O Complexo Theatro Municipal, em São Paulo, terá a dança como seu principal foco neste mês de setembro. Tem início hoje (2/9) uma série de oito apresentações de coreografias inéditas do brasileiro Alejandro Ahmed, conhecido por seu trabalho à frente da Cena 11 Cia. de Dança, e do inglês Ihsan Rustem, para obras de John Cage e Schubert, respectivamente. Os espetáculos terão execução ao vivo da Orquestra Sinfônica Municipal, com regência do maestro Alessandro Sangiorgi.
Ahmed leva ao Municipal sua interpretação para a música Sixty-Eight, de Cage, enquanto que Rustem apresenta no palco sua coreografia para a Sinfonia em Si menor, Inacabada, do compositor alemão. Em comunicado enviado pelo Complexo, a diretora-geral Andrea Caruso Saturnino destaca “a expertise e competência” de ambos coreógrafos, que acumulam em suas trajetórias “trabalhos consolidados tanto no que concerne às suas propostas artísticas, quanto às suas experiências”.
Já Cassi Abranches, diretora artística da companhia de dança, ressalta que se sentem lisonjeados com a participação de Ahmed, coreógrafo com um “trabalho absolutamente marcante”. Sobre Rustem, a diretora lembra que o Balé não fazia colaborações internacionais desde 2018, quando foi montado Deranged, do coreógrafo austríaco Chris Haring, com inspiração na canção I’m deranged, de David Bowie.
Com 15 bailarinos em cena, as coreografias para a sinfonia Inacabada têm movimentos intrigantes e intrincados, marcados pela ideia de impermanência e mistério. Os figurinos, inspirados nos séculos 19 e 20, também aludem a uma noção de incompletude, numa leitura contemporânea de trajes de época, assinada por Cassiano Grandi. Já a iluminação fica a cargo de Caetano Vilela.
Registro de “Inacabada”, coreografia de Ihsan Rustem a partir da sinfonia de Franz Schubert, dançada pelo Balé da Cidade de São Paulo. Foto: Stig de Lavor
Registro de “Inacabada”, coreografia de Ihsan Rustem a partir da sinfonia de Franz Schubert, dançada pelo Balé da Cidade de São Paulo. Foto: Stig de Lavor
Registro de “Sixty-Eight”, coreografia de Alejandro Ahmed a partir da composição de John Cage, dançada pelo Balé da Cidade de São Paulo. Foto: Rafael Salvador
Registro de “Sixty-Eight”, coreografia de Alejandro Ahmed a partir da composição de John Cage, dançada pelo Balé da Cidade de São Paulo. Foto: Rafael Salvador
Em Sixty-Eight, obra escrita por Cage no início dos anos 1990, Ahmed propõe uma “coreografia que se auto-organiza através de um consenso de restrições que a gente estabelece e que faz com que as possibilidades não sejam simplesmente pré-determinadas pela autoridade” dele. Com 12 bailarinos no palco, distribuindo-se em rampas, o trabalho coreográfico se orienta a partir dos compassos de metrônomo luminoso, criado pelo artista Diego de Los Campos. Os figurinos são de Karin Serafin, com a assistência de Juliana Laurindo. A iluminação foi concebida por Mirela Brandi.
SERVIÇO
Sixty-Eight, de John Cage, com coreografia de Alejandro Ahmed
Sinfonia em Si menor, Inacabada, de Franz Schubert, com coreografia de Ihsan Rustem
Theatro Municipal: Praça Ramos de Azevedo, s/n – República, São Paulo – SP
Horários: 2/9 (20h), 3/9, 4/9 e 7/9 (17h), 8/9 e 9/9 (20h) e 10/9 e 11/9 (17h)
Ingressos: R$ 10,00 a R$ 80,00
Classificação: 18 anos
O Terreiro do Paço Imperial, no Rio de Janeiro, recebe mais de 30 obras a partir desta quinta-feira (1). São trabalhos de Coletivo Coletores, Josi, UÝRA e Vitória Cribb, vencedores do Prêmio PIPA 2022. Entre os 61 indicados este ano – sendo todo artistas e coletivos com até 15 anos de carreira -, os quatro foram escolhidos pelo Conselho do PIPA por serem considerados um conjunto representativo do cenário artístico brasileiro atual. Além da participação na mostra, os premiados recebem uma doação de R$ 20 mil cada.
“Este conjunto de 2022 mostra um ecossistema artístico bastante complexo, misturando poéticas que remetem a práticas mais artesanais, até o envolvimento radical com a tecnologia. Acima de tudo, vemos nestes artistas um engajamento poético e político com o universo periférico e com uma experimentação ecológica e social que integra o humano a todas as formas de vida proliferantes”, escreve o curador Luiz Camillo Osório.
UÝRA, “Lama”, 2017. Foto: Keila Serruya / Reprodução
Josi, da série “Decantações, fervuras e temperamentos”, 2021; água de feijão preto sobre papel. Foto: Divulgação
Coletivo Coletores, série “Bandana”. Foto: Divulgação
UÝRA, “Espíritos de Tudo Que Vive”, 2019, exposta na mostra dos Premiados PIPA 2022. Foto: Selma Maia
Josi, sem título, 2022. Foto: Reprodução
Coletivo Coletores, registro de “Memórias insurgentes”. Foto: Divulgação
A escolha deste ano concretiza a reformulação proposta pelo PIPA em 2020, quando o prêmio passou a selecionar mais de um vencedor por edição. “Mais do que concentrar em um único nome, percebemos que dividir o prêmio é mais justo, tendo em vista um cenário tão plural e continental como o brasileiro, com tantas micro-cenas relevantes de norte a sul do país”, explicou o curador em entrevista à arte!brasileiros em 2021.
Neste cenário, a exposição deixa de ter caráter competitivo para tomar forma de celebração. Assim, Coletivo Coletores, Josi, UÝRA e Vitória Cribb dividem o Terreiro do prédio colonial com obras justapostas, “posicionadas de forma a evidenciar as permeabilidades possíveis e aumentando sua potência como conjunto. Sem uma expografia rígida, eles criam juntos um espaço de forma livre e fluida – a exposição é escrita a várias mãos”, explica a organização em suas comunicações oficiais.
Além de trabalhos dos quatro vencedores de 2022, quem visita o Paço Imperial tem a oportunidade de ver obras comissionadas e adquiridas pelo Instituto PIPA nos últimos anos. São trabalhos de artistas contemporâneos brasileiros que fazem parte da história do Prêmio: Eduardo Berliner, Leticia Ramos, Romy Pocztaruk, Ilê Sartuzi, Denilson Baniwa e Isael Maxakali.
Os premiados
Formado em 2008 na Zona Leste da cidade de São Paulo pelos artistas e pesquisadores Toni Baptiste e Flávio Camargo, o Coletivo Coletores tem como proposta pensar as cidades como meio e suporte para suas ações, utilizando diferentes linguagens visuais e tecnológicas, discutindo temáticas ligadas às periferias, apagamentos históricos/culturais, assim como o direito à cidade. Nesta exposição, o grupo apresentará um trabalho em videomapping na fachada do Paço Imperial e exibirá uma vídeo-instalação em NFT, Histórias que não ninam. No dia da abertura, o coletivo ainda circulá pela cidade do Rio de Janeiro com uma de suas projeções.
Nascida em Itamarandiba, a mineira Josiviveu sua infância em Carbonita, no Vale do Jequitinhonha (MG). Formada em Letras pela Universidade Federal de Minas Gerais, passou pela graduação em Artes Plásticas na Escola Guignard-UEMG e hoje busca trançar os saberes ouvidos e testemunhados na academia e “inscritos na musculatura das mãos: as artesanias várias, a pintura, lavação de roupa, o fiar, a escrita, desenho, a cozinha e a cerâmica”, explica em texto publicado pelo PIPA. Nesta exposição, a artista traz algumas esculturas em cerâmica e uma série de pinturas com uma técnica original desenvolvida por ela: o uso de água de feijão preto sobre papel e tecido.
