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MAC USP promove eleição de nova diretoria em meio à pandemia

Acima, Maurício Pietrocola, e Martin Grossmann; abaixo, Ana Magalhães e Marta Bogéa. Foto: Divulgação
A sede do MAC, no Ibirapuera. Foto: Divulgação

No próximo dia 9 de junho, a Universidade de São Paulo (USP) escolhe a nova direção do Museu de Arte Contemporânea, que irá substituir a atual gestão, composta por Carlos Roberto Ferreira Brandão e Ana Gonçalves Magalhães. O mandato se encerra no próximo semestre. Será uma nova chance de renovação em uma instituição que não consegue se destacar na cena de arte da cidade, enfrentando desde problemas de financiamento à falta de um projeto claro de museu e mesmo de ocupação do espaço, o imenso antigo Detran.

Duas chapas disputam a direção do museu: uma encabeçada por Magalhães (MAC), tendo a arquiteta Marta Vieira Bogéa (FAU) como vice, e outra liderada pelo professor Martin Grossmann (ECA), com Maurício Pietrocola Pinto de Oliveira (Faculdade de Educação).

A convite de arte!brasileiros, as duas chapas fizeram uma síntese de suas propostas – disponíveis na íntegra aqui.

Criado em 1963, a partir da doação das coleções do casal de mecenas Yolanda Penteado e Ciccillo Matarazzo, e pelas coleções de obras adquiridas ou recebidas em doação durante a vigência do MAM – o que gerou uma crise no museu -, e pelos prêmios das Bienais de São Paulo, até 1961, o MAC viveu um período especialmente efervescente durante a gestão de Walter Zanini, entre 1963 e 1978. Zanini (1925-2013) marcou o espaço como um lugar de experimentação para os artistas nos tempos difíceis da ditadura militar, e seu trabalho vem alcançando crescente reconhecimento, inclusive no âmbito internacional.

Desde então, o museu passou por altos e baixos. Há oito anos, em 2012, com a inauguração de sua nova sede, no Ibirapuera, em um edifício projetado por Oscar Niemeyer nos anos 1950, o MAC conseguiu uma área de 23 mil m2, rara entre as instituições de arte brasileiras. Lá está o acervo de 10 mil trabalhos, que inclui obras modernistas de artistas de renome como Picasso, Matisse, Max Bill ou Käthe Kollwitz, entre os estrangeiros, e Anita Malfatti, Tarsila do Amaral e Flávio de Carvalho, entre os brasileiros, até a produção recente, especialmente nacional, boa parte incorporada durante a gestão de Tadeu Chiarelli (2010-2014).

O colégio eleitoral que decide a direção é composto por um grupo seleto da própria USP: os membros do conselho deliberativo do museu e representantes de cinco unidades afins da universidade, como a Escola de Comunicações e Artes ou a Faculdade de Arquitetura e Urbanismo. Leia a seguir o que propõe cada chapa.

Da esquerda para a direita, Maurício Pietrocola e Martin Grossmann, de uma chapa, e Ana Magalhães e Marta Bogéa, de outra. Foto: Divulgação

MAC USP: UM MUSEU UNIVERSITÁRIO NO SÉCULO 21
(Ana Magalhães e Marta Bogéa)

Com quase seis décadas de existência, e instalado definitivamente em sua nova sede no Parque do Ibirapuera, o Museu de Arte Contemporânea da Universidade de São Paulo (MAC USP) é a mais importante instituição em seu gênero no país. Guardião de um acervo inestimável de arte moderna e contemporânea, ele não é só mais um museu de arte na cidade de São Paulo. Por ser um museu universitário, no qual as atividades de docência, pesquisa e curadoria estão intimamente interligadas, ao longo de sua história, ele se consolidou como um espaço de reflexão crítica e formação (especializada e de extensão). Isso se reflete no perfil de seu colecionismo. Desde sua implantação na Universidade e sob a direção de Walter Zanini (1925-2013), o museu buscou investigar as novas práticas artísticas e as novas mídias, transformando-se em uma instituição pioneira no país, fato reconhecido pela historiografia internacional recente.

O MAC USP deve ser entendido como um museu-laboratório, pois além de abrir-se para o fomento à produção artística deve continuar a estimular o envolvimento de estudantes, dentro e fora da USP, bem como as parcerias interdisciplinares entre pesquisadores e docentes. Isso não é propriamente uma novidade para o Museu: desde a instauração da carreira docente (2004), seus curadores-professores vêm trabalhando na pesquisa em colaboração com colegas de outras áreas de conhecimento, inclusive internacionalmente, ao mesmo tempo que cumprem um papel singular de prover a formação de jovens pesquisadores em um contexto transdisciplinar. Recentemente, iniciou a discussão de um programa de residências artísticas e, em 2019, implantou um edital de exposições para artistas emergentes. Esta é, de fato, outra singularidade do MAC USP: a atividade curatorial é pautada pela pesquisa acadêmica e se desdobra em disciplinas de graduação e pós-graduação, em exposições e no programa de extensão do Museu. São práticas existentes que reconhecemos e desejamos continuar e ampliar.

Partimos desses pressupostos para elaborar nosso Programa de Gestão. Neste sentido, o MAC USP é uma porta aberta da maior e mais relevante universidade brasileira para a sociedade. Pretendemos, portanto, nos manter em diálogo com agentes dentro e fora da USP para debater questões prementes da contemporaneidade e assegurar este como um espaço de reflexão crítica e autonomia de pensamento. Por esse mesmo motivo, o MAC USP não é só um conjunto de galerias de exposições: suas formas de extroversão devem envolver várias áreas de conhecimento e atividades amplas de extensão cultural. Para tanto, esperamos contar com parcerias de outras instituições, dentro e fora do País – algumas das quais já desenvolvem projetos conjuntos com o Museu –, para construir um programa que se desdobre no tempo, e promova a produção de conhecimento e a educação em vários níveis. É também imperativo que este programa espelhe a diversidade e a alteridade, não só no seu calendário de exposições, mas nas suas ações de formação e de pesquisa.

O MAC USP deve ainda enfrentar grandes desafios nos próximos dez anos, sendo o mais imediato o da sua autonomia financeira para dar continuidade à sua excelência em pesquisa e formação, e ter fôlego em seu programa de extroversão. Diante das vicissitudes que estamos vivendo em função da mais grave pandemia dos últimos 100 anos, esses desafios tornaram-se ainda maiores, pois isso demanda do Museu que investigue novas formas de relação com seu público. Neste sentido, as equipes do MAC USP já estão discutindo propostas para este novo modo de comunicação e extensão de suas atividades, através das mídias digitais e redes sociais. Essas propostas deverão, em nossa visão, também envolver projetos e parcerias com artistas e pesquisadores da área, de modo a pensarmos juntos a dimensão virtual do Museu. Vale aqui lembrar que foi através do Projeto Temático financiado pela Fapesp que a instituição construiu uma plataforma virtual de difusão de seu acervo – extraindo os dados de seu banco de catalogação – e montou um laboratório de preservação digital (ver matéria na Revista Pesquisa FAPESP, de 25 de maio de 2020). O fato de ser um museu universitário, que conta com quadros altamente capacitados em seus vários modos de ação, deu não só o respaldo a essas iniciativas, mas também viabilizou a infraestrutura necessária para tal empreendimento. Com apoio de repositórios digitais que Universidade criou nos últimos anos, o MAC USP teve as condições de iniciar o colecionismo de artemídia antes de qualquer outro museu no País.

O MAC USP cresceu em espaço (27.000 m2 de área expositiva, em 2012), em número de visitantes (396.000 visitantes em 2019), e em projeção na área de pesquisa e formação. Crescimento em números, resultante sobretudo da excelência acadêmica, da competência de seus quadros funcionais e técnicos, e da reflexão crítica que permitiu ao Museu se reinventar em sua nova sede. Nosso compromisso é o de dar as condições para que o Museu continue a realizar plenamente a sua missão: produzir e promover a arte como forma de conhecimento e experimentação.

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POR UM MUSEU DE ARTE CONTEMPORÂNEA CONTEMPORÂNEO
Na vanguarda do espaço-tempo: público, ubíquo, universal, planetário, experimental, transdisciplinar, formativo, colaborativo, dinâmico, aberto. Ancorado em referenciadas diretrizes museológicas e de gestão cultural.
(Martin Grossmann e Maurício Pietrocola)

A arte contemporânea se configura na segunda metade do século 20 principalmente por meio das ações de vanguardas artísticas críticas à institucionalidade da arte consolidada pelo museu de arte moderna. O pós-guerra, e em particular a inquietação dos anos 1960 e 70, colocam em xeque este paradigma de museu modernista. Surge um museu mais permeável e responsivo às intensas mutações do contemporâneo, que prioriza as relações entre arte e vida.

O Museu de Arte Contemporânea da Universidade de São Paulo é, portanto, um dos pioneiros no mundo nessa nova tipologia, ao inaugurar e liderar uma nova forma de ação museológica, laboratorial, ousada, crítica, contextual, performática.

O processo de criação do MAC é resultante de uma crise institucional do Museu de Arte Moderna de São Paulo, fundado em 1949. Em 1963,  sua coleção, bem como as de seus idealizadores e mecenas (Ciccillo Matarazzo e Yolanda Penteado), são doados à USP.

Instalado em sede definitiva no Parque do Ibirapuera viabilizada pelo Governo do Estado em 2007, o MAC, no entanto, ainda não aterrissou na metrópole. Ele sofre de um complexo de orfandade, seja de sua mãe de sangue, a cidade, seja de sua madrasta, a universidade. Carece de uma identidade que corresponda a ubiquidade contemporânea: o de estar e existir concomitantemente em todos os lugares, incluindo assim a universidade, a cidade, o mundo e até a virtualidade.

Por que um “culturador”*, professor titular da Escola de Comunicações e Artes, com significativa experiência em gestão cultural e acadêmica se junta a um outro professor titular da Faculdade de Educação, com um sólida formação científica (Física), especializado em Epistemologia e História da Ciência, bem como no desenvolvimento de estratégias inovadoras no ensino de Ciência, com o intuito de assumirem a gestão do MAC nos próximos quatro anos? 

Entendemos que o museu precisa tornar-se uma interface, um atrator, alimentado pelos conhecimentos e práticas que só uma universidade como a USP é capaz de fornecer. O MAC precisa não só criar sentido para as suas áreas específicas e correlatas como para outras áreas de conhecimento da universidade e principalmente para o público. Precisa deixar-se contaminar pelas diferentes formas de saberes e experiências que convivem e tensionam a universidade e o planeta, sendo um espaço aberto à criação no sentido amplo do termo.

O nosso projeto de gestão se alicerça em uma proposta audaciosa de “culturadoria” inter e multidisciplinar, tendo como espinha dorsal a fantástica coleção do museu e um programa educativo e cultural colaborativo, em um movimento pela formação educacional para/pela arte, envolvendo assim, necessariamente, toda a equipe do museu, bem como vários e diversos agentes externos e diferentes públicos.

Como se trata de tarefa complexa, propomos que este projeto seja planejado e desenvolvido pelo museu em parceria com um coletivo de pesquisadores, artistas e profissionais, provenientes de diferentes áreas do conhecimento e de atuação e em sua grande maioria da USP, que queiram atuar na triangulação entre arte, ciência e cultura, visando o desenvolvimento de um dispositivo de investigação, expositivo, comunicativo e participativo transdisciplinar baseado, indiscutivelmente, na vocação, genealogia e trajetória deste museu.

