León Ferrari. Sem título (1976). Foto: Divulgação.
A Galeria Nara Roesler comemora o centenário do artista argentino León Ferrari (1920-2013) com a exposição virtual León Ferrari em São Paulo, com curadoria de Luis Peréz-Oramas. A mostra acontece a partir desta quinta-feira, 4 de junho, no site da galeria e no Artsy. Foi também a Galeria Nara Roesler que fez, em 2013, a primeira mostra individual de envergadura após a morte do artista naquele ano, à época com curadoria de Lisette Lagnado e uma seleção de obras que abrangia o período entre 1962 e 2009.
Imagem ilustrativa da visitação virtual da Galeria Nara Roesler. Foto: Divulgação.
Desta vez, a metrópole paulistana é ressaltada como elemento participante do trabalho de Ferrari, devido ao seu exílio em São Paulo de 1976 a 1991. O artista veio ao Brasil para proteger sua família da hostilidade criada em seu país natal pela ditadura iniciada em 1976 e findada em 1983, quando a última junta militar convocou eleições em outubro, resultando na eleição de Raúl Afonsín, da União Cívica Radical.
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León Ferrari. Sem título (1976). Foto: Divulgação.
León Ferrari. Código de sinais secretos (1979). Foto: Divulgação.
Nos primeiros anos do seu estabelecimento em São Paulo – ainda marcado pela prisão ilegal e assassinato de seu filho Ariel pelas forças militares argentinas – Ferrari revisita sua prática do desenho abstrato, dominada por ele no início dos anos 1960. Desta vez, o artista apresenta um traçado gestual completamente novo, uma tipologia abstrata que lembrava línguas de fogo, metáforas para o inferno, cuja noção judaico-cristã seria abolida por Ferrari mais tarde em sua vida.
León Ferrari. Detalhe da obra Juízo Final (1985). Foto: Divulgação.
Para Pérez-Oramas: “As crenças ou descrenças de Ferrari passaram a incluir uma visão de textos sagrados judaico-cristãos como perversos chamados à exclusão, à tortura e ao crime”. Através da apropriação de imagens de guerras, da história e da história da arte, Ferrari utiliza a colagem para sua releitura da Bíblia e, mais especificamente, do inferno. A exemplo disso está o Juizo Final de Michelangelo, que foi submetido à defecação por pássaros em uma das suas grandes composições performáticas.
Apesar da crítica sarcástica ao poder e a religião ter marcado parte de sua obra, percebe-se logo que a chave do “ativismo” é redutora para explicar sua produção. A exemplo disso, a Galeria Nara Roesler traz na nova exposição trabalhos de Ferrari que comunicam o absurdo da vida comum, a alienação das multidões e a influência da cidade avassaladora que é São Paulo. As obras da série Arquitetura da Loucura manifestam-se em desenhos, gravuras, zianótipos, xeroxes etc.
Da esquerda para a direita: “Maquete para homem” (1962); Sem título (1978); “Amores de um prisma” (1977). Foto: Divulgação.
Sua prática escultórica também não fica de fora da exposição. Inclusive porque o ápice desta produção ocorreu enquanto Ferrari residia na capital paulistana. Utilizando arame de metal emaranhado, estruturas prismáticas semelhantes a gaiolas e volumes modulares similares a jaulas, parte de seus trabalhos feitos a partir deste meio tem escala monumental e são destinadas a eventos participativos, performáticos e sonoros.
Outras celebrações do centenário
Enquanto algumas exposições arquitetadas para comemorar o centenário de Ferrari puderam ser adaptadas para o ambiente virtual, duas retrospectivas em maior escala tiveram sua abertura física postergada. Uma na sua cidade natal, Buenos Aires, e outra na Espanha, em Madri.
Na Argentina, uma exposição antológica com objetos emblemáticos, desenhos, vídeos, esculturas e cerâmicas do artista tomará conta do Pavilhão de Exposições Temporárias do Museo de Bellas Artes. A mostra, sob curadoria de Andrés Duprat, diretor do Bellas Artes, e da historiadora Cecilia Rabossi, prevista para abrir no dia 13 de abril, foi cancelada e aguarda data de abertura. A exposição percorre todo o trajeto em vida do artista, reunindo obras pertencentes ao próprio museu, coleções privadas e públicas e trabalhos concedidos pela Fundación Augusto y León Ferrari Arte y Acervo, dirigida pela arquiteta Anna Ferrari e Julieta Zamorano netas de León.
Para Duprat, a retrospectiva é uma forma de justiça poética para reparar uma omissão do museu à obra de Ferrari. Como Leonor Amarante escreveu para a arte!brasileiros: “Ferrari não é unanimidade. Ele e sua obra já bateram e apanharam muito, o que fez dele um corajoso testemunho da destruição da substância das relações humanas. Ao longo de 60 anos de arte, viveu no contrafluxo do sistema, sendo empurrado aos infernos para emergir ainda mais forte”. A exemplo disso está sua premiação, em 2007, com o Leão de Ouro na Bienal de Veneza, vinda pouco depois de um embate com a igreja católica que levou à retaliação de sua mostra no Centro Cultural Recoleta, organizada por Andrea Giunta.