UÝRA traz um pouco da floresta Amazônica para o prédio colonial a partir de bandeiras com fotos da cobertura das árvores da floresta. Nos tecidos, o público pode ver os animais que habitam a Amazônia, por meio do desenho feito pelas folhas das árvores. A artista é Emerson, pessoa trans (dois espíritos) e indígena formada em biologia e mestre em ecologia. Ela habita Manaus (AM), território industrial no meio da Floresta, onde se transforma para viver UÝRA, uma árvore que anda. Tendo o corpo como suporte, a artista narra histórias de diferentes naturezas via foto performances e performances. “A partir da paisagem cidade-floresta, se interessa pelos sistemas vivos e suas violações, pela memória e diásporas indígenas”, explica a organização do PIPA em suas páginas oficiais.
Filha de pai haitiano e mãe brasileira,Vitória Cribb vem criando nos últimos anos narrativas digitais e visuais que permeiam técnicas como criação de avatares em 3D, filtros em realidade aumentada e ambientes imersivos, utilizando o ambiente digital como meio para explicar suas investigações e questões atuais percorridas por seu subconsciente. A artista investiga os comportamentos e desenvolvimentos de novas tecnologias visuais/sociais e transpõe o seu pensamento através da imaterialidade presente no digital.
Montagem da exposição do Prêmio PIPA 2022, com trabalhos do Coletivo Coletores. Foto: Reprodução
Vista dos trabalhos de Josi expostos na mostra do PIPA 2022. Foto: Reprodução
Montagem da exposição do Prêmio PIPA 2022, com trabalho do Coletivo Coletores em primeiro plano. Foto: Reprodução
Montagem da exposição do Prêmio PIPA 2022. Foto: Reprodução
Serviço
Prêmio PIPA 2022: Exposição dos Premiados e Aquisições Recentes
Paço Imperial: Praça XV de Novembro, 48 Centro, Rio de Janeiro
1º de setembro a 30 de outubro
Visitação de terça a sábado, das 12h às 17h
Entrada gratuita
Até o dia 10 de setembro, a Vermelho apresenta Sobre a terra, sob o céu, individual da dupla Detanico Lain, sendo esta a sua oitava exposição solo na galeria.
As obras de Angela Detanico e Rafael Lain são imbuídas de referências científicas, matemáticas e literárias. Elas lidam com temas relacionados ao tempo, ao espaço, à memória, à linguagem e à história. Em Sobre a terra, sob o céu, particularmente, são transpassadas sempre pela questão da linguagem.
“Sobre a terra, sob o céu” (2022), na fachada da Galeria Vermelho. Divulgação.
“Sobre a terra, sob o céu” (2022), vista da exposição na Galeria Vermelho. Divulgação.
“Vida”, da série “Vanitas” (2022) na exposição “Sobre a terra, sob o céu” (2022). Divulgação Galeria Vermelho.
Alfabeto da série “Vanitas” (2022) na exposição “Sobre a terra, sob o céu” (2022). Divulgação Galeria Vermelho.
“Sobre a terra, sob o céu” (2022), vista da exposição na Galeria Vermelho. Divulgação.
“Terra Incognita” (2022), na exposição “Sobre a terra, sob o céu” (2022). Divulgação Galeria Vermelho.
Alfabeto da obra “Terra Incognita” (2022) na exposição “Sobre a terra, sob o céu” (2022). Divulgação Galeria Vermelho.
“Latitude, Longitude”, da série “Pilha” (2022). Divulgação Galeria Vermelho.
“Latitude, Longitude”, da série “Pilha” (2022). Divulgação Galeria Vermelho.
“Latitude, Longitude”, da série “Pilha” (2022). Divulgação Galeria Vermelho.
Entre os trabalhos expostos está a série Vanitas (2018), onde palavras que se referem à passagem do tempo são escritas com um sistema de escrita no qual cada letra do alfabeto é designada por uma determinada quantidade de flores dentro de vasos. Um vaso com uma flor corresponde à letra A, um vaso com duas flores, à letra B, e assim por diante. E, no segundo andar, temos Terra Incógnita (2022), em que o título da obra aparece escrito em tinta acrílica sobre tela de linho, utilizando o sistema Timezonetype, desenvolvido por Detanico Lain. Timezonetype é uma tipografia criada a partir da relação entre fusos horários e as letras do alfabeto. A porção de terreno recortada pelo fuso horário é utilizada como a letra que ela designa.
Frente ao caos sócio político do momento, o homem ainda conta com a memória como refúgio para reconstruir o espaço da utopia, do sonho e da resistência. A coletiva Histórias Brasileiras, que ocupa o 1º andar e o segundo subsolo do Museu de Arte de São Paulo (Masp), provoca conexões do homem contemporâneo com a sua ancestralidade, mistura ciência, saberes populares, reflexão sobre os povos originários e afros, rememora lutas sociais e políticas enfrentadas pelos brasileiros ao longo dos tempos.
Seguindo as pulsões entre a tradição e a novidade,Adriano Pedrosa, diretor artístico do museu, e Lilia Moritz Schwarcz, antropóloga convidada, junto com mais nove curadores, orquestram a exposição com quase 400 obras assinadas por 250 artistas. O disparador conceitual da mostra é fugir da história oficial, imaginar enquadramentos temáticos que provoquem reflexões renovadas sobre nossa colonização. Pedrosa e sua equipe têm realizado exposições amarradas em torno de diferentes narrativas que começaram com Histórias da Infância (2016), Histórias da Sexualidade (2017), Histórias Afro-Atlânticas(2018), Históriasdas Mulheres, Histórias Feministas (2019) e Histórias da Dança (2020), que ocorreu somente online por conta da pandemia.
“Agora com o bicentenário da Independência realizamos Histórias Brasileiras. O Masp é um dos únicos grandes museus brasileiros a não criar nada em torno da Semana de Arte Moderna de 1922”, diz Pedrosa. Segundo ele, a instituição está mais voltada para a história social e para o campo da cultura. “Essa coletiva faz mais sentido para nós.”
Os oito núcleos que balizam a grande exposição não constituem um guia, todos têm vida própria e são eles: Bandeiras e Mapas, Paisagens e Trópicos, Terra e Território, Retomadas, Retratos, Rebeliões e Revoltas, Mitos e Ritos,Festa.A coletiva começa mostrando a que veio. Em Bandeiras e Mapas, Bruno Battistelli mostra sua obra Bandeira Afro-Brasileira (2022), que não é só indicador do gosto do autor, mas uma prova de resistência e militância. O artista muda as cores da bandeira nacional e a transforma em bandeira afro-brasileira. Lilia, que divide a curadoria desse segmento com Tomás Toledo, vê essa obra como um troco. “Aqui temos o sequestro de volta, não só pelo ativismo negro, mas também pelo ativismo LGBTQ+ e pela retomada dos mapas. Todo mapa é imaginário e um mapa do século 16 não é menos imaginário do que o mapa do Jaime Lauriano, que desmistifica a democracia racial.”
Bruno Baptistelli, “Bandeira Afro-Brasileira (em diálogo com David Hammons) – 2ª versão”, 2022, presente no núcleo “Bandeiras e Mapas” da coletiva “Histórias Brasileiras”, no Masp. Foto: Cortesia Masp / Doação do artista, no contexto da exposição Histórias brasileiras
Na verdade, os artistas estão fazendo a ocupação dos símbolos nacionais, como observa Lilia. Tudo é feito com suportes de várias procedências – tela, saco de lixo, objetos descartados – enfim, uma mistura do que é mais provisório com o que é mais permanente. Diante de uma sociedade armada e violenta, é agregadora a presença de 5664 Mulheres, (2014), trabalho de Beth Moysés. As cápsulas de balas de revólver são sustentadas por tule com pérolas e representam as 5664 mulheres assassinadas por seus parceiros no Brasil, em 2013.
