A foto mostra a escultura
Abre-alas "Cristo Mendigo" no desfile Ratos e Urubus, Larguem Minha Fantasia. Foto: Sebastião Marinho (Agência O Globo)

“Xepa de lá pra cá xepei. Sou na vida um mendigo, da folia eu sou rei”, canta a legião que desfilava pela escola de samba Beija-Flor de Nilópolis, há alguns carnavais, mais especificamente no amanhecer do dia 7 de fevereiro de 1989. O coro entoava a composição de Joãozinho Trinta chamada de Ratos e Urubus, Larguem Minha Fantasia, que empresta seu nome ao conjunto de obras expostas na Galeria Tarsila do Amaral, no Centro Cultural São Paulo (CCSP). Mais do que inspiração ou referência, no entanto, o samba enredo é trazido como uma das obras componentes da exposição. Nada mais justo, retomando que o próprio Joãozinho Trinta se referia ao desfile das escolas de samba como uma “Ópera de Rua” – sendo uma forma de arte que reúne música, enredo, um pensamento plástico dos cenários: uma obra de arte que abrange diversas linguagens.

Duas transmissões do desfile compõem a abertura da exposição, embora o público seja recebido por uma reinterpretação do Cristo Mendigo, o elemento de um dos carros alegóricos que tornou o desfile tão emblemático. Na ocasião, durante a retomada democrática, o abre-alas da Beija-Flor seria o Cristo Redentor vestido como mendigo, porém a Arquidiocese do Rio conseguiu proibir a ação levando Joãozinho Trinta a cobrí-lo com um saco preto incluindo a mensagem: “Mesmo proibido olhai por nós”. Segundo Thais Rivitti, uma das curadoras da exposição junto com Carlos Eduardo Riccioppo, o episódio “ganhou página de jornal, as revistas semanais, criou um grande debate estético, político e trouxe questões que ainda hoje encontramos no cenário da arte contemporânea”. Ela comenta ainda que a imagem do Cristo Mendigo “repercute muito, principalmente com os episódios recentes de censura; ela volta à tona e ganha uma ‘nova atualidade’”.

A releitura do abre-alas, para a exposição, foi realizada por Raphael Escobar e o coletivo Os Cupins das Artes, cujos membros são conhecidos pelo público através dos retratos de João Leoci, ao lado da escultura. Vale destacar também as três duplas fotográficas trazidas do projeto Swinguerra, de Barbara Wagner e Benjamin de Burca, cujo trabalho em vídeo representou o Brasil na 58ª Bienal de Arte de Veneza. As imagens de Wagner e Burca são potencialmente as que dialogam mais diretamente com o aspecto de identidade e pertencimento tão presentes nos desfiles das escolas de samba. Em especial no Rio de Janeiro, onde elas – as escolas – “são nações mesmo, muita gente trabalha voluntariamente porque eles estão levando o desfile para a avenida para serem reconhecidos”, como comenta a idealizadora da exposição, Alayde Alves. 

Além das obras comissionadas houve um trabalho curatorial em cima do projeto de criação do desfile, resgatando a memória dos passos para a construção de Ratos e Urubus com os registros fotográficos de Valtemir Miranda e os esboços dos carros alegóricos desenhados por Cláudio Urbano. Essas peças alargam nossa percepção do desfile passando a sensação de quem o estava fazendo e fornecendo um contraponto às transmissões da Globo e TV Manchete.

Por fim, uma pintura não entitulada de Nuno Ramos e um poema visual de Augusto de Campos questionam a tênue dualidade entre “luxo” e “lixo”. Enquanto isso, a exposição é finalizada com duas instalações – Desenhando com terços e Pancake – da artista performatica brasileira Márcia X com provocações acerca do desejo e as restrições religiosas – bem pontual em uma época que vemos mais constantemente adultos em um estado quase infantil de gozo não medicado. 

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