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Modernismo na América Hispânica

Xul Solar, Grafia antica, 1939. Modernismo na América Hispânica
Xul Solar, Grafia antica, 1939. Foto: Coleção Malba

Na América Latina a modernidade chega tardiamente sob a pressão do novo e com desejo de afirmação de uma nova estética. Na Europa o moderno exalta a cidade, o fenômeno da solidão, quase como uma celebração de um outro tempo. Jorge Luis Borges em Anatomia do Meu Ultra, ressalta que a estética é o arcabouço dos argumentos edificados a posteriori para legitimar os juízos que nossa intuição faz a respeito das manifestações de arte.

Em todas as latitudes, a modernidade coloca seus tentáculos sobre um pensamento que rejeita a tradição; no entanto, o arquitetoa e teórico Roberto Segre lembra: “Mesmo que os espanhóis tenham apagado as pegadas das primitivas civilizações americanas, ao destruir templos, palácios, estradas, eles adequam a grade urbana do novo tempo ao traçado original de Tenochtitlán, capital dos maias e Cuzco, capital inca. Com o tempo, algumas cidades quase estáticas por séculos começam a transformar-se sob a pressão da modernidade.” Os artistas latino-americanos repudiam os cânones tradicionais e, também como os europeus, exaltam a cidade. Essa inquietação espalha centelhas para além das artes plásticas e chega à literatura, poesia, arquitetura, música. O cotidiano das grandes cidades, nos anos 1920, é registrado pelos modernistas ora numa linguagem figurativa ora abstrata influenciada pelo modernismo dos centros artísticos europeus, passando pelo expressionismo ou, a partir de 1923, pelo cubismo e surrealismo. Alguns artistas recebem apoio financeiro da família, viajam para Europa, deixam-se influenciar pelo que vivenciam.

Em seu livro Modernidade Periférica, Buenos Aires 1920 e 1930, Beatriz Sarlo, a expressiva intelectual argentina, contrasta autores portenhos, sem dissociar vida e obra. No texto de abertura: Buenos Aires, Cidade Moderna, tenta desvendar o mundo multifacetado das pinturas de Xul Solar, ícone da arte argentina e muito próximo de Borges. “Sempre vi os quadros de Xul como quebra-cabeças de Buenos Aires. Mais do que sua intenção esotérica ou liberdade estética, impressionavam-me sua obsessão semiótica, sua paixão hierárquica e geometrizante”. Para ela, Buenos Aires, nas décadas de 20 e 30, era o ancoradouro urbano de fantasias astrais. Sarlo descreve a vanguarda portenha como filhos de endinheirados, quase em debacle econômico e de imigrantes como o pintor Emílio Pettoruti, considerado um dos fundadores do modernismo argentino. Em sua autobiografia Um pintor Ante o Espelho, o artista revela que sempre quis conhecer a terra de seus antepassados, e assim vai para Itália, onde reside em Florença, Roma e Milão, tem contato com os futuristas Carlo Carrà e Giacomo Balla. Inspirado pela Commedia dell´Arte Italiana, pinta arlequins e dedica parte de sua vida às naturezas mortas. Antes de voltar a Buenos Aires expõe em Berlim, na galeria Der Sturm, e ainda vive seis meses em Paris. Quando volta à Argentina, Pettoruti influencia artistas e ensina o público a ver territórios ainda inexplorados naquela época. Em 1971, ano de sua morte, ele é homenageado com sala especial na 11ª Bienal Internacional de São Paulo.

Para a crítica argentina Marta Traba, o processo de modernidade em países da América Latina deve ser observado como áreas abertas e áreas fechadas; para o antropólogo brasileiro Darcy Ribeiro, como povos testemunhos, povos novos, povos transplantados. Ou simplesmente, como teoriza Aracy Amaral, a partir do reconhecimento da existência de duas América Latinas: a das áreas ancestrais mexicanas, maias e andinas e, de outro lado, a desprovida de uma sólida cultura remota, como os países da área Atlântida, em particular Venezuela, Brasil, Uruguai, Argentina e parte do Chile.

Décadas antes do modernismo, a teoria da arte era algo que enriquecia as conversas sobre questões culturais, mas no seu auge é uma necessidade. No México nos anos 1920 os artistas tentam descobrir o ser nacional e individual. O muralismo e a gráfica aderem ao projeto nacional de reivindicação revolucionária que lentamente se institucionalizam. Jorge Schwartz, no livro Vanguardas Latino-Americanas, lembra que, enquanto Oswald de Andrade sonha com o matriarcado Pindorama, um grupo mexicano tem como utopia a fundação de Estridentópolis, um devaneio nascido de um movimento artístico de vanguarda, o estridentismo, que surge em Jalapa, Veracruz, em 1921.

Nada sonhador, o mexicano Diego Rivera dá relevo aos temas sociais e políticos com os quais está comprometido. Casa-se com Frida Kahlo na época em que intensifica os murais com temas que refletem o mundo à sua volta. Viaja a Paris e lá conhece intelectuais como Breton e Picasso, que se interessa pela sua obra. Desmond Rochfort, em seu livro Pintura Mural Mexicana, entende que nos anos em que Rivera pinta sua versão sobre a história do México, o enigma a ser resolvido é o da nação mexicana no momento em que a Revolução está no poder. Para o crítico, as visões do mundo moderno criadas pelos três grandes muralistas: Rivera, Orozco e Siqueiros, entre 1930 e 1940, situam-se no contexto de realidades contrastantes. “Para Siqueiros constituíam as bases de uma leitura profundamente parcial do mundo moderno. No caso de Orozco, os contrastes criam interrogação valorativa do conflito entre o ideal e a realidade. Na obra de Rivera, as dualidades do mundo moderno são tratadas com combinação de posições contraditórias, seja numa visão acrítica e mitificada da modernidade norte-americana ou por meio da retórica de seu socialismo revolucionário.”  No início do século 20, quando surge o Movimento de Pintura Mural, o muralismo coloca como ponto central a elaboração de nova história que inclui o povo como ator principal, como etnia e classe. O movimento tem um viés pedagógico, uma vez que grande parte da população é analfabeta.