Em Mitos e Ritos há o questionamento da ocupação colonial portuguesa que até hoje parece mantida em segredo público. A maioria dos artistas desse segmento é de origem africana e suas obras foram garimpadas pelos curadores Fernando Oliva, Glaucea Britto e Tomás Toledo. “Muito mais do que religiões esse núcleo trata de mitos, religiosidade, questionando o projeto colonizador,” comenta Oliva. Os cruzamentos que movem os dois grupos de inflexão com as religiões de matrizes africanas e indígenas reverberam na história da arte brasileira, embora, segundo Oliva, seja difícil detectar isso no Brasil, no campo da visualidade.
Gênero canônico dentro da história da pintura, o retrato ganha um grande “corredor” na exposição, com dezenas de obras. Segundo Pedrosa, o Masp tem tradição de retrato de corpo inteiro, de escala natural como os de Velázquez, Rubens, Ticiano, Victor Meirelles. “Quis comissionar e fazer justaposição, contraste, contraponto deles com a obra de artistas contemporâneos.” Nesse contexto, o curador solicita a Panmela Castro, para o núcleo dedicado ao gênero, um retrato da Maria Auxiliadora da Silva; no mesmo segmento, o pintor No Martins mostra uma obra a partir de uma fotografia, a única aí que não é autorretrato.
A história do Brasil é tensionada por qualquer ângulo que se tente entendê-la. Terra e Território deixa latente as lutas por espaços territoriais desde o século 16. Pedrosa cura esse segmento com Isabella Rjeille e comenta que o tema envolve artistas nacionais e estrangeiros. O pintor afro-americano Hank Willis Thomas, criou uma das obras mais sintéticas do gênero, o mapa da América do Norte ligado ao da África, numa clara alusão à rota dos navios negreiros. O poeta Langston Hughes, negro, comunista, ligado aos beatniks e ativista na década de 50, já havia falado sobre essa ponte maldita sobre esses dois continentes.
O Brasil, com seus quilômetros de litoral e densas florestas, é um multiplicador de paisagens. Com Guilherme Giufrida, Lilia trabalha o tema Paisagem e Trópicos e lembra que o Brasil sempre foi representado pela humanidade decaída, que são teorias da mestiçagem e, por outro lado, pela eternização da paisagem nos grandes trópicos, como o éden na terra. Aqui está em jogo a questão da horizontalidade tema debatido entre os curadores, portanto não é surpresa que Histórias Brasileiras tenha essa linguagem que se revolve num horizonte contínuo, endêmico, como explica Lília. Entre as obras garimpadas destacam-se as pinturas Paisagem com Jiboia (1660), de Frans Post, que representa a paisagem brasileira, e a fotografia Natureza Morta 1 (2016), de Denilson Baniwa, que traz a silhueta de um indígena morto na floresta amazônica, uma analogia ao extermínio simultâneo tanto da mata quanto dos povos tradicionais.
Aline Albuquerque, “Agritpop”, 2016-22, apresentada no núcleo “Rebeliões e Revoltas”. Foto: Cortesia Masp
Panmela Castro, “Retrato de Maria Auxiliadora”, 2022. Foto: Cortesia Masp
Com André Mesquita, Lilia revive Rebeliões e Revoltas. “O Brasil sempre guardou a imagem mitológica de país pacífico, harmonioso, no entanto foi o último a abolir a escravidão.” Hoje as revoltas nascem contra o passado, como o protagonismo de falsos heróis como os Bandeirantes. A curadora ressalta a presença da obra Confronto com as Tropas de Arthur Oscar, do cearense Descartes Gadelha, além do coletivo a Linha do Horizonte, que fala de censura com bandeiras das mães de maio. André Mesquita comenta pontos da mostra como a greve dos de anarquistas nas ruas de São Paulo em 1920. Essas lutas são feitas com o uso de panfletos, a partir de uma produção efêmera que é transformada em arte. No meio da sala, a escultura agigantada de Rubens Gerchman de 1968, criada sinteticamente com as letras L.U.T.E., fez parte do ativismo do artista contra a ditadura militar nos anos 1960.
Avançamos para o núcleo Retomadas, com a curadoria de Clarissa Diniz e Sandra Benites, que decidiram cancelá-lo em protesto contra a não inclusão de fotos do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST) e da luta indígena, feitas por João Zinclar, André Vilaron e Edgar Kanaykõ Xakriabá. Depois das negociações com a diretoria artística do Masp, as fotos voltaram, e elas concordaram em retomar o núcleo.
Clarissa aponta vários trabalhos de ocupação com diferentes formas de luta presentes neste segmento. A curadora milita na fronteira entre a resistência e a descoberta. Entre os achados de Histórias Brasileiras destaca-se a “ressureição” do povo puri, por meio da cultura, da língua, e, sobretudo pelo trabalho de organização e pela publicação de um dicionário cujo vocabulário foi recuperado com viajantes ou jesuítas puri. “Com isso, um grupo de descendentes, que não conhecia nada sobre essa etnia, começou a estudar puri e também a compor, fazer poesia e se comunicar nessa língua,” explica Clarissa.
Fotografia de João Zinclar que integraria a exposição coletiva cancelada pelo Masp. Foto: João Zinclar
Fotografia de Edgar Kanaykõ Xakriabá que integraria a exposição coletiva da série “Histórias Brasileiras”, cancelada pelo Masp. Foto: Cortesia do artista
Múltiplas narrativas contra-hegemônicas estão por todos os núcleos. O movimento de descolonização iniciou-se por volta de 2010 e hoje ganha corpo e espaço. Chama a atenção Monumento à Voz de Anastácia (2019), obra de Yhuri Cruz, representação da escrava torturada e obrigada a usar grilhão e máscara de flandres até sua morte.
De descendência Guarani, Sandra Benites diz que a luta dos povos indígenas no Brasil é ampla e violenta. “A diversificação é grande, há indígenas morando em zonas demarcadas, na cidade, nas favelas, todos apagados como sujeitos. Nos confrontos pela retomada de nossas terras, a grande mídia vê a todos como invasores”, lamenta Sandra.
O núcleo Festas encerra a exposição e os seus curadores, Amanda Carneiro e Adriano Pedrosa, acreditam que os trabalhos ali presentes coloquem o público em contato com as contraditórias maneiras de celebrar, de diferentes grupos. Chama a atenção a navalha da Madame Satã (Pernambuco, 1900-Rio de Janeiro, 1976). João Francisco dos Santos, o mítico Madame Satã, era homossexual, uma espécie de bandido grã-fino, que vivia na Lapa dos anos 1930, território-livre da malandragem carioca, e que também faz parte das lendárias histórias do Brasil.
SERVIÇO
Histórias Brasileiras Masp (Museu de Arte de São Paulo): Av. Paulista, 1578 – Bela Vista, São Paulo (SP)
Em cartaz até 30 de outubro de 2022
Horários: Terças-feiras, das 10h às 20h (entrada até as 19h); de quarta a domingo, das 10h às 18h (entrada até as 17h)
Agendamento on-line obrigatório pelo link masp.org.br/ingressos
Ingressos: R$ 50 (entrada); R$ 25 (meia-entrada); terças e quinta-feiras grátis
Uma serpente atravessa o Salão Monumental do Museu de Arte Moderna do Rio de Janeiro, deglutindo obras modernistas, criações de diferentes comunidades indígenas e engolindo a própria arquitetura do museu. O que talvez pareça um conto é a proposta expográfica de Nakoada: estratégias para a arte moderna, em cartaz até novembro de 2022. Desapegada do cubo branco, a exposição é construída a partir da silhueta de uma cobra, e é caminhando por seu corpo que tomamos contato com a seleção de trabalhos expostos.