A exposição de suas obras no MNBA será precedida por uma seleção de fotografias e pinturas de Augusto César Ferrari, pai do artista, e continuada com a exibição do documentário Civilization, de Rubén Guzmán. Algo inédito serão os cadernos de León Ferrari, que não haviam sido expostos antes no Recoleta. Ao jornal argentino La Nación, Duprat comentou que Ferrari, nesse sentido, era como Leonardo: “Ele escreveu tudo. Eles são incríveis e mostram a gênese de suas investigações”.
Como parte da homenagem, no Reina Sofía*, a mostra La Bondadosa Crueldadcontará com uma importante doação da família do artista – cerca de 15 obras – e a exibição de trabalhos inéditos na Europa. Seu início, que estava marcado originalmente para o dia 28 de julho, ainda está em discussão. O museu destaca que não é possível ainda arriscar datas, dada a situação instável da pandemia em Europa.
*Museo Reina Sofía e a pandemia
O museu madrilenho entrou, ainda em abril, em contato com credores e instituições, estudando possibilidades de novas datas para empréstimos. O museu destaca o caráter provisório das medidas tomadas no momento, visto que as ações da instituição dependem não somente da situação na Espanha como da Europa inteira e além, já que algumas das obras vêm de diferentes países. Tanto que obras pertencentes ao Reina Sofía e que estão fora do museu permanecerão, pelo tempo necessário, nas instituições em que estão localizadas independente do término das exposições.
Fachada do Museo Reina Sofía. Foto: Divulgação
Em abril, Manuel Borja-Villel, diretor do Reina Sofía, publicou uma carta no site Artnet abordando os desafios trazidos ao mundo da arte pela pandemia e a necessidade de pensar no porvir. O diretor destacou a importância do programa de assistência do governo espanhol para a manutenção da equipe do Reina Sofía, e que o museu está trabalhando neste momento para tornar uma maior quantidade de material disponível gratuitamente, já que a instituição já havia comprado os direitos para tal.
Manuel Borja-Villel, diretor do Museo Reina Sofía. Foto: Europa Press News/ Getty Images.
Caminhando para o fim da sua declaração o diretor reforça a necessidade de não deixarmos os espaços públicos desaparecerem; “há um elemento de alegria, de aprendizado e de democracia em estar junto com outras pessoas”.
A vista aérea proporcionada pelo belvedere do monte sobre o lago Iseo transforma a instalação The Floating Piers naquela típica pincelada final que imprime num quadro a genialidade de um artista. O artista em questão é Christo, americano nascido na Bulgária, de onde fugiu do regime comunista em 1958. Hoje com 81 anos de idade, ele ficou conhecido nos anos 1970 por instalações monumentais em tecido, que realizava em parceria com a esposa, Jeanne-Claude (falecida em 2009), embora ela só tenha começado a ser creditada como autora a partir de 1994. Omitir a parceria foi uma decisão conjunta do casal para evitar o preconceito contra artistas mulheres no mundo da arte. Juntos eles cobriram, por exemplo, o Reichstag, o parlamento alemão, em Berlim, em 1995, assim como a ponte Neuf, de Paris, dez anos antes, e a costa de Little Bay, nos arredores de Sidney, em 1969.
Um mergulhador conecta um cabo de polietileno de peso molecular ultra-alto (UHMWPE), coberto com uma camada protetora de poliéster com uma carga de ruptura de 20 toneladas, a uma das âncoras no leito do lago para manter o cais no lugar 2016
The Floating Piers criou uma ponte entre o lago Iseo – localizado no norte da Itália, aos pés dos Alpes – e o mundo. Com três quilômetros de extensão de um lado e mais um e meio do outro, a passarela gigante conectou os povoados de Sulzano, na terra firme, à Montisola, na ilha à frente, unindo em menos de dois anos o que a natureza levou milênios para separar. Em cartaz por apenas duas semanas, a obra transformou o local em destino de viagem para quase um milhão de pessoas de todo o mundo, tornando o Iseu, pelo menos temporariamente, capital mundial da land art ou environmental art. Christo afirma que seu “trabalho é composto por muitos e diferentes elementos. A minha arte envolve arquitetura, paisagismo, urbanismo, pintura e escultura”.
O nome bíblico do artista, nascido Christo Javacheff, remete à óbvia metáfora do episódio mitológico do evangelho (em que Cristo, o filho de Deus, caminha sobre a água), evocando arquétipos e atraindo um público distante da arte contemporânea, mas próximo da fé religiosa. Para além dessas representações, a ponte flutuante funciona como passarela que conduz o público a uma experiência real com os elementos da natureza – pássaros, homens e peixes compartilham o mesmo meio ambiente. Sem corrimão ou balaustradas, o caminhante se equilibra sozinho, sente a passagem das ondas sob os pés descalços, de preferência – com a segurança garantida à distância por 25 botes, com mergulhadores prontos para qualquer emergência. “Este trabalho tem uma dimensão aberta. O visitante tem que caminhar dois quilômetros. É um projeto físico, real. Não é uma realidade virtual. Nada de ventos ou ondas ou fotografias virtuais, tudo nele é real. Sobre a passarela, o prazer é real, o medo é real”, afirma Christo.
