Início Site Página 94

Um ativista das cores

Color in Space and Time
Color in Space and Time. Foto Rafael Guil/Articruz S.A. Panama.

“Foi a perda de um amigo” é a frase com a qual concordam os galeristas Raquel Arnaud e Luiz Sève, que representam o artista venezuelano Carlos Cruz-Diez. Falecido em julho deste ano aos 95 anos de idade, a ideia que deixa na memória daqueles que o conheceram é de um homem que transbordou sua fé na arte, trabalhando com vigor nas decisões que envolveram o seu trabalho até o fim.

Na Galeria de Arte Ipanema, da qual Sève é proprietário, foi realizada a até então última exposição do artista no Brasil, em 2014, intitulada Um Olhar Sobre a Cor. Agora, o Espaço Cultural Porto Seguro, em São Paulo, abriu a mostra Cruz-Diez: a liberdade da cor, em 9 de novembro. A exposição é a última a ser apresentada em todo o mundo que teve a chancela do artista, que participou de todo o processo de concepção ao lado do curador Rodrigo Villela, diretor executivo e artístico da instituição paulistana.

É da coleção de Raquel Arnaud que vêm duas das quatro obras que integram a primeira sala da exposição. Em uma delas, uma pequena fisiocromia de 1965, o trabalho de Cruz-Diez ainda passava por um período pré-industrial, conta Villela. “Depois o trabalho dele vai se tornando muito industrial. Ele tinha essa procura de fazer com que o trabalho saísse da escala de artesão. Ele falou que não se dedicou à pintura porque a pintura tinha muito artesanato e ele queria algo que pudesse ter maior escala”, comenta o curador. Na parte externa do edifício, uma obra efêmera de grandes proporções, escolhida pelo próprio artista, também faz parte da individual.

Ambiente Cromointerferente, 1974–2019, no Museu de Arte Contemporânea-MAC cidade do Panamá. Foto: Rafael Guil/Articruz S.A. Panama

O artista foi muito assertivo naquilo que acreditava. Em texto de 1967, ao qual deu o título de Minhas Ideias Sobre a Cor, propõe o conceito de “cor autônoma”, na qual a cor não depende de forma, especificidade ou de suporte. E, desta forma, extrapola suportes e técnicas, utilizando vídeos, pinturas, instalações, fotografias e se apropriando de paredes, de ruas e até mesmo de jardins.

No mezanino da instituição, o público encontra a obra Labirinto Transcromia (1965/2017), pela primeira vez exibida no Brasil. “Ele traz para a experiência todo o aspecto de trabalho com a cor, que ele propõe, mais voltado para o corpo”, destaca o curador. A proposta é que o público caminhe entre esse labirinto de peças retangulares presas por fios de nylon e o efeito de sobreposição das cores aconteça aleatoriamente, refletida nas paredes brancas e no concreto do espaço. Essa transferência para as paredes se dá em espécies de figuras dançantes, às quais se misturam as sombras das pessoas que por ali passam, presas entre a instalação labiríntica que irradia cores. A cinética, a cromática e o geométrico do artista são completamente vivenciados na obra.

Ambiente Cromointerferente
“Labirinto Transcromia”, 1965-2017. Foto: ArtiCruz

A primeira obra no subsolo é Ambiente Cromointerferente, 1974/2019. As projeções em quatro paredes caminham de forma reta, enquanto no chão caminham para encontrar uma a outra, como se somassem, formando figuras randômicas nessas junções. O público se torna parte da obra quando as projeções recaem sobre os corpos que adentram a sala. Na sequência, vê-se duas obras efêmeras adesivadas na parede: “As obras são estáticas, mas o movimento está sempre presente na percepção do olhar”, diz Villela.

Cromossaturação criada em 1965. O ambiente é formado a partir de três espaços iluminados artificialmente, vermelho, verde e azul.

Uma das obras mais icônicas, Cromossaturação é instalada em um espaço composto de três salas onde são montadas, respectivamente, luzes vermelha, azul e verde. À medida que se anda entre elas e dependendo de onde o olhar parte, a percepção da cor sofre modificações. “É realmente uma pintura no espaço”, comenta o curador. Objetos em forma de cubos são espalhados pelo espaço também, dando uma dimensão de como as cores afetam cada uma de suas partes.
Um núcleo mais documental traz duas televisões que exibem vídeos: um com fotografias de obras em espaços público, trazendo a questão da arte envolvida com a arquitetura, e outra com depoimentos de Cruz-Diez sobre os trabalhos.

Um outro artista

A última sala da exposição abarca vinte fotografias em preto e branco tiradas por Cruz-Diez desde o início de sua carreira. Rodrigo conta que foi um desafio convencer o artista a mostrá-las junto aos outros formatos que a exposição abraça: “Conseguimos compor de uma maneira que ele ficou contente, que é ter uma separação das instalações e criar um cantinho mais íntimo para essas fotografias, não conectando com o resto da produção”. As fotografias trazem elementos tradicionais, como retratos e paisagens, evidenciando um artista jovem. “Quase que temos que fazer um exercício de abstração para pensar que é o mesmo artista”, brinca.

Represa del Guri, 1986

Alguns dos cliques de Cruz-Diez lembram Pierre Verger e até Cartier Bresson, na opinião do curador, e têm uma procura certa abstração. São imagens desde a Venezuela dos anos 50 a fotos de viagens à Espanha, que “tem uma coisa muito do calor da hora”, de acordo com Rodrigo, mas também um caráter documental evidente: “Quando eu vi essas fotos, fiquei muito impactado justamente porque não dá para imaginar que é o mesmo artista”. O curador procurou fazer uma seleção que fosse representativa de um contexto que conectasse suas diferentes abordagens da fotografia.

Rodrigo revela que o contato para a exposição foi o primeiro que teve com Cruz-Diez, apesar de já conhecer muito de sua obra. O curador ficou impressionado com a infraestrutura da equipe do artista, muito afinada entre si, com o trabalho e com o artista: “Tinha uma coisa de uma presença muito forte dele e uma clareza total”, conta ao se referir também a um “cotidiano de trabalho” vivido pelo artista mesmo com 95 anos de idade.

As fotografias ainda mostram um Cruz-Diez em relação muito afetiva com a Venezuela, para onde voltava com certa frequência, residindo na França desde a década de 60. Rodrigo comenta que ele falava muito de seu país de origem. Uma de suas maiores obras está no aeroporto Simon Bolívar, em Caracas, que se tornou ponto de partida de muitos venezuelanos devido à crise vivida no país.

“Imagined Communities”, no need to scream to be heard

Dana Awartani
instalação da obra de Dana Awartani, "I went away and forgot you. A while ago I remembered. I remembered I’d forgotten you. I was dreaming", 2017

The diversity of themes, poetics and approaches of the 21st edition of Sesc_Videobrasil is one of its highlights. There are no redundancies or overlaps between the more than 60 works selected for the show, which for the first time in history has a definite lead even before the call. Imagined Communities a motto inspired by Benedict Anderson’s work, becomes a potent but nonimposing guide that has brought together a wide range of research whose main common feature may be the delicate manner in which they deal with often dramatic issues.

Destruction, threat of extermination, distorted view of the world due to racial, economic or social prejudice are largely dealt with by the 50 artists selected by the judging committee and the 5 invited by the curator. And yet, a certain subtlety predominates in the show, a bet on the transformative power of art, which does not have to scream to be heard. Some examples clearly demonstrate this defense of utopia in the face of contemporary tragedy. Working prominently in the exhibition, the series of urban landscape photos taken by England-based Syrian Hrair Sarkissian subtly and surprisingly deals with totalitarian repressions by showing places where public executions are often made in various countries where punishment of death is state policy.

Hrair Sarkissian
Hrair Sarkissian, fotos da série “Execution Squares”, 2008

Peruvian Claudia Martínez Garay explores with a mix of subtlety and sharp aim the annihilation of indigenous ancestral culture and the effects of colonization on indigenous people. She appears in the exhibition with two works: the installation titled Somos aún! , made from the sum of a series of anthropomorphic sculptures, which mix traces of ancient cultures with a persistent defense of popular imagination, and a touching video, I Survived to you, in which close-up images are seen of the shapes of an ancient 7th-century vase of Moche civilization, famous for its pottery work, kept at the Ethnological Museum in Berlin. While getting lost in the twisting and mysterious forms of this archaeological object, the viewer hears a strange, somewhat surreal narrative, made in the first person by the vase, narrating from its making to its closure in a distant museum.