Com curadoria de Denilson Baniwa e Beatriz Lemos, a mostra entra para a longa lista de programações que buscam dialogar com o centenário da Semana de Arte Moderna, reunindo obras das coleções do MAM Rio — especialmente a de Gilberto Chateaubriand, que reúne um importante e vasto acervo do período e está em comodato com a instituição há anos — peças do Museu do Índio e trabalhos de artistas contemporâneos. Porém, ao invés de um caráter celebratório ou crítico frente à efeméride, a mostra propôs uma outra estratégia: trabalhar perspectivas de futuro, e o fez impulsionada por uma ética baniwa, a koada.
“Não tem uma tradução que satisfaça o valor da palavra ‘koada’. Ela pode ser entendida como vingança, troca, revolta, retomada…”, explica Denilson em entrevista à arte!brasileiros. Trata-se de uma estratégia de guerra do povo Baniwa da região do Alto Rio Negro, no Amazonas. Praticada a partir do estudo da cultura e dos saberes de outros povos – permitindo uma compreensão do contexto presente a partir da avaliação de situações passadas -, ela visa dar continuidade à existência da própria comunidade. Já o termo ‘na’ “é um prefixo que significa ‘nossa’ ou ‘nós’. Então nakoada seria ‘nossa retomada’, ‘nossa restituição’, ‘nossa revolta’, ‘nossa volta’, coisas desse tipo”, completa o curador.
Candido Portinari, “Paisagem de Brodowski”, 1940. Foto: Coleção Gilberto Chateaubriand / MAM Rio
Heitor dos Prazeres, “Mulata”, 1959. Foto: Coleção Gilberto Chateaubriand / MAM
Vista da exposição. Foto: Fábio Souza / MAM
Como ressalta Beatriz, essa ética baniwa não se propõe como tema, “não é uma exposição sobre esse conceito, mas é uma possibilidade de vivê-lo no corpo”. Assim, pretende-se convidar o público a uma nakoada pela arte, a enxergar o que pensamos conhecer sobre o modernismo e o Brasil que ele almejava e a revisar os legados do passado e seus usos no presente.
Para isso, grandes nomes do movimento, como Anita Malfatti, Candido Portinari, Di Cavalcanti e Tarsila do Amaral, se encontram em diálogo com obras contemporâneas criadas especificamente para a exposição por Cinthia Marcelle, MAHKU, Novíssimo Edgar e Zahy Guajajara e com criações de diversas etnias indígenas. Tudo isso costurado em uma proposta expográfica que toma forma de serpente cósmica. “Essa simbologia é recorrente em diversas culturas ocidentais e orientais. A cobra digere a nossa história e carrega, dentro de seu bojo, esse tempo expandido”. Assim, quem caminha pelo Salão Monumental da instituição encontra diálogos, enfrentamentos e negociações entre os trabalhos, seus contextos, os períodos que os abrigaram, os autores e as visões de mundo que os criam.
“Se antes nakoada era usada num contexto de guerra e a estratégia servia como um guia para retribuir ou retomar um território; hoje, pensando uma nakoada pela arte, nós estamos nesse mundo fazendo pequenos movimentos de reapropriação do que nos foi tirado: a voz, a presença, a autonomia, a existência”, diz Denilson.
Uma capoeira com a memória
No momento em que o evento marco do modernismo completa 100 anos, elaborar uma mostra que trabalhe um dos principais acervos de obras do período – abrigado por um museu que é em si fruto desse movimento – era algo imprescindível. “Quando existem essas demandas, acho que o mais interessante é exatamente olhar o entorno, entender o que faz sentido hoje, o que a gente pode trazer de novos olhares. Não exatamente uma exposição sobre esse acervo, mas com esse acervo”, conta Beatriz Lemos.
A escolha por estabelecer um diálogo do contemporâneo com a coleção modernista foi resposta a um ensejo da dupla curatorial. Como explica Denilson: “A gente queria fazer um comentário sobre o modernismo, mas não invalidar ou queimar esse acervo, não atacar de forma deliberada tudo isso, porque a quem interessa queimar as coisas, né? Fico pensando como fazer, então, com que tenha uma reflexão da importância do modernismo, que teve equívocos, só que também possibilitou uma presença indígena, negra, LGBTQIA+, feminina dentro de um contexto de produção de arte no Brasil”. Ao que Beatriz complementa: “existe um lugar de dançar com a história, que a gente não pode chegar e simplesmente negar tudo, jogar fora e apagar essa memória. É importante tentar jogar com o próprio tempo, negociar com o tempo”.
Essa negociação ganha forma em uma série de pequenos ‘atos nakoada’ espalhados pela mostra – por vezes na escolha das obras e de seus posicionamentos, por outras, nos textos de parede e recursos que nos guiam pela exposição.
“Kapewẽ Pukenibu”, do MAHKU – Movimento dos Artistas Huni Kuin, obra comissionadas para “Nakoada”. Foto: Fábio Souza / MAM Rio
“Pata Ewa’n – o coração do mundo”, de Jaider Esbell (2016) e “Urutu”, de Tarsila do Amaral (1928). Foto: Fábio Souza / MAM Rio
Em “Sobre os vínculos invisíveis”, Novíssimo Edgar, interliga linhas por sete máquinas de costura, formando uma grande teia. A instalação retoma o ambiente do trabalho têxtil, junto a uma composição sonora, e oferece uma reflexão sobre os vínculos afetivos. Foto: Fábio Souza / MAM Rio
Contra-ataques e aproximações
Com 12 metros de comprimento, o painel Kapewẽ Pukenibu, feito pelo MAHKU – Movimento dos Artistas Huni-Kuin especialmente para a exposição, é a obra que primeiro recebe quem chega à Nakoada. Representando o jacaré canoa, uma figura encantada da narrativa huni-kuin de fundação dos mundos, a tela nos leva à seção Natureza, invenção e paisagem, ficando lado a lado com quadros de Alberto Guignard e Anita Malfatti. Se os trabalhos modernistas nos trazem um Brasil interiorano e de paisagens bucólicas sob um olhar contemplativo, a pintura do Mahku propõe re-orientações, tratando de se relacionar com a impossibilidade de domesticação da natureza e colocando-a não sob um ponto de vista estetizante, mas enquanto um ser plural, encantado e familiar.
“Existe uma retomada, uma revolta, uma retribuição, uma vingança também em algum sentido, em colocar o acervo do MAM sendo engolido pela serpente cósmica do tempo, e ao redor – fazendo as ações de contra-ataque e ataque, afastamento e aproximação – os artistas contemporâneos”, explica Denilson Baniwa.
Esse impulso talvez seja ainda mais explícito Meditação da ferida ou a escola das facas, trabalho de Cinthia Marcelle que distribui 25 faqueiros, que trazem em seu interior apenas a silhueta de facas e punhais usados como armas por diferentes povos. “A ausência dessas ferramentas indica que elas estão sendo usadas no espaço. Então é justamente chegar e visualizar que elas estão aqui em conflito, né? Porque o conflito é dado. Então, esses punhais estão com o colonizador, ou com aqueles que são colonizados”, explica Beatriz.
Alguns desses embates (simbólicos) são percebidos na exposição. Como no posicionamento de Pata Ewa’n – o coração do mundo, pintura de Jaider Esbell que traz a imagem de um cavalo-marinho, ser cultuado por várias culturas afro-indígenas por sua ligação às narrativas de origem. Com mais de dois metros de altura, o quadro fica ao lado de Urutu, de Tarsila do Amaral, que mede pouco mais de 60 centímetros, e de três telas de Rego Monteiro, ainda menores. “Colocar artistas como Jaider Esbell quase que engolindo a Tarsila e o Rego Monteiro — pelo tamanho inclusive das obras — é legal pra provocar sobre as presenças que ocupam hoje”, conta Denilson.