Propomos um projeto coletivo, colaborativo, que considere de fato o MAC como museu de arte contemporânea da USP, ou seja, que represente a potência da interdisciplinaridade de uma universidade plural que reúne praticamente todos os campos de conhecimento. Sua centralidade será uma exposição temática de grande porte que terá a coleção do museu como referência central ampliada por meio da tecnologia digital e analógica embasada por um programa de ação educativa, científica e cultural. Uma experiência única de conhecimento e fruição, uma combinatória de narrativas interdisciplinares e multimídia —arte, cultura e ciência— que buscarão estimular experiências transdisciplinares.

Inspirados por seu primeiro diretor, Walter Zanini, a proposta aqui delineada para a gestão do MAC (2020-2024) pretende “remodelar o modelo”*. O museu precisa resgatar a sua matriz original, laboratorial, que com sua inventividade e ousadia, colocou o MAC em pari passu com outros museus de arte contemporânea no mundo, ao propor uma ação museológica distinta da maioria dos museus de arte moderna existentes em diferentes partes do globo, inclusive no Brasil.

Neste sentido, acreditamos que este seja o momento de metamorfose, do necessário salto para que o MAC —potência que é— retome o seu papel protagonista na cidade e no sistema da cultura e do conhecimento. Vivemos tempos de pandemia/pandemônio que nos inquieta, angustia, preocupa, desconcerta. Como o mundo e o Brasil sairão desta crise? Ainda não sabemos e os nossos espíritos entristecidos pelas mortes, como também pela evidente estupidez humana, tendem a uma postura mais cética, diante de tamanha barbárie e complexidade. Neste contexto distópico no qual todos nós estamos inseridos, um museu de arte contemporânea como o MAC precisa manter o seu espírito prospectivo e utópico, iluminar o que está por vir.

Um Museu de Arte Contemporânea contemporâneo que abre o terceiro milênio 27 deve apontar para o que ainda não existe, para o mundo em metamorfose. Mais do que nunca precisamos exercitar a imaginação na perspectiva de antever o novo, buscar e desenvolver novas formas de atuação, novas narrativas, novas museografias, novas metodologias a serem desenvolvidas conjunta e coletivamente seja com seu corpo técnico, seja com outras instâncias da universidade e fora dela, mas acima de tudo com o público.

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*1 – Existe o culturólogo, termo que vem da Rússia onde há uma vertente importante da “ciência da cultura”: a culturologia.  Já no Ocidente, os estudos culturais são a vertente mais consolidada de investigações relacionadas à cultura. No entanto, o neologismo “culturador” é lançado aqui uma vez que existem particularidades importantes na atuação e nas  investigações até agora realizadas, que aproximam a cultura, as artes e a ciência, demandando assim uma nova área de atuação interdisciplinar, a culturadoria (culturing), uma investigação curatorial científico-poética da cultura. Ou seja, o culturador (culturator) é um especialista de estudos e da poética da cultura.
*2 – Baldini, Isis, Grossmann, Martin, Prado, Pamela, & Spricigo, Vinicius. (2018). Walter Zanini e a formação de um sistema de arte contemporânea no Brasil. Estudos Avançados, 32(93), 307-329. https://doi.org/10.5935/0103-4014.20180047

Acompanhe a agenda de conversas e debates online de instituições e galerias

 

Desde que precisaram fechar as suas portas, por conta da epidemia do coronavírus, os museus e galerias do país passaram a organizar variadas atividades e iniciativas no universo digital para se manter em contato com o público. Entre essas iniciativas estão as lives, encontros transmitidos ao vivo, que ocorrem geralmente através do Instagram e Youtube, mas também de plataformas mais interativas como o Zoom. A arte!brasileiros selecionou alguns dos encontros que ocorrerão nos próximos dias. Veja abaixo:

Galeria Karla Osorio – A galeria segue sua série de lives “to.keep.alive”, com conversas sobre diversos assuntos do universo das artes. Nesta quinta-feira, dia 28, às 17h, Patricia Rousseaux (educadora, fundadora e diretora editorial da arte!brasileiros) conversa com Karla Osorio sobre “O Momento da Arte no Brasil e no Mundo. Na sexta-feira, dia 29, é a vez da artista Élle de Bernardini participar de um “Take Over” no Instagram da galeria.   

Bienal do Mercosul – Rosana Paulino é a primeira convidada da Bienal 12 para o seu Programa de lives. O bate-papo acontece nesta quinta-feira, dia 28, às 19h, com mediação de Igor Simões, curador do Programa Educativo da Bienal 12. Os encontros seguem semanalmente, sendo ao todo seis encontros, sempre às quintas-feiras, que contarão com a presença de artistas, educadores e curadores. As conversas terão como eixo central o debate de questões relacionadas à arte e à educação inseridas no contexto do coronavírus.

Masp – O museu promove no dia 29, a partir das 11h, o seminário online “Histórias do Brasil”, com a participação de Heloisa Muriel Starling, Lilia Moritz Schwarcz, Moacir dos Anjos, Sandra Benites e Tom Farias. Este é o primeiro seminário de um projeto de longo prazo que antecipa o programa de exposições, palestras, oficinas, publicações e cursos do Masp dedicado às Histórias do Brasil em 2022, ano do bicentenário da independência.

Pinacoteca – O museu paulistano segue sua programação online com uma conversa neste sábado, dia 30, às 11h, sobre a exposição “Esculturas no Parque da Luz”. Tatiana Russo, conservadora do Núcleo de Conservação e Restauro da Pinacoteca, conversa com Valéria Piccoli, curadora chefe da instituição.

Galeria Nara Roesler – No dia 30 de maio, a Galeria Nara Roesler promoverá a segunda parte do evento online honrando Abraham Palatnik, artista falecido no dia 9 de maio, aos 92 anos. O evento reunirá curadores, críticos e amigos para discutir seu início, sua carreira e a herança deixada por Palatnik como pioneiro da arte cinética brasileira. No seu Instagram também podem ser conferidas as gravações das lives feitas anteriormente.

Galeria Luisa Strina – No dia 4 de junho, às 17h, a Galeria Luisa Strina faz seu webinar “Tramas, reflexos e dissonância: Passagem arquitetônica na exposição Vazios, intervalos e juntas de Leonor Antunes”. Para a conversa com a artistas, a galeria traz Denis Joelson. O bate-papo será realizado na plataforma ZOOM e para participar basta se registrar no link disponibilizado no Instagram da galeria. A live seguirá algumas questões chave como a dupla relação de Leonor Antunes com o campo da arquitetura e vai se desbruçar sobre o universo de alguns personagens que a influenciaram.

Na Times Square, artistas homenageiam trabalhadores essenciais durante pandemia

Messages for the city Times Square
Carrie Mae Weems. Foto: Divulgação

O projeto Messages for the City (Mensagens para a cidade, em tradução livre) deu largada em cinco distritos de Nova York no dia 17 de abril e ganhou sua segunda rodada no último dia 15 de maio. O projeto – conduzido em conjunto pelo Times Square Arts, o Museu Poster House, a Print Magazine e o coletivo For Freedoms – quer trazer, através da arte, anúncios de serviço público e mensagens de agradecimento e homenagem aos trabalhadores da cidade que não podem ficar em casa. São aproximadamente 30 artistas e designers, consolidados e iniciantes, que criaram obras para serem exibidas por um dos lugares mais emblemáticos do mundo.

Integram a iniciativa*:

Pelo For Freedoms: Paula Crown, Nekisha Durrett, Alixa Garcia, G.O.N.G., Jenny Holzer, Christine Sun Kim, Kameelah Janan Rasheed, Pedro Reyes, Duke Riley, Xaviera Simmons, Carrie Mae Weems, Christine Wong Yap.

Pela Poster House e PRINT Magazine: Ola Baldych, Seymour Chwast, Pablo Delcan, Matt Dorfman, Milton Glaser, Jessica Hische, Joe Hollier, Mirko Ilić, Maira KalmanJohn KudosRoss MacDonald, Bobby Martin and Jennifer Kinon, Richard McGuirePablo MedinaDebbie Millman, Emily Oberman and Lorenzo Fanton, Gemma O’Brien, Edel Rodriguez, Paul Sahre, Paula Scher and Jeff CloseStrick&WilliamsKlaas VerplanckeZipeng Zhu.

Para a organização do Messages, “embora as imagens de uma Times Square vazia tenham se tornado emblemáticas de quão rapidamente a vida pública mudou em meio à crise global, as ruas da cidade não estão de fato vazias”. O texto afirma ainda que “centenas de milhares de nova-iorquinos vão trabalhar todos os dias para sustentar a cidade, desde profissionais de saúde, trabalhadores da cidade, funcionários de saneamento, funcionários de mercearias e bodegas, entregadores e muito mais.”

Messages for the city Times Square
Pablo Delcan. Foto: Divulgação.
Messages for the city Times Square
Duke Riley. Foto: Divulgação.

Cada obra fica em exibição nos telões digitais por 15 minutos, continuamente ao longo de todo o dia. Várias empresas doaram espaço publicitário em seus outdoors na Times Square para o projeto. As peças também aparecerão nas telas de asilos, clínicas de saúde e bancos de alimento, graças à organização F.Y.eye.

Além da campanha com os outdoors, o Messages for the City incluiu em seu desenvolvimento uma pintura em edição limitada feita pelo artista mexicano Pedro Reyes, cuja venda tinha como objetivo beneficiar a Coalizão de Imigração de Nova Iorque. A organização de defesa de direitos representa mais de 200 grupos de imigrantes e refugiados na metrópole. Em pouco tempo as edições já se esgotaram.

Pedro Reyes. Foto: Divulgação.

*Clique nos links para ser direcionado a uma mini bio de cada artista.

Leia  também: No Brasil, artistas e designers se unem para campanha de ação social, acesse neste link.

 

Para Danilo Miranda, governo censura artistas ao não dar condições para que produzam

Danilo Santos de Miranda. Foto: Divulgação

Diretor-geral do Sesc-SP desde 1984, o sociólogo e filósofo Danilo Santos de Miranda exerceu o cargo que ocupa ainda hoje durante todos os governos da Nova República do Brasil – período democrático iniciado em 1985 -, desde a posse de José Sarney até os dias atuais. Nestes mais de 35 anos, afirma nunca ter visto um governo que compreendesse tão pouco e ameaçasse tanto o setor cultural do país quanto o atual. “É uma falta absoluta de política e de compromisso efetivo com uma visão ampla da cultura.”

Mais do que isso, Miranda, aos 77 anos, afirma que o governo Jair Bolsonaro chega a ser, em certos aspectos, pior para a cultura do que o foi o regime militar que assolou o país por 21 anos. “Havia a questão gravíssima da censura, não tem nem o que dizer. Mas existem muitas maneiras de fazer censura. E uma delas é diminuir, ou eliminar, quem produz algo que possa ser censurado. Então naquela época os artistas produziam e eram censurados. Agora, a ideia é que os artistas não tenham nem como produzir direito, porque não têm incentivos e mecanismos”, diz Miranda, em entrevista dada à arte!brasileiros poucos dias após a saída de Regina Duarte da secretaria da Cultura.