The Floating Piers, (projeto para o Lago Iseo, Itália) Desenho 2016 em duas partes 15 x 96 “e 42 x 96” (38 x 244 cm e 106,6 x 244 cm) Lápis, carvão, pastel, lápis de cera, tinta esmalte, fotografias de Wolfgang Volz, mapa desenhado à mão e amostra de tecido Foto: André Grossmann
Mas mais do que a ligação física, o artista criou uma ponte flutuante entre o passado e o presente, entre o antes e o depois, pois a obra deve continuar ligando gerações a partir da memória de quem a viu e viveu pessoalmente, pelos 16 dias de sua existência. A instalação não é para sempre mas o seu legado desmaterializado, visual e artístico, sim. De matiz quase divina e onírica, a obra toca o inconsciente coletivo dos povos.
A realidade da produção do trabalho: Burocracia e financiamento
The Floating Piers é o resultado final de dois projetos naufragados na burocracia pública, ao longo de mais de quatro décadas. Em 1970, Christo e Jeanne-Claude tentaram sem sucesso realizar 2000 Metres Wrapped Inflated Pier, no rio da Prata, em Buenos Aires. O projeto foi repensado como The Odaiba Project, para o Odaiba Park, na baía de Tóquio, 26 anos depois, e novamente não conseguiu autorização. Christo revela que em quase 50 anos de trabalho a burocracia tem sido o maior desafio: “Dos 37 projetos para os quais pedimos permissão, temos apenas 22 projetos realizados. O The Floating Piers é o projeto número 37 e tínhamos perdido o interesse, pois achávamos que não conseguiríamos realizá-lo. “Mas, como dizia Jeanne-Claude, alguns projetos ficam no coração e na mente e sempre estão ali”, afirma o artista. A morte da companheira, em 2009, não cancelou o sonho do casal.
A obra efêmera se concretizaria em 18 de junho de 2016, com a abertura ao público, e duraria até o dia 3 de julho, à meia-noite. Dali em diante, começaria o desmantelamento de toda a estrutura, composta de correntes e fundações submarinas, 220 mil cubos de polietileno e 70 mil metros quadrados de tecido amarelo furtacor. Tudo vai ser desmontado e reciclado. Os dois anos de trabalho, um exército de mais de 500 pessoas e testes em lagos na Alemanha e no mar Negro, com milhares de horas e cálculos de engenheiros envolvidos na realização do projeto, vão se tornar memória. Depois disso, será possível conferir a exposição Christo e Jeanne-Claude, Water Projects em cartaz no museu Santa Giulia, em Brescia, até 18 de setembro de 2016. Lá estão expostas as amostras dos materiais usados no lago de Iseo, e 150 quadros, fotografias, maquetes e vídeos de obras realizadas em diferentes continentes e oceanos, mares e lagos podem ser admirados, como prévias desta obra-prima chamada The Floating Piers.
As obras de grande escala têm também grande custo e Christo ganhou notoriedade pela forma alternativa de financiamento que desenvolveu. O custo total dos projetos – 15 milhões de euros no caso de The Floating Piers – vai sendo amortizado a partir das vendas de quadros que retratam a visão da obra. Os desenhos preparatórios, limitados e exclusivos, que antecedem a execução da obra em si, são dados como garantia aos financiadores. Esse sistema capitalista inovador no campo da arte é reconhecido como um caso de estudo pela Universidade de Harvard, nos Estados Unidos. Depois da concretização da obra, Christo não a retrata novamente. Dessa forma, o artista cria um círculo virtuoso, no qual todos saem ganhando: os investidores, que lucram com a valorização dos quadros; as cidades, com a visita de milhares de turistas; o público, com a emoção que experimenta; e o artista, com a concretização do projeto.
Capa do Festival Latitude, promovido pelo Goethe Institut dos dias 4 a 6 de junho. Foto: Divulgação.
De quatro a seis de junho, o Goethe-Institut realiza o primeiro Festival Latitude em ambiente digital. Sob o mote Repensando relações de poder – por um mundo decolonizado e antirracista, o festival entrega uma programação totalmente gratuita centrada em como as estruturas coloniais surtem efeito até o presente e como elas podem ser superadas. O evento reúne referências internacionais da arte, ciência, cultura e política. Entre os participantes estão a politóloga Nanjira Sambuli (Quênia), a filósofa Denise Ferreira da Silva (Canadá), a performer Trixie Munyama (Namíbia), o historiador Ciraj Rassool (África do Sul) e o pesquisador de migração Mark Terkessidis (Alemanha).
O Latitude se divide em quatro complexos temáticos que abordam a perpetuação de estruturas coloniais, refletindo sobre: desigualdade econômica; identidade e memória; conduta frente a bens culturais; e desigualdade digital global. Ao lado de discussões, debates e entrevistas, serão exibidos filmes, performances, concertos e shows ao vivo através de streaming e por vídeos gravados.
Como é um festival internacional, as falas serão feitas em inglês ou terão tradução simultânea para o inglês. A arte!brasileiros destaca algumas atividades que serão realizadas:
Mostra Vila Sul (mostra): Vila Sul é a residência artística do Goethe-Institut em Salvador, na Bahia, destinada a artistas, intelectuais e pesquisadores cujas frentes de trabalho tenham como tema principal o hemisfério sul. Devido à pandemia do Covid-19, os atuais “residentes” da Vila Sul – Thó Simões (Malanje), Koffi Mensah Akagbor (Ouagadougou), Émilie B. Guérette (Montreal) e Renata Martins (Bonn) – não conseguiram viajar para Salvador e estão concluindo sua residências digitalmente, o que também é uma nova experiência para a instituição. Dessa forma, os resultados iniciais de seus trabalhos serão apresentados virtualmente no festival Latitude.