Cena de “Karaiw a’e wà”, de Zahy Guajajara. Foto: Reprodução
Anita Malfatti, “Índia”, 1917. Foto: Coleção Gilberto Chateaubriand / MAM Rio
Emiliano Di Cavalcanti, “Mulata com leque”, 1937. Foto: Coleção Gilberto Chateaubriand / MAM Rio
Flávio de Carvalho, “Velame do destino”, 1954. Foto: Coleção Gilberto Chateaubriand / MAM Rio
Já a seção retratos é composta em grande parte por corpos negros, indígenas e de mulheres. Em sua maioria, pintados há cerca de 80 ou 100 anos, “quando o intuito era apreender esse outro, como algo generalizado desse corpo”, explica Beatriz. A exposição, porém, busca despertar outra leitura sobre essas mesmas obras. “Por mais que esses corpos racializados e femininos tenham sido retratados nesse lugar de um olhar moderno, aqui eles estão autônomos, firmes, altivos e com muita propriedade de suas próprias identidades e subjetividades. Então é um dos gestos dessa outra perspectiva de olhar um acervo histórico”, completa a curadora.
A video-instalação de Zahy Guajajara se aproxima dessa seção. Com uma proposta de futurismo indígena, o trabalho reflete sobre o contato entre as culturas originárias e o colonizador, com seus impactos, suas contradições, presenças e ausências; apropriando-se da linguagem tecnológica como suporte para a sobrevivência das tradições.
Logo ao lado, outras nakoadas podem ser percebidas na presença das peças de acervo do Museu do Índio. As bonecas karajás aproximam-se dos estudos de Antropofagia e A negra, de Tarsila do Amaral, evidenciando a semelhança entre os aspectos formais e as possíveis referências da pintora. E, ao serem exibidas junto a obras modernistas de renome e trabalhos de artistas da cena contemporânea, as criações indígenas instauram outros embates: “desde provocações a respeito do que é arte e o que é artefato, até questionamentos sobre quem estabelece essas definições. Qual é o poder que essas pessoas têm de definir o que é arte grande, o que é arte pequena, o que é artefato, o que é arte contemporânea? É bem legal colocar isso em debate em um museu como o MAM”, compartilha Denilson.
A reflexão se estende aos materiais complementares da mostra, ao que, junto aos textos de parede, tomamos contato com gravações em áudio de narrativas de povos indígenas – os tikis. “Colocar textos técnicos junto com textos dos tikis é um modo de provocar sobre que tipo de conhecimento a gente considera intelectualizado ou não, né?”, provoca Denilson.
Bonecas Karajá do acervo do Museu do Índio. Foto: Fábio Souza / MAM Rio
Tarsila do Amaral, “Estudo para a Negra”, 1923. Foto: Fábio Souza / MAM Rio
A mostra traz uma série de peças táteis, bem como audiodescrições e textos de parede disponibilizados em áudio, a fim de promover maior acessibilidade. Foto: Fábio Souza / MAM Rio
Estratégias de permanência
Como contam os curadores, trazer esses embates ao MAM Rio talvez tenha sido a primeira nakoada. “Todo o processo de fazer essa exposição foi de pequenas nakoadas cotidianas para mudar coisas dentro da própria estrutura do museu. Então, a exposição é uma matéria colocada dentro de um espaço, mas para além disso, ela é uma imaterialidade construída dentro do museu, que muda as relações com o acervo, as relações entre as equipes, o pensamentos dentro da estrutura da instituição”, conta Denilson. Ao que Beatriz faz coro, destacando também o contato com o Museu do Índio — instituição de base etnográfica e cujo acervo, há tanto fechado para visitação pública, ganha outra perspectiva na mostra em cartaz.
O curador compartilha, ainda, que um dos pontos importantes nesse processo de construção da mostra foi ligado à sua participação, ao (nakoadamente) quebrar expectativas de pessoas do próprio museu em relação ao que seria uma curadoria feita por um profissional indígena. Compreendendo e afirmando sua presença para além de um caráter étnico. “É um papel político estar na curadoria de exposições. E não é que eu tenha vergonha, ou que tenha vontade de não parecer indígena, ou de não falar da cultura e da luta indígena. É que, pra mim, tudo isso já faz parte de quem eu sou. Acho que estou afim de pensar a nossa presença – de pessoas de origem indígena -, como uma presença para mais do que as nossas etnias representam, para mais do que esperam da gente. A gente está construindo, ou tentando construir, uma espécie de pensamento ou teoria de arte indígena que ultrapasse a expectativa de qualquer branquitude, ou qualquer convite feito apenas para ocupar um espaço específico. Acho que não cabe mais à gente, não em 2022; acho que já coube antes, mas agora não cabe mais.”
“Pra mim, o desafio todo não foi fazer uma exposição sobre o modernismo, mas foi aproveitar uma exposição sobre modernismo para tentar pensar estruturas de um museu”, diz o curador, e completa: “Temos aqui um produto final disso tudo que a gente pode aproveitar pra construir tijolos de um novo tipo de museu, acho que esse é o desafio”.
SERVIÇO
Nakoada: estratégias para a arte moderna MAM Rio – Av. Infante Dom Henrique, 85 – Rio de Janeiro (RJ)
Em cartaz até 27 de novembro de 2022
Visitação de quinta a sábado, das 10h às 18h; e domingos, das 11h às 18h
Entrada gratuita com contribuições sugeridas (R$ 10 a meia, R$ 20 a inteira)
Silvana Mendes, “Afetocolagens – Reconstruindo Narrativas Visuais de Negros na Fotografia Colonial”, Série II, 2022 – PREAMAR. Cortesia SP-Arte.
A SP-Arte Rotas Brasileiras acontecerá dos dias 24 a 28 de agosto, esta edição vem para substituir a antiga SP-Foto e busca estreitar laços com agentes das cinco regiões do país, assim como esmaecer fronteiras entre o popular e o erudito, e entre o centro e periferia. Como já é tradição da SP-Arte, para a edição Rotas Brasileiras também ocorrerão os Talks, no fim de semana anterior à Feira, no dia 20 de agosto, na Residência HOA.
Localizada na casa onde viveu Ruth Escobar no bairro do Pacaembu, a HOA receberá o público para três mesas de conversa, às 11h, 14h e 16h. As conversas são gratuitas, abertas ao público e serão transmitidas ao vivo e ficarão gravadas no canal de YouTube da SP–Arte, e também no site da HOA.
A primeira mesa conta com a participação dos artistas Moisés Patrício e Aislan Pankararu em uma conversa sobre como questões de raça e classe estão implicadas na circulação de produções artísticas categorizadas erroneamente como populares ou “naïf”. A mediação é de Ana Beatriz Almeida.
O segundo terá a presença de Lázaro Roberto, fundador do ZUMVÍ Acervo Fotográfico – coletivo que surgiu em Salvador nos anos 90 –, e da fotógrafa Marcela Bonfim, cujo trabalho foca nas populações negras da Amazônia. Quem media é Thayná Trindade, integrante da equipe curatorial do Museu de Arte do Rio.
A mesa de fechamento apresenta o primeiro ciclo de ações do Preamar, projeto dedicado à arte contemporânea no Maranhão, realizado entre São Luís e Alcântara, cujo objetivo é de fomentar uma cena de arte sustentável em suas próprias condições locais, mantendo intercâmbio com os grandes centros. O Preamar será representado pela artista Silvana Mendes e Yuri Logrado, da residência artística Casa do Sereio, com mediação de Felipe Molitor, coordenador de conteúdo e programação da SP–Arte.