O quadro, que já era preocupante, se torna ainda mais grave com a atual epidemia do coronavírus e a necessidade de isolamento social. “Nós estamos enfrentando essa pandemia que é gravíssima e transversal, porque ela diz respeito a tudo, à vida humana. E não só à questão da saúde, mas da educação, da convivência, das relações, do dia a dia das pessoas, de novos hábitos…”. E no Brasil, afirma Miranda, “temos um presidente que nega absolutamente tudo isso e atua de uma maneira equivocada, totalmente errática, em todos os sentidos. É tão grave quanto um guerra”.

Por isso mesmo, o diretor do Sesc (Serviço Social do Comércio) considera urgente a retomada de uma discussão sobre a importância da cultura em sentido amplo. “Cultura para mim não é um aspecto da vida, mas é o universo onde estamos inseridos. Diz respeito aos nossos hábitos, à nossa língua, nossa maneira de ser”. Sobre esta “maneira de ser”, Miranda ressalta que ao menos a solidariedade deverá ganhar maior espaço em um mundo pós-coronavírus. “Porque uma ameaça como essa é para todo mundo, e você depende totalmente do outro para poder se manter saudável.”

Miranda falou também sobre um modelo de desenvolvimento global que ao mesmo tempo que destrói a natureza – com consequências na vida biológica de um modo geral -, gera pobreza e uma desigualdade brutal. “Se na Europa a epidemia foi grave, aqui vai ser gravíssima.” O diretor do Sesc-SP conversou ainda sobre a atuação virtual da instituição, sobre as constantes ameaças de cortes de recursos do Sistema S (formado por instituições como Sesc, Sesi, Senai e Sebrae), sobre o equívoco de se submeter a pasta da Cultura à do Turismo e sobre fake news, entre outros assuntos. Leia abaixo.

ARTE! – Danilo, nós conversamos há exatamente um ano (leia aqui) e na época o senhor estava bastante preocupado com as políticas do atual governo, com um clima de ameaça à classe artística. Ao mesmo tempo, dizia que o Sesc seguia trabalhando normalmente e inclusive celebrava a abertura da unidade de Guarulhos. O panorama hoje é bastante diferente, por uma série de motivos, mas principalmente por conta da pandemia do coronavírus. Gostaria de começar perguntando como o senhor vê o momento e como está o trabalho no Sesc-SP.

Danilo Santos de Miranda – De lá para cá as coisas mudaram, precipitaram-se. As ameaças e as dificuldades do ponto de vista da cultura em geral continuam e até se ampliaram, na medida em que tem essa instabilidade, essa celeuma na questão da administração pública no campo cultural. E o que se revela é uma falta absoluta de política e de compromisso efetivo com uma visão ampla da cultura. Cultura tem a ver com política pública, com identidade nacional, com a intenção que se tem como projeto de país. Não é uma coisa apenas para lidar com uma situação episódica de uma das linguagens artísticas especificamente, nem com coisas por vezes mais vinculadas ao entretenimento do que propriamente à cultura. Então tudo isso continua me preocupando. Nesse aspecto, há a necessidade de uma retomada do que é a cultura, da importância da cultura, do caráter estratégico da cultura para o país, para o desenvolvimento, para a vida das pessoas. Ainda mais agora que nós estamos enfrentando essa pandemia, que é gravíssima, e muito transversal, porque ela diz respeito a tudo, à vida humana. Não só à questão da saúde, mas da educação, da convivência, das relações, do dia a dia das pessoas, de novos hábitos, novas regras de convivência… da cultura.

O Sesc Pompeia, projetado por Lina Bo Bardi. Foto: Divulgação

Então tem muita coisa incerta. O que temos hoje pela frente é uma ameaça gigante de saúde, uma ameaça financeira – do ponto de vista econômico, da falta de recursos, de emprego e de condições de vida – e as consequências disso tudo para a vida normal das pessoas, onde a cultura ocupa um papel bastante amplo. Cultura para mim, quando a gente considera em um sentido mais antropológico, mais amplo, não é um aspecto da vida, mas é o universo onde estamos inseridos. Diz respeito aos nossos hábitos, à nossa língua, nossa maneira de ser. E dentro da cultura, as artes têm aquele papel de ser a nobreza do simbólico, aquilo que é mais elevado, que é a representação e que dá significado às coisas para nós. Porque é a única manifestação onde você ultrapassa a sua condição puramente material e vai além, explora, desenvolve a imaginação, a fantasia, desenvolve esse lado abstrato fundamental para o ser humano, para poder enfrentar todas as realidades na vida. Então a cultura tem um papel fundamental. E está amaçada.

ARTE! – E dentro deste contexto de ameaça, como o Sesc tem conseguido trabalhar?

A gente lida com cultura nesse sentido bastante amplo, como eu disse. A gente lida com questões de atividades físicas, de alimentação, de saúde e com a questão das artes. Tudo isso faz parte do nosso universo, porque nós somos uma instituição ligada a um projeto de bem-estar social, de bem viver. De procurar caminhos adequados para que as pessoas se deem bem do ponto de vista ético, estético, social, comunitário. Não é aquele bem-estar individual apenas. O bem-estar individual só faz sentido se você levar em conta também o outro, aquele que também está no lugar onde você está inserido. O Sesc então procura corresponder a essa expectativa usando as ferramentas que tem à sua disposição. Neste momento pandêmico estamos fazendo muitas coisas através das nossas plataformas virtuais, com vários horários nas redes sociais, de modo a levar para as pessoas não só informação, mas o entretenimento, a provocação, o debate. Já fizemos apresentações musicais, monólogos, teatro, entre outras coisas. Realizamos debates sobre ética, a inserção do idoso, questões de alimentação, questões de saúde, da negritude, dos grupos menos favorecidos e por aí vai. Então conhecimento, ciência, tudo isso faz parte desse esforço de divulgação em que estamos inseridos, onde a arte tem um grande papel.

Sobre artes visuais, ainda há pouco eu estava conversando com a nossa responsável pela área, imaginando algum tipo de ação que possa favorecer não apenas uma discussão, mas uma manifestação também de artistas nesse momento. De modo que eles tenham espaço não exatamente para mostrar sua arte em uma exposição comum, mas descobrir formas de eles também estarem presentes nesse momento para colaborar com a reflexão e interagir com as pessoas em casa. Porque nós temos um consumo de arte permanente em casa e muitas vezes nem nos damos conta. Nós não viveríamos de maneira completa sem arte.          

ARTE! – Como o senhor mesmo diz, a proposta de trabalho do Sesc é muito voltada a uma ideia de participação das pessoas, não só de contemplação, visitação. Como pensar em participação neste momento em que as pessoas precisam estar isoladas?

Tem uma coisa inicial que é o seguinte: as pessoas precisam ter informação. Formação, não é? Educação “para” algo. Você tem toda uma perspectiva de passar informação, de envolver as pessoas com conhecimento. Isso é o primeiro momento. Você se encanta com alguma coisa, mas a partir daí você se informa sobre aquilo de uma maneira mais profunda. E numa terceira etapa você se envolve a ponto de produzir alguma coisa na mesma direção. Então são várias fases desse processo de envolvimento. Sem duvida nenhuma a participação, ou seja, esse envolvimento integral – com a atração, conhecimento, a participação e o envolvimento efetivo no fazer – é parte do processo. E a gente tem feito alguma coisa virtualmente com relação a isso. É muito legal, é muito bom, mas não é suficiente. Afinal de contas o ser humano tem a questão da relação pessoal, presencial, inerente à sua natureza. Portanto, é importante que o convívio presencial volte o mais breve possível. E isso mais cedo ou mais tarde vai voltar a acontecer, mas por enquanto o caminho é o isolamento, o afastamento. É hora de permanecer em casa, sobretudo aqueles que tem, por algum motivo, uma necessidade maior de se isolar. Os chamados grupos de risco. Então nesse momento não tem muito como se envolver a esse ponto presencial, mas virtualmente existem recursos que têm sido aprimorados. Eu tenho participado de muitas conferências, debates, discussões. E é muito bom, avançou bastante. A pandemia seria muito mais grave se não fossem essas ferramentas de aproximação virtual.

ARTE! – Me chamou atenção no portal do Sesc que, para além das divulgações de atividades, há um texto em destaque chamado “Dicas para evitar a ‘infodemia’, a epidemia de notícias falsas”. As fake news, especialmente nesse momento, são um dos maiores inimigos no combate ao coronavírus?

São um grande inimigo. A gente tem que ter um treinamento próprio para lidar com isso. Com mais experiência a gente começa a se disciplinar um pouco melhor, a prestar mais atenção. Primeiro na fonte. De onde vem? Qual é a origem? Por exemplo, tem milhares de lives acontecendo por aí. Então a primeira coisa é ver a origem dessa quantidade imensa de informações. E nisso ajuda o debate, a discussão. Então é preciso ter um certo cuidado, que você vai aprimorando a partir do conhecimento que adquire. A gente tem que fazer uma espécie de curadoria permanente das informações que chegam. E é nisso que esse texto no site do Sesc tenta ajudar.

ARTE! – Nesse sentido, existe nos últimos anos um certo negacionismo da ciência, junto à teorias da conspiração (como a que coloca a culpa da pandemia na China), que dominaram setores da sociedade brasileira, e que acabam tornando o que seria uma questão de saúde pública em uma questão de disputa de narrativas políticas. Como o senhor vê isso?   

Sim, disputas de narrativas políticas, sobretudo partidárias. Acho isso lamentável, acho uma indigência intelectual total. A afirmação que foi feita esses dias pelo presidente – de brincadeira, mas que revela um pouco isso -, de que quem é de direita consome cloroquina e quem é de esquerda consome tubaína, realmente eu lamento. Porque é uma indigência intelectual total, uma falta de visão das coisas, e está gerando uma situação muito complicada. Isso tem a ver com as fake news. A questão da teoria da conspiração com a China não foi nem aqui que nasceu, tem a ver com uma posição do próprio presidente americano, que afirma que a China criou isso numa disputa de hegemonia mundial. Teve também a discussão na Organização Mundial da Saúde, em que os EUA ameaçaram tirar recursos, e a China disse que cobria. Então está havendo uma disputa internacional em torno dessa questão, o que tem a ver também com a ascensão da direita no mundo inteiro. Uma direita que nega vários fatos e que acusa a China. Agora, a gente nunca sabe. Amanhã o Trump pode perder as eleições, no Brasil pode mudar o quadro… aí muda tudo de novo. Então tudo pode ser passageiro. Agora, existe um fato: um vírus, do qual não temos informação completa, que não está controlado ainda, e está afetando a vida das pessoas. E é transversal. Não é apenas um problema de saúde, mas diz respeito à economia, às relações e à vida no mundo inteiro, com milhões de contaminados e milhares de mortos. E o Brasil é o campeão. Já havia uma crise econômica grave, nós temos uma questão política gravíssima, com um presidente que nega absolutamente tudo isso e atua de uma maneira equivocada, totalmente errática, em todos os sentidos. É tão grave quanto um guerra. 

ARTE! – Um ano atrás o senhor se dizia também estarrecido com a falta de percepção da importância do conhecimento, da filosofia, da ciência, da pesquisa, do estudo, das artes e da cultura na sociedade. De algum modo, o tamanho da crise que estamos vivendo tem a ver com isso tudo, e não só com a propagação de um vírus?

Exatamente. Pois se a gente tivesse levado em conta o conhecimento científico desde o primeiro momento, com grandes especialistas que estão aí e que o Brasil dispõe em toda parte, provavelmente teríamos tomado medidas mais radicais com relação ao isolamento. Até mesmo feito um lockdown, que me parece inevitável.