Como parte do programa, o artista residente Koffi Mensah Akagbor participa da mostra Metal contra as nuvens; a crítica de arte Renata Martins é a responsável pelo conceito para a exposição TransAções – ambos podem ser acessados no portal do Goethe-Institut a partir do início de 4 de junho. Já no dia 5, Émilie B. Guérette participa de uma conversa sobre mulheres cineastas de diferentes origens, mas com um interesse comum: questionar a ordem colonial e patriarcal do mundo através de seu trabalho.
Espaço do Goethe-Institut em Salvador, na Bahia, onde é realizada a residência Vila Sul no Brasil. Foto: Divulgação.
Resistindo ao extrativismo (painel): Moderado pela teórica cultural Lotte Arndt, o painel reúne artistas que desenvolvem, em seus respectivos contextos, estratégias visuais para resistir ao extrativismo. A artista e curadora Rachel O’Reilly comentará seu documentário Infractions (2019), que aborda o futuro da extração de gás na Austrália, em especial através do processo de fraturamento hidráulico – o “fracking”. O documentário baseia-se em anos de pesquisa e entrevistas, e questiona a relação incomum da cultura contemporânea e das artes com o extrativismo. O fotógrafo congolês Sammy Baloji falará sobre seu trabalho focado nas consequências da mineração colonial na região de Lubumbashi, República Democrática do Congo.
DIA 5
Memórias de uma câmera, para o esquecimento humano (exibição): Programa desenvolvido em conjunto com o Arsenal – Instituto de Cinema e Videoarte, sediado em Potsdamer. Seu título foi retirado do filme Forgetting Vietnam, de Trinh T Minh-ha, devido à exploração realizada pela cineasta vietnamita da reparação através da recontagem poética da história. Essa característica une os filmes do programa, além do seu interesse pela demonstração das estruturas desiguais de poder e o trabalho de perturbá-las. O resultado é uma coleção de obras subversivas dos artistas Lemohang Jeremiah Mosese, Ng’endo Mukii, Christa Joo Hyun D’Angelo, Wendelien van Oldenborgh, Jessica Lauren Elizabeth Taylor e Thirza Cuthand.
Aprendendo uns com os outros – a restituição como desafio ético e jurídico (painel): Tendo como ponto de partida a publicação do relatório de restituição elaborado por Bénédicte Savoy e Felwine Sarr em novembro de 2018, o painel vai discutir a restituição de bens culturais, tema controverso e cada vez mais discutido. Os participantes – especialistas em teoria e prática jurídicas, antropológicas e da civilização – vão mergulhar na questão para saber suas possibilidades e limitações, indagando, por exemplo, se a restituição pode funcionar como uma negociação social.
Como os museus caminham para o futuro (painel): Neste painel, profissionais da cultura e pesquisadores refletem sobre a prática atual nos museus: quais desafios eles enfrentam? Quais oportunidades surgem para a criação de novos modelos de museus? Tal debate, acentuado pela pandemia, tem forçado instituições a continuar questionando onde se imaginam no futuro e se nesse cenário é possível ampliar a relevância social dos museus.
DIA 6
Enquanto esperamos – produção artística tanzaniana em tempos de corona (exibição e debate): A artista performática Vicensia Shule estrearia uma produção teatral na edição 2020 do festival Latitude, em Berlim. Com as barreiras impostas pela Covid-19, Shule não pôde se apresentar, ao invés disso, convidou outros artistas afetados de vários campos das artes – cinema, música, artes visuais e teatro – para se expressarem em entrevistas em vídeo. Nas gravações, Shule documenta o trabalho desses artistas e como eles lidam com a produção de suas obras na situação atual. Ela nota, no entanto, que algumas das questões levantadas nas entrevistas afetam os artistas tanzanianos desde antes da pandemia.
"DAS AVÓS", 2019, videoinstalação de Rosana Paulino. Foto: Videobrasil.
Bonaventure Soh Bejeng Ndikung propõe pensarmos um conceito de des-outrização como estratégia de crítica e desconstrução das geografias e narrativas que instituem poderes centrais em nossas sociedades. Seu texto para o catálogo da 21a Bienal de Arte Contemporânea Sesc_Videobrasil, que teve como equipe curatorial Gabriel Bogossian, Luisa Duarte, Miguel López e Solange Farkas, tem por título “Des-outrização como método” e leva como subtítulo uma frase em ngemba que, traduzindo, significa algo como “mantenha o seu que eu mantenho o meu”. O desafio do método da des-outrização é que outrizar, de certa forma, sempre foi nossa maneira de estar no mundo. Ao menos nossas auto-narrativas e epistemologias tendem a reproduzir binarismos que remontam quase sempre ao contraponto eu-outro. Na visão psicanalítica, o eu começa a tomar contornos com a diferenciação do outro, dada pelos limites do corpo, pelo desamparo e, finalmente, pelo aprender à jogar com o outro.