Inaugurado em 28 de maio deste ano, em Vila Velha (ES), o Parque Cultural Casa do Governador é uma das mais novas iniciativas culturais do País que propõem um diálogo entre a arte contemporânea e a natureza. Conhecido como Parque de Esculturas, ele abriga 21 obras, de artistas capixabas e de outros estados do Brasil, a exemplo da mineira Marilá Dardot, do carioca Alexandre Vogler, do uruguaio radicado em São Paulo Fernando Velásquez e do cearense Narcélio Grud.
Entre esculturas, instalações e site-specifics, os trabalhos foram todos selecionados por meio de um edital público, lançado em 2021, sendo dez deles temporários e 11, permanentes. Ao todo, foram investidos R$ 2 milhões, com fomentos de R$ 40 mil, 100 mil e até 200 mil por projeto, que é orientado e supervisionado pela primeira-dama do Estado, Maria Virgínia Casagrande, com o apoio de seu marido, o governador Renato Casagrande.
Aberto somente às terças e quintas-feiras, com entrada gratuita, o Parque recebe cerca de 200 visitantes por dia. As esculturas temporárias permanecerão no lugar até o fim de maio de 2023, quando então haverá outro edital para seleção de novas obras.
Marilá Dardot, “Pensamento de Fora (Revisitado)”, no Parque Cultural Casa do Governador. Foto: Ignez Capovilla
Narcélio Grud, “Estação”, no Parque Cultural Casa do Governador. Foto: Karatapa
Natan Dias, “Movimento à Tecnologia”, no Parque Cultural Casa do Governador. Foto: Leandro Pereira
Fernando Velásquez, “Iceberg (Antropobsceno)”, no Parque Cultural Casa do Governador. Foto: Ignez Capovilla
Elvys Chaves e Carlo Schiavini, “Geoescultura Cybernética”, no Parque Cultural Casa do Governador. Foto: Tariza Campos
Julio Tigre, “Capilares”. Foto: Divulgação/Secult (ES)
Maria Tereza Aigner e Thiago Sobreiro, “Módulos Espelhados”, no Parque Cultural Casa do Governador. Foto: Giulia Bravo
Sob curadoria de Nicolas Soares, também diretor do Museu de Arte do Espírito Santo, o projeto tem três eixos temáticos – ambiental, histórico e artístico –, explorados numa área de visitação com 93 mil metros quadrados, próximo à Praia da Costa. Ali também está instalada a residência oficial do Governo do Estado do Espírito Santo.
“A proposta curatorial passa pela relação entre arte e natureza, paisagem, arquitetura, história e também tecnologia”, conta Soares. “Mas não só num sentido da tecnologia da informação, do universo digital, mas também algo que pode ser ancestral, que traz um entendimento do ambiente, de suas intempéries. E os artistas foram levados a tirar partido disso, com instalações ao ar livre, expostas ao sol, ao vento, à chuva.”
Soares tem o apoio de uma equipe interdisciplinar e interinstitucional, por meio da Fundação de Amparo à Pesquisa e Inovação (Fapes) e Secretaria da Cultura (Secult), com a participação da Universidade Federal do Espírito Santo (Ufes) e do Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia do Espírito Santo (Ifes).
O projeto arquitetônico do Parque ainda está em frase de implementação e, segundo o curador, ainda há muitas frentes de trabalho, de infraestrutura e de tecnologia, que ainda estão sendo construídas. Como, por exemplo, uma nova entrada – a atual ainda é feita pelo acesso oficial do governo –, além de dois mirantes numa parte mais alta do terreno e um auditório para atividades diversas com público. Há também o desejo de se criar galerias permanentes.
Para o curador, o Parque Cultural Casa do Governador cria a possibilidade de acesso a um lugar que já vivia no imaginário do capixaba, e a iniciativa, como um todo, reflete um bom momento da arte contemporânea no estado, em que há um diálogo cada vez mais intenso com o cenário artístico no restante do País.
“Há muitos artistas capixabas circulando fora do Espírito Santo e do Brasil. E, ao abrir um edital público deste porte, e de caráter nacional, nós trazemos, para o acervo do estado, trabalhos do País todo, colocando-nos numa discussão com a arte que fortalece a produção local, ao mesmo tempo em que reforçamos as possibilidades de visibilidade para fora do Espírito Santo”, conclui Soares.
Serviço
Parque Cultural Casa do Governador R. Santa Luzia, Praia da Costa – Vila Velha (ES)
Visitação às terças e quintas, das 9h às 17h, mediante agendamento por telefone (27) 3636-1032
Entrada gratuita.
A partir de setembro, a pernambucana Ana Maria Maia, de 38 anos, vai assumir o cargo de curadora-chefe da Pinacoteca, em São Paulo. Também no mês que vem, Ana Maria vai capitanear a primeira panorâmica de Jonathas de Andrade, no edifício Pina Estação. O anúncio foi feito ontem (16/8) pela instituição. A nova curadora-chefe substituirá Valéria Piccolli, que estava no cargo desde 2012.
Nascida em Recife, Ana Maria é pesquisadora e professora de arte contemporânea. Atualmente, faz doutorado em Teoria e Crítica de Arte na Universidade de São Paulo (USP). Há três anos, ela já atuava como curadora da Pinacoteca, onde foi responsável pelas individuais Hudinilson Jr.: Explícito (2020), Joan Jonas: Cinco Décadas (2020-2021), Rosângela Rennó: Pequena Ecologia da Imagem (2021) e Ayrson Heráclito: Yorùbáiano (2022). A curadora também participou da mostra coletiva Enciclopédia Negra (2021) e dos projetos especiais André Komatsu: Noite Longa (2021) e Lais Myrrha: O Condensador de Futuros (2021).
Videoinstalação “Posição Amorosa” (1982) na exposição “Hudinilson Jr.: Explícito” (2020). Foto: Levi Fanan / Pinacoteca de São Paulo
“Posição Amorosa Out-door/Art-door” (1981), na exposição “Hudinilson Jr.: Explícito” (2020). Foto: Levi Fanan / Pinacoteca de São Paulo
“Eaux des Colonies [en construction]” (2021), na exposição “Rosângela Rennó: Pequena Ecologia da Imagem” (2021). Foto: Levi Fanan / Pinacoteca de São Paulo
“Série Seres Notáveis do Mundo (2014-2021), na exposição “Rosângela Rennó: Pequena Ecologia da Imagem” (2021). Foto: Levi Fanan / Pinacoteca de São Paulo
Obras da série “Banhistas” na exposição “Ayrson Heráclito: Yorùbáiano”, (2022). Foto: Levi Fanan / Pinacoteca de São Paulo
“Piercing Pérola 1 e Piercing Pérola 2, da série “Sangue vegetal” (2005), na exposição “Ayrson Heráclito: Yorùbáiano” (2022). Foto: Levi Fanan / Pinacoteca de São Paulo
Em seu currículo, Ana Maria Maia traz ainda a curadoria editorial da segunda edição da Frestas – Trienal de Artes, junto com Júlia Ayerbe, a atuação como curadora adjunta do 33º Panorama de Arte Brasileira do Museu de Arte Moderna de São Paulo (2013), assim como curadora do Rumos Artes Visuais do Itaú Cultural (2011-2012). Também fez parte do Núcleo de Pesquisa e Curadoria do Instituto Tomie Ohtake (2011-2013) e foi assistente de curadoria da 29ª Bienal de São Paulo (2009-2010). No setor editorial, é organizadora do livro Flávio de Carvalho (Azougue, 2014) e autora de Arte-Veículo: Intervenções na Mídia de Massa Brasileira (Circuito e Aplicação, 2015), fruto de uma Bolsa Funarte de Estímulo à Produção Artística.