Joaquin Torres-García, New York Street Scene
Joaquin Torres-García, New York Street Scene, c. 1920. Foto: Estate of Joaquín Torres-García / Catalogue Raisonné no. 1920.07

O Uruguai contribui para o movimento com um artista verdadeiramente internacional, Joaquin Torres-García, que desempenha um papel ativo tanto no movimento modernista de Barcelona entre 1892 e 1920, quanto em Paris de 1926 a 1932, além de seu protagonismo em Montevidéu. Como é inevitável, os artistas que se deslocam entram em contato com outros grupos locais que influenciam suas obras. Torres-García chega a Nova York em 1920, onde fica por dois anos. O impacto que a cidade mais moderna e dinâmica da época causa em sua obra é visceral, como ele relata no seu livro New York. Encantado com o que vê, regista nas telas letreiros luminosos, propagandas, casas vermelhas, amarelas, cinzas, letras flutuando. É o momento radical de sua produção que transborda e se notabiliza pela dinâmica única.

O modernismo alimenta forças antagônicas entre o atualizar e o interiorizar, entre a ruptura e a continuidade. O cubano Wifredo Lam, assim como Torres-García e Rivera, emprega rituais afros e mitos para criar um modernismo dinâmico. Rita Eder, historiadora de arte, observa que Lam se relaciona com Breton e Frida Kahlo reafirmando o poder das cosmologias pré-colombianas, por uma parte, e da África, por outra. As descobertas e os experimentos modernistas, especialmente na América Latina, são formas de os artistas reafirmarem uma nova maneira de ver, o que o resto da sociedade não consegue compreender.

Colaboradores da edição #59

EDUARDO SIMÕES é jornalista de cultura, com passagens por O Globo e Folha de S.Paulo, na cobertura das editorias de cinema e literatura. Foi ainda editor da arte!brasileiros, em 2015, e de diversos títulos de lifestyle. Também colaborador do Valor Econômico, ele assina a edição de textos neste número.


FABIO CYPRIANO, crítico de arte e jornalista, é diretor-adjunto da Faculdade de Filosofia, Comunicação, Letras e Artes da PUC-SP e faz parte do conselho editorial da arte!brasileiros. Nesta edição, fez as análises das bienais de Berlim e Veneza e da Documenta. Também participou da entrevista com Kader Attia.

LINE LEMOS é artista visual, quadrinista e zineira de BH. Mestre em História pela UFMG e estudante de Artes Plásticas na Escola Guignard, publicou, entre outros, os quadrinhos Artistas Brasileiras (Miguilim, 2018), que recebeu um Prêmio HQ MIX. É autora da ilustração da matéria Arte como respiro.



MARIA HIRSZMAN é jornalista e crítica de arte. Trabalhou no Jornal da Tarde e em O Estado de São Paulo. É pesquisadora em história da arte, com mestrado pela USP. Para este número, fez a reportagem sobre o abandono no Cais do Valongo, no Rio de Janeiro, e a crítica sobre a exposição de Arthur Bispo do Rosário, no Itaú Cultural.


JOTABÊ MEDEIROS é repórter e escritor, biógrafo, entre outros, do cantor Belchior. Foi repórter de O Estado de S.Paulo e Folha de S.Paulo, editor-assistente da Veja SP, editor na TV Gazeta e da Carta Capital. É editor-chefe do site Farofafá. Neste número, escreve sobre a crise da censura de obras no Masp.

Tadeu Chiarelli é curador e crítico de arte. É professor titular no curso de Artes Visuais da USP. Foi diretor da Pinacoteca de São Paulo e do Museu de Arte Contemporânea da USP (MAC-USP). Também já atuou como curador-chefe do Museu de Arte Moderna de São Paulo (MAM-SP). É colunista no site da ARTE!BRASILEIROS.



Fotos: arquivo pessoal

Primeira edição do Festival Imaginária leva fotolivros ao centro histórico de São Paulo

Equipe do Festival Imaginária: Daniela Moura, José Fujocka, Luciana Molisani, Daniele Queiroz Éder Ribeiro, Nathália Bertazi. Foto: Keiny Andrade
Equipe do Festival Imaginária: Daniela Moura, José Fujocka, Luciana Molisani, Daniele Queiroz Éder Ribeiro, Nathália Bertazi. Foto: Keiny Andrade

De amanhã (14) até domingo (17), acontece em São Paulo a primeira edição presencial do Festival Imaginária, evento que vai reunir mais de 30 expositores, entre editoras e autopublicadores de fotolivros do Brasil, da Argentina, de Hong Kong e outros países, em quatro andares do Edifício Vera, no Centro Histórico de São Paulo. A organização é da Lovely House, editora fundada em 2018 por Luciana Molisani e José Fujocka, que se dedica à pesquisa,  publicação e divulgação de livros de arte, com ênfase na fotografia e em livros de artista, nacionais e estrangeiros.

Os expositores vão apresentar cerca de 400 títulos, de autores brasileiros e internacionais. Entre os destaques estão Asphalt Flower, de Claudia Jaguaribe; A Mesma Luta, de Rosa Galditano; Rio Baile Funk, de Vincent Rosenblatt; Atlas Drag, de Regis Amora, e Curso y Discurso, de Ricardo Báez, Gonzalo Golpe e Alejandro Marote.

A programação também vai abrigar mostras internacionais, como Constelações Latinas, com curadoria de Luciana Molisani e Daniele Queiróz; exposições de títulos do Hong Kong Photobook Festival de 2021 e do Prêmio Internacional FELIFA de 2021; e o Prêmio Lovely 2022, um concurso de maquete de livro fotográfico, dividido em duas categorias, Fotolivro e Fotozine, ambos com projetos inéditos.