ARTE! – Em entrevista recente, o filósofo e sociólogo Edgar Morin ressalta que essa crise é uma crise também civilizacional, existencial, social, planetária, e que nos relembra que nós humanos não estamos separados do destino bio-ecológico do planeta. Enfim, é hora de repensar nossos modelos de desenvolvimento, de distribuição de renda, de globalização?

Totalmente. Morin atinge com muita precisão, nessa análise, os fatos que levaram de alguma forma a isso tudo. Há algumas suspeitas de que esse tratamento que o ser humano deu e dá à natureza, à terra, conduz a esse desgaste profundo. Por exemplo no que se refere à utilização inadequada para a produção de alimentos e produtos, nem sempre adequados à uma vida saudável. Então diversos fatores levaram a um desequilíbrio. E essa questão desses vírus é algo que já estaria, segundo alguns, previsto que poderia acontecer em algum momento. Eu não sou especialista do ramo, mas percebo que isso faz sentido. Então a exploração dos recursos naturais levada ao extremo, além de mexer com questões como o aquecimento global, que já é um fato real, tem consequências na vida biológica de um modo geral, na vida dos seres visíveis e invisíveis que estão sobre a terra. Então acho que isso mostra uma exploração inadequada, em primeiro lugar. E em segundo lugar mostra o desequilíbrio, a desigualdade, a falta de equidade social. Ou seja, é muito mais grave o que está acontecendo no Brasil do que o que passou pela Europa. Lá foi grave, aqui vai ser gravíssimo. Porque aqui a desigualdade, a pobreza, a miséria e a falta de condições sanitárias são muito maiores.

O Sesc Guarulhos. Foto: Adauto Perin.

ARTE!E aí, exatamente em um momento como esses, o governo brasileiro tenta mais uma vez cortar recursos do Sistema S…

Pois é. No momento em que mais se necessita de instituições que lidam com essas questões, não propriamente do ponto de vista do fornecimento de recursos materiais, mas que lidam com a questão do debate, da discussão, da informação, da educação e da cultura, para que possamos vencer tudo isso. Acho que se fosse um país mais preparado, com uma educação de melhor nível, você teria pessoas mais facilmente convencíveis da necessidade de tomar medidas. As pessoas mais conscientes são aquelas que são mais informadas. Então é fundamental que quem lida com informação, com conhecimento, com cultura e com educação – não apenas no sentido escolar, mas no sentido amplo, permanente – seja preservado. Porque é essencial.

ARTE! – Ao menos o corte foi barrado, pelo menos por enquanto…  

Sim, mas é uma ameaça permanente. A primeira coisa que pensam sempre é de afetar o Sistema S.      

ARTE! – Muito se fala do “mundo de depois”, do mundo que virá após a pandemia. Inclusive o líder indígena Ailton Krenak escreveu que se “voltarmos à normalidade é porque de nada valeu a morte de milhares de pessoas no mundo inteiro”, ou seja, não aprendemos nada. O que o senhor acha que podemos esperar deste futuro?

Concordo com o Krenak. Quer dizer, o “novo normal” vai exigir no mínimo que as pessoas sejam convidadas a serem mais solidárias. Não quer dizer que elas serão mais solidárias, mas serão convidadas à isso. Primeiro porque uma ameaça como essa é para todo mundo. Depois, porque você depende totalmente do outro para poder se manter saudável. Então é quase que uma solidariedade obrigatória, indispensável. Se você não for solidário corre o risco de ficar doente, de ser ameaçado. Então digamos que a solidariedade está sendo imposta, entre aspas, como condição de vida a partir de agora. E as pessoas mais poderosas vão ter que pensar duas vezes antes de exercer qualquer tipo de poder. Vão ter que levar em conta questões como: quem está excluído? Por que está excluído? Por que as pessoas não têm acesso? O que é necessário para que tenham acesso e sejam incorporados? O segundo aspecto é que vamos ter que rever hábitos. Por exemplo, enquanto não tiver vacina, vamos ter que rever hábitos de aglomeração. Como é que vamos juntar gente para ver um filme, um teatro ou um concerto? Teremos que afastar as pessoas de um modo que vai ser extremamente difícil do ponto de vista prático, arquitetônico… Então vai ser um desafio enorme. Como é que será o “novo presencial”, para além do ambiente virtual? Vai ser com uso de máscaras? De roupas especiais? Tem muita coisa para se descobrir…

ARTE! – Voltando um pouco para questões da política nacional, nós acabamos de ter mais uma mudança na secretaria de cultura, com a saída de Regina Duarte. Em menos de um ano e meio de governo Bolsonaro tivemos o rebaixamento da Cultura de ministério para secretária…

O que já foi uma sinalização grave…

ARTE! – Sim, e chegaremos agora ao quinto nome que assume a pasta. O que isso demonstra sobre o valor dado à cultura pelo governo?

Demonstra que não tem a menor importância. Que é só uma burocracia, destituída de qualquer fato relevante que justifique sua presença num aparato de governo. Isso está muito evidente desde o início. Subordinar a Cultura ao Ministério do Turismo, por exemplo, é de uma falta absoluta de visão, inclusive estratégica. É entender a cultura apenas como entretenimento ou elemento de atração turística para um país, uma sociedade. Como algo destituído de peso e importância do ponto de vista da educação, da economia – porque, sim, a cultura tem um papel fundamental na economia. E quando você amplia o conceito de cultura, no sentido mais completo, o turismo é que é subordinado à cultura. Então falta fundamento até teórico para entender o papel de cada um nesse processo. É muito grave o que acontece.

ARTE! – Agora, se os secretários que passaram não deixaram um legado importante para a cultura, conseguiram pelo menos fazer algum barulho, vide a entrevista recente de Regina Duarte à CNN ou o pronunciamento em que Roberto Alvim parafraseou um discurso do nazista Joseph Goebbels. Gerar polêmicas foi o grande legado destes secretários até agora?

Isso tem um lado curioso. Por mais que tentem tirar a importância da cultura, reduzam o seu significado, ela segue despertando a atenção. Porque existe uma certa intencionalidade de reduzir a importância da cultura. E de algum modo, ao falar muito dessa redução, chama-se a atenção para o assunto. Parece que às vezes o tiro sai pela culatra. Tentam tanto deixar claro que não é importante, que acabam dando importância. Porque é sim importante. A cultura não é um fato complementar na vida das pessoas, ela é onde as pessoas estão inseridas no dia a dia. A cultura é mais do que as artes. É que eles entendem cultura só como as artes, o que, embora seja muito importante, ainda é pouco.

ARTE!Tem quem considere, inclusive, que a cultura está sendo tratada de um modo ainda pior do que foi na ditadura militar…

Os militares não se envolviam desse jeito nas questões da cultura. Havia a questão gravíssima da censura, não tem nem o que dizer. Mas existem muitas maneiras de fazer censura. E uma delas é diminuir, ou eliminar, quem produz algo que possa ser censurado. Então naquela época os artistas produziam e eram censurados. Agora, a ideia é que os artistas não tenham nem como produzir direito, porque não têm incentivos, mecanismos…

Mas olha, independente disso tudo, eu gostaria de colocar uma questão que para mim é fundamental. Cultura é muito amplo, é muito mais sério e mais importante do que qualquer governo possa imaginar. E ela vai existir independente da vontade dos governos, estejam eles favorecendo ou prejudicando. Porque ela é inerente à vida humana. Ela é parte da produção humana. Você vai em qualquer lugar deste país, ou do mundo, estão produzindo cultura permanentemente. E não só a cultura que se transforma num produto – como uma música, uma literatura -, mas a cultura que é a expressão humana necessária na comunicação, na narrativa, no dia a dia, nas lembranças, na memória. Não existe memória sem cultura. Então não conseguirão destruir isso nunca, nunca. Por mais que tentem.

ARTE! – E como é possível imaginar uma melhora, uma transformação, neste momento?

Não é fácil, mas eu sou um otimista ferrenho, sempre fui. Não dá para fingir que está tudo bem, principalmente quando olhamos para o lado e vemos pessoas caindo, morrendo, afetados por essa pandemia. Agora, eu tenho esperança, primeiro, que desperte-se no mundo essa necessidade da solidariedade efetiva. E acho que por aí pode haver uma retomada importante, na medida também em que a gente vai encontrar meios de controlar a pandemia. Com relação à vida de um país como o nosso, seja do ponto de vista político ou econômico, existem forças que podem se contrapor a isso que está aí e que podem desenvolver esse nosso país para valer. Alguma hora a economia vai retomar, o Brasil vai crescer, lá na frente, e a gente tem esperança de que esse quadro mude. Nós já vivemos momentos graves, já passamos por ditaduras no passado, principalmente essa última (1964-1985) que matou muita gente, proibiu, censurou, oprimiu. E passou. E esse quadro atual uma hora também vai passar, porque a maioria da população percebe ou o engano que cometeu ou a necessidade efetiva de mudar a partir do que está acontecendo. Então eu tenho a esperança de que, no médio ou longo prazo, a gente altere esse quadro e retome um caminho mais positivo. Nós temos que criar outro mundo possível, um novo normal, uma nova perspectiva que virá por aí. O parto é duro, difícil, doloroso, mas tenho a impressão de que vamos sair dessa.

Projetos solidários unem arte e cidadania na quarentena

Arte solidária
"Centro Dourado Habitado" (2020), Laura Gorski. Foto: divulgação 300 desenhos

Faz pouco mais de dois meses que os ministérios da Saúde, da Justiça e Segurança Pública definiram, em 17 de março, os critérios para quarentena e isolamento compulsórios. Assim que o texto foi publicado no “Diário Oficial da União”, o mercado da arte se viu obrigado a repensar métodos e planejar novas estratégias para chegar ao seu público, independentemente da visitação presencial – pelo menos até o momento -, aspecto basilar das exposições em galerias e instituições culturais. O paradigma da crise acarretou a procura pelo território virtual, as lives e as salas online de visitação, entre outros recursos da web.

Entre as adaptações feitas pelo mercado, algumas iniciativas com cunho solidário também foram criadas por galeristas, curadores e artistas. Projetos como 300 Desenhos, OÁ Solidária e Quarantine conseguiram deixar mais palpável o impacto da arte durante a crise, além de, claro, ser sempre uma panaceia. Conheça melhor esses três projetos:

OÁ Solidária

Série “Homenagem a Dionísio Del Santo” por Rick Rodrigues. Foto: Divulgação

Foi um dos primeiros projetos com cunho social a surgir durante a quarenta. A iniciativa tomou forma seguindo a proposta de Rafael Vicente, um dos artistas representados pela Galeria OÁ em Vitória, de disponibilizar 100% da venda de suas obras para a galeria. A ação foi o estopim para que a diretora Thais Hilal pusesse em prática o desejo de tornar a galeria mais ativa dentro de sua comunidade. Inicialmente foram convidados a participar os artistas representados pela galeria, enquanto obras do próprio acervo também estavam inclusas nessa fase da empreitada. Depois do lançamento da OÁ Solidária, Hilal conta que continua recebendo mensagens de artistas que “se sensibilizaram com o projeto e querem participar”, comentando que a equipe está aberta para novas contribuições.