Claudia Martínez Garay
Claudia Martínez Garay, I Will Outlive You, 2017

The ancient culture of its people is also the theme of Dana Awartani’s work. In a specular relationship between video and installation, the Arabian artist makes a critical comment about the abandonment of the millenary Hejazi architecture, typical of her region until the beginning of an overwhelming modernization process that began in the 1950s. Dana covers the floor of her installation with a beautifully patterned, typically Islamic tile carpet patiently made with colored sands. The ephemerality of the composition is even more evident in the video, which shows the artist sweeping the same formation in one of the few houses with such architecture still in Saudi Arabia.

Of course the presence of the video is striking in the show, but it is by no means hegemonic. Many works combine language with other forms of expression such as painting, photography and drawing, or simply incorporate typical video procedures into works that do without moving image, as can be seen in works such as those by Brazilian André Griffo, from the Malinese. Tiécoura N’Daou and Tunisian Nidal Chamekh, who travel freely through different media to develop a work of high political resistance. In other words, the event puts us in front of a series of works that speak, in the words of artistic director Solange Farkas, “different languages ​​for very similar situations”.

Alto Amazonas Audiovisual
Alto Amazonas Audiovisual, Detalhe de “About Cameras, Spirits and Occupations: A Montage-essay Triptych”, 2018

In terms of denunciation, the highlight of the show is the work related to the indigenous population, taking from the invisibility the drama of those populations increasingly threatened by violence and that have long been relegated to a position of invisibility. Collective groups such as the Alto Amazonas Audiovisual, which brings together indigenous anthropologists and filmmakers, sew and dialogue images captured in the region. There are also historical records such as interviews made by filmmaker Andrea Tonacci with indigenous leaders in the late 1970s that only now, in 2014, were recovered and restored. But there are still in the show, and in chorus, strong warning voices about the situation of communities and groups in search of survival and affective spaces of conviviality and struggle. This effort is epitomized by the incisive action led by Mexican Teresa Margolles, one of five artists specially invited to participate in the Biennale, which denounces the brutal violence against transsexuals. The work, entitled Priscilla Present honors the stabbed transvestite a year ago in downtown São Paulo and unfolds into three different elements: performance action, embroidery and video. Or in the paintings by No Martins, who associates powerful portraits of black figures to the phrase “It is enough!”

The internationalization of Sesc_Videobrasil

With 21 editions and 36 years of existence, Sesc_Videobrasil is one of the most powerful and long-lived cultural events in the country. In the current edition, which can be seen until February 2020, at Sesc 24 de Maio, the show has made some important changes in its structure. Among them are the incorporation of a theme not only for the selection of works, but already announced before the artists registered their projects (Imagined Communities was the guiding thread adopted for the current edition); the expansion of the curatorial team; and – perhaps the most impactful of changes – the transformation of the event into a Biennial.

The term Biennial, incorporated into the title of the event that is now called the Sesc_Videobrasil Contemporary Art Biennial, is not just periodic information or a brand hit. Taking on itself as an event of its kind inserts the now biennial into a broad international agenda of contemporary art. It is a way of reaffirming itself as part of a broad and active circuit of cultural action. Brazil already has two other important Biennials, São Paulo and Mercosur, but the field of Videobrasil is well defined: it acts clearly against the hegemonic nuclei, bringing together artists and thinkers from Africa, America, the Middle East and Brazil. Caribbean “This is the place we have to research, we have to investigate,” says Solange Farkas, founder and current artistic director of the project.

Solange Farkas. Foto: Divulgação

She makes a point of stressing the importance of keeping the event always ready for adaptations. Sesc_Videobrasil has already resembled a movie show, has taken on the identity of a major festival and is now completing an important step in this slow process of moving from the black box of the movie theater to the “white cube” of the exhibition space. “The first decade was to understand video production in Brazil”, explains Solange. In the 1990s, there is a certain disappointment, a frustration of the hope that video would occupy a more significant place in the cultural scene. “We went from romanticism to pragmatism, and in the face of the realization that we were not going to occupy TV, people began to investigate and experiment more intensely with the specifics of language”.

In the wake of this process, there was an important process of internationalization, first gathering and showing in Brazil the best of the international scene and the historical basis of video art and, subsequently, making room for a young, intense, hard-to-reach production from the south. geopolitical “There was a lack of knowledge, a great ignorance about the history of the video here”, says. The result of this mapping can be measured in the archive of almost three thousand works gathered in the Videobrasil Association’s collection, available for consultation. “It is a broad material that allows us to understand this place of critical invisibility”, she adds.

According to her, the strategy of assuming itself as a specialized biennial has been drawing for three editions, when it brought Olafur Eliasson’s work to Brazil. Among the challenges facing the new model of the event, Solange cites the increase of international and local dialogues, adding groups and issues traditionally relegated to the margins. “It’s no use getting self-conscious”, she concludes.

Na ponta do lápis

Sobre o Desenho no Brasil
"Sobre o Desenho no Brasil" Claudio Mubarac (Org.) Editora Escola da Cidade, 260 Páginas - Preço R$70,00

Sobre o Desenho no Brasil, livro organizado por Claudio Mubarac e recentemente publicado pela Editora da Escola da Cidade, vem suprir uma lacuna, trazendo a reflexão sobre o desenho — que costuma ser relegada a uma posição secundária no ensino das artes no Brasil — ao lugar de protagonista. Reunindo textos esparsos, representativos de diferentes momentos históricos e um conjunto potente de imagens, a obra traz uma seleção de sete estudos sobre o tema. Esse mergulho se enriquece muito pela opção de acompanhar cada um dos ensaios com trabalhos de artistas próximos, no tempo e no estilo, dos autores das análises escritas.

A opção por mesclar imagem e texto, nesta ordem, é uma espécie de posicionamento, uma maneira de colocar em pé de igualdade o discurso teórico e o trabalho artístico. Assim, estabelecem-se diálogos instigantes entre Joachim Lebreton e Jean-Baptiste Debret; Rui Barbosa e Henrique Bernardelli; Mario de Andrade e Lasar Segall. Nos casos de Lucio Costa, Vilanova Artigas e Flavio Motta, eles são autores tanto da reflexão escrita como dos desenhos que acompanham, aprofundando ainda mais a relação inteligente entre as duas formas de expressão proposta pela obra.

A reflexão de abertura, essencial para todos que estudam a história da arte no Brasil, é o projeto detalhado apresentado por Joaquim Lebreton, chefe da Missão Francesa, em 1816 e inédito até 1958. Endereçado ao Conde da Barca, o escrito apresenta uma proposta detalhada para a fundação de um sistema de ensino no País. Trata-se na verdade de um projeto com duas bases: defende a criação de uma Escola Imperial de Belas Artes e também de um Liceu das Artes — que só viria a existir décadas depois. Ele defende a necessidade de estimular, ao mesmo tempo, a ciência do desenho como base da arte e como técnica vital para a formação de uma mão de obra capacitada.

Questões semelhantes perpassam os textos subsequentes. Os escritos de Ruy Barbosa e Lucio Costa, relacionados com projetos de reforma educacional iniciados nos anos 1880 e 1930, respectivamente, também enfatizam a necessidade de incorporar a arte e a ferramenta da ilustração, do esboço, do projeto no ensino dos jovens, habilitando-os não apenas à técnica, mas a uma sensibilidade formal, desenvolvendo uma qualidade estética cuja germinação é necessária para o progresso não só econômico, mas também cultural do país, que ansiava por uma acelerada atualização e modernização nacional.Mario de Andrade, Vilanova Artigas e Flávio Motta, os autores dos ensaios subsequentes, adotam pontos de vista diferenciados e complementares. O que fascina Mubarac no ensaio de Andrade sobre Lasar Segall é seu tom poético, sua ousadia na tentativa de esmiuçar a relação entre obra visual e escritura. “Se para Lucio Costa, rabisco não é desenho, para Mario de Andrade é”, exemplifica o artista e professor da Escola de Comunicações e Artes (ECA-USP), que há muito tempo garimpa textos e reflexões sobre o tema. “Não sou um teórico, sou um desenhista que gosta de estudar”, brinca.

O apreço à diversidade, à importância de se considerar as diferentes formas de pensar/fazer/traçar imagens dá a tônica ao ensaio de conclusão, de sua autoria, que tem como ponto de partida o esforço de síntese para uma aula sobre o desenho, proferida em 2017 na Escola da Cidade. No caso deste texto de encerramento, a seleção de trabalhos gráficos com os quais se relaciona é ainda mais ampla. Contempla ensaios visuais de oito artistas contemporâneos, com os quais o artista e professor vem mantendo há décadas uma troca intensa sobre o fazer gráfico. São eles Alberto Martins, Elisa Bracher, Ester Grinspum, José Spaniol, Madalena Hashimoto, Marco Buti, Paulo Monteiro e Paulo Pasta. A diversidade e complementariedade entre eles só faz reforçar a ideia expressa pelo autor, relativa à complexidade, centralidade e diversidade do tema, que não pode nem deve ser reduzido a um único ponto de vista, nem tampouco considerada como algo em decadência, vítima inexorável das profundas transformações na nossa cultura visual.