O festival terá ainda um ciclo de conversas, com curadoria de Daniela Moura e da Lovely House. Em foco, reflexões sobre a publicação impressa como suporte indispensável da fotografia contemporânea. Ele acontecerá de forma presencial, no Edifício Vera, mas também haverá transmissões por meio de um aplicativo de videoconferência. Para saber mais detalhes dessa programação, acesse festivalimaginaria.com.br.

Todas as atividades são gratuitas, com exceção das oficinas. Entre elas, a do Clube do Fotolivro. Uma iniciativa de Andressa Ce, o Clube vai receber no domingo (17) dez  participantes no festival, para apresentar seus protótipos de uma publicação em processo. Após a apresentação, haverá uma discussão coletiva entre os participantes, e outras pessoas interessadas, sobre esta etapa da produção de um livro. As vagas serão preenchidas por ordem de inscrição. Para se inscrever, basta preencher o formulário disponível no site do festival. Os selecionados serão avisados por e-mail.

SERVIÇO

Festival Imaginária

De 14/7 a 17/7

Edifício Vera – Rua Álvares Penteado, 87, centro histórico de São Paulo

Horários: de quinta-feira a sábado, das 14h às 19h; domingo, das 13h às 18h

Tatiana Blass: no limiar da matéria e do vazio

Obra de Tatiana Blass exposta na individual "Reviravolta", na Galeria Millan. Foto: Divulgação
"O fim continua_Barro-cerâmica", de Tatiana Blass, exposta na individual "Reviravolta", na Galeria Millan. Foto: Ana Pigosso

Que Tatiana Blass é uma das principais artistas de sua geração, isso todos nós já sabíamos; que ela continuava a desenvolver seu universo poético e a expandir sua linguagem com a mesma potência do início, isso é um dado novo. Ou melhor, um dado novo pelo menos para mim que, já faz alguns anos, não observava sua produção.

A mostra Reviravolta que a artista apresenta até o próximo dia 16 de julho na Galeria Millan, demonstra como Tatiana mantém a potência de seus trabalhos de início de carreira, de alguma maneira, ainda conseguindo tensionar a pintura e sua história, por meio de três movimentos:

Em primeiro lugar pela representação de espaços tridimensionais (salas, palcos?), condicionando-os irremediavelmente às duas dimensões da tela ou do papel ou do vidro.

O real tensionado na representação, os tons baixos, todas aquelas áreas trabalhadas por alguém que conhece as pinturas de Alfredo Volpi e Paulo Pasta, mas que não se contenta em ser mais um epígono obediente dos dois artistas, um desses adeptos interessados apenas em cristalizar determinadas soluções plásticas logradas com êxito por ambos.

Tatiana parece partir da pintura de Volpi e Pasta para trazer mais alguns dados à linguagem pictórica, ampliando soluções conhecidas, experimentando superfícies e transbordamentos que acabam por escapar ao rigor dos artistas mais velhos, ansiando por esbarrar e penetrar de maneira mais efetiva em outras áreas talvez mais alusivas.

O segundo movimento de Tatiana fica mais evidente em uma pintura em que a busca do tempo na pintura – a pintura, a arte do espaço, o teatro, a literatura, as artes do tempo (ver Lessing) –, se transforma numa espécie de “efeito caleidoscópio”, em que as áreas internas da pintura se movem e se removem, com humor.

Interessante ver como décadas após Abraham Palatnik propor, de maneira solene, a sua “arte cinética” – uma pintura que, envergonhada, busca introduzir o tempo no espaço – Tatiana retoma o mesmo problema agora como uma espécie de brincadeira de criança, uma brincadeira tão séria que chega a emocionar.

O terceiro movimento de Tatiana concentra-se no transitar entre a pintura e a escultura, produzindo objetos ou “cenas tridimensionais” que ocorrem dentro de estruturas idealmente cúbicas, cenas pictóricas, teatrais.

O uso dessas caixas virtuais onde “ocorrem” as esculturas da artista é o mesmo procedimento usado há séculos por Nicolas Poussin para realizar suas pinturas (refiro-me às maquetes produzidas pelo artista, reproduzindo as cenas que iria pintar). Poussin lá no século 17 e Giacometti, no século 20 – com seus cubos vazados, onde “ocorriam” algumas de suas esculturas – também me faz retornar ao trabalho de “desmanche” das esculturas de Tatiana.

Nesses trabalhos Tatiana se vale de um procedimento tão tradicional (as maquetes de Poussin, as caixas de Giacometti!) e encontra – pasmem! – outros dois artistas, estes contemporâneos que, cada um a seu modo, transformam e borram os limites da escultura, da pintura e do teatro. Refiro-me a Claudio Cretti e Erika Verzutti.

Cretti, a partir da exploração de objetos inusitados e suas relações entre si e o espaço real, caminhou para a construção de “palcos” em que esses mesmos materiais conectados, transformados agora em figuras, reclamam para o fazer escultórico tanto o teatral quanto o pictórico.

Verzutti, por sua vez, ao incorporar as bases que recebem suas formas na configuração geral do trabalho também encontra a pintura e o teatro onde – para modernistas impolutos – só deveria existir escultura.

É neste sentido que caminha Tatiana Blass, enveredando para a criação de encenações que ficam nas bordas do real, ou introduzindo o tempo quando só deveria ter espaço, nos limites entre a pintura, a escultura e o teatro. No limiar da matéria e do vazio.

***

Interessante como tanto Cretti, Verzutti quanto Blass, por caminhos distintos e com resultados tão singulares, demonstram a necessidade imperiosa da arte contemporânea buscar sua origem (ali, onde o teatro, a pintura, a escultura e o tableau vivant se encontram) como uma espécie de salvo conduto para continuar existindo e significando algo nos dias de hoje.