As obras doadas até o momento estão disponibilizadas em um Instagram exclusivo (acesse neste link). Toda a venda será destinada ao SECRI – Serviço de Engajamento Comunitário de São Benedito, que existe em Vitória há 31 anos. Seu trabalho junto às famílias do bairro São Benedito contempla por volta de 270 jovens de 6 a 20 anos em situação de vulnerabilidade social. Além do trabalho desempenhado pelo SECRI, o fato dele estar no mesmo bairro que a OÁ também contribuiu para sua escolha por Hilal, somando à sua vontade de integrar mais a galeria ao seu entorno: “Eu acredito que se trabalharmos aliados com as iniciativas locais estaremos mais perto das transformações globais que tanto precisamos”. 

Quarantine

O Quarantine surgiu como um modelo de vendas alternativo em meio à pandemia. Sua proposta cresceu pensando em colaboração e em reimaginar a forma como são feitas as vendas, geralmente realizadas pelos artistas por conta própria ou por meio de uma galeria. A cada obra vendida no Quarantine todos os artistas participantes – cerca de quarenta e cinco – ganham, formando uma espécie de cooperativa de artistas. 

Em breve, Quarantine
Imagem de apresentação do projeto. Foto: Divulgação

Para Cristiana Tejo, uma das organizadoras do projeto, adicionar uma cota extra destinada a uma entidade com ação social foi um raciocínio natural: “Queríamos ajudar ao máximo de pessoas possível, mas a prioridade era para xs artistas, pois sempre se pede doações de obras a artistas em ações de solidariedade, mas quase ninguém pergunta se xs artistas também precisam de ajuda financeira”.

Dessa forma, a entidade escolhida pelas criadoras do Quarantine foi a Casa Chama, em São Paulo, que funciona como organização civil e cultural, surgida da necessidade de criar mais espaços de pesquisa, discussão e ação para pessoas trans. Um dos motivos pela escolha da Casa é a ligação de três das artistas que participam do Quarantine: Manauara Clandestina, Diran Castro e Cinthia Marcelle. Tejo explica que a entidade receberá “o mesmo valor que cada umx dxs participantes do projeto Quarantine. Ou seja, o valor arrecadado com as vendas das obras será dividido igualmente entre xs 45 artistas (incluindo Lais Myhrra e Marilá Dardot que também são coordenadoras da iniciativa), Julia Morelli, Cristiana Tejo e a Casa Chama”. 

300 Desenhos

300 desenhos LENGUAJE PERDIDO por Augusto Ballardo
LENGUAJE PERDIDO, por Augusto Ballardo. Foto: Divulgação

A ideia para o 300 Desenhos surgiu de uma conversa entre dois dos organizadores da campanha, Erika Verzutti e Fernanda Brenner. O projeto foi então estruturado por um grupo de voluntários formado por artistas, curadores, produtores, gestores e galeristas.

Ele funciona assim: ao contribuir com uma cota única de R$ 1000, os apoiadores do projeto são direcionados para o site, onde podem visualizar as obras doadas e descobrir qual será a sua. Um ponto interessante é que a obra não é escolhida pelo apoiador, mas sim por um algoritmo da própria iniciativa. Assim, cada desenho é, de certa forma, designado ao seu dono como se a obra escolhesse o apoiador. Não há limite de colaborações, no entanto.

Com o projeto pronto, o grupo mobilizou suas redes e contatos para levantar recursos para três organizações, a APIB, CUFA e Habitat (confira mais sobre cada uma neste link). Ter ação nacional e agir com ações emergenciais de proteção e assistência para grupos mais vulneráveis foram os critérios de escolha das organizações. 

Para o futuro

A gestora cultural Paula Signoreli, também idealizadora do 300 Desenhos, conta que os resultados já são visíveis: “Tivemos a adesão de 368 artistas, os primeiros a se mobilizarem, superando nossas expectativas iniciais. Ao final, recebemos o apoio de 273 doadores, que participaram com cotas diversas, alguns deles inclusive abrindo mão da ‘recompensa’ (desenho selecionado aleatoriamente pelo sistema criado pelo projeto)”. 

Além do resultado financeiro rápido, a iniciativa já foi replicada no Peru, por exemplo, em uma articulação coordenada pelo curador peruano Miguel Lopez, que resultou no projeto Dibujos por la Amazonia. Segundo Signoreli, a equipe brasileira colaborou com as informações sobre a estruturação da campanha, incluindo o algorítmo de sorteio utilizado pelo 300 Desenhos, cedido pelo programador Ariel Tonglet. A gestora complementa que o grupo segue recebendo consultas e contatos de profissionais de outros países que planejam criar projetos com características semelhantes.

Para Cristiana Tejo, do Quarantine, no futuro “os agentes do mundo da arte devem se questionar sobre o que deve mudar em suas posturas e ações”, complementando que espera que o projeto – um modelo que pode ser replicado por qualquer pessoa – ajude a questionar: “Como causar transformações estruturais que beneficiem mais pessoas e o planeta?”. 

A fala de Thais Hilal, da OÁ, vai de encontro. Ela acredita que é preciso, ainda mais agora, pensar mais à fundo a função social da arte: “Não dá mais para continuar como estávamos. Essa crise que aí está nos mostra que a vida é o que temos de maior valor e se a arte é agregadora e transformadora, ela precisa cumprir esse papel verdadeiramente. Bertold Brecht tem uma frase muito interessante sobre isso: ‘Todas as artes contribuem para a maior de todas as artes, a arte de viver'”.

 

No Dia Internacional dos Museus, ICOM ressalta a importância das instituições culturais

Dia Mundial dos Museus
Crianças assistindo retrospectiva do artista argentino Luis Felipe Noé, contemporâneo do Antonio Dias, no Museu de Belas Artes em Buenos Aires, Argentina. Foto acervo arte!brasileiros

Em 18 de maio celebra-se o Dia Internacional dos Museus. Para marcar a data, o Conselho Internacional de Museus no Brasil (ICOM BR) publicou uma carta aberta à comunidade museológica brasileira. A data foi criada em 1977 junto com o ICOM, órgão que integra a UNESCO.

No documento, o ICOM ressalta a importância das instituições culturais no presente, acolhendo os cidadãos e voltando suas ações para bem-estar coletivo, em um movimento considerado “imprescindível e urgente”. O Conselho destaca os museus como “instituições contemporâneas relevantes e potentes, atuantes na preservação e pesquisa dos seus acervos e na comunicação com seus públicos”. Ainda mais agora, em meio ao pico da pandemia da Covid-19 no Brasil, quando as mortes em decorrência da doença infecciosa ultrapassam os 16 mil.

A mensagem transmitida pelo ICOM no Dia Internacional dos Museus também presta homenagem aos trabalhadores em funções imprescindíveis, como conservação, segurança e manutenção, que não podem seguir o isolamento recomendado e cujo trabalho ajuda a proteger nosso patrimônio. Seguindo as orientações da OMS, os museus seguem fechados e enfrentam obstáculos para minimizar perdas econômicas e ao mesmo tempo manter suas equipes intactas – evitando até quando possível as demissões do seu corpo de trabalho, como infelizmente ocorreu no MET, em Nova Iorque, no final de abril.

Por conta das turbulências do período, o ICOM frisa a potência dos museus em ajudar a população a resistir ao momento, “ativando memórias, lembrando quem realmente somos e quais nossos valores; registrando o presente, os desafios do cotidiano em confinamento, os lutos, e a grande transformação social que estamos vivendo”.

No fim da carta, o conselho chama atenção para a necessidade das instituições de repensar sua função no pós-crise, ressaltando a urgência na reconfiguração da “experiência museológica para a comunidade, na comunidade, com a comunidade, de forma socialmente inclusiva e economicamente sustentável”, complementando que “não há mais como existir sob o lastro de uma elite social, a espera de financiamento público”.

Há algumas semanas, a arte!brasileiros lançou uma série de entrevistas – que continua a ser trabalhada, com novos capítulos a cada 15 dias – onde conversamos com diretoras e diretores de instituições culturais brasileiras para abordar questões como as levantadas pelo ICOM. Confira as entrevistas com Jochen Volz, Eduardo Saron e Ricardo Ohtake.

Leia a carta do ICOM na íntegra neste link.

 

MAM Rio lança novo Clube dos Colecionadores em ação solidária

Anna Bella Geiger, “Burocracia – O Mundo”, 2019. Divulgação

O Museu de Arte Moderna do Rio – MAM Rio lançou o programa Clube dos Colecionadores em ação solidária. O projeto destina metade do montante arrecadado com a venda de obras para a manutenção do museu, para o apoio de ações de arte, educação e desenvolvimento comunitário. A outra metade será encaminhada a dois projetos de ação social importantes no Rio de Janeiro: Lanchonete<>Lanchonete (Pequena África – Gamboa, RJ) e Galpão Bela Maré (Maré, RJ).

O Clube de Colecionadores do MAM Rio foi criado em 2004, como uma forma de democratizar e popularizar a arte a partir do estímulo à formação de novas coleções. A cada edição, cinco artistas são convidados pela Curadora de Artes Visuais do museu a desenvolverem trabalhos em formato de múltiplos. O resultado é um conjunto que destaca as possibilidades artísticas da produção contemporânea brasileira.

Para a edição #6 do programa, realizada em 2019, foram convidados os artistas: Anna Bella Geiger, Daniel Senise, Marcelo Cidade, Maxwell Alexandre e Denilson Baniwa, cujo trabalho ilustra a capa da nossa edição #50. Os 50 conjuntos de múltiplos remanescentes dessa edição compõem a ação solidária do MAM Rio. Em reconhecimento ao apoio ao projeto, os compradores recebem um ano de adesão ao programa Amigos do MAM, que oferece benefícios exclusivos como entrada gratuita no MAM Rio e SP e uma série de descontos. Vale lembrar que o museu encontra-se em fase de revitalização institucional e vem adaptando suas atividades para a web durante a pandemia.

50% dos recursos arrecadados serão direcionados à Lanchonete<>Lanchonete (Pequena África – Gamboa, RJ) e ao Galpão Bela Maré (Maré, RJ). A Lanchonete<>Lanchonete é uma cozinha comunitária e trabalho coletivo mobilizado pela artista Thelma Vilas Boas desde 2015. Já o Galpão Bela Maré integra o Observatório de Favelas, organização que inclui a cultura como parte da superação das desigualdades sociais, com atuação na Maré desde 2001. Ambas atuam fortemente no desenvolvimento de suas comunidades e redes de artistas de regiões vulneráveis da capital carioca.

As obras

Cada autor enviou uma descrição de sua obra ao MAM Rio para contar suas inspirações e até explorar um detalhe do trabalho. Confira abaixo as obras e as palavras de cada artista:

Maxwell Alexandre, “Sem título”, série Reprovados, 2019. Foto: Divulgação

Maxwell Alexandre: “Me veio à cabeça algo relacionado a série Reprovados (2018), sobre a rede municipal de ensino do Rio de Janeiro. A ideia de múltiplos poderia se referir a quantidade de alunos de uma turma, um pátio, ou ônibus escolar … Então escolhi a camisa da escola pública e como suporte o papel pardo, sínteses das séries Reprovados e Pardo é Papel (2018), respectivamente. As camisas de escolas servem para uniformizar/padronizar, mas vestem indivíduos. Pintar 100 camisas uma a uma, a mão, era uma maneira honesta de cruzar essas duas premissas. A única matriz usada no processo foi minha memória, do objeto idealizado ao gesto”.