Angústia e medo na origem do conhecimento e da relação com o “outro”
Adorno e Horkheimer, em uma passagem conhecida do ensaio Dialética do Esclarecimento, descrevem a origem do conhecimento no grito do horror diante daquilo que desconhecemos. O conhecimento derivado desse encontro trágico com o “outro” seria eivado de medo e terror.[1] Seja na religiosidade, seja na filosofia, uma vez que “o esclarecimento é a radicalização da angústia mítica”, paira o projeto de submeter o outro de modo integral, já que “nada pode ficar de fora, porque a simples ideia do ‘fora’ é a verdadeira fonte da angústia.”[2] O projeto do esclarecimento, ou seja, a expansão da razão iluminista para todos os cantos da Terra, teve como resultado um processo de dominação do “outro” e da natureza que culmina agora com as imagens cada vez mais próximas e tangíveis do fim do nosso mundo. A razão que se ergueu como reação ao medo e se articulou a partir da angústia mítica torna-se uma arma violenta de redução do outro a meio, seja de conhecimento, seja de obtenção de lucro, uma vez que existe um vínculo perverso entre a razão iluminista e a lógica espoliadora e dominadora do capitalismo, sobretudo em sua vertente neoliberal. Se a razão não queria deixar “nada de fora”, o capital também deseja transformar tudo em meio para a riqueza: indivíduos são vistos como robôs-trabalhadores sem subjetividade e direitos, a terra é reduzida à categoria de commodity. Se existe algo que não pode ser transformado imediatamente em lucro, como árvores e populações originárias, elas devem ser aniquiladas. O outro é negado e esse outro é tudo o que se opõe ao império do capital. A comodificação do mundo implica necessariamente a sua própria morte. A geopolítica neoliberal recorta o mundo em função de sua exploração máxima. No campo político, Estados-nação se articulam em blocos globalizados, desdobrando a lógica do extrativismo, manufatura e conversão em lucro. Esse modelo é uma continuidade do sistema colonial e reproduz as hierarquias que redundaram da colonialidade, tanto nas relações entre os blocos nacionais como em termos de uma nova racialização ontologizante.
Colonizar e seus crimes: genocídio, etnocídio, ecocídio, memoricídio
Achille Mbembe com razão recorda um manual de colonização francês do século 19, de autoria de Paul Leroy-Beaulieu. A colonização, para esse autor, “é a força expansiva de um povo, é o seu poder de reprodução, é a sua expansão e a sua multiplicação através dos espaços; é a submissão do universo ou de uma vasta parte dele à sua língua, aos seus costumes, às suas ideias e às suas leis.” Vale lembrar que, em 2018, um candidato à eleição no Brasil falou que “quilombola não serve nem para procriar”, num gesto que ao mesmo tempo animalizou os afrodescendentes e negou a eles o direito à auto-reprodução e determinação.
Colonizar, precisa ainda Alexandre Mérignhac, no início do século 20, “é relacionarmo-nos com países novos, para aproveitar os recursos de toda a natureza desses países.”[3] Colonizar implica hierarquizar, dividir e dominar. Trata-se de uma necropolítica que destrói a natureza e populações inteiras. Destrói-se fisicamente e simbolicamente: genocídio, etnocídio e ecocídio andam de mãos dadas nessa era. Mas há uma quarta face dessa besta do apocalipse que não pode ser esquecida. Pois trata-se também aqui de um memoricídio planejado e sistematicamente reiterado. Não pode haver dominação sem violência física e simbólica. O caso do Brasil é paradigmático: país com uma das piores divisões sociais da riqueza no mundo, é também um campeão em termos de violência estatal e paraestatal, assim como em termos do apagamento das histórias e narrativas dessas violências.
É evidente que o sistema neocolonial/neoliberal foi duplamente oleado nas últimas décadas: primeiro com o fim do bloco de países liderados pela União Soviética, que permitiu uma expansão praticamente total do sistema neoliberal implantado já nos 1980 por Ronald Reagan e Margaret Thatcher; e, em segundo lugar, pelo 11 de setembro, com o desencadeamento da guerra aniquiladora contra o “outro”. Nunca a máquina de produção de narrativas da indústria cultural secretou tantos novos mitos e estabeleceu de modo tão claro as diferenças pretensamente insuperáveis entre o Eu defensor do Iluminismo e o Outro-bárbaro. Se da Ilíada a Hollywood a história dessas narrativas se repete, por outro lado o potencial genocida dessas narrativas nunca foi tão grande, tendo em vista as modernas tecnologias de guerra e cibernéticas.