SERVIÇO

Tatiana Blass: Reviravolta
Galeria Millan: R. Fradique Coutinho, 1360 – Pinheiros, São Paulo (SP)
Em cartaz até 16 de julho
Visitação de segunda a sexta, das 10h às 19h; sábados, das 11h às 15h

Os labirintos de Penna Prearo

Imagem horizontal, colorida. CELESTINAS, de Penna Prearo, exposta em LABIRINTOS REVISITADOS, exposição no Sesc Bom Retiro
"Celestinas", Penna Prearo. Foto: Divulgação

“Mais do que um fotógrafo, Penna é um construtor de imagens”. A frase do produtor e curador Baixo Ribeiro ganha mais sentido ao caminharmos por Labirintos Revisitados, em cartaz no Sesc Bom Retiro, em São Paulo. Traçando diálogos com referências artísticas do universo da pintura e da cinematografia, os trabalhos expostos compõem narrativas que se aproximam de cenas oníricas e ficcionais. Com curadoria de Agnaldo Farias e cocuradoria de Baixo Ribeiro, a nova individual de Penna Prearo reúne 49 fotografias. Apesar da longa trajetória do artista, a mostra enfoca trabalhos recentes, produzidos nos últimos três anos. “Não é uma exposição retrospectiva e isso para mim conta muito. Eu tenho cá comigo, firme, que mesmo com 50 anos de estrada, se eu estou vivo e produzindo, eu não estou retrospectando nada”, compartilha.

As cores saturadas, as diferentes texturas e as interferências visuais nos saltam aos olhos. Como destacam os curadores, há décadas Penna Prearo quebrou o (discutível) pacto que impõe à imagem fotográfica o dever de capturar uma fração do mundo, de forma transparente. “Passou a fazer da imagem fotográfica um bumerangue que bate no mundo para voltar repicando sobre si”, escreve Agnaldo Farias no texto curatorial. “Essa imagem dá uma autêntica descrição do que a gente sente quando olha o trabalho do Penna. Não são imagens comuns, não são imagens simples. Não estão representando nada. Então, quando elas vêm, nos capturam, nos ocupam a vista e a percepção”, complementa Baixo Ribeiro.

“Para mim, a fotografia mudou completamente de eixo”, diz o artista, que acredita que desde o início do seu trabalho esse eixo já estava deslocado da captura do real. “Com o tempo, fui dominando essas ferramentas [da fotografia] – ferramentas de pensar, inclusive. No começo, por exemplo, tive que criar coragem para sair da foto única e montar esses painéis com muitas imagens – isso faz muito tempo, já. Eu falo criar coragem, porque foi exatamente isso que aconteceu. Eu liguei para dois, três amigos para saber se eu podia fazer isso… Imagina! Você pode fazer tudo que você quiser. Então, eu fui me libertando dos parâmetros mais óbvios da fotografia, que é o documento”, conta. Assim, mergulhou seu trabalho em outra lógica, e através do tratamento digital, construiu suas imagens.

A arte!brasileiros visitou a exposição e conversou com o cocurador e com o fotógrafo Penna Prearo. Confira:

Mais um dos parâmetros da fotografia do qual Penna Prearo se libertou foi a necessidade de uma câmera fotográfica profissional. Aos 71 anos, o artista lida com Parkison há cerca de sete. “Afetou a mão direita, mão da câmera e do mouse. O mouse eu me adaptei com a esquerda e passei a usar canetinha digital. Com a máquina eu sempre usei muito tripé, mas a câmera pesada eu não dou mais conta, porque a mão direita ficou quase que inerte”, assim passou a construir suas imagens a partir de um aparelho celular.

“Aí, eu não mordo a isca de que o celular mudou meu trabalho, facilitou. Ele melhorou. É uma ferramenta muito oportuna e veio na hora certa. E para mim resolver a questão, eu não parei de trabalhar. Eu trabalho todo dia, todo dia. Quer dizer, todo dia eu finalizo uma imagem e ao menos assim eu poderia fazer uma exposição do tamanho dessa, fazer umas duas iguais”. E complementa: “A coisa do Parkinson e da idade começou a mostrar que o que a gente sempre achou que a vida é curta, você descobre que o tempo é curto mesmo. E o celular nessa hora, então, joga pra frente.”

MAR apresenta individual de Jarbas Lopes e a mostra “Enciclopédia Negra”

Obras da exposição Gira, de Jarbas Lopes, em cartaz no Museu de Arte do Rio (MAR)/Foto: Wesley Sabino

O Museu de Arte do Rio abriga duas exposições simultâneas, em cartaz até setembro. Em Gira, Lopes, cuja trajetória na arte começou há 30 anos, propõe novos significados para objetos que foram descartados nas ruas, de jornais e revistas a faixas de divulgação de shows e propaganda política, com os quais ele criou esculturas e pinturas interativas. Com curadoria de Amanda Bonan e Marcelo Campos, a mostra reúne cerca de 100 obras que fazem parte da produção do artista, além de trabalhos inéditos e projetos que só existiam no papel. Lopes também apresenta fotografias, desenhos, livros, maquetes e instalações.

Já a mostra Coleção MAR + Enciclopédia Negra propõe uma reparação histórica, trazendo à luz trabalhos realizados por artistas contemporâneos, que retratam personalidades negras cujas imagens e histórias de vida foram apagadas ou nunca registradas. Antes do século 19, apenas os nobres eram retratados. Já negras e negros, foram fotografados, muitas vezes, em condições anônimas ou em cenas em que apenas aparecem carregando mercadorias em suas cabeças.