Denilson Baniwa, ‘Metrô-Pamuri-Mahsã’, 2019. Foto: Divulgação

Denilson Baniwa: “No início do mundo havia a grande Cobra-Canoa-da-Transformação e foi ela quem levou embarcados em seu ventre todos primeiros humanos aos seus lugares onde vivem atém hoje. Esta grande serpente que veio do céu em forma de raio e relâmpago chama-se Pamurĩ Yuhkusiru. Na cidade em meio ao concreto e ferro, transitando diariamente no subterrâneo e com seu ventre abarrotado com diversidade incontáveis de identidades leva os humanos atuais aos seus lugares, a esta grande serpente de metal e olhos de leds dou o nome de Metrô-Pamurĩ-Mahsã (Cobra – Canoa-da-Gente-Metrôpolitana)”.

Daniel Senise, “Sem título (nuvem)”, 2019. Foto: Foto: Divulgação

Daniel Senise: “Quando eu era criança, meu pai, aviador, costumava fotografar suas viagens. Seu acervo de negativos está guardado comigo e uma boa parte dele é de nuvens. O trabalho que propus para o Clube dos Colecionadores usa uma dessas nuvens como elemento central: um momento no céu do norte ou do nordeste do Brasil há 60 anos, reenquadrado agora por mim”.

Marcelo Cidade, “Alerta de gatilho”, 2019. Foto: Divulgação

Marcelo Cidade: “O que proponho é um trabalho colaborativo entre o museu e eu, resultante em um contrato social. evidenciando essa troca como parte do trabalho. No documento, o museu se compromete a usar sua importância institucional para negociar a retirada de circulação de 100 gatilhos de armas de fogo que foram apreendidas pela polícia carioca. Os gatilhos dessas armas seriam doados (adquiridos) ao museu, e integrariam, junto com o contrato, o múltiplo que os colecionadores vão receber. A chave do trabalho é o fato de que uma arma sem gatilho não funciona, e a intenção da obra vai ser tentar romper com a lógica armamentista a partir do desmonte literal de 100 armas”.

Anna Bella Geiger, “Burocracia – O Mundo”, 2019. Divulgação

Anna Bella Geiger: “A sequência das quatro mulheres pronunciando a palavra BU-RO-CRA-CIA surgiu em 1974 como um dos “assuntos” para uma das páginas do meu caderno de artista–cartilha intitulado Sobre a Arte . É uma referência a um anúncio dos anos 1930 de um produto de brilhantina em que quatro rostos de mulher pronunciam silabicamente o nome da marca. Nas outras seis páginas do pequeno caderno constam as palavras IDEOLOGIA, AVENTUREIRISMO, e CORRENTES Dependentes/Dominantes, entre outras questõe s polêmicas na época. Ainda em 1974, passei o desenho da ‘Burocracia’ para a gravura em metal e para a pintura, mantendo propositalmente certo estilo de cartaz popular em que as palavras não possuem um padrão gráfico de ‘qualidade'”.

A ação solidária vai até 30 de junho 2020.

 

FAMA intensifica atuação virtual e prepara lançamento de catálogos online

A Fábrica de Arte Marcos Amaro, em Itu. Foto: Patricia Rousseaux

* Por Maria Hirszman e Marcos Grinspum Ferraz

Assim como a maioria das instituições culturais do país, a Fábrica de Arte Marcos Amaro (FAMA) teve que se reinventar rapidamente – no ambiente virtual – para continuar em contato com o público durante a quarentena. Diferentemente de outros museus e centros culturais mais antigos, no entanto, a FAMA – aberta em 2018 em Itu e vinculada à Fundação Marcos Amaro – ainda não possuía um vasto material audiovisual produzido. “Museus e instituições com um tempo de vida maior já tinham registros em vídeos, áudios e imagens em maior quantidade, estavam mais preparados do que os museus mais jovens como nós”, afirma Raquel Fayad, diretora geral da FAMA.

A solução encontrada foi desenvolver uma série de materiais “alinhando os setores de comunicação e design, audiovisual, educativo, museologia e curadoria”, como explica Fayad, e marcar presença constante (com conteúdo disponibilizado diariamente) nas redes sociais e no site da instituição. Sediada em espaço que abrigou no passado uma indústria têxtil no centro de Itu, no interior de São Paulo, a FAMA abriga o acervo do colecionador e artista Marcos Amaro e promove exposições, cursos e editais. A instituição já organizou, entre outras, mostras de Bispo do Rosário e Louise Bourgeois e prepara, para um futuro próximo, uma grande exposição com desenhos, estudos e anotações de Tarsila do Amaral (leia aqui texto de Tadeu Chiarelli).

Seguindo a proposta de acompanhar as iniciativas de diversas instituições culturais do país neste momento de quarentena, recolhemos um depoimento de Fayad sobre o trabalho que a FAMA está realizando e as dificuldades enfrentadas durante a pandemia do coronavírus (leia abaixo). Em seguida, conversamos com Marcos Amaro sobre o trabalho de catalogação do acervo. 

Raquel Fayad – “Este momento de quarentena por conta da pandemia colocou os museus em uma situação que, por um lado, impossibilitou a presença física do público, mas por outro provocou um olhar para o que as instituições podem promover para um público virtual.

Museus e instituições culturais com um tempo de vida maior, com mais histórico, já tinham registros em vídeos, áudios e imagens em maior quantidade, estavam mais preparados do que os museus mais jovens como nós. Talvez porque o mundo globalizado sinalizava este caminho, ou talvez por conta de algum outro momento de impedimento ter despertado esta necessidade.

Mas então como preparar conteúdos construtivos e interativos em um momento em que a equipe do museu está em home office? Como pensar situações possíveis para a manutenção do quadro de funcionários, impedidos de estar presencialmente para atender, receber e desenvolver ações no espaço?

Mais do que querer fazer como este ou aquele museu, acreditamos que nossa riqueza está nessa realidade de instituição jovem, com um corpo de mediação jovem e criativo, orientado pelos profissionais competentes e experientes que compõem a FAMA. A estratégia foi essencial para começarmos a divulgar nas nossas plataformas, nas mídias digitais, o que comporia o histórico deste momento, a partir de registros que temos e do que era possível fazer. A escolha foi fazer um exercício de composição, de olhar para as partes e criar um todo que se complementa a cada dia, criando relações temáticas, curatoriais e de conteúdo.

O projeto ‘Quarentena – #FAMAonline’ foi composto por uma série de conteúdos, um para cada dia da semana, além de atividades extras como o curso de desenho e o podcast. O que nos move, como equipe, é o desafio e a crença na arte. E este momento é um grande desafio para a nossa vida. É viver uma programação sem data, sem saber o que e quando será. É aprender a usar a percepção em outro nível, de modo atento à todas as informações e notícias que surgem a cada segundo.

É estar atento também à equipe, à saúde física e mental em tempos de confinamento, aos nossos desejos, nossas capacidades e incapacidades, à situação financeira e jurídica. É o momento de sobrevivência. Algo que gera no ser humano uma força e criatividade imensas. Mais do que sobreviver, precisamos viver e agir.

O momento ficou ideal para focarmos na catalogação, organização e documentação do acervo da FAMA (leia abaixo). Momento ideal também para ampliarmos a capacitação do Educativo, sob orientação da coordenadora Carla Borba e dos curadores Ricardo Resende e Ana Carolina Ralston. Os curadores e os mediadores criaram, desenvolveram e gravaram vídeos sobre os artistas pesquisados, além de o Educativo estar produzindo atividades de oficinas de arte.

Com uma direção e produção executiva que alinha os setores de comunicação e design, audiovisual, educativo, museologia e curadoria, nosso resultado está sendo ótimo e tem nos ensinado mais, com detalhes e curiosidades, sobre o nosso acervo, equipe e público. 

A partir disto, promovemos uma série de ações e atividades culturais, artísticas e educativas nas nossas redes sociais – sob o título de #FAMAonline -, disponibilizadas no nosso site, no Facebook e Instagram todos os dias. Elas são o #ObrasComentadas, #FAMAéCultura, #QuizFAMA, #TBT, #EducativoFAMA, #AcervoFAMA e #FAMINHA vai até você (saiba mais aqui).

Em paralelo, divulgamos o “Curso Básico de desenho em tempos de confinamento”, com as artistas Adalgisa Campos e Marcia Pastore, em que selecionamos 15 participantes para dois encontros semanais de abril à junho. E os encontros do Edital Meios e Processos 2020, que começariam em abril na FAMA, tiveram início online para as apresentações iniciais. O grupo seguirá em contato virtual com a orientadora Katia Salvany e o curador Andrés Hernandéz.

Em junho inauguraremos o #PodcastsFAMA, sendo a primeira série sobre a História da Arte, ministrado pelo Prof. Luis Armando Bagolin, com 6 episódios. E em agosto ficará pronto o #aplicativoFAMA. Temos como objetivo, estreitar a relação e diálogo com o nosso público, mesmo estando distantes.”

                                                                      *

Por dentro do acervo – Impossibilitado de abrir suas portas a pesquisadores e visitantes, a FAMA (Fábrica de Artes Marcos Amaro) elaborou uma estratégia nova, que atende um duplo objetivo: facilita o acesso, mesmo que virtual, à sua coleção, e amplia o trabalho de organização interna de suas obras. A ideia é lançar, aos poucos, uma série de catálogos online que reproduzam na íntegra as obras de uma série de artistas com representação significativa no acervo. O primeiro trio já tem sua primeira edição pronta e contempla os trabalhos de Farnese de Andrade, Amadeo Luciano Lorenzato e Flávio de Carvalho, cada um deles com cerca de 15 obras.

Num primeiro momento, essas publicações virtuais contemplam sobretudo as obras, mas a intenção é agregar aos poucos textos analíticos sobre os artistas e os trabalhos, assinados pela equipe de curadoria do museu (Ricardo Resende e Ana Carolina Ralston), bem como por críticos convidados. Segundo Marcos Amaro, fundador do FAMA, a escolha de três autores importantes de meados do século 20 para iniciar a divulgação das publicações on-line foi apenas uma coincidência. A coleção da instituição, que abriga a maior parte das aquisições feitas por ele desde 2008, quando iniciou o acervo, é bastante eclética, indo desde uma Nossa Senhora das Dores, de Aleijadinho, até obras contemporâneas. No total, são cerca de 5 mil itens. Dentre os artistas mais bem representados no acervo, Amaro cita nomes como Goeldi, Nuno Ramos, Samico e Carmela Gross.

A opção por essas leituras monográficas, em que as imagens das obras ganham um forte destaque, nasce de uma pesquisa empírica. Durante semanas, Amaro observou as propostas de relação interativa veiculadas desde o início da pandemia por diferentes instituições e concluiu que a fotografia ainda é a forma que permite uma relação mais efetiva com a obra. “Essa ainda é a melhor maneira de dar força para a coleção e torná-la um centro de pesquisa”, conclui ele.

“Temos um governo que não gosta de cultura e vemos a chegada de um certo fascismo”, diz Ricardo Ohtake

Ricardo Ohtake, diretor do Instituto Tomie Ohtake. Foto: Divulgação

Uma das figuras mais atuantes no campo da gestão cultural no Brasil nas últimas décadas, Ricardo Ohtake vê com grande preocupação o atual momento do país. Não só por conta da pandemia do novo coronavírus, mas pelas crises econômica, política e cultural que já davam as caras nos últimos anos. “Temos um governo que não gosta de cultura e também não gosta das posições progressistas que a cultura costuma ter”, diz ele em entrevista à arte!brasileiros.