No Brasil, onde agora essa explicitação do programa neoliberal se dá de modo trágico e patético, não por acaso o mote das políticas de segurança é “direitos humanos para humanos direitos”. Na medida em que os políticos no poder se arvoram a capacidade de estabelecer automaticamente, como nas modernas câmeras de reconhecimento facial, a distinção entre cidadão do “bem” e do “mal”, trata-se, portanto de um lema que caberia bem na porta de Auschwitz ou do DOI-CODI. Achille Mbembe também recordou as palavras do teórico francês da colonialidade do final do século 19, Jules Ferry, que já exalavam conceitos parecidos: “É preciso dizer francamente que de fato as raças superiores têm mais direitos que as raças inferiores […]. A Declaração dos Direitos do Homem não ‘foi escrita pelos Negros da África Equatorial.”[4]
Ou seja, a busca de uma política da des-outrização, defendida por Bonaventure assim como por outros artistas, curadores, antropólogos, atores e pensadores críticos, hoje, é uma resposta clara à virada fundamentalista que ocorreu com o triunfo do neoliberalismo, associado a uma nova onda de luta pela supremacia de um pensamento que podemos chamar de Esclarecimento, de Iluminismo ou simplesmente de eurocentrismo. Como escreveu Ta-Nehisi Coates, “os americanos [e não só eles, eu acrescento] acreditam na realidade da ‘raça’ como uma característica definida, indubitável, do mundo natural. […] a raça é filha do racismo, e não sua mãe.”[5] Ou, nas palavras de Achille Mbembe: “O grande nervo [do] projeto imperial é a diferença racial, que se incorpora em disciplinas como a Etnologia, a Geografia ou a Missionologia.”[6] As narrativas feitas em museus, nas literaturas, nas artes, na publicidade, nas exposições internacionais, apenas reforçam constantemente essas partilhas raciais, políticas e econômicas.
Nova ética da responsabilidade e o “todo” como um jogo
O método de des-outrização, no entanto, não é inocente e sabe que, aquém ou além de binarismos, nossas narrativas necessitam de um solo, mínimo que seja, de identidade para instituir a linguagem. Trata-se de pensar as diferenças como devires e não como mônadas sólidas, como a lógica haurida na base do medo da razão do Esclarecimento o faz. O subtítulo ardiloso de Bonaventure, “mantenha o seu e eu mantenho o meu”, não quer indicar, me parece, uma nova luta identitária, na qual simplesmente colocaríamos de ponta-cabeça as hierarquias norte-sul que operam política e economicamente no mundo hoje, mantendo intocada essa lógica binária metafísica. Antes, essa dualidade não deve ser pensada dentro de um binarismo estanque, mas sim a partir de uma nova ética da responsabilidade. Nessa relação do eu-mundo não necessariamente a outrização implica coisificação, objetificação ou dominação.
Saussure pensava o sistema linguístico como um jogo de diferenças, mas sabia que as peças desse jogo são móveis. Novalis, um século antes desse linguista, descreveu o todo de um modo divertido que pode iluminar o que quer dizer imaginar-se um jogo de diferenças aberto que sustenta a linguagem: “O todo consiste aproximadamente – como as pessoas jogando que, sem cadeiras, sentam-se num círculo uma no joelho da outra.”[7] Aqui vemos o todo sendo sustentado por um jogar ou brincar em comum. No catálogo da Bienal também lemos o precioso texto de Gladys Tzul Tzul, que afirma, a partir de sua experiência maia k’iche’ da Guatemala e de seus estudos de sociologia: “O trabalho comunal é a energia primordial a partir da qual se produz a riqueza concreta da vida comunal; ao mesmo tempo, possibilita um horizonte ético de existência e estratégias de inclusão que não são centradas em uma identidade essencial.”[8] As culturas tradicionais produzem as únicas comunidades e grupos autenticamente ricos, se pensarmos a riqueza em termos de bem-estar, como estado que nos livra da mencionada “angústia mítica” que se desdobra no nosso trabalho alienado e nas nossas relações coisificadas com o outro, com a natureza e com nossos desejos. Portanto, quando se afirma hoje que os “índios são pobres sobre terras ricas” isso só expressa a pobreza de caráter e a falta de inteligência de quem o disse. Os indígenas são as populações genuinamente ricas deste planeta. A vergonha, projetada neles, deve ser reconhecida na cultura hegemônica com sua lógica genocida.
A “segunda técnica” e o novo espaço lúdico de ação
Pensando na imagem de Novalis do jogo de sentar no colo um do outro para indicar o todo, lembro que também para Benjamin o jogo era visto como uma categoria aberta e não violenta de atuar no mundo. A relação lúdica com o mundo deve ser pensada como uma técnica de relacionamento não violento. Benjamin escreveu em seu conhecido ensaio A obra de arte na era de sua reprodutibilidade técnica acerca de uma técnica emancipada, que seria para ele uma “segunda técnica”. A “primeira técnica” tinha o ser humano em seu centro e possuía como sua realização paroxística o sacrifício humano. Podemos dizer que essa técnica se irmana à razão do Esclarecimento e teve como realização os genocídios do século 20 e a destruição de boa parte do planeta. Já a “segunda técnica” tende a dispensar o ser humano do trabalho. Ela baseia-se na repetição lúdica e teria sua origem no jogo, visto por Benjamin como primeira modalidade de tomada de distância da natureza.