A exposição – que hoje reúne obras de 36 artistas contemporâneos no MAR – nasceu da colaboração entre os consultores e curadores Flávio Gomes, Lilia Schwarcz e Jaime Lauriano e teve sua primeira apresentação na Pinacoteca de São Paulo, em 2021. O trabalho resultou também no livro Enciclopédia Negra, que reuniu biografias de mais de 550 personalidades negras, em 416 verbetes individuais e coletivos, publicado em março de 2021 pela editora Companhia das Letras (saiba mais).

Das 250 obras de artes expostas, 13 são novos retratos, criados por seis artistas contemporâneos, convidados pelo MAR, e que vão entrar para a coleção do museu após a mostra. O elenco de artista reúne Márcia Falcão, Larissa de Souza, Yhuri Cruz, Bastardo, Jade Maria Zimbra e Rafael Bqueer, que fizeram retratos de personalidades como Abdias Nascimento, Heitor dos Prazeres, Tia Ciata, Manuel Congo, Mãe Aninha de Xangô e João da Goméia. Em tempo: Coleção MAR + Enciclopédia Negra é a sexta exposição inaugurada neste ano pelo Museu de Arte do Rio e é parceria com a Pinacoteca de São Paulo.

SERVIÇO

Jarbas Lopes: Gira
Até 16/9

Coleção MAR + Enciclopédia Negra
Até 11/9

Museu de Arte do Rio (MAR) – Praça Mauá, 5 – Centro (RJ)
Horários: de quinta a domingo, de 11h às 18h (Última entrada no pavilhão às 17h)
Preço: R$ 20 (Inteira) R$ 10 (Meia) / Conferir política de gratuidade e meia-entrada no site e nas redes sociais do MAR

Vicenta: filme conta caso que contribuiu para legalização do aborto na Argentina

Still de Vicenta. Foto: Divulgação.
Still de "Vicenta". Foto: Divulgação.

A história contada no argentino Vicenta, filme de Dário Doria, começa em 2006, com a personagem título descobrindo que Laura, sua filha mais nova e portadora de deficiência mental, havia sido estuprada por um tio e estava grávida. Junto com Valeria, a filha mais velha, Vicenta precisa conseguir que Laura possa abortar. Afinal, sendo uma criança, como poderia já ser mãe?

O documentário ganha certa momentum agora, tendo em vista que em dezembro de 2020 a Argentina aprovou o aborto legal e seguro para gestações até a 14ª semana. A decisão foi conquistada com muitos anos de luta, e o caso “LMR vs. Estado Argentino” contribuiu para impulsioná-la.

O tema do documentário é substancioso e urgente, mas seu formato também merece reconhecimento. O filme é inteiramente realizado com animação de bonecos e sua história é contada por uma narradora (Liliana Herrero) que não se dirige ao público de forma direta; onisciente e onipresente, ela conversa com Vicenta, ao invés disso. Com a escrita e a gravação bem executadas, esse elemento do filme torna-se um ás para a contação da história e contorna bem uma das barreiras para o seu feitio: o fato de que seus protagonistas não desejavam aparecer nele. “Como tornar essa história visível sem as duas principais ferramentas dos documentários, a entrevista e o registro direto?”, questionou Amir Labaki, fundador e diretor do festival É Tudo Verdade, onde o documentário faz sua estreia no Brasil.

O filme acompanha todo o processo de Vicenta, da descoberta da gravidez de Laura até o labiríntico processo com o Estado, “as próximas semanas serão idas e vindas ao tribunal. Para Laura, faltar à escola; para Valeria e para Vicenta faltar ao trabalho. Ir e voltar. Ir e voltar, uma vez e mil vezes”. Da apresentação de uma queixa, em 2011, ao comitê de direitos humanos da ONU ao ato de reparação pública a LMR, em dezembro de 2014.

Na resposta apresentada lia-se: “O comitê de direitos humanos da ONU em abril de 2011 considera que a falta de diligência do estado em garantir o direito legal a um procedimento exigido só por mulheres constituiu, em primeiro lugar, uma violação do direito à igualdade. Considera que a obrigação imposta a LMR de continuar sua gravidez constitui um tratamento cruel e inumano”.

Com isso, o comitê concluiu que o estado deveria reparar Laura, incluindo uma indenização, e tomar medidas para que violações desse tipo não ocorressem no futuro. Em resposta, o Estado deveria apresentar medidas para tal em um prazo de 180 dias. Finalmente, em 2014, a reparação chegou, oito anos depois, e a narradora pergunta a Vicenta: “Quanto dura um abuso de um tio? E das instituições? Quanto dura um dia Vicenta? E um ano? E oito?”.

*Trecho do texto de Miguel Groisman originalmente publicado em 14 de abril de 2021, confira clicando aqui.

O Beaubourg de Iguaçu

Cataratas do Iguaçu. Foto: Divulgação

Dentro do plano de internacionalização promovido pelo Centro Georges Pompidou de Paris para formar parcerias em outros países, pode ser criada agora sua primeira plataforma na América Latina, mais precisamente na cidade de Foz do Iguaçu, na região Oeste do estado do Paraná, aproveitando o imenso fluxo turístico para as belezas naturais das Cataratas do Iguaçu. Desde os anos 1980, museus de alguns países vêm se tornando pontas de lança de arte e cultura para se reafirmar em diferentes lugares do mundo, socializar seus acervos e, ao mesmo tempo, equilibrar suas receitas. Não por acaso, em 1981, Jack Lang, ministro da Cultura do presidente francês François Mitterrand, sentenciou: “A cultura é o petróleo da França”.

A iniciativa de buscar a cooperação com o Pompidou foi do governo do Paraná pelas características da instituição francesa, fundada em 1977.  A assinatura de protocolo de intenções ocorreu no Centro Executivo da Itaipu Binacional. A empresa é parceira da iniciativa. O evento teve presença do governador do Paraná, Ratinho Júnior, e do diretor-geral brasileiro de Itaipu, Anatalício Risden Junior.