Apesar de diagnosticar que na segunda metade do século 20 houve um descenso da produção teórica sobre o desenho (a tarefa de reunir reflexões sobre a questão não revelou-se fácil), o século 21 aparece, segundo ele, com uma visão renovada. “Quando olho para os cursos e discursos da arte, arquitetura e design, vejo que o desenho continua firme e forte, como práxis e como reflexão”, conclui.

A dive into Ceará’s poetics

Índios e Mandacaru
Detalhe de "Índios e Mandacaru", xilogravura, 150 cm x 222 cm

ARTE!BrasileirosWhat is the history of Unifor Plástico? How does it work, how is the selection of artists performed?

Denise Mattar – The 1st Plastic Unifor opened its doors in 1973, the year the University of Fortaleza was created, showing the vocation of the Edson Queiroz Foundation and its proximity to the regional and national arts and culture. From its inception, it worked through a public notice and the works were chosen by a notorious commission in the arts field. From 2013, a more curatorial model was adopted and started to operate every two years as the Unifor.

The first two exhibitions were curated by art critic and curator Ivo Mesquita. He did, in one of the exhibitions, a tribute to Sérvulo Esmeraldo, called A Constellation for Sérvulo Esmeraldo.

When I thought about the current exhibition, focusing on a cast of Ceará artists, I was careful to select a significant number of artists, but allowing an unpolluted show. With the help of Cecilia Dedê, and together with conversations with Bitu Cassundé, from the Dragão do Mar cultural center, which has a wide knowledge of Ceará’s history, I looked at almost 100 portfolios and ended up editing approximately 25 artists.

Bluebird
Henrique Viudez, “Bluebird”, 2019, Mista sobre lona, 100 x 100 cm. Foto Ares Soares

Do you feel that the contact with these artists brought you a differential?

I have noticed for many years in the North and Northeast production. In 2012, I went to Belém and met Emmanuel Nassar, born in Capanema, Pará, with a work that impressed me deeply. In fact, being out of the Rio-São Paulo axis, artists from the North and Northeast are harmed. I knew his sparse works and not the whole work. For the first time I made an important exhibit of him at the CCBB of Rio and Brasilia and I’m sure that contributed to his visibility. I saw several exhibitions by curator Paulo Herkenhoff who, in my opinion, was of great importance to make this understanding of Brazil as a whole, donated much of his time to know these new production centers.

What caught your attention most when looking at this set?

On this occasion, what caught my attention was the repeated use of the word. I saw in the works presented a common thread: the word.

Used sporadically throughout history in paintings and tapestries, the word was incorporated into the fine arts more steadily in the early 20th century, from the modernist avant-garde. Marcel Duchamp was deep in this idea and used the term “differentiated simultaneities” to define the articulation between the verbal and visual fields. One of the artists best known for this imbrication is Leonilson, whose work belongs to this ethos. This idea gave the name to the exhibition: Simultaneity – the art with the word.

Poemetos de Memória e Sal
Rian Fontenele, “Poemetos de Memória e Sal”, 2010-2016, acrílica nanquim e pigmento sobre tela. Foto Ares Soares

Can we name some of its main features?

Some are more conceptual and others more visceral.

Francisco de Almeida has a special room. His work as a woodcutter is highly regarded. Son of a goldsmith father, embroidering mother and grandson of a lace-up grandmother, he grew up in an environment that founded his imaginary universe. Allegories, religion, a fantastic world, built by sometimes real figures: the beatos, the sertanejo man and the caatinga; sometimes for figures from the religious or magical world, such as saints and angels.

Attended university, participated in exhibitions in Fortaleza, traveled a lot, participated in the Panorama of Brazilian Art of MAM, in São Paulo, in 2005; the Valencia Biennial in 2007 and the VII Mercosur Biennial in Porto Alegre in 2009. In the words of the critic Pedro Costa: “The deal with mothers; its endless effects of engraving, inking and printing; its permanent reuse and arrangements will make Francisco de Almeida a researcher-craftsman, a recorder par excellence”.

But I would like to highlight several of the artists I chose who were the result of this dive. Henrique Viudez, a young artist, with a work of this kind that I call “more visceral”, works with painting, truck canvas and its interferences. It is more figurative and broadens research on beliefs, myths and religiosity. It also works gender issues and binary conventions male, female, with great quality of execution. It has a more allegorical work.

On the other hand, there is a very young artist, Iago Barreto, who works with the Tapebas Indians, a native indigenous society gathered in the village of Nossa Senhora dos Prazeres de Caucaia, and which originated the municipality of the same name, in the city of Fortaleza. He is fully involved in this truly dedicated culture. He lives with the community, and in an authentic, non-marketer way as some artists end up adopting. He uses the language of the body work of the Indians at the intersection with photography, brings the Indian to the present, in his own space, but attentive to contemporary issues.

Marcados de urucum, sangue e terra
Iago Barreto, “Marcados de urucum, sangue e terra”, 2019, Foto 80 x 120 cm e depoimentos gravados

Then you have an artist like Rian Fontenele, more consolidated, with a larger work, and who, however, does not have the visibility that, in my opinion, should have.

Therefore, I also tried to show works of various aspects. Haroldo Saboia, for example, made a video showing cities in the interior of Ceará whose names are Desert, Pleasures, Mirages and Passages.

Diego de Santos presents burned shells, small sculptures, bringing the idea of ​​real estate speculation, where the advance burns the houses and the residents leave their “shell houses” leaving everything behind.

Bia de Paula too, with Every son is a motherfucker. When he began his work, he wanted to do something about his parents’ absence from home, but as he interviewed the women, he realized that this was not an issue for them. On the other hand, he found another, much richer story, the potency of these women, who had left it behind and faced life with their own strength. It has wonderful photos and testimonials.

I liked a lot of people. The Virginia Pinho that did the work on Maracanaú, where there was that necrosario who was later extinct, but who lived still there. People have bonded with that region and do not leave that place, which was a prison for them.

All the works were already existing, there was no commissioned work. Just Nivardo Victoriano, who had a smaller photo production, and then we made a suggestion to enlarge the photos. He works with pain.

What strikes me is that the production of Ceará is very poetic. All works have a concern to question the problems, the environment, the status quo, but with an unexpected poetic footprint for me. They have stories, twine, embroidery.

When I showed the works, they commented to me: “Wow, how it looks like Leonilson”. And I said, “No. It’s just that Leonilson belongs to this place”.

Marcela Cantuária: “Doe a quem doer”

Fantasmas da esperança
"Fantasmas da esperança", 2018 Foto: Vicente de Mello

*Por Clarissa Diniz

No centro da exposição SUTUR|AR LIBERT|AR   individual de Marcela Cantuária apresentada no Centro Municipal de Arte Hélio Oiticica em julho —, estava a mandala de Tarot desenvolvida por Alejandro Jodorowsky com a intenção de dar a ver sua simultânea unidade e pluralidade: “O Tarot tem que ser visto. (…) É uma linguagem que fala do presente”1, e não do futuro.

Interpretar o Tarot é também uma terapêutica. Segundo Jodorowsky, ao nos defrontarmos com suas “imagens ricas em símbolos”, devemos “rejeitar [os significados] que são o produto da angústia e escolher os que [nos levam] para perto da consciência divina”2. É, por isso, como uma terapêutica coletiva que Marcela Cantuária tem encarado as imagens dos traumas e das feridas coloniais, elegendo, em seu vasto imaginário, aquelas às quais se dedica a interpretar, atribuindo-lhe sentidos.

Sua obra produz um imaginário singular ao intencionalmente corromper a história hegemônica e os significados por ela atribuídos às memórias coletivas. Cantuária provoca glitches e torna falhas as imagens legadas pelo mundo colonial, arregaçando o necessário espaço simbólico por onde brotam suas alegóricas pinturas. Constituídas a partir de colagens de imagens diversas, retiradas de contextos distintos e ressignificadas sob a singularidade do regime estético-político de suas pinturas, as alegorias da artista disputam a historicidade vigente, ocupando-a com heroínas, anônimos e memórias que têm sido dela programaticamente excluídas.

***

“Corpo Fechado”, instalação realizada em parceria com Michelle Exu na Lapa, 2019. Foto: Vicente de Mello

Eram muitas as alegorias reunidas em SUTUR|AR LIBERT|AR.

