na mostra Fotografia contaminada, com minha curadoria (Centro Cultural São Paulo), reuni obras que tratavam desta questão, desde aquelas dos “pioneiros”, Militão Azevedo e Valério Vieira, até os então novos artistas Rubens Mano, Nazareth Pacheco e Rosana Paulino, passando por Geraldo de Barros (com autorretratos produzidos a partir de clichês imagéticos hollywoodianos), Anna Bella Geiger (desde sempre!), Iole de Freitas, entre outras e outros.

Os closes fotográficos em suportes circulares, de tão próximos do rosto de Rubens Mano, eram incapazes de descrever suas características físicas, enfatizando o clima de estranhamento da instalação do artista naquela mostra. Já no arquivo apresentado por Nazareth Pacheco em pequenas colagens emolduradas (1993/94, acervo MAM-SP) –, por sua vez, ficava registrada a tentativa de adequação do corpo da artista – desde bebê até a fase adulta – aos paradigmas “ideais” do corpo da mulher, socialmente construídos. Rosana Paulino, por outro lado, ali apresentava Parede da memória (1994, acervo Pinacoteca de São Paulo), um autorretrato especial, já que sua identidade como mulher negra não se constituía a partir de índices de seu corpo material, mas daqueles de sua ancestralidade e parentes próximos. Um autorretrato que fala de si, sem mostrar-se de fato.

O trabalho de Rochelle Costi que também figurou em “A Fotografia contaminada”, igualmente refletia sobre a complexidade do assunto. Em 50 horas: Autorretrato roubado (1992/93, acervo MAM-SP), a artista se apropriava de fotografias de pinturas produzidas por diversos estudantes de arte, tendo a si mesma como modelo. Ao contrapor essas fotos às que a mostravam posando, Rochelle desorganizava qualquer possibilidade de manter o conceito tradicional de autorretrato como baliza para a análise de 50 horas. Ainda sobre a exposição, caberia relembrar as cópias de polaroids ampliadas, apresentadas por Márcia Xavier. Nelas, a artista transformava o ato de fotografar-se em uma ação mecânica, registrando partes anônimas de seu próprio corpo (pernas, pescoço etc.). Marcia dispunha esses “retalhos de si ou de qualquer outra” em uma estrutura em grade, remetendo o visitante a uma ordem de fundo construtivo que solapava qualquer possibilidade de fruir aquelas imagens como portadoras apenas de uma expressão do “eu” da artista.

***

Gustavo Rezende produziu dois trabalhos que problematizavam o “eu” do artista, quando construído a partir de clichês diversos. O primeiro, Retrato do artista quando jovem (1999), um pequeno backlight que, aceso, mostrava seu retrato usando um gorro azul. Além da referência ao livro de James Joyce no título, a peça ajustava a autoimagem de Gustavo à tipologia de retratos e autorretratos, típica do renascimento. Ele, assim, adequava-se aos estereótipos criados pela história das imagens, atentando para o fato de que ser artista era também moldar-se às imagens socialmente aceitas para descrevê-lo. Dois anos depois, com Hero, Gustavo voltará à auto representação (que, depois tomará outros rumos no decorrer do seu percurso), moldando-se não mais como jovem artista resoluto do primeiro renascimento, mas associando a figura do artista àquela do atleta – um dos principais tipos de celebridades dos dias de hoje.

Albano Afonso é outro artista que relacionou a própria imagem àquelas dos autorretratos sancionados pela história da arte. Ele produziu vários trabalhos dentro deste viés, dentre eles, Autorretrato com modernos latino-americanos e europeus (2005/2010 MAC-USP). A obra é formada por dois conjuntos: uma série de autorretratos de artistas consagrados, justapostas a autorretratos de Albano. Esses últimos, por sua vez, são “cegados” pela luz do flash, impedindo sua identificação plena. Montada também em forma de grade, Autorretrato com modernos demonstra duas impossibilidades: aquela de, hoje em dia, o autorretrato poder constituir-se alheio aos clichês da história das imagens e, como corolário, a dificuldade do artista, hoje, poder identificar-se com essa mesma série de clichês.

Sofia Borges, no início de seu percurso, também usou a própria imagem para pensar, não a si mesma ou à sua intimidade, mas a própria fotografia em suas relações com a pintura e o cinema. Em algumas daquelas fotos, seu corpo parece servir apenas como modulador preferencial para a exploração da cor, da luz, e para as sutis gradações de claro-escuro, elementos que, na sequência, seriam esquadrinhados por ela já sem a instrumentalização da própria imagem.

Por sua vez, nas fotografias em que usa o próprio corpo, Nino Cais indaga sobre a imagem, sem enfatizar qualquer necessidade de reivindicar o substrato de um eu incontaminado. Pelo contrário, nas fotos, seu corpo se converte em mais um dispositivo entre outros para auxiliar na principal preocupação do artista, que é discutir os limites e possibilidades da representação do mundo hoje em dia.