As conversas começaram há dois anos. A arquiteta Luciana Casagrande Pereira, superintendente de Cultura do Estado do Paraná, lembra que foram feitas muitas reuniões virtuais por conta da pandemia, sendo a única presencial quando ela viajou a Paris. “O Pompidou foi escolhido por seu caráter multidisciplinar voltado às artes visuais, mas também ao cinema, teatro, dança e música”.

O museu internacional será construído na Foz do Iguaçu, a 17 quilômetros das Cataratas, na mesma região onde estão instaladas cinco das 15 maiores cooperativas de alimentos do mundo. “Foz do Iguaçu recebe cerca de dois milhões de turistas por ano. Se metade deste contingente ficar mais um dia para fazer turismo cultural, a estimativa é que sejam injetados mais de R$ 400 milhões anuais na economia local. Cultura e desenvolvimento andam juntos”, afirma o governador do Paraná.

Centre Pompidou
Centre Georges Pompidou. Foto: Steven Zucker / Creative Commons

Foz do Iguaçu surgiu como destino natural do museu por estar na região da tríplice fronteira Brasil-Paraguai-Argentina e por contar com as Cataratas do Iguaçu, atrativo que motivou há muito tempo o desenvolvimento de considerável infraestrutura turística no local. “A rede hoteleira funciona há décadas, e a região ainda conta com três aeroportos internacionais: o de Foz do Iguaçu, o de Ciudad del Este (Paraguai) e o de Puerto Iguazu (Argentina), por onde entra a maior parte dos turistas europeus”, afirma Luciana.

Há semelhanças entre os programas de descentralização cultural do Paraná e do Centro Pompidou. “O Museu Oscar Niemeyer, que completa 20 anos, tem uma plataforma estendida na cidade de Cascavel, além de promover exposições itinerantes pelo estado. O Museu Paranaense, de 1876, um dos mais antigos do Brasil, terá uma extensão em todas as regiões do Estado até o final deste ano”. Arte e gestão são a praia de Luciana, que se dedica às artes visuais desde sempre. Ela presidiu a Bienal Internacional de Arte de Curitiba por dez anos, e com isso pôde acompanhar de perto a evolução da arte contemporânea. “A arte está no meu DNA, e para mim este projeto é uma ideia encantadora. A parceria do Pompidou em Foz do Iguaçu certamente será diferente da formada com outras cidades, devido a peculiaridades culturais e pelas circunstâncias locais e temporais.” O Pompidou tem algumas antenas espalhadas pelo mundo: Xangai (China), Málaga (Espanha), Bruxelas (Bélgica) e Metz (França). Com isso, pode fazer circular seu expressivo acervo de mais de 120 mil obras, das quais apenas 10% estão expostas nas paredes de sua sede em Paris. Há algum tempo, o museu francês estuda a instalação de uma plataforma na América Latina. E, ao que tudo indica, esse momento chegou.
O museu de Foz de Iguaçu ainda não tem nome e a ideia inicial é que a construção tenha 10 mil metros quadrados, mas como diz Luciana, tudo pode mudar. “Quando começarmos a definir o conceito, pode ser que o espaço tenha que ser ampliado. Estamos iniciando o processo de escolha do local, que somente se efetivará, e de comum acordo, quando nossos parceiros conhecerem esses lugares”.

As reuniões devem prosseguir entre as equipes paranaense e francesa pelos próximos dez meses. Após a execução da primeira fase de conceituação e planejamento, será lançado um concurso de arquitetura para escolher o projeto do museu internacional, no primeiro semestre de 2023. “O que nos interessa é que o projeto tenha relação com o local”, ressalta Luciana. “Ainda não definimos os critérios do concurso que irá escolher o projeto, mas o Brasil está na vanguarda da arquitetura mundial e temos certeza de que conseguiremos eleger um projeto à altura dessa iniciativa. Tudo isso vamos definir em acordo com o nosso parceiro”.

A expectativa no Paraná é de que a presença do Pompidou em Foz do Iguaçu não se resuma a uma iniciativa isolada. A superintendente Luciana diz que ele potencializará seu entorno, incentivando toda a cadeia de produção cultural. No futuro, prevê-se inclusive a criação de um museu ao ar livre, envolvendo os municípios lindeiros ao lago de Itaipu.

DO EDIFÍCIO AO ACERVO, O POMPIDOU ATRAI

Assim como a Torre Eiffel, no final do século 19, o edifício do Centro Georges Pompidou provocou intensa polêmica entre os franceses ao ser inaugurado no histórico bairro do Marrais, em 1977, bem próximo à Rua Rivoli. O projeto dos arquitetos italianos Renzo Piano e Gianfranco Franchini e do britânico Richard Rogers – uma caixa retangular, com estrutura de aço e vidro, tubulações e escadas rolantes aparentes – contrasta em tudo com o entorno haussmanniano do centro de Paris.

Foi o tempo que encarregou-se de absorver tanta ousadia e mesmo de elevá-la: hoje, o Centro Pompidou é considerado como um dos ícones da arquitetura high-tech, tendência dos anos 1970, inspirada na arquitetura industrial. Trata-se de um lugar efervescente, por onde circulam artistas, pesquisadores e turistas de todos os continentes.

O tempo também demonstrou que o Centro Pompidou é mais do que um simples museu. Seu conceito multidisciplinar hospeda o Museu Nacional de Arte Moderna, a Biblioteca Pública de Informação e o Ircam (Centro para Música e Pesquisas Acústicas), esse último fundado pelo renomado compositor e maestro francês Pierre Boulez (1925-2016). A principal coleção de arte moderna e contemporânea da Europa está no Centro Pompidou, hoje com mais de 120 mil obras. Entre nomes importantes, despontam os de Joseph Beuys, Louise Bourgeois, Marc Chagall, Robert e Sonia Delaunay, Jean Dubuffet, Marcel Duchamp, Frida Kahlo, Wassily Kandinsky, Yves Klein, Fernand Léger, Henri Matisse, Joan Miro e Piet Mondrian.