Em volta da mandala estavam as pinturas da série Rainhas (2018) – quatro mulheres cujas potências são alegorizadas como atualização e refundação dos arquétipos das damas do Tarot. Como alegorias, sustentam-se sobre a força simbólica e social de elementos como pombos, foices, biquínis ou balaclavas, pintados, por sua vez, como partes de um regime de intensidade de cor, de matéria e de espaço que implicam, ao mesmo tempo, nossa retina, nosso corpo, nossa memória e nossa imaginação.

Às dimensões arquetípicas femininas estavam, por sua vez, combinadas alegorias de guerreiras, ativistas, mães, militantes e outras mulheres cujas vidas foram e são sinônimo de luta por justiça social e liberdade. Dentre outras, Jovita Feitosa, Juana Azurduy, Dolores Cacuango, Tránsito Amaguaña e Marielle Franco integram a série Mátria Livre (2018/19), na qual são alegorizadas através dos símbolos das lutas que encamparam. As pinturas instituem imagens nas quais essas mulheres não são índice de uma batalha perdida, mas ícones de uma territorialidade liberta e matriarcal: historicidade pautada num porvir por elas já habitado na medida em que foram suas histórias que o constituíram e que permitiram com que chegasse até aqui na forma de um futuro em luta.

Não à toa, Voltarei e serei milhões – frase do revolucionário indígena Tupac Katari – torna-se o título da pintura que Cantuária dedica a Marielle Franco, a qual, sentada numa cadeira-trono de mãe de santo que se tornou ícone dos Panteras Negras (simbolizados, por sua vez, por uma pantera aos pés da personagem central), segura a cabeça do governador Wilson Witzel numa lança enquanto, no peito, sustenta a imagem da Favela da Maré.

Do vasto conjunto de alegorias propostas por Marcela destacam-se, ainda, duas que lidam diretamente com símbolos do poder, da colonização e da nação: a cruz cristã (Jamais uma estrela na bandeira do norte, 2019) e a bandeira do Brasil (Fantasmas da esperança, 2018). Fragmentadas pela alegorização da artista, enquanto a cruz surge em partes e de cabeça para baixo, a bandeira tem seu círculo central descolado do plano da pintura, adquirindo verso e somente voltando a encaixar-se quando nosso corpo, no centro daquela espacialidade, faz coincidir as linhas de fuga da instalação. A essas estruturas decompostas, Cantuária sobrepõe imagens adversas da formação e da atualidade do Brasil, contradizendo suas interpretações e sentidos oficiais.

Voltarei e serei milhões
“Voltarei e serei milhões”, 2018, Coleção Museu da Maré. Foto: Vicente de Mello

Como também acontece nas séries de pinturas dedicadas às ditaduras na América Latina, às guerras ou ao trabalho industrial e sua relação exploratória, a pesquisa iconográfica de Marcela Cantuária encontra símbolos e imagens que, relacionados, montam as alegorias que nos advertem da coabitação de outras histórias nos interstícios da história oficial. A partir da memória de lutas passadas e da evocação das forças do porvir, elabora um imaginário cuja historicidade não se circunscreve cronológica, mas politicamente. Como alegorista, não “retrata” personagens ou “representa” momentos históricos: as matérias das obras de Cantuária são menos as imagens do que os imaginários – ambiciosa e insurgentemente – performados em suas alegorias.

Porque se fazem no âmbito dos sentidos sociais, essas pinturas são ofertadas à nossa “interpretação” à semelhança de um baralho de Tarot, desejosamente convocando-nos a lê-las para que possam, por seu turno, realizar-se. Sua força política – e socialmente mágica – é a de ser um imaginário instituinte que, ao possibilitar que reconheça a si própria a coletividade interessada e capaz de interpretá-las, institui uma espécie de comunidade semântica cujos laços sociais, políticos e estéticos são experimentados através das alegorias de Marcela Cantuária. Nossos universos simbólicos são povoados pelos imaginários que as pinturas performam e pelxs corpxs por eles imantados: diante de tanta gente e tanta voz, nos sentimos menos sós.

Enquanto institui uma comunidade com a qual podem se identificar sujeitos diversos (inclusive aqueles que ocupam posições sociais contraditórias entre si), Marcela Cantuária – que há anos milita junto às Brigadas Populares – busca pavimentar trajetórias político-econômicas singulares para sua obra, visando friccionar a cumplicidade da arte com um patrimonialismo benevolente e canibal que tudo consome porque tudo compra. Por isso, ao final de SUTUR|AR LIBERT|AR, não vender Voltarei e serei milhões para algum dos muitos colecionadores que a disputavam e, alternativamente, doá-la ao Museu da Maré, é um gesto político que enuncia uma posição compromissada com a dor e sua terapêutica para além de uma alegorização extrativista.

É o que reivindica a artista quando, depois da doação, incide sobre nossas responsabilidades quanto ao endereçamento social da arte que produzimos: «doe a quem doer».


¹Alejandro Jodorowsky sobre o Tarot de Marselha. Trecho retirado dos extras do filme A Montanha Sagrada.

²Alejandro Jodorowsky e Marianne Costa. The way of Tarot: the spiritual teacher in the cards (2004). Tradução da autora.


*Clarissa Diniz é curadora e escritora. É mestre em história da arte pelo PPGArtes/UERJ e doutoranda em antropologia pelo PPGSA/UFRJ. Foi editora da revista Tatuí e publicou inúmeros textos, catálogos e livros, a exemplo de Crachá – aspectos da legitimação artística (Ed. Massangana, 2008). Curou diversas exposições e, entre 2013 e 2018, atuou no Museu de Arte do Rio – MAR, onde organizou mostras como Pernambuco Experimental (2013) e Dja Guata Porã: Rio de Janeiro indígena (2017). É professora da Escola de Artes Visuais do Parque Lage.

“Comunidades Imaginadas”, não precisa gritar para ser escutada

Dana Awartani
instalação da obra de Dana Awartani, "I went away and forgot you. A while ago I remembered. I remembered I’d forgotten you. I was dreaming", 2017

A diversidade de temas, poéticas e abordagens da 21ª edição do Videobrasil é um de seus pontos altos. Não existem redundâncias ou sobreposições entre as mais de 60 obras selecionadas para a mostra, que pela primeira vez na história conta com um fio condutor definido antes mesmo da convocatória. “Comunidades Imaginadas”, mote inspirado na obra de Benedict Anderson, torna-se um guia potente, mas não impositivo, que permitiu congregar um leque amplo de pesquisas cuja principal característica comum talvez seja a maneira delicada com que tratam de questões muitas vezes dramáticas.

Destruição, ameaça de extermínio, visão distorcida de mundo em função de preconceitos raciais, econômicos ou sociais são aspectos largamente tratados pelos 50 artistas selecionados pela comissão julgadora e pelos 5 convidados pela curadoria. E, no entanto, predomina na mostra uma certa sutileza, uma aposta na potência transformadora da arte, que não precisa gritar para ser escutada. Alguns exemplos demonstram claramente essa defesa da utopia diante da tragédia contemporânea. Trabalho com grande destaque na exposição, a série de fotos de paisagens urbanas feitas por Hrair Sarkissian, sírio radicado na Inglaterra, lida de forma sutil e surpreendente com as repressões totalitárias ao mostrar lugares onde costumam ser feitas as execuções públicas em diversos países onde a pena de morte é política de Estado.

Hrair Sarkissian
Hrair Sarkissian, fotos da série “Execution Squares”, 2008

A peruana Claudia Martínez Garay explora com um misto de sutileza e pontaria aguda o aniquilamento da cultura ancestral indígena e os efeitos da colonização sobre o povo indígena. Ela comparece na mostra com dois trabalhos: a instalação intitulada Somos aún!, feita a partir da somatória de uma série de esculturas de caráter antropomórfico, que mesclam vestígios de culturas ancestrais a uma persistente defesa do imaginário popular, e um vídeo tocante, Eu Sobreviverei a Vocês, no qual são vistas imagens em grande proximidade as formas de um antigo vaso do século 7 da civilização moche, célebre por seu trabalho em cerâmica,  guardado no Museu Etnológico de Berlim. Enquanto se perde nas formas sinuosas e misteriosas desse objeto arqueológico, o espectador escuta uma narrativa estranha, um tanto surreal, feita em primeira pessoa pelo vaso, narrando desde sua confecção até seu encerramento num museu distante.

Claudia Martínez Garay
Claudia Martínez Garay, I Will Outlive You, 2017

A cultura milenar de seu povo também é o tema do trabalho de Dana Awartani. Numa relação especular entre vídeo e instalação, a artista árabe tece um crítico comentário sobre o abandono da milenar arquitetura Hejazi, típica de sua região até o início de um processo de modernização avassalador, iniciado nos anos 1950. Dana recobre o chão de sua instalação com um tapete de belos ladrilhos com padronagem geométrica, tipicamente islâmica, feito pacientemente com areias coloridas. A efemeridade da composição fica ainda mais evidente diante do vídeo, que mostra a artista varrendo a mesma formação, numa das poucas casas com esse tipo de arquitetura ainda existentes na Arábia Saudita.