No comunicado divulgado pela Pinacoteca, Ana Maria destaca que “o trabalho da equipe de curadoria entrelaça cada vez mais o acervo da instituição com uma diversidade de narrativas, territórios e processos”. Já Jochen Volz, diretor-geral do museu, ressaltou que “sua escolha para o cargo garante não só continuidade, como também, a promoção de novas perspectivas e questões para o acervo e a programação da Pinacoteca.”
Vista da primeira parede da exposição “Obscura Luz”, na Galeria Luisa Strina. Foto: Edouard Fraipont
Enorê, “Vessel 6 (to hold a digital file)”, 2021. Foto: Cortesia de artista e da Galeria Luisa Strina
Uma exposição coletiva pode ressignificar obras, inéditas ou já conhecidas. Obscura Luz, que ocupa toda a Galeria Luisa Strina coloca foco em trabalhos do acervo, agora enfeixados num conceito mediado pela luz, literal ou simbólica. Ao explorar a reserva técnica, a curadora Kiki Mazzucchelli funda um espaço relacional para as obras, sem romper com as categorias estéticas. O tema que norteia a coletiva é inspirado na obra Obscura Luz (1982) de Cildo Meireles, uma caixa branca montada na parede, com beiral sobre o qual se projeta a sombra de uma lâmpada. O paradoxo conceitual pode ser lido como estridência, inversão da percepção ao mostrar uma fonte de luz que é ao mesmo tempo sombra.
A coletiva sugere um percurso que pode desvendar luminosidades literais ou intrínsecas e suas várias implicações. Sem se preocupar com analogia de linguagem, Mazzucchelli insere simultaneamente obras que têm repertórios visuais e discursivos diferentes dando ao público a tarefa de descobrir as afinidades.Logo na entrada o visitante é recebido por um conjunto de peças de pequenos formatos que exaltam a cor-luz e a exploração de texturas. Aqui destaca-se a obra de Enorê, desenvolvida entre o digital e o material. A jovem artista que vive em Londres se interessa pelo processo de transcodificação entre objetos físicos e o espaço digital, trabalha com 3D scanning/modelling, objetos têxteis, programação, cerâmica.
Na grande sala da galeria, a pintura de Fernanda Gomes sinaliza a polaridade do claro escuro que rebate em algumas obras. Como diz Vilém Flusser, “o significado das imagens é mágico” e a obra da Fernanda reafirma a máxima. Luz e sombra, binômio que produz metáforas e interpretações sobre onda, difração, forma vibratória de energia, opera de maneira concreta e opositiva na escultura de Anna Maria Maiolino.Como ela explica: “Os títulos desses trabalhos se referem à existência do oposto, o positivo ausente que foi separado do negativo. Eles formam um único corpo em dado momento do processo de feitura da escultura moldada. Assim, o procedimento desses trabalhos incorpora a nostalgia pela matriz. O molde, geralmente esquecido e descartado, ganha um novo valor pela ênfase dada às suas propriedades generativas, ao espaço vazio”. Essa operação de luz e sombra provoca surpresas, visuais e lúdicas, com hiatos alternados pela própria matéria. Há nesta proposta uma luz contundente alimentada pelo fundamento do construtivismo contemporâneo.
Vista da exposição “Obscura Luz”, na Galeria Luisa Strina. Foto: Edouard Fraipont
Vista da exposição “Obscura Luz”, na Galeria Luisa Strina. Foto: Edouard Fraipont
Fernanda Gomes, sem título, 2019. Foto: Pat Kilgore / Cortesia da artista e da Galeria Luisa Strina
Anna Maria Maiolino, Sem título, da série “Entre o dentro e o fora”. Foto: Edouard Fraipont / Cortesia da artista e da Galeria Luisa Strina
Jogando com possibilidades, movimentos e contrapondo-se à sua personalidade vibrante e inquieta, o trabalho de Laura Lima avança para uma sensorialidade de atmosfera zen. Contemplam-se nessa instalação jogos luminosos, planos e gravitações decorrentes de sua noção de arte como procedimento. O tecido branco, frágil, de transparência ímpar, originalmente portava foco de luzes com gelo seco e, por questões técnicas, como explica Mazzucchelli, agora não está ativado, mas ainda mantém a fluidez.
Remexer uma reserva técnica é ativar obras que estavam em repouso temporário. Evoco Harald Szeemann para lembrar que não há arte isolada, trancada em si mesma, arte é para ser compartida. O trabalho de Alexandre da Cunha pede a participação do observador. O quadro Sound I (2016) é revestido com tecido translúcido sob o qual emergem formas de duas grandes conchas, sobre as quais o visitante pode aproximar o ouvido e escutar sons. Duas perspectivas se cruzam neste conceito: a dimensão experimental da vida e a dramatização do que está oculto.
Inspirados nos escritos de Walter Benjamin sobre noções de confronto, ordem e caos na sociedade contemporânea, Cinthia Marcelle e o cineasta Tiago Mata Machado produzem filmes motivados pelo entorno. Em Buraco negro o espectador acompanha a movimentação de uma porção de pó branco sobre uma superfície preta, causada pelo sopro de dois indivíduos ausentes do quadro. A performance provoca sons que contrastam com imagens abstratas lembrando constelações. Também sensorial, o trabalho de Tonico Lemos faz parte da série Paisagem noturna (2012). O painel executado com tecido trabalhado com figuras geométricas exibe a repetição de motivos triangulares que sugerem a silhueta de barcos a vela. O artista obtém esse efeito por meio da técnica de desfiar o tecido provocando uma trama aberta que depois é retrabalhada. Com um bastidor cria tons com diferentes intensidades que lembram desenho em carvão ou texturas de xilogravura. O artista faz referência à pintura modernista de Alfredo Volpi e a um trabalho de Mira Schendel de 1964.
Tonico Lemos, “Paisagem noturna”. Foto: Edouard Fraipont / Cortesia do artista e da Galeria Luisa Strina
Alexandre de Cunha, “Sound I”. Foto: Edouard Fraipont / Cortesia do artista e da Galeria Luisa Strina
Camila Sposati, “Tumbum livre”, 2015. Foto: Edouard Fraipont / Cortesia da artista e da Galeria Luisa Strina
A fotografia potencializa tudo aquilo que registra. A série Laudanum (1998) da australiana Tracey Moffatt é uma peça que opera em vários níveis de arte. Suas imagens se alimentam de algumas referências como o filme Nosferatu (1922), de Murnau. Do ponto de vista social e experimental alude ao consumo de láudano, planta usada para a produção de ópio e cocaína, classificada como opiáceo. Tracey tangencia a história da fotografia por meio do uso da fotogravura. A série tem luz especial e foi fotografada numa fazenda da era georgiana. Os negativos foram digitalmente remasterizados antes da impressão manual. Laudanum traz a particularidade de ser produzida na impressora de Mapplethorpe.
Obras de arte lidam com temporalidades que promovem fluxos diferentes entre elas. Os artistas contemporâneos propagam e constroem programas que sociabilizam os códigos de arte. Os objetos-instrumentos de sopro deCamila Sposati recuperam, ao mesmo tempo, mecanismo sonoros milenares e órgãos do corpo humano relacionados à fala e à audição. Confeccionada em argila branca, preta, e sob o título Phonosophia, a série iniciada em 2015 está intimamente ligada às suas pesquisas para procedimentos de transformação. Camila aproxima artistas e cidadãos comuns em um projeto/performance, impregnado de memórias afetivas entorno do barro e da inserção social na arte.
Considerada uma personagem errante, a fotógrafa Ingeborg de Beausacq nasceu na Alemanha, viveu em Paris antes se estabelecer no Rio de Janeiro em 1939. Como quase todos os migrantes precisava trabalhar, então decide estudar fotografia. No início faz retratos de crianças e mulheres da alta sociedade brasileira. Aos poucos vai entendendo a terra que escolheu viver, conhece artistas e, nos anos de 1945-1946, se apaixona e mantém uma relação turbulenta com o artista Flávio de Carvalho. Dois anos depois vai para os Estados Unidos onde se torna fotógrafa de moda. As imagens presentes em Obscura Luz fazem parte de sua produção de caráter mais autoral, as quais a notabilizaram.