Felipe Cama, por sua vez, com Notícias de lugar nenhum (Made in China), 2010 (acervo MAC-USP), também deve ser elencado como um profissional que trouxe outras questões para o autorretrato contemporâneo. Durante determinado período Cama printou do computador selfies produzidos por turistas das mais variadas partes do mundo, na Praça da Paz Celestial, em Pequim. Na sequência, ele viajou para aquela cidade e se retratou no mesmo lugar. Já no Brasil, de posse de todos aqueles selfies (inclusive o seu), Felipe enviou as fotos a uma manufatura chinesa para que as imagens fossem reproduzidas em pinturas hiper-realistas. Quando essas chegaram, o artista as justapôs formando uma grade de selfies, dentre os quais, o público pode encontrar aquele feito por ele próprio. Onde está Felipe; onde está Wally? Onde estamos nós, nesses dias de tantos selfies, em que a individualidade parece para sempre perdida frente à repetição incessante de um mesmo procedimento, de um mesmo esquema de representação?

Sidney Amaral, por sua vez, em sua curta trajetória, inoculou uma dimensão trágica ao esfacelamento do conceito tradicional de autorretrato no país ao retratar-se numa espécie de performance foto/pictórica (Imolação e Estudos para Imolação I, II, III e IV, acervo Pinacoteca de São Paulo). Na série, em que o artista aparece prestes a se suicidar, a imagem do seu corpo opera como índice e símbolo de uma questão que o ultrapassa: no conjunto, Sidney não trata de si, mas de todos os homens de sua etnia que se revoltam contra a situação de seus iguais em uma sociedade tão injusta quanto a brasileira[2].

***

O arrolamento acima poderia ser ampliado de maneira substancial, acrescentando obras de outros artistas brasileiros que, dos anos 1970 até o presente solapam o conceito tradicional do autorretrato[3]. Muito poderia e deveria ser escrito sobre cada uma das produções desses artistas que se utilizam da imagem do próprio corpo (ou não) para falar de um eu totalmente fundido em questões que extrapolam a mera exploração da subjetividade burguesa. São artistas que, para lá do “selfie artístico”, buscam outros encaminhamentos para a prática da arte nos dias de hoje.

[1] – Tadeu Chiarelli, “A obra de Anna Bella Geiger e o colapso do autorretrato tradicional”. Conversa de Bar(r). ARTE!Brasileiros, 29 de janeiro de 2020.

[2] – Sobre o artista, consultar, entre outros: Tadeu Chiarelli, “Sidney Amaral: entre a afirmação e a imolação”, publicado em ARTE!Brasileiros, dia8 de outubro de 2018.

[3] – Para citar apenas mais alguns, como não lembrar dos trabalhos de Gretta Sarfaty, Alex Flemming, Hudinilson Jr., Amilcar Packer, Lia Chaia e, mais recentemente, Junior Sucy, Moisés Patrício e Renata Felinto?

Memória latino-americana na obra de Ximena Garrido-Lecca

Ximena Garrido-Lecca, "Insurgências Botânicas: Phascolus lunatus".

Insurgências Botânicas: Phascolus lunatus, da artista peruana Ximena Garrido-Lecca, é obra que está na primeira exposição do projeto Faz escuro mas eu canto que abre o ciclo de apresentações da 34ª Bienal de São Paulo, no Pavilhão Ciccillo Matarazzo do Parque do Ibirapuera.

A obra de Garrido-Lecca busca nos grafismos naturais de sementes do feijão “phascolus lunatus” a atribuição de uma lógica de ideogramas com o objetivo de traduzir um capítulo do livro Extirpación de la idolatria del Piru, de 1621, no qual o padre Pablo José Arriaga aborda cultos da tradição peruana a serem eliminados no processo de colonização. Segundo Garrido-Lecca, para o site da Bienal, “o gesto de cultivar as favas representa uma espécie de re-ativação simbólica do suposto sistema de comunicação da cultura Moche” que “valia-se das manchas presentes nessas favas como signos para uma escrita ideogramática.

Seu trabalho funciona como um recuperador de memória tendo em vista que uma das variedades peruanas dessa planta foi utilizada pela civilização pré-incaica moche em seu sistema de comunicação escrita (algo registrado nas cerâmicas deste povo). Essa mesma civilização desenvolveu entre os anos 100 e 850 um avançado sistema de irrigação, ao qual a obra também se relaciona com elaboração de um sistema de cultivo hidropônico que permite que as plantas cresçam ao longo do ano, oferecendo ao público a oportunidade de acompanhar os diferentes momentos da transformação da instalação e conferindo longevidade ao trabalho lembrando que a Bienal em si poderá ser vista em completude apenas em setembro de 2020.


Ximena Garrido-Lecca na 34ª Bienal de São Paulo
De 8 de fevereiro até 15 de março
Pavilhão da Bienal: Avenida Pedro Álvares Cabral, s/ nº, portão 3, Parque Ibirapuera
Mais informações: (11) 5576-7600