Evidentemente a presença do vídeo é marcante na mostra, mas não é de forma nenhuma hegemônica. Muitos trabalhos mesclam a linguagem com outras formas de expressão como a pintura, a fotografia e o desenho ou simplesmente incorporam procedimentos típicos do vídeo em obras que prescindem da imagem em movimento, como é possível constatar em obras como as do brasileiro André Griffo, do malinês Tiécoura N’Daou e do tunisiano Nidal Chamekh, que trafegam livremente pelos mais diferentes meios de expressão para desenvolver um trabalho de alto teor de resistência política. Em outras palavras, o evento nos coloca diante de uma série de trabalhos que falam, nas palavras da diretora artística Solange Farkas, “línguas diferentes para situações muito similares”.

Alto Amazonas Audiovisual
Alto Amazonas Audiovisual, Detalhe de “About Cameras, Spirits and Occupations: A Montage-essay Triptych”, 2018

No quesito denúncia, o ponto alto da mostra são os trabalhos relativos à população indígena, tirando da invisibilidade o drama dessas populações cada vez mais ameaçadas pela violência e que há muito são relegadas a uma posição de invisibilidade. Grupos coletivos como o Alto Amazonas Audiovisual, que congrega antropólogos e cineastas indígenas, costuram e colocam em diálogo imagens captadas na região. Há também registros históricos como as entrevistas feitas pelo cineasta Andrea Tonacci com lideranças indígenas no final dos anos 1970 e que só agora, em 2014, foram recuperadas e restauradas. Mas ainda estão presentes na mostra, e em coro, contundentes vozes de alerta sobre a situação de comunidades e grupos em busca de sobrevivência e espaços afetivos de convívio e luta. Esforço que está sintetizado na incisiva ação comandada pela mexicana Teresa Margolles, um dos cinco artistas especialmente convidados para participar da Bienal, que denuncia a brutal violência contra os transexuais. A obra, intitulada Priscila Presente homenageia a travesti assassinada a facadas há um ano atrás no centro de São Paulo e se desdobra em três diferentes elementos: ação performática, bordado e vídeo. Ou nas pinturas de No Martins, que associam potentes retratos de figuras negras à frase “Já Basta!”.

21ª edição da bienal Sesc_Videobrasil
Sesc 24 de Maio – R. 24 de Maio, 109 – República, São Paulo
Até 2 de fevereiro
Entrada gratuita

A internacionalização da Sesc_Videobrasil

Com 21 edições e 36 anos de existência, o Sesc_Videobrasil se afirma como um dos mais potentes e longevos eventos culturais do país. Na atual edição, que pode ser vista até fevereiro de 2020, no Sesc 24 de Maio, a mostra realizou algumas importantes mudanças em sua estrutura. Dentre elas, estão a incorporação de um tema não só para a seleção dos trabalhos, mas já anunciado antes que os artistas inscrevessem seus projetos (Comunidades Imaginadas foi o fio condutor adotado para a atual edição); a ampliação da equipe curatorial; e — talvez a mais impactante das alterações — a transformação do evento em uma Bienal.

O termo Bienal, incorporado ao título do evento que passa a ser chamado de Bienal de Arte Contemporânea Sesc_Videobrasil, não é apenas uma informação de periodicidade ou um golpe de marca. Assumir-se como um evento do gênero insere a agora bienal numa ampla agenda internacional de arte contemporânea. É uma maneira de reafirmar-se como parte de um circuito amplo e ativo de ação cultural. O Brasil já possui duas outras importantes Bienais, a de São Paulo e a do Mercosul, mas o campo do Videobrasil é bem delimitado: atua de maneira clara na contramão dos núcleos hegemônicos, congregando basicamente artistas e pensadores da África, América, Oriente Médio e Caribe. “É esse o lugar que temos que pesquisar, temos que investigar”, diz Solange Farkas, idealizadora e atual diretora artística do projeto.

Solange Farkas. Foto: Divulgação

Ela faz questão de ressaltar a importância de manter o evento sempre pronto a adaptações. O Sesc_Videobrasil já se assemelhou a uma mostra de cinema, já assumiu a identidade de um grande festival e agora conclui uma etapa importante desse lento processo de sair da caixa preta da sala de cinema e ir para o “cubo branco” do espaço expositivo. “A primeira década foi para entender a produção de vídeo no Brasil”, explica Solange. Nos anos 1990, nota-se um certo desapontamento, uma frustração da esperança de que o vídeo ocuparia um espaço mais significativo no cenário cultural. “Passamos do romantismo ao pragmatismo e, diante da percepção de que não íamos ocupar a TV, as pessoas passaram a investigar e experimentar mais intensamente as especificidades da linguagem”.

Na esteira desse processo, houve um importante processo de internacionalização, primeiro reunindo e mostrando no Brasil o melhor da cena internacional e as bases históricas da videoarte e, na sequência, abrindo espaço para uma jovem e intensa produção, de difícil acesso, oriunda do sul geopolítico. “Havia um desconhecimento, uma ignorância muito grande sobre a história do vídeo aqui”, conta. O resultado desse mapeamento pode ser mensurado no arquivo de quase três mil trabalhos reunidos no acervo da Associação Videobrasil, disponível para consulta. “É um amplo material que permite entender esse lugar da invisibilidade crítica”, acrescenta.

Segundo ela, a estratégia de se assumir como uma bienal especializada vem se desenhando há três edições, quando trouxe o trabalho de Olafur Eliasson para o Brasil. Dentre os desafios que se colocam para o novo modelo do evento, Solange cita a incrementação dos diálogos internacionais e locais, agregando grupos e questões tradicionalmente relegadas à margem. “Não adianta ficar ensimesmado”, conclui.

Um mergulho na poética cearense

Índios e Mandacaru
Detalhe de "Índios e Mandacaru", xilogravura, 150 cm x 222 cm

ARTE!Brasileiros — Qual é a historia da Unifor Plástica? Como ela funciona, como se realiza a seleção de artistas?

Denise Mattar — A 1ª Unifor Plástica abriu suas portas em 1973, no ano que foi criada a Universidade de Fortaleza, mostrando já a vocação da Fundação Edson Queiroz e sua proximidade com as artes e a cultura regional e nacional. Desde seu começo, funcionou através de um edital e os trabalhos eram escolhidos por uma comissão de notório saber no campo das artes. A partir de 2013, se adotou um modelo mais curatorial e passou a funcionar a cada dois anos como Bienal Unifor Plástica.

As duas primeiras exposições foram curadas pelo crítico de arte e curador Ivo Mesquita. Ele fez, em uma das exposições, uma homenagem a Sérvulo Esmeraldo, chamada Uma Constelação para Sérvulo Esmeraldo.

Quando fui pensar a exposição atual, focando num elenco de artistas cearenses, tomei cuidado em selecionar um número expressivo de artistas, porém que permitisse uma mostra não poluída. Com auxílio de Cecilia Dedê, e junto a conversas com Bitu Cassundé, do centro cultural Dragão do Mar, que possui um amplo conhecimento da história cearense, olhei quase 100 portfólios e acabei editando aproximadamente 25 artistas.

Bluebird
Henrique Viudez, “Bluebird”, 2019, Mista sobre lona, 100 x 100 cm. Foto Ares Soares

Você sente que te trouxe um diferencial poder entrar em contato com estes artistas?

Eu reparo há muitos anos na produção do Norte e Nordeste. Em 2012, fui para Belém e conheci o Emmanuel Nassar, nascido em Capanema, no Pará, com um trabalho que me impressionou profundamente. De fato, por estar fora do eixo Rio-São Paulo, os artistas do Norte e do Nordeste ficam prejudicados. Eu conhecia obras esparsas dele e não o conjunto da obra. Fiz, pela primeira vez, uma exposição importante dele no CCBB do Rio e de Brasília e tenho certeza que isso colaborou com sua visibilidade. Vi várias exposições do curador Paulo Herkenhoff que, na minha opinião, foi de enorme importância para fazer esse entendimento do Brasil como um todo, doou muito do seu tempo em conhecer esses novos centros de produção. 

O que te chamou mais a atenção ao olhar esse conjunto?

Nesta oportunidade, o que me chamou a atenção foi o uso reiterado da palavra. Vi, nas obras apresentadas, um fio condutor: a palavra.