Presidida por Laurent Le Bon, a instituição tem visto suas coleções crescerem ao longo de seus 45 anos, tanto por novas aquisições como por doações. O acervo de monografias sobre arte e as exposições temporárias que realiza também fazem do Centro Pompidou um destino no mundo da arte, com mais de três milhões de visitas por ano. Por tudo isso, ultimamente o museu se expande para além das fronteiras da França levando esse imenso repertório de arte e cultura para outros povos.

PARCERIA DEVE POTENCIALIZAR BIENAL DE CURITIBA

Para o diretor geral da Bienal Internacional de Arte de Curitiba, Luiz Ernesto Meyer Pereira, a parceria para a implantação de um museu internacional de arte em Foz do Iguaçu vai fortalecer e potencializar as ações de descentralização que a Bienal e o Governo do Paraná já estão realizando. “A Bienal, além de acontecer na capital paranaense, também leva exposições de forma itinerante para outras cidades do estado, descentralizando o acesso à arte e contribuindo para a formação de público.”

A Bienal de Curitiba acontece desde 1993 no Paraná e em outros estados e países, como o Paraguai, a Argentina, o Uruguai, a França, Itália, China e Bélgica. A cada edição, reúne centenas de artistas em espaços diversificados, que não se restringem a museus, centros culturais e galerias, mas também invadem locais a céu aberto com intervenções urbanas e performances. Nomes icônicos como Marina Abramovic, Bruce Nauman, Dan Flavin, Louise Bourgeois, Julio Le Parc, Ai Weiwei, Richard Serra, entre outros, já passaram pela mostra, assim como artistas emergentes.

Para Meyer Pereira, esse empreendimento inédito com
o Centro Georges Pompidou, instituição também voltada
à formação de artistas e à educação do público,
irá dinamizar uma prática que a Bienal já desenvolve.
“Temos um importante projeto educativo dentro de cada edição, que abrange desde medidas de ação inclusiva,
cursos de capacitação de professores, visitas monitoradas nos espaços expositivos até publicações voltadas a professores e monitores. Tudo isso deve ser potencializado por essa parceria.”

 

Seminário “Brasis – Territórios Dissonantes” discute a construção da identidade brasileira

Sesc Pinheiros, unidade que receberá o seminário Brasis – Territórios Dissonantes
Sesc Pinheiros, unidade onde ocorrerá o seminário "Brasis – Territórios Dissonantes". Foto: Creative Commons

“Urge discutir publicamente os problemas da crônica desigualdade socioeconômica, da captura do Estado por agendas corporativas, do racismo estrutural e, nas antípodas, da autodeterminação dos povos e comunidades, do reconhecimento e valorização das diferentes matrizes culturais e, também, da inadiável reparação histórica devida a povos preteridos pelo Brasil no singular”, declara o Diretor Regional do Sesc São Paulo Danilo Santos de Miranda. É neste sentido que se organiza o seminário Brasis – Territórios Dissonantes, que acontece nos dias 28, 29 e 30 de junho e 05, 06 e 07 de julho no Teatro Paulo Autran no Sesc Pinheiros, em São Paulo.

No ano do centenário da Semana de Arte Moderna e do bicentenário da Independência do Brasil, o evento reunirá intelectuais e artistas a fim de refletir sobre os cruzamentos históricos entre estes dois determinantes eventos do nosso passado com o Brasil dos dias de hoje.

Abordando temas como novas vozes na produção cultural, literatura indígena, conquistas sociais do último século e resistências da arte à violência colonial contemporânea, a programação é formada por mesas de debates, conferências e intervenções artísticas e integra a ação em rede Diversos 22: Projetos, Memórias, Conexões, desenvolvida pelo Sesc São Paulo. As inscrições podem ser realizadas para todo o programa ou cada dia do evento no site da unidade.

PROGRAMAÇÃO

28 de junho

18h – As aranhas, os guarani e alguns europeus: notas para descolonizar o inconsciente e livrá-lo da peste fascista
A pesquisadora Suely Rolnik propõe: “Impossível combater cenários distópicos (como este de agora, causado pela peste fascista) sem enfrentar o regime de inconsciente dominante. Para este enfrentamento micropolítico serão apresentadas sugestões baseadas em ressonâncias entre as aranhas, os Guarani e alguns europeus”.

20h – Abertura contextualizando o Seminário “Brasis: Territórios Dissonantes” no âmbito das ações do Diversos 22.

20h15 – Abertura-manifesto com DJ KL Jay.
O DJ dos Racionais MC’s apresenta uma narrativa em ritmo e poesia sobre o Brasil, mixando músicas, trechos de falas e sonoridades variadas para criar uma enunciação musical que represente um olhar negro e periférico sobre a história do país.

20h30 – Conferência de abertura: quem inventou o Brasil?
A conferência – guiada por Cida Bento e com provocação de Thiago Amparo – convida a refletir sobre os imperativos de descolonização do pensamento na contemporaneidade e como organizações político-culturais contra hegemônicas atuam na desconstrução de narrativas hierárquicas de gênero, raça, posição e orientação sexual, classe e origem.

29 de junho

18h – Defender os mortos e animar os vivos: Resistências da arte à violência colonial contemporânea
Conduzido pelo curador Moacir dos Anjos, o encontro propõe uma reinterpretação e reinvenção de imagens do Brasil do século XIX na produção de arte contemporânea.

20h – Abertura-manifesto: Sa(n)grado
Coletivo Há-Manas (Tânia Granussi, Branca Gonzaga e Esther Antunes), em parceria com as artistas Branca Gonzaga e Esther Antunes, realiza uma performance com o texto O mundo é o meu trauma de Jota Mombaça.