Diretor do Instituto Tomie Ohtake desde sua fundação, em 2001, Ricardo vê no governo de Jair Bolsonaro não só características que se assemelham ao período da ditadura militar brasileira (1964-1985) – o que é explícito nas palavras do próprio presidente -, mas também traços do fascismo e do nazismo que governaram países europeus na primeira metade do século passado. “É uma situação muito perigosa”, afirma. 

Ainda assim, Ricardo segue firme com as atividades – agora virtuais – do Tomie Ohtake. “Nós temos que achar caminhos né? Se não podemos agir no país inteiro, pelo menos instituição por instituição, exposição por exposição”, afirma. “Temos que voltar a construir um projeto de país”, complementa, pensando tanto neste fazer cotidiano das instituições quanto em uma escala macro. “E um projeto de país tem a ver com arte, com educação e cultura.”

Filho da artista nipo-brasileira Tomie Ohtake, Ricardo, hoje aos 77 anos, se formou em arquitetura na FAU USP, onde ingressou no movimento estudantil durante o regime militar. Além de atuar como designer gráfico, Ohtake se aproximou ainda nos anos 1970 de projetos culturais e urbanísticos da prefeitura de São Paulo, tornando-se o primeiro diretor do Centro Cultural São Paulo, em 1982. Nos anos seguintes, foi diretor do Museu da Imagem e do Som (MIS-SP), da Cinemateca Brasileira, secretário da Cultura de São Paulo e secretário Municipal do Verde e do Meio Ambiente. Recebeu ainda o Prêmio Ciccillo Matarazzo para Personalidade do Ano em 2013 e assumiu a Cátedra Olavo Setúbal de Arte, Cultura e Ciência em 2017.

Tamanho prestígio não tornou simples, no entanto, o trabalho de captação de recursos para as exposições e atividades do Tomie Ohtake, como conta Ricardo na entrevista. “Também porque não temos um padrinho, um patrono, como a maioria das grandes instituições têm”, explica. Ohtake falou também sobre as atividades virtuais promovidas pelo instituto durante a quarentena, sobre o programa educativo do instituto e sobre o mercado de arte. Leia abaixo. 

ARTE! – Estamos passando por uma enorme crise por conta da pandemia do coronavírus, então eu queria começar perguntando como você vê esse momento e como estão lidando com isso no Instituto Tomie Ohtake? Como estão agindo e que tipo de planejamento é possível fazer?

Ricardo Ohtake – Nós estamos vivendo várias crises ao mesmo tempo. Uma delas é a crise econômica do país. De alguns anos para cá estamos tendo dificuldade de fazer as coisas por falta de dinheiro mesmo. Aí temos um outro problema que é uma questão política, porque nós temos um governo que não gosta de cultura e também não gosta das posições progressistas que a cultura costuma ter. Esse governo não quer saber de nada progressista e faz de tudo para atrapalhar a vida. E a terceira coisa é a crise com a pandemia do coronavírus, que faz com que a gente tenha que fechar as instituições culturais e que e a gente não possa sair de casa nem para fazer reuniões. E, como consequência, nós também não conseguimos fazer um planejamento, porque não sabemos quando é que vão acontecer as coisas. Então você leva as ideias até certo ponto e a partir daí não consegue planejar mais nada, fica tudo meio no ar.

ARTE! – Ainda assim existe uma atuação do instituto que segue, com os cursos online, o podcast, com o #juntosdistantes no Instagram…

Sim, a gente teve que inventar coisas para esse período, para não ficar sem que nada acontecesse. Então estamos também fazendo atividades, inclusive relacionadas ao assunto do coronavírus. No #juntosdistantes tomamos alguns depoimentos de pessoas que pensam de modo muito interessante sobre esse assunto. Convidamos pessoas que são pensadores de coisas muito profundas, ensaístas, professores, artistas etc., e com eles fazemos esses vídeos mais curtos. Vídeos de cinco ou dez minutos que têm dado um resultado muito interessante. Então a gente tem conseguido fazer algumas coisas. E seguimos também com os cursos online.

ARTE! – Pensando nessas propostas e nos cursos, fica muito clara uma preocupação educativa da instituição, que vem desde a sua fundação. Queria que você falasse um pouco sobre isso. A missão de um museu ou instituição cultural atualmente deve ir para além apenas da parte expositiva?

Bom, a gente abriu o instituto em 2001, há quase 20 anos, e a partir do segundo ano começamos a organizar essa parte educativa. Nós chamamos a Stela Barbieri, uma excelente artista e educadora, com uma ação muito forte. E ela, com ajuda do Agnaldo Farias, nosso primeiro curador, organizou um trabalho educativo muito intenso. No primeiro momento a gente pensou que queria resolver o problema educativo brasileiro. Pensamos isso de manhã, mas à tarde já vimos que era impossível, porque o problema é grande. Então nós resolvemos fazer uma coisa um pouco menos ambiciosa, mas sempre quisemos trabalhar com bastante gente, de forma que tivéssemos muitos alunos, que muitas pessoas pudessem se formar em arte. E que a arte fosse o caminho para a pessoa receber uma educação mais completa. E começamos a trabalhar junto à Secretaria Municipal de Educação, primeiro com o Fernando José de Almeida, depois com a Eny Maia e com a Cida Perez.    

Fachada do Instituto Tomie Ohtake, em São Paulo. Foto: Divulgação

ARTE! – Isso tem a ver com algo que você já falou outras vezes, que é um desejo de aproximar o instituto das periferias, das escolas públicas, mesmo que ele esteja localizado em um bairro nobre da cidade?

Sim, o fato de trabalhar com escolas públicas já aproxima de um tipo de público que não é dos colégios mais de elite próximos ao instituto. Então nós fomos atrás da escola pública, neste sentido de pegar um público que não é aquele considerado culturalmente sofisticado. Mas é um pessoal de muita ação e vontade. E decidimos também que queríamos trabalhar mais do que com os alunos, mas com os professores. Porque os professores é que vão multiplicar para os alunos. E aí nós trabalhamos, no primeiro momento, com 4 mil professoras. Isso significava chegar a milhares de alunos. E dos cursos curtos do início passamos para cursos mais longos, de formação mesmo, de um semestre. E a gente envolvia teatro, cinema, desenho, música. Sem contar um mergulho na parte mais teórica. Depois, com a mudança de gestão na prefeitura, o projeto foi encerrado. Mas mais para a frente conseguimos retomar outros cursos para professores, não exatamente como aquele, mas também de formação.

ARTE! – E tem os cursos abertos para o público…

Sim, tem dois tipos de cursos. O primeiro são cursos de desenho, de história da arte, de colagem, de assuntos mais ou menos fechados. E também damos outros cursos que são de preparação crítica para jovens artistas.

ARTE! Você falou sobre o trabalho com diferentes áreas artísticas e linguagens que existia no curso para professores. Existe esse aspecto do Instituto Tomie Ohtake, que acho que se relaciona também com a sua trajetória pessoal, que é a multidisciplinaridade. Qual é a importância, no instituto, de trabalhar com diferentes áreas do conhecimento?

Acho que à medida que você vai abrindo o campo do conhecimento, o campo da experimentação, fica tudo mais interessante. A pessoa vê artes visuais, mas vai ver música, ver dança. Acho que é da maior importância cobrir todas essas áreas. E a gente se preocupa em trazer pessoas de altíssimo nível. Por exemplo, o coro da Osesp e o Grupo Pau Brasil. De dança, a gente traz o Ismael Ivo e o Balé da Cidade, que acho que é dos maiores grupos de dança do Brasil. E ele inclusive faz espetáculos especiais para nós, em diálogo com as exposições que estamos fazendo. Por exemplo, na exposição do Takashi Murakami. Já fizemos coisas também com a Orquestra de Câmara da ECA/USP, do Gil Jardim. Quando a gente fez a exposição do Miró, por exemplo, eles fizeram um concerto com músicas da época em que o artista viveu e da terra em que ele nasceu. E também vamos começar a trabalhar com literatura, com a Cooperifa, que reúne um pessoal impressionante. Eles fazem semanalmente um encontro em um bar na zona sul, com declamação de poesias e textos. E reúne um monte de gente, é uma coisa incrível. E vamos fazer um projeto com eles, junto com uma exposição.

ARTE! – Para além disso, arquitetura, urbanismo e design ganham um destaque especial no instituto. Pode falar um pouco sobre isso?

São as áreas que a gente trabalha mais diretamente. A gente faz exposições não só de artes visuais, mas também de arquitetura e design. Já fizemos várias exposições com arquitetos vencedores do Prêmio Pritzker (espécie de Nobel da arquitetura), como o Oscar Niemeyer. Fizemos também exposição do Vilanova Artigas, entre outros. E a gente organiza exposições de design também, de brasileiros e estrangeiros. Temos ainda as premiações, tanto de design quanto de arquitetura, que são principalmente para incentivar a produção contemporânea e de jovens.

ARTE! – Mas para além das exposições, existe uma preocupação de se abrir e dialogar com a cidade…

Claro. Por exemplo, uma das premiações que fazemos chama-se Territórios, voltada para escolas e professores da rede pública. E a gente vê qual tipo de trabalho esses professores estão realizando junto com seus alunos, junto com a escola, de atuação na cidade, nas proximidades da escola. E seleciona dez projetos e faz uma exposição com vídeos sobre eles. E tem coisas incríveis, desde mobiliário feito para uma praça perto da escola até trabalhos sociais. Temos feito esse prêmio com muito entusiasmo, porque dá muito resultado. E esse vasto programa de cultura e participação, do qual o prêmio faz parte, foi criado pelo Felipe Arruda, que tem trazido muita gente para o instituto.

ARTE! – Falando um pouco mais das artes visuais, em uma homenagem que você recebeu no Instituto de Estudos Avançados da USP alguns anos atrás, você afirmou que a arte mais vinculada ao mercado e às galerias é em geral uma arte mais formalista. E disse que o trabalho no instituto procura sair um pouco dessa zona mais dominada pelo mercado. Poderia explicar?

Isso que eu falei cerca de três anos atrás é algo que já vinha mudando um pouco e que agora acho que mudou mais. Essa arte muito formal, “bem feitinha”, ainda existe bastante, mas acho que o mercado tem se voltado mais também para uma arte mais política. E eu acho que em tempos como os que estamos vivendo temos que mostrar essa arte política, fugir de coisas mais conservadoras.

ARTE! – Ao mesmo tempo é possível perceber na programação do instituto, nos últimos anos, um grande número de mostras de grandes nomes, bastante vinculados também ao mercado. Desde contemporâneos como Murakami e Yayoi Kusama até modernos como Picasso, Dalí, Frida Kahlo e Miró. De que modo essas mostras de grande apelo são importantes para o instituto e se adequam a esse objetivo de não ser excessivamente ligado ao mercado?

Evidentemente não fazemos mostras só de coisas que estão fora do mercado. A organização de exposições grandes, como essas, a gente começou a fazer no sentido de trazer um público maior, que não estava frequentando o instituto. E este público não é o público “chique”, digamos assim. É um público de classes sociais mais baixas. E era isso que a gente queria trazer. Porque trabalhar apenas com a arte contemporânea menos conhecida pode acabar sendo uma coisa muito fechada, para poucos. Acho que a gente tem que chegar neste público que não está acostumado a frequentar espaços artísticos. E aí o cara vê o Picasso e de repente se interessa em ver outras coisas menos conhecidas também. É um processo.