Empregada esporadicamente, ao longo da história, em pinturas e tapeçarias, a palavra foi incorporada às artes plásticas de maneira mais constante no inicio do século 20, a partir das vanguardas modernistas. Marcel Duchamp foi fundo nessa ideia e usava o termo “simultaneidades diferenciadas” para definir a articulação entre os campos verbal e visual. Um dos artistas mais conhecidos por esse imbricamento é o conterrâneo Leonilson, cuja obra pertence a esse ethos. Essa ideia acabou dando o nome à exposição: Simultaneidade – a arte com a palavra.

Poemetos de Memória e Sal
Rian Fontenele, “Poemetos de Memória e Sal”, 2010-2016, acrílica nanquim e pigmento sobre tela. Foto Ares Soares

Podemos citar alguns e suas características principais?

Alguns são mais conceituais e outros mais viscerais. Francisco de Almeida tem uma sala especial. Seu trabalho como xilogravurista é extremamente conceituado. Filho de pai ourives, mãe bordadeira e neto de avó rendeira, cresceu num ambiente que fundou seu universo imagético. Alegorias, religião, um mundo fantástico, construído por figuras por vezes reais: os beatos, o homem sertanejo e a caatinga; ora por figuras do mundo religioso ou mágico, como santos e anjos.

Frequentou a universidade, participou de exposições em Fortaleza, viajou muito, participou do Panorama da Arte Brasileira do MAM, em São Paulo, em 2005; da Bienal de Valência, em 2007, e da VII Bienal do Mercosul, em Porto Alegre, em 2009. Nas palavras do crítico Pedro Costa: “O trato com matrizes; seus infinitos efeitos de gravação, entintagem e impressão; sua permanente reutilização e arranjos, vão fazer de Francisco de Almeida um pesquisador-artesão, um gravador por excelência”.

Mas gostaria de destacar vários dos artistas que escolhi e que foram resultado deste mergulho. Henrique Viudez, um artista jovem, com um trabalho desta vertente que chamo de “mais visceral”, trabalha com pintura, lona de caminhão e suas interferências. É mais figurativo e amplia a pesquisa sobre crenças, mitos e religiosidade. Trabalha ainda as questões de gênero e convenções binárias masculino, feminino, com grande qualidade de execução. Tem um trabalho mais alegórico.

Por outro lado, tem um artista muito jovem, Iago Barreto, que trabalha com os índios Tapebas, uma sociedade indígena nativa reunida na Aldeia de Nossa Senhora dos Prazeres de Caucaia, e que deu origem ao município do mesmo nome, na cidade de Fortaleza. Ele está inteiramente envolvido nessa cultura, realmente dedicado. Mora com a comunidade, e de uma forma autêntica, não de escolha marqueteira como alguns artistas acabam adotando. Ele usa a linguagem do trabalho corporal dos índios na interseção com a fotografia, traz o índio para o presente, no seu próprio espaço, porém atento às questões contemporâneas.

Marcados de urucum, sangue e terra
Iago Barreto, “Marcados de urucum, sangue e terra”, 2019, Foto 80 x 120 cm e depoimentos gravados

Aí você tem um artista como Rian Fontenele, mais consolidado, com uma obra maior, e que, no entanto, não tem a visibilidade que, na minha opinião, deveria ter.

Por isso, também procurei mostrar trabalhos de várias vertentes. Haroldo Saboia, por exemplo, fez um vídeo onde mostra cidades no interior do Ceará cujos nomes são Deserto, Prazeres, Miragens e Passagens.

Diego de Santos apresenta conchas queimadas, pequenas esculturas, trazendo a ideia da especulação imobiliária, onde o avanço queima as casas e os moradores saem da suas “casas-conchas” deixando tudo para trás.

A Bia de Paula também, com Todo filho é filho da mãe. Quando, começou seu trabalho, queria fazer algo sobre a ausência dos pais nos lares, porém, à medida que foi entrevistando as mulheres, percebeu que para elas esta não era uma questão. Encontrou, em contrapartida, uma outra história muito mais rica, a potência nessas mulheres, que tinham deixado isso para trás e encarado a vida com enorme força própria. Tem fotos e depoimentos maravilhosos.

Gostei de muita gente. A Virginia Pinho que fez o trabalho sobre Maracanaú, onde tinha aquele necrosario que depois foi extinto, mas que quem morava continua lá. As pessoas criaram um vínculo com aquela região e não saem daquele lugar, que foi uma prisão para eles.

Todas as obras já eram existentes, não houve trabalho comissionado. Apenas Nivardo Victoriano, que tinha uma produção de fotos menores, e aí fizemos uma sugestão de ampliar as fotos. Ele trabalha com a dor.

O que me chama a atenção é que a produção do cearense é muito poética. Todas as obras tem uma preocupação de questionar os problemas, o ambiente, o status quo, mas com uma pegada poética inesperada para mim. Eles têm histórias, cordéis, bordados.

Quando mostrei os trabalhos, me comentaram: “Nossa, como parece com Leonilson”. E eu falei: “Não. É que o Leonilson pertence a este lugar”.


20ª Unifor Plástica: Simultaneidades – A Arte com a Palavra
Espaço Cultural Unifor
Até 1º de março de 2020

The gaping reality in the work by Guerreiro do Divino Amor

Studo para uma Cosmogonia Supercomplexa Metropolitana Expandida
"Studo para uma Cosmogonia Supercomplexa Metropolitana Expandida", 2017, Painel de backlight animado, 200 X 105cm

The Superfictions conceived by Guerreiro do Divino Amor could also be called, according to himself, hyperrealistic, neorealistic or documentary. For through them, in the series of works entitled World Superficial Atlas, the 36-year-old Swiss-born artist based in Rio brings to light some of the deepest and most complex themes of our society, both geopolitical and collective imaginary. Current – and not fictional – issues such as political, religious, media and marketing powers, social inequalities, state violence, and population whitening strategies.

In videos that unfold in panels, magazines and other media, Guerreiro presents the superficial universes of each city or region in which he works, from an apocalyptic perspective and the realization that we live in war. From 2005 to now have been immersions in Brussels, Rio, Sao Paulo, Minas Gerais and Brasilia. The artist does not fear “call a spade a spade” when he prints in the videos, “like totems”, faces of powerful figures such as Silvio Santos, Doria, Bonner, Cunha, Malafaia and Pastor Davi Miranda. He was even sued by Miranda’s daughter, but acquitted “in a very pretty sentence. A relief, because today we do not know what to expect from justice”.

With a very peculiar aesthetic, strong colors and references to the internet universe, the artist questions the tasteful ideas and hegemonic visual patterns, sometimes in a mocking and ironic way. With a degree in architecture in Brussels, he says he found the usual way of presenting projects, all a bit gray and neutral, “a nonsense.” He preferred to resume his references from childhood and adolescence, from soap operas and music videos to Xuxa shows – “I think pop moves the heart more, has this direct and wider impact” – and deepens “the research of aesthetics as fiction, while observe how each social segment creates a fictional aesthetic that carries well-defined codes”.

His Atlas should now win episodes in Switzerland, “which has this perfectionary narrative of perfection”, in Italy, “in search of the roots of Christianity and fascism, very important for understanding Sao Paulo and southern Brazil”, and in Mexico. Guerreiro was the winner of this year’s Pipa Prize, one of the most important visual arts prizes in the country, and was interviewed by ARTE!Brasileiros.

ARTE!Brasileiros – To begin with, I would like to ask you where this name comes from, Guerreiro do Divino Amor (Warrior of the Divine Love), and what it means to you.

Guerreiro do Divino Amor – Warrior is my last name. Divino Amor was a joke that came about when I was a teenager and my father was dating a church pastor. She wanted to get me into the church, and it was a bit of a tease, I wanted to set up a heavy metal band to act in the church. It never happened, but I really liked the name, that means Warrior of the Divine Love. Then it gained many meanings linked to my work and life, until today it represents something as my life mission.

Could they ever get you into church?

No. In fact I was very curious about that neopentecostal universe that I didn’t know well. It was one of the engines of my work, trying to understand that overwhelming faith and at the same time with a very strong, colorful aesthetic. It was engaging.