20h15 – MESA: Entre três Brasis (1822, 1922 e 2022)
Lilia Schwarcz e Gênese Andrade | Provocação: Jeferson Tenório
Quais os pontos de aproximação e divergência entre os Brasis da Independência, da Semana de Arte Moderna e da atualidade? Se por um lado, verifica-se a continuidade dos processos excludentes e violentos de nossa formação socioeconômica, como pensar as rupturas e conquistas sociais do último século?

30 de junho

18h – Brasis refletidos em cena
Conduzido por Jaqueline Elesbão, o encontro questiona: Entre antropofagia e brasilidade, história real e utopia, de que Brasis falam os encenadores de artes cênicas?

20h – Abertura-manifesto com Bia Ferreira
O desdobramento do afeto como ferramenta de comunicação é a aposta da artista, que parte de experiências cotidianas e próximas de seu íntimo para se aproximar, tocando em dimensõ es partilhadas de repressão e violência – especialmente contra a população negra e LGBTQIA+.

20h15 – MESA: Vozes resistentes narrram o Brasil
Com Tiago Torres (Chavoso da USP) e Katú Mirim | Provocação: Rita Von Hunty
O Brasil tematizado pelos românticos e modernos foi narrado por vozes específicas: masculinas, brancas, burguesas, donas de terras. A despeito de continuarmos sendo um país excludente e de produção cultural elitizada, o último século assistiu ao fortalecimento de novas vozes na literatura, na música, no cinema.

5 DE JULHO

19h – Praça (térreo) – BOCAAAAAAA
Inspirado na obra musical a Bachiana Brasileira n°7, o solo de Allysson Amaral invoca o princípio dinâmico de Exú, Exú Enugbarijo – a boca coletiva (boca do mundo) que engole de um jeito para cuspir de forma transformada de outro.

20h – Corpo-terra e contracolonialidade
A multiplicidade dos corpos, dos territórios e seus modos de existir e combater a colonialidade será ponto de partida para reflexões do mestre quilombola Nego Bispo.

6 DE JULHO

19h – Praça (térreo) – Tudo de novo
O solo de Beatriz Sano integra o projeto Solos Brasileiros: Danças para Villa-Lobos a convite da Oficina Oswald de Andrade de São Paulo, em comemoração ao centenário da Semana de Arte Moderna.

20h – Livros-povos: a literatura indígena Macuxi e Taurepang
Por meio da literatura indígena, Julie Dorrico apresentará sua obra que invoca Makunaima; a poesia de Sony Ferseck, também escritora Macuxi; e Clemente Flores (Taurepang) e Devair Fiorotti (não indígena).

7 DE JULHO

20h – Palavra viva: uma complexa dramaturgia dos afetos | Lançamento do livro Palavra Viva
Com Dione Carlos, Leda Maria Martins, Valmir Santos | Mediação: Rosane Borges
A complexa dramaturgia de afetos na obra de Dione Carlos e o aquilombamento como tecnologia para publicação literária. Lançamento do livro Palavra Viva.

Movimento dos Artistas Huni Kuin abre exposição na Casa de Cultura do Parque

Artistas do MAHKU em produção de suas obras para a mostra MAHKU - Cantos de imagens na Casa de Cultura do Parque
Artistas do MAHKU em produção de suas obras. Foto: Daniel Dinato

Condutores dos rituais com ayahuasca entre os indígenas Huni Kuin, os cantos huni meka são compreendidos como instrumentos de mediação entre os mundos do visível e invisível. A partir do dia 2 de julho, alguns deles ecoam pela Casa de Cultura do Parque como parte de MAHKU – Cantos de imagens. A exposição é um desdobramento das pesquisas do Movimento dos Artistas Huni Kuin (MAHKU) e apresenta uma série de trabalhos que transpõe esse importante marco cultural às artes visuais. A seleção reúne 11 pinturas e a uma grande instalação da artista Kássia Borges, que será montada junto ao público durante a abertura.

Parte do povo indígena Huni Kuin – que conta com cerca de 14 mil pessoas no estado do Acre e no Peru – o MAHKU é composto atualmente por Ibã, Kássia Borges, Pedro Maná, Cleiber Bane e Acelino Tuin. Fundado em 2012, no município de Jordão, no estado do Acre, o grupo dá continuidade às pesquisas de seu fundador, Ibã Huni Kuin e de seu filho Bane – que, em 2009, começou a transformar os cantos huni meka em imagens, a fim de decorá-los e compreendê-los. O método de aprendizagem foi posteriormente coletivizado, gerando o coletivo artístico.

Curador da mostra ao lado de Ibã Huni Kuin, o antropólogo Daniel Dinato compartilha que nesta exposição buscaram ressaltar a qualidade pessoal das manifestações artísticas, apresentando diferentes versões dos cantos. “Ainda que o fundo mítico e ritual das obras seja coletivo, cada artista transforma o canto huni meka de uma forma específica e, assim, o coletivo mantém também uma certa autonomia e independência interna. Como os integrantes do MAHKU costumam dizer, mesmo que pintado mil vezes o mesmo canto, ele nunca sairá igual. Sempre diverso, sempre único”, explica.

Quem visita a Casa de Cultura do Parque pode ainda conferir as outras exposições do II Ciclo Expositivo 2022. A individual de Rodrigo Bivar, Breve, reúne trabalhos que se constroem a partir da ideia de efemeridade, já Feltragens traz uma seleção de obras em feltro de lã de carneiro tingida feitas por Teresa Viana. Saiba mais acessando o site da instituição.

SERVIÇO

MAHKU – Cantos de imagens 

Local: Casa de Cultura do Parque – Av. Prof. Fonseca Rodrigues, 1300 – Alto de Pinheiros
Período expositivo: 2 de julho a 18 de setembro
Horário de funcionamento: quarta a domingo, das 11h às 18h
Realização Casa de Cultura do Parque e Carmo Johnson Project

Entrada gratuita mediante apresentação de comprovante de vacina