Lembremos também aqui da teoria freudiana do jogo: o fort-da (o brincar de desaparecer) do bebê como uma elaboração da separação/realidade.[9] Também para Benjamin o jogo é meio de empoderamento. Para ele a “segunda técnica” não visa a um domínio da natureza (como ocorria na “primeira técnica”), mas sim jogar com ela. O jogo aproxima, mas mantém a distância. A “primeira técnica” seria mais séria, e a segunda, lúdica: a obra de arte estaria no meio, oscilando entre elas. Mas o cinema e a fotografia, por serem artes eminentemente dependentes da técnica, estariam mais próximas dessa “segunda técnica”, e atuariam justamente no treino em direção à emancipação. Benjamin destaca a relação dessa segunda técnica com as revoluções e utopias. Ele apresenta, nesse contexto, o conceito fundamental de Spielraum, campo de ação, mas também, espaço de jogo. Cito: “Justamente porque essa segunda técnica pretende liberar progressivamente o ser humano do trabalho forçado, o indivíduo vê, de outro lado, seu campo de ação aumentar de uma vez para além de todas as proporções.”[10] Benjamin afirma também que, diante dessa segunda técnica, “as questões vitais do indivíduo – amor e morte – já exigem novas soluções”.[11] Essa ideia parece constar como mote para as obras de arte produzidas em nossa era. Hoje, uma parte significativa delas explora esses novos espaços de jogo e de liberdade que a técnica nos abre. São incursões sobre o novo sentido da vida – e da biopolítica – na era da síntese técnica da vida. Elas colocam questões a nós humanos, habitantes da era da crise das fronteiras (geográficas, biológicas e outras mais), da mobilidade incessante, da ansiedade, do fim do trabalho – esse definidor de nossa humanidade por tantos séculos.
Vale lembrar que Benjamin desenvolvera essa dicotomia entre dois tipos de técnica, ainda que de modo não tão explicito, e tratando da técnica como uma segunda natureza, em seu último fragmento de Rua de mão única, livro publicado em 1928. Nesse texto, denominado de “A caminho do planetário”, Benjamin trata do tema, caro a ele, do abandono, que teria ocorrido na modernidade, da percepção das afinidades eletivas, ou do mundo das semelhanças, que antes uniam a humanidade, o macro e o microcosmo. Ele escreve sobre a técnica destrutiva e sacrificial que culminou na Primeira Guerra e também sobre uma técnica que não seria mais dominação, que ele vê in nuce na força proletária:
Massas humanas, gases, forças elétricas foram lançadas ao campo aberto, correntes de alta frequência atravessaram a paisagem, novos astros ergueram-se no céu, espaço aéreo e profundezas marítimas ferveram de propulsores, e por toda parte cavaram-se poços sacrificiais na Mãe Terra. Essa grande corte feita ao cosmos cumpriu-se pela primeira vez em escala planetária, ou seja, no espírito da técnica. Mas, porque a avidez de lucro da classe dominante pensava resgatar nela sua vontade, a técnica traiu a humanidade e transformou o leito de núpcias em um mar de sangue. Dominação da Natureza, assim ensinam os imperialistas, é o sentido de toda técnica. […] [No entanto] a técnica não é dominação da Natureza: é dominação da relação entre Natureza e humanidade. Os homens como espécie estão, decerto, há milênios, no fim de sua evolução; mas a humanidade como espécie está no começo. Para ela organiza-se na técnica uma physis na qual seu contato com o cosmos se forma de modo novo e diferente do que em povos e famílias.[12]
Ou seja, através de novas técnicas, dessa “segunda técnica” derivada e inspirada na fotografia e no cinema, uma outra natureza se organiza. Nossa relação com essa outra natureza será lúdica, dialógica, e se dará para além das lógicas do capital, das nações e das famílias. Esse pensador apostou em uma incorporação dessa técnica pensada como arte, e não mais como aparato de domínio e destruição. Seu sonho era que pudéssemos frear o atual desenvolvimento catastrófico em nome do pretenso progresso, que só traz morte, e construir uma humanidade capaz de realizar as potencialidades utópicas dessa “segunda técnica”: “Fazer da monstruosa aparelhagem técnica de nossos tempos o objeto da enervação humana – é esta a tarefa histórica em cujo serviço o cinema tem seu verdadeiro sentido”.[13] No cinema e, acrescento, nas artes como dispositivos de construção de novas subjetividades e de inscrição da história da violência, a humanidade poderia também testar novas modalidades de convívio intrahumano e com a natureza e, dessa forma, ensaiar – ludicamente – seu futuro.
[1] Também Hans Jonas notou que o sonho da civilização, ou seja, de domesticação da natureza, nascera do medo dessa mesma natureza e da ideia de sua conquista como um ato heroico. Hoje as coisas estão invertidas. Nós somos o perigo para a natureza. As marés que nos destroem (de água ou de lama) são respostas dessa Natureza ferida. Como escreve Hans Jonas: “A euforia do sonho fáustico se dissipou e nós despertamos sob a luz diurna e fria do medo.” (Hans Jonas, Une éthique pour la nature, trad. S. Courtine-Denamy, Paris: Flammarion, 2017, p. 176) A resposta a esse medo, no entanto, não deve ser o pânico, mas, antes, a ativação de uma nova ética que inclui pela primeira vez a Natureza e não se limita a ser apenas intersubjetiva.
[2] Theodor W. Adorno, e Max Horkheimer, Dialética do Esclarecimento. Fragmentos filosóficos, trad. G. Almeida, Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 1985, p. 29.
[3] Achille Mbembe, Crítica da Razão negra, tradução Marta Lança, Lisboa: Antígona Editores Refractários, 2a edição, 2017, p. 119.
[7] Novalis. Werke. Tagebücher und Briefe Friedrich von Hardenbergs. Hans-Joachim Mähl; Richard Samuel (orgs.). Darmstadt: Wissenschaftliche Buchgesellschaft, 1999. Vol. II. p. 152.