It seems to me that many of your life experiences are very present in your work. You have talked about another part of the family that comes from a decaying aristocracy, besides their formation in Europe…

Yes, I think it was an engine. They lived in Europe, in a context where everyone was relatively mixed, and from time to time frequented family in Brazil, they were a deeply racist people, very futile, but with a certain cultured veneer, an obsession for power, hierarchy and status and the certainty of knowing that everything and everyone is in their place. I wanted to understand what were the mechanisms of perpetuation of this caste that continued to live in colonial Brazil without being disturbed. And also of this evangelical world. They are worlds within themselves, with answers to everything. I began to dig, to dig, and it began to appear as a bottomless hole with very old and deep roots, complex and perverse logic of domination. The work is all about unraveling these structures, which because they are so old and familiar form like an ecosystem, a given, timeless thing. And see the role of media, family, genealogy, inheritance, symbolic capital in this maintenance. The SuperRio, the second chapter of the Atlas, is a more direct portrayal of this attempt to understand what was around me and its relationship to more global marketing phenomena, corporate logic, and how it influences people’s minds and actions, what are their strategies and how does this translate to all scales, from individual to geopolitical. Then I explored other adjacent phenomena. So it began, in trying to understand these universes and the relations between them, and I still work on these issues.

And how do these Superfictions, these chapters, relate to each other in this great World Atlas?

In the beginning each project had its independence, explored its own themes. Only later I understood this as an Atlas. These are chapters that relate, with issues that go through the whole work, such as the ideas of empire and galaxy, the war between civilizations in their different social, religious, economic, symbolic and aesthetic facets, the different strategies of whitening the population. In the first chapter in Brussels, it was a more strictly analytical thing. It is a very poor city and dirty by European standards, but with an attempt to build itself as a world city scenario, capital of Europe. And when I was studying architecture, I began to realize a very warlike discourse, conquering minds and space. This idea runs through all the work in different ways. And the idea of ​​superfiction really came in the next work in Rio, which I wrote in 2005 and resumed in 2013, in the pre-World Cup and Olympics period, the apex of Rio’s superfiction. Many times in my videos, I start from tourist films, advertisements, which is how the city wants to sell itself, what fiction it will create to export, this image creation.

But you start from what the city wants to show to expose what the city doesn’t want to show…

Yes, as they are very elaborate and ancient constructions, I try to identify the symbolic and historical roots and their different manifestations, how these fictions are incorporated into the collective imagination of the city, and how they act and are instrumentalized in the different wars for power. In the case of Minas this is also very strong. Minas is a bit of “red hot cuteness”. No one will speak badly of Minas Gerais, which has that food, an ideal of hospitality. But other than that it’s a place of power, of money, it’s one of the few states that doesn’t have Black Consciousness Day, despite its past, it’s all very veiled.

In the surface you work with various planes and layers of power that characterize societies as politics, religion, media, police, market. How do you choose these worked themes?

It’s very natural, coming to places and watching, feeling, talking. Of course all of these layers are present everywhere, but in each they act differently with other narratives. For example, religion works in different ways in every place, even with very different physical constructs and different preaching styles. But deep down, with the same desire for conquest. In the case of the media too. In Rio, for example, it has a very strong media construction through both soap operas and police news, creating this schizophrenic narrative, represented by the wind rose in the SuperRio. In MG you always see a narrative of a “back to the soil”, a more rural image, a more pure idea, and this is exalted in the media.

And your work is always questioning these official narratives, bringing hidden things.

Yes, the fiction of racial democracy, for example, which in each place is narrated in a way. And it is one of the central fictions of Brazil’s construction, which serves to appease, exploit. This denial of the slave past. Speaking of Minas again, which is the coolest thing for me, there’s all this instrumentalization of the Chica da Silva myth. Everywhere you go there is this narrative that says “look, there’s Chica da Silva, rich, beautiful slave”. And then it looks like it’s all right. The thing gets more subtle, but perhaps for that very reason more perverse. With this layer of honey, sweet frosting.

In addition to dealing with real cities, many real figures also emerge. How do you choose these characters and how do they fit into the work?

They are icons, right? They are like totems. For example, Silvio Santos, his life, his career, is like a São Paulo totem. It is the embodiment of the myth of meritocracy. And working in photoshop I saw that he and João Doria have very similar traits. So at work they come together as one. They complement each other. Because Doria is also like a caricature, an archetype of the heir, of savage capitalism. You see these figures and you already know what they are about, they already bring a whole universe together. And they are not abstract phenomena. These are people who are acting there, an army. Of course there are many others, it is much more complex than that.

You once said that your work seeks to deal with the complexity of apocalypse. You also said that the whole work is about war on different levels. Anyway, are we in the apocalypse? Are we into war?

There is this perception that there is an apocalypse, at all levels, in the matter of natural resources for example. And the work tries to see these details, as this is a construction, it is a war that comes from far away. In Brasilia’s work, for example, I saw these cycles, as in the inauguration of Brasília reenacted the first mass of Brazil, of the time of the conquest. It is an apocalypse that has been preparing for many centuries, but now it is as if it were the apotheotic moment, which came in earnest. And working on it, messing with these things is sometimes scary. It became clearer throughout the chapters, having its apex in Brasilia, where the research was done at the time of the 2018 elections. It seems that the slaveholders got the perfect formula. The combination of the power of faith with emotional marketing and information technology is overwhelming.

At the same time as we have this apocalyptic framework, the artistic milieu has given recognition to works that deal with racial, indigenous, gender, and so on.

You just won Pipa, for example. Is it a resistance to the apocalypse?

I think maybe the art world has awakened more now too because things started to reach a “whiteness” that was quiet, protected, trapped in a romanticism. But there are people who were already used to persecution, who have wisdom about being at war. And I think the arts may now turn more to these, the ones who already know what it’s about. When there is a need, everything is learned faster.

Marcela Cantuária: “Give to whom it hurts”

Voltarei e serei milhões
"Voltarei e serei milhões", 2018, Coleção Museu da Maré. Foto: Vicente de Mello

By Clarissa Diniz

At the center of the exhibition SUTUR|AR LIBERT|AR — Marcela Cantuária’s solo show presented at Helio Oiticica Art Center in July — there was the Tarot mandala developed by Alejandro Jodorowsky with the intention of showing its simultaneous unity and plurality: “The Tarot must be seen. (…) It is a language that speaks of the present”, and not of the future.

Interpreting Tarot is also a therapy. According to Jodorowsky, when faced with his “symbol-rich images”, we must “reject [the meanings] that are the product of anguish and choose those that [take us] closer to divine consciousness”. It is, therefore, as a collective therapy that Marcela Cantuária has faced the images of trauma and colonial wounds, electing, in her vast imagination, those to which she is dedicated to interpreting, giving her meanings.

Her work produces a singular imaginary by intentionally corrupting hegemonic history and the meanings it attributes to collective memories. Cantuária causes glitches and makes the images left by the colonial world flawed, rolling up the necessary symbolic space through which its allegorical paintings sprout. Consisting of collages of diverse images, taken from different contexts and resignified under the uniqueness of the aesthetic-political regime of her paintings, the artist’s allegories dispute the current historicity, occupying it with heroines, anonymous and memories that have been programmatically excluded by her.

***

“Corpo Fechado”, instalação realizada em parceria com Michelle Exu na Lapa, 2019. Foto: Vicente de Mello

There were many allegories gathered in SUTUR|AR LIBERT|AR.
Around the mandala were the paintings from the Rainhas series (2018) – four women whose powers are allegorized as updating and refounding the Tarot ladies’ archetypes. As allegories, they are based on the symbolic and social force of elements such as pigeons, scythes, bikinis or balaclavas, painted in turn as part of a regime of intensity of color, matter and space that imply, at the same time, our retina, our body, our memory and our imagination.

The archetypal feminine dimensions were in turn combined with allegories of warriors, activists, mothers, militants, and other women whose lives were and are synonymous with the struggle for social justice and freedom. Among others, Jovita Feitosa, Juana Azurduy, Dolores Cacuango, Trânsito Amaguaña and Marielle Franco are part of the series Mátria Livre (2018/19), in which they are allegorized through the symbols of the struggles they have engaged. The paintings institute images in which these women are not an index of a losing battle, but icons of a free and matriarchal territoriality: historicity based on a future that they already inhabited, as their stories constituted it and allowed it to reach here in the form of a future in struggle.

No wonder, Voltarei e serei milhões –, quote by indigenous revolutionary Tupac Katari –, becomes the title of the painting that Cantuária dedicates to Marielle Franco, who, seated in a throne chair of a saint mother who became an icon of the Black Panthers (symbolized, in turn, by a panther at the feet of the central character), holds Governor Wilson Witzel’s head on a spear while holding the image of the Favela da Maré in her chest.

In the vast set of allegories proposed by Marcela, there are two that deal directly with symbols of power, colonization and the nation: the Christian cross (Jamais uma estrela na bandeira do norte, 2019) and the Brazilian flag (Fantasmas da Esperança, 2018). Fragmented by the artist’s allegorization, while the cross appears in pieces and upside down, the flag has its central circle detached from the plane of painting, acquiring verse and only fitting back when our body, in the center of that spatiality, coincides the escape lines of the installation. To these decomposed structures, Cantuária overlays adverse images of Brazil’s formation and actuality, contradicting its official interpretations and meanings.