E para você ver… como essas exposições são muito caras de produzir, nós começamos a cobrar em um dado momento. Era R$ 12 a entrada inteira e R$ 6 a meia. E sabe que isso mudou a cara do público? Deixou de ter o público mais popular. E então decidimos voltar a fazer gratuito, porque nossa ideia é essa, todo mundo poder ver. Mas o fato é que nós temos tido dificuldade de fazer essas mostras, porque são muito caras.

ARTE! – Mas o Murakami, que estava em cartaz recentemente, não é uma dessas?

O Murakami, apesar do que pode parecer, não é tanto assim de grande público. Ele não é tão conhecido no Brasil quanto a gente imagina. Ele é muito conhecido em outros lugares do mundo, especialmente nos EUA, mas depois fiquei sabendo que mesmo no Japão ele não é tão bem recebido assim.

Área expositiva do Instituto Tomie Ohtake durante mostra de Murakami. Foto: Divulgação

ARTE! – Nesse sentido, lembro de uma entrevista em que você falou que cada exposição que o instituto planeja realizar demanda uma batalha para conseguir recursos.

Sim, porque não temos um padrinho, um patrono, como a maioria das grandes instituições têm. Então a gente pena para fazer as exposições, não só as grandes, mas também as menores. A captação é mesmo difícil. Inclusive pensamos em reduzir um pouco o número de mostras. Estávamos organizando cerca de 17 mostras por ano, o que é muito. Provavelmente teremos que reduzir esse número para cerca de 12. E essas mostras grandes só poderemos programar quando conseguirmos um patrocinador logo de cara.

ARTE! – Como você mesmo disse, independentemente da quarentena já existia no Brasil um quadro muito conturbado e ameaçador para a cultura nos últimos tempos. Como trabalhar nesse momento?

Acho que o fato de ter um governo como esse atual exige que a gente invente as coisas para fazer. Precisamos ser mais inventivos. E acho que todo mundo na área cultural está pensando isso.

ARTE! – E tratar de questões políticas se torna mais difícil? Ou talvez se torne mais urgente?

Olha, em 2018 a gente fez uma exposição forte sobre o AI-5, com curadoria do Paulo Miyada – que é nosso curador-chefe -, porque completava 50 anos da data. E a gente vai organizando algumas exposições como essa, ligadas diretamente à questões políticas, e outras que não são assim tão diretas, mas que tem um caráter político. Por exemplo, fizemos a exposição daquele menino de Minas Gerais, o Pedro Moraleida, que se suicidou com 22 anos e era um cara com uma produção muito forte. Ele já conhecia tudo, de pintura, de história da arte, de filosofia, era um cara impressionante. E é uma mostra que tem esse caráter político.    

ARTE! – Falando sobre o AI-5, você é uma pessoa que tem um histórico de luta contra a ditadura militar na sua juventude. Em 2014, foi também autor do projeto de um monumento em homenagem aos mortos e desaparecidos políticos. Nós temos nesse momento um presidente que repetidamente defende a ditadura militar, homenageia figuras como Brilhante Ustra ou, recentemente, o major Curió… enfim, queria saber como você enxerga esse momento político.

Eu acho que a questão desse presidente não é só uma questão ideológica, digamos assim. Parece que tem uma questão psicológica também, como muitas pessoas dizem. Porque ele fala tanta bobagem. Claro que tem a ver com a posição ideológica dele, mas ele vai falando qualquer coisa, briga com todo mundo, vê todo mundo como inimigo, provoca todo mundo. Chama um ministro e depois manda embora, mesmo que sejam pessoas que rezam da cartilha dele, que são da mesma linha. Além disso, ele fala mentira demais, sobre tudo. Responde qualquer coisa mentindo e encerra o assunto. Então acho que é uma situação muito complicada, que eu realmente não sei como se faz para ultrapassar. Mas acho que as instituições democráticas do país precisam saber lidar com essas coisas. Todo mundo reclama, mas a rigor ninguém chega e peita para valer o homem. Agora, nós temos que achar caminhos né? Se não podemos agir no país inteiro, pelo menos que seja instituição por instituição, exposição por exposição… 

ARTE! – Inclusive a censura voltou a ser um assunto, depois de muito tempo.

Sim, essa coisa da censura é muito forte, e mostra a chegada de um certo fascismo… É uma situação muito perigosa.

ARTE! – Você vê paralelos desse governo com o período da ditadura militar?

Acho que tem sim. E pior do que isso, acho que tem um paralelo muito grande com a época do Hitler. Algumas situações que ele provoca são muito parecidas.

ARTE! – E nesse momento conturbado, de que modo você acha que a arte e a cultura podem ajudar, podem propor caminhos?

Acho que está todo mundo procurando caminhos, procurando saídas para isso tudo. E é muito difícil saber o que deve ser feito. Se soubéssemos já estaríamos fazendo. Então eu acho que cada um vai fazendo seu trabalho, algo que consiga responder a essa situação do país. E nós temos que voltar a construir um projeto de país. Projetos como tivemos no fim dos anos 1950 e começo dos 1960, antes do golpe, ou como tivemos de uns 20 anos para cá. E um projeto de país tem a ver com arte, com educação, cultura. Isso pensando no grande. E no pequeno é o que cada um já vinha fazendo e que vai adaptando. Mas acho que se não tiver essa visão do grande, perseguir isso, acho que a gente não vai conseguir sair desse ponto em que nós estamos. Acho que é isso o que temos que procurar.    

Arte na quarentena: confira novidades entre as iniciativas virtuais das instituições

Candombe (circa 1930) de Pedro Figari. Foto: divulgação MASP

Até o momento, o isolamento social é necessário para ajudar a achatar a curva de contágio do novo coronavírus; no estado de São Paulo, por exemplo, permanecem autorizados a funcionar apenas serviços essenciais, e a quarentena foi ampliada até o dia 31 de maio devido ao aumento do número de casos e mortes. Enquanto este período de recolhimento permanece, algumas instituições culturais apostam em novos projetos na web para trazer um pouco dos seus acervos e conteúdos para os internautas. Confira algumas novidades entre essas iniciativas:

MASP: Diálogos no Acervo

Já eram conhecidos o MASP Aúdios e a parceria do MASP com o Google Arts & Culture, que resultou na exibição online de 1.000 dos 8.000 ítens do acervo permanente do museu. Como forma de contornar o isolamento, a instituição começou o MASP em Casa, que revisita esse acervo e traz o perfil das obras em postagens nas suas redes sociais. 

Continuando a investir em uma empreitada digital, o MASP lançou também o [Curadoria] em Casa e uma série de lives no Instagram. O primeiro convida a equipe curatorial do museu a escrever, a partir de uma perspectiva pessoal, sobre uma obra ou lembrança de alguma forma relacionada ao MASP. 

As tentações de Santo Antão (circa 1500), de Hieronymus Bosch. Foto: divulgação

Agora, o MASP está movendo seu projeto Diálogos no Acervo para o Instagram. Com isso, seguidores serão apresentados a obras do acervo do museu por meio de elementos que compõem cada trabalho, como biografia do artista, técnica e contexto histórico. O Diálogos no Acervo será realizado sempre às terças às 16h, como uma forma de trazer as visitas guiadas presencialmente para o ambiente virtual. A primeira edição do Diálogos aborda a obra Candombe (circa 1930) de Pedro Figari; no dia 19 de maio o programa segue com As tentações de Santo Antão (circa 1500), de Hieronymus Bosch; no dia 19/5, e em 26 de maio é a vez de Campo de ação/campo de visão (2017), de Daniel de Paula.

#PaçoEmTodoLugar continua a explorar virtualmente a história da instituição

Seguindo a proposta Cultura em Casa, da Secretaria de Cultura e Economia Criativa do Estado de São Paulo, o Paço das Artes lançou, em 22 de março, a campanha #PaçoEmTodoLugar, apresentando uma programação nas redes sociais com conteúdos sobre a história da instituição, ações artísticas, educativas e interativas que envolvem projetos de artistas e exposições que já passaram pelo Paço das Artes.

A história da instituição – com memórias e depoimentos de quem fez parte da construção do Paço – foi o tema das postagens da primeira semana do projeto, que agora chega em sua quinta rodada temática. A programação da próxima quinzena gira em torno de “Paradoxo(s) da Arte Contemporânea: diálogos entre os acervos do MAC USP e do Paço das Artes”, mostra que aconteceu em 2018 com curadoria de Priscila Arantes e Ana Magalhães. A questão do paradoxo surgiu de uma reflexão proposta por Regina Silveira na obra “Paradoxo do Santo”, instalação que nos chama a pensar os conflitos de dominação da América Latina, contrapondo a imagem popular de Santiago Apóstolo à sombra projetada do monumento dedicado a Duque de Caxias. Tal conceito de paradoxos e contradições percorreu todos os trabalhos da mostra que apresentou obras de Alex Flemming, Fabiano Gonper, Felipe Cama, Nazareno Rodrigues, Rosângela Rennó, entre outros.

Seguindo nessa mesma linha, a próxima quinzena do #PaçoEmTodoLugar – que será finalizada em 24 de maio – vai explorar os paradoxos entre o público e o privado, ressaltando artistas cujas produções lidam com ambos os espaços.

“Convivência” (2020), Ana Teixeira. Foto: divulgação

Entre as ações destacam-se Convivência, de Ana Teixeira, projeto que a artista começou a desenvolver no início de seu confinamento em função da pandemia do coronavírus, e conversas com Giselle Beiguelman e Thiago Honório, além da apresentação de alguns de seus trabalhos nas redes sociais do Paço.

Itaú Cultural traz gratuitamente festival de filmes etnográficos e documentários

Esta é a última semana para checar os filmes da Janela Forumdoc – mostra com seis produções brasileiras exibidas na 23ª edição do Forumdoc: Festival do Filme Documentário e Etnográfico, realizado anualmente em Belo Horizonte. Yãmiyhex – As mulheres-espírito; Antonio e Piti; Eleições; Banquete Coutinho; Enquanto Estamos Aqui; e Mãtãnãg, a Encantada estão disponíveis no site do Itaú Cultural até o dia 19 de maio. Embora façam parte de uma mesma seleção, o cerne das histórias é diverso e também seus formatos; Mãtãnãg, a Encantada (Dir.: Charles Bicalho e Shawara Maxakali), por exemplo, é um curta-metragem de animação falado na língua Maxakali sobre um conto de amor com viés transcendental, enquanto Eleições (Dir.: Alice Riff), é um documentário que retrata a rotina de uma escola estadual do centro de São Paulo, durante as eleições do grêmio estudantil. Vale checar cada um dos seis filme exibidos gratuitamente. 

Frame do filme “Enquanto Estamos Aqui”, de Clarissa Campolina e Luiz Pretti. Foto: divulgação

Além do festival de filmes, até dia 17 de maio o Itaú Cultural participa, no Twitter, da sétima edição do MuseumWeek, organizado pela Culture For Causes Network. O MuseumWeek é inteiramente dedicado às instituições culturais nas mídias sociais. Em 2020, as ações são desenvolvidas em torno do tema União, ainda mais relevante agora. Mesmo englobadas em um tema maior, as postagens das instituições seguem hashtags diferentes a cada dia, entre elas Clima, Tecnologia e Sonhos. 

Confira outras iniciativas virtuais do Itaú Cultural neste link.