Do grupo que fecha a mostra chama a atenção Sobrado dourado, obra de Baravelli exibida com mais 14 pinturas na 17ª Bienal de São Paulo, em 1983. Walter Zanini, curador daquela edição, destaca: “Um aspecto saliente da retomada da figura na pintura brasileira desenvolve-se na obra de Luiz Paulo Baravelli. Há dois vértices principais de preocupação na imaginária a que o artista se aplica com grande determinação. O primeiro diz respeito à construção de diferenciadas superfícies (em chapas de Duratex) que são ao mesmo tempo suporte e silhueta do que é representado. O segundo concerne à linguagem narrativa que o caracteriza.”
Estudos sobre identidade, consagração, pertencimento, dizem respeito a territórios. Lina Bo Bardi costumava dizer que quando o espaço é inteiramente familiar, ele se torna lugar. O extenso conjunto reunido em Obscura Luz, com suas travessias, coletividades e estranhezas constitui-se no lugar de legitimidade desta produção.
Vista da exposição “Obscura Luz”, na Galeria Luisa Strina. Foto: Edouard Fraipont
Serviço
Obscura Luz
Galeria Luisa Strina: Rua Padre João Manuel, 755 – São Paulo, SP
Em cartaz até 3 de setembro de 2022
Visitação de segunda a sexta, das 10h às 19h; sábados, das 10h às 17h
Praticamente há cinco anos em gestação, o Museu das Culturas Indígenas (MCI) foi finalmente inaugurado no fim de junho, em São Paulo, com três exposições temporárias, além de uma programação com diversas palestras e debates em torno de questões ligadas aos povos originários do Brasil. Uma instituição da Secretaria de Cultura e Economia Criativa do Estado de São Paulo, o MCI é gerido pela Organização Social de Cultura ACAM Portinari (Associação Cultural de Apoio ao Museu Casa de Portinari) em parceria com o Instituto Maracá, organização não governamental que busca proteger e disseminar o patrimônio histórico, ambiental e cultural dos povos indígenas.
As primeiras conversas para sua criação aconteceram em 2017, num evento do Goethe Institut de São Paulo, quando Sandra Benites, curadora e pesquisadora, descendente do povo guarani-nhandeva, do Mato Grosso do Sul, conheceu Cristine Takuá, fundadora do Instituto Maracá. Posteriormente, Sandra foi convidada para integrar o conselho do Maracá e ajudar a fortalecer a ideia de se criar um espaço dedicado, inicialmente, aos povos indígenas do Estado de São Paulo.
No segundo semestre de 2021, houve um encontro com os guarani do Pico do Jaraguá com o então governador João Doria, e foi decidida a criação do museu, com gestão posteriormente atribuída à ACAM, que por sua vez já se ocupava do Museu Histórico e Pedagógico Índia Vanuíre, em Tupã, no interior do estado. A gestão Doria designou o recém-reformado prédio de um conjunto desportivo para abrigar o museu. A transferência entre as secretarias de esporte e cultura aconteceu em fevereiro, e teve então início o processo de reestruturação do espaço.
Em março deste ano, Sandra foi convidada para fazer a curadoria da mostra temporária Invasão Colonial ‘Yvy Opata’ A Terra Vai Acabar, de Xadalu Tupã Jekupé, artista cuja carreira ela já vinha acompanhando desde 2020. Nela, por meio de uma estética de arte urbana contemporânea, o artista faz uma denúncia sobre os territórios originários em Porto Alegre, no Rio Grande do Sul, que vêm sendo engolidos pela especulação imobiliária.
A instituição abriga também no momento a coletiva Ocupação Decoloniza – SP Terra Indígena, com obras espalhadas por todo o espaço do MCI, em que artistas indígenas desconstroem narrativas equivocadas sobre as culturas dos povos originários. Já em Ygapó: Terra Firme, o artista e curador Denilson Baniwa convida o público para uma imersão na floresta Amazônica por meio de experiências sensoriais.
Denilson Baniwa, “Ygapó: Terra Firme”/Foto: Maurício Burim
Xadalu Tupã Jekupé, obra da exposição “Invasão Colonial ‘Yvy Opata’ – A Terra Vai Acabar”/Foto: Maurício Burim
Xadalu Tupã Jekupé, obra da exposição “Invasão Colonial ‘Yvy Opata’ – A Terra Vai Acabar”/Foto: Maurício Burim
Xadalu Tupã Jekupé, obra da exposição “Invasão Colonial ‘Yvy Opata’ – A Terra Vai Acabar”/Foto: Maurício Burim
Logo após a abertura, Sandra foi convidada para ser a consultoria de programação cultural e de exposição do Museu das Culturas Indígenas, onde enxerga, como sua missão, traduzir a tradição da memória oral indígena para um museu, conceito por si só alheio povos originários. A tarefa exige dela também o papel de intermediadora entre a instituição e os guaranis.
“Isso me motivou a aceitar o convite, fez com que eu me mudasse para São Paulo. E, como tudo está ainda muito no começo, é um trabalho que requer muito diálogo coletivo para que os conteúdos e as programações de fato reflitam nosso entendimento do que deva ser um museu de nossa cultura. A partir dessas conversas e demandas, estamos pensando, para o futuro, uma mostra permanente”, explica Sandra, que foi também a primeira curadora indígena do Masp, de onde pediu demissão em maio, após a direção do museu recusar fotos do MST para o núcleo Retomadas, da exposição Histórias Brasileiras. Posteriormente, o museu veio a recuar da decisão, e Sandra voltou à instituição.
Além das mostras, o Museu das Culturas Indígenas vem abrigando palestras e outras atividades. No próximo dia 21 de agosto, o escritor e tradutor do guarani Luiz Karaí vai participar do debate A Resistência do Povo Guarani: História, Língua e Cultura, que também contará com uma performance de dança das kunhataingue, mulheres das etnias Kaiowá e Guarani. Começa às 15h, a entrada é gratuita, porém as vagas são limitadas e devem ser reservadas pelo e-mail contato@museudasculturasindigenas.org.br.
Ainda que não haja ainda mostras permanentes, as obras da artista Tamikuã Txihi, indígena pataxó, criadas especialmente para o museu, foram apresentadas na abertura e marcam, segundo ela, a presença indígena com história, memória e resistência, e ficarão na instituição como símbolo de luta. São pinturas de onças e de seus filhotes, presentes em uma das empenas do prédio, mas também nas paredes internas. Para a artista, a onça é um “símbolo de resistência de seu povo e da mãe e irmã natureza”. Para ela, como indígena, o museu, ainda que esteja em um processo em construção, traz visibilidade e protagonismo aos povos originários.
“É uma memória viva, e é importante a ocupação desse território com um espaço em que, como protagonistas de nossa própria história, estamos usando a arte como um instrumento de luta, para que assim se possa não apenas recuperar a memória e a história contadas pelos nossos próprios povos, mas mostrar que continuamos aqui, vivos e resistindo, apesar de tudo que nos aconteceu e ainda vem acontecendo. Fazendo do museu, uma nomenclatura que mesmo sem fazer parte de nossa cultura, pode ser uma casa de transformação”, afirma.
Serviço
Museu das Culturas Indígenas
R. Dona Germaine Burchard, 451 – Água Branca, São Paulo (SP)
Horários: terça a domingo, das 9h às 18h; quintas-feiras, das 9h às 20h
Ingressos: R$15,00 (inteira) e R$7,50 (meia entrada); gratuito às quintas-feiras