Fantasmas da esperança
“Fantasmas da esperança”, 2018
Foto: Vicente de Mello

As also happens in the series of paintings dedicated to the dictatorships in Latin America, the wars or the industrial work and its exploratory relation, the iconographic research by Marcela Cantuária finds symbols and images that, related, assemble the allegories that warn us of the cohabitation of other realities in the interstices of official history. From the memory of past struggles and the evocation of the forces of the future, she elaborates an imaginary where historicity is not limited chronologically, but politically. As an allegorist, she does not “portray” characters or “represent” historical moments: the subjects of Cantuária’s works are less the images than the imaginary ones – ambitious and insurgently – performed on their allegories.

Because they are made in the realm of the social senses, these paintings are offered to our “interpretation” like a Tarot deck, desiringly urging us to read them so that they can, in turn, come true. Its political – and socially magical – force is that it is an instituting imaginary that, by enabling it to recognize itself as the community interested and able to interpret them, establishes a kind of semantic community whose social, political and aesthetic ties are experienced through the allegories of Marcela Cantuária. Our symbolic universes are populated by the imaginary that the paintings perform and the by the bodies they magnetize: in front of so many people and so much voice, we feel less alone.

While establishing a community with which diverse subjects can be identified (including those that occupy contradictory social positions), Marcela Cantuária – who for years has been a militant with the Popular Brigades – seeks to pave the way for her unique political-economic trajectories, aiming to rub the complicity of art with a benevolent and cannibal patrimonialism that consumes everything because everything buys. So, at the end of Suturar Libertar, not selling Voltarei e serei milhões to one of the many collectors who disputed it and, alternatively, donating it to the Museu da Maré, is a political gesture that enunciates a position committed to pain and its therapy beyond an extractivist allegorization.

This is what the artist claims when, after the donation, focuses on our responsibilities regarding the social addressing of the art we produce: “give to whom it hurts”.


1 Alejandro Jodorowsky about the Marseille Tarot. Excerpt from Extras from The Holy Mountain.

2 Alejandro Jodorowsky and Marianne Costa. The Tarot Way: The Spiritual Teacher in the Letters (2004). Author’s translation.

A color activist

Color in Space and Time
Color in Space and Time. Foto Rafael Guil/Articruz S.A. Panama.

“Foi a perda de um amigo” é a frase com a qual concordam os galeristas Raquel Arnaud e Luiz Sève, que representam o artista venezuelano Carlos Cruz-Diez. Falecido em julho deste ano aos 95 anos de idade, a ideia que deixa na memória daqueles que o conheceram é de um homem que transbordou sua fé na arte, trabalhando com vigor nas decisões que envolveram o seu trabalho até o fim.

Na Galeria de Arte Ipanema, da qual Sève é proprietário, foi realizada a até então última exposição do artista no Brasil, em 2014, intitulada Um Olhar Sobre a Cor. Agora, o Espaço Cultural Porto Seguro, em São Paulo, abriu a mostra Cruz-Diez: a liberdade da cor, em 9 de novembro. A exposição é a última a ser apresentada em todo o mundo que teve a chancela do artista, que participou de todo o processo de concepção ao lado do curador Rodrigo Villela, diretor executivo e artístico da instituição paulistana. 
É da coleção de Raquel Arnaud que vêm duas das quatro obras que integram a primeira sala da exposição. Em uma delas, uma pequena fisiocromia de 1965, o trabalho de Cruz-Diez ainda passava por um período pré-industrial, conta Villela. “Depois o trabalho dele vai se tornando muito industrial. Ele tinha essa procura de fazer com que o trabalho saísse da escala de artesão. Ele falou que não se dedicou à pintura porque a pintura tinha muito artesanato e ele queria algo que pudesse ter maior escala”, comenta o curador. Na parte externa do edifício, uma obra efêmera de grandes proporções, escolhida pelo próprio artista, também faz parte da individual.

Ambiente Cromointerferente, 1974–2019, no Museu de Arte Contemporânea-MAC cidade do Panamá. Foto: Rafael Guil/Articruz S.A. Panama

O artista foi muito assertivo naquilo que acreditava. Em texto de 1967, ao qual deu o título de Minhas Ideias Sobre a Cor, propõe o conceito de “cor autônoma”, na qual a cor não depende de forma, especificidade ou de suporte. E, desta forma, extrapola suportes e técnicas, utilizando vídeos, pinturas, instalações, fotografias e se apropriando de paredes, de ruas e até mesmo de jardins.

No mezanino da instituição, o público encontra a obra Labirinto Transcromia (1965/2017), pela primeira vez exibida no Brasil. “Ele traz para a experiência todo o aspecto de trabalho com a cor, que ele propõe, mais voltado para o corpo”, destaca o curador. A proposta é que o público caminhe entre esse labirinto de peças retangulares presas por fios de nylon e o efeito de sobreposição das cores aconteça aleatoriamente, refletida nas paredes brancas e no concreto do espaço. Essa transferência para as paredes se dá em espécies de figuras dançantes, às quais se misturam as sombras das pessoas que por ali passam, presas entre a instalação labiríntica que irradia cores. A cinética, a cromática e o geométrico do artista são completamente vivenciados na obra.

Ambiente Cromointerferente
“Labirinto Transcromia”, 1965-2017. Foto: Patricia Rousseaux

A primeira obra no subsolo é Ambiente Cromointerferente, 1974/2019. As projeções em quatro paredes caminham de forma reta, enquanto no chão caminham para encontrar uma a outra, como se somassem, formando figuras randômicas nessas junções. O público se torna parte da obra quando as projeções recaem sobre os corpos que adentram a sala. Na sequência, vê-se duas obras efêmeras adesivadas na parede: “As obras são estáticas, mas o movimento está sempre presente na percepção do olhar”, diz Villela.

Cromossaturação criada em 1965. O ambiente é formado a partir de três espaços iluminados artificialmente, vermelho, verde e azul. Foto: Patricia Rousseaux

Uma das obras mais icônicas, Cromossaturação é instalada em um espaço composto de três salas onde são montadas, respectivamente, luzes vermelha, azul e verde. À medida que se anda entre elas e dependendo de onde o olhar parte, a percepção da cor sofre modificações. “É realmente uma pintura no espaço”, comenta o curador. Objetos em forma de cubos são espalhados pelo espaço também, dando uma dimensão de como as cores afetam cada uma de suas partes.
Um núcleo mais documental traz duas televisões que exibem vídeos: um com fotografias de obras em espaços público, trazendo a questão da arte envolvida com a arquitetura, e outra com depoimentos de Cruz-Diez sobre os trabalhos.

Um outro artista

A última sala da exposição abarca vinte fotografias em preto e branco tiradas por Cruz-Diez desde o início de sua carreira. Rodrigo conta que foi um desafio convencer o artista a mostrá-las junto aos outros formatos que a exposição abraça: “Conseguimos compor de uma maneira que ele ficou contente, que é ter uma separação das instalações e criar um cantinho mais íntimo para essas fotografias, não conectando com o resto da produção”. As fotografias trazem elementos tradicionais, como retratos e paisagens, evidenciando um artista jovem. “Quase que temos que fazer um exercício de abstração para pensar que é o mesmo artista”, brinca.

Represa del Guri, 1986

Alguns dos cliques de Cruz-Diez lembram Pierre Verger e até Cartier Bresson, na opinião do curador, e têm uma procura certa abstração. São imagens desde a Venezuela dos anos 50 a fotos de viagens à Espanha, que “tem uma coisa muito do calor da hora”, de acordo com Rodrigo, mas também um caráter documental evidente: “Quando eu vi essas fotos, fiquei muito impactado justamente porque não dá para imaginar que é o mesmo artista”. O curador procurou fazer uma seleção que fosse representativa de um contexto que conectasse suas diferentes abordagens da fotografia.
Rodrigo revela que o contato para a exposição foi o primeiro que teve com Cruz-Diez, apesar de já conhecer muito de sua obra. O curador ficou impressionado com a infraestrutura da equipe do artista, muito afinada entre si, com o trabalho e com o artista: “Tinha uma coisa de uma presença muito forte dele e uma clareza total”, conta ao se referir também a um “cotidiano de trabalho” vivido pelo artista mesmo com 95 anos de idade.
As fotografias ainda mostram um Cruz-Diez em relação muito afetiva com a Venezuela, para onde voltava com certa frequência, residindo na França desde a década de 60. Rodrigo comenta que ele falava muito de seu país de origem. Uma de suas maiores obras está no aeroporto Simon Bolívar, em Caracas, que se tornou ponto de partida de muitos venezuelanos devido à crise vivida no país.