[8] Gladys Tzul Tzul. “Uma forma ética de existência: o comunal indígena como horizonte político”. in 21ª Bienal de Arte Contemporânea Sesc_Videobrasil: Comunidades imaginadas. São Paulo: Videobrasil; Edições Sesc, 2019. (Catálogo de exposição). p. 56.
[9] Sigmund Freud, Jenseits des Lutprinzips, in: Studienausgabe, vol. III, Frankfurt a.M.: Fischer, 1989, pp. 213-272, p. 225 e seguinte.
[10] Walter Benjamin. A obra de arte na era de sua reprodutibilidade técnica. Organização e apresentação M. Seligmann-Silva; trad. Gabriel Valladão Silva, Porto Alegre: L&PM, 2013, p. 63.
[12] Walter Benjamin. Obras Escolhidas II: Rua de Mão única, trad. R.R. Torres Filho e J. Barbosa, revisão técnica Márcio Seligmann-Silva, 6. ed. revista, São Paulo: Brasiliense, 2012, p. 70 e seguinte.
Neste período em que o isolamento social nos afasta dos eventos que costumamos experimentar nas múltiplas sedes do Sesc-SP, podemos vivenciar um outro tipo de experiencia acessando e descobrindo o Sesc Digital. A plataforma contém uma grande e variada quantidade de conteúdos – sobre esporte, meio ambiente, arte, saúde e cidadania, entre outros – adaptados para o ambiente online. Saiba mais no vídeo abaixo:
Anúncio da edição brasileira da feira online Not Cancelled, feito através de seu Instagram.
Reunindo 56 galerias de diferentes cidades brasileiras, a feira de arte Not cancelled Brasil realiza sua primeira edição entre os dias 10 de junho e 9 de julho de 2020. A feira, que funcionará apenas virtualmente, surge como alternativa de mercado no contexto da pandemia de Covid-19 e após o cancelamento das feiras presenciais no Brasil e no mundo.
No site do evento (www.notcancelled.art/brazil), que estará disponível durante o período da feira, o visitante poderá ver as obras dos artistas selecionadas por cada galeria – participam da feira 101 artistas -, além de acessar conteúdo diário ao vivo, como transmissões, entrevistas, palestras e visitas guiadas. Para dar maior dinamismo ao evento, o programa online será alterado semanalmente, variando artistas e galerias que estarão expostos.
“Not cancelled” (não cancelado) é um projeto desenvolvido pela agência TREAT, sediada em Viena, e foi inaugurado em abril de 2020 na esteira do fechamento de museus, galerias, feiras de arte e outros eventos culturais. Após seu lançamento com a feira de Viena, foi reproduzida com edições em Berlim, Paris, Varsóvia, Chicago, Dubai, leste e sul da Europa, sul dos EUA, entre outros. Todos eles com eventos de uma semana de duração. (saiba mais aqui)
A edição brasileira, organizada a partir da iniciativa de Karla Osorio Netto, galerista de Brasília, é a primeira com um mês de duração. Como explica o texto de apresentação do evento, trata-se de um projeto independente reunindo grande parte das principais galerias de arte contemporânea do país, incluindo casas de médio e pequeno porte. “É crucial que todas as galerias mantenham contato para ampliar sua visibilidade nacional e dentro de um contexto global. Devido ao fato de que a pandemia está paralisando todas as atividades globais no futuro imediato, essas galerias foram particularmente afetadas, pois também dependem da visibilidade fora de seus mercados locais.”
Nesse sentido, o texto conclui: “Em vez de cada uma lutar sozinho ou em nível local por visibilidade, pensamos em celebrar as atividades artísticas do país como um todo, unindo forças, e obtivemos apoio de uma plataforma internacional já existente, quase sem custo para as galerias. Esta é a primeira feira online de nível internacional realizada no Brasil e conta com o apoio da ABACT – Associação Brasileira de Galerias Contemporâneas.”
As casas que participam desta primeira edição são:A Gentil Carioca; AM Galeria; Amparo 60; Anita Schwartz; Athena; Aura; Berenice Arvani; Bergamin & Gomide; Bianca Boeckel; Bolsa de Arte; C. Galeria; Carbono; Casa Triângulo; Casanova; Cavalo; Celma Albuquerque; Central Galeria; Dan Galeria; Eduardo Fernandes; Estação; Fortes d’Aloia e Gabriel; Gaby Indio do Brasil; Janaina Torres; Jaqueline Martins; Karla Osorio; Kogan Amaro; Leme Galeria; Luciana Brito; Luciana Caravello Arte Contemporânea; Luisa Strina; Lume; Mamute; Marcelo Guarnieri; Marilia Razuk; Mario Cohen; Mendes Wood DM; Millan; Multiplo Espaço Arte; Nara Roesler; OÁ Galeria; OMA Galeria; Periscópio; Pinakotheke; Portas Vilaseca; Raquel Arnaud; RV Cultura e Arte; Sé Galeria; Silvia Cintra + Box 4; Simões de Assis; Soma Galeria; Superfície; Vermelho; Verve; Ybakatu; Zipper e 55SP.
Christo por Tim P. Whitby. Foto: Getty Images para as Serpentine Galleries.
Faleceu hoje, 31 de maio, aos 84 anos, o emblemático artista Christo. De acordo com um comunicado de imprensa divulgado pelo escritório do artista, Christo morreu por causas naturais.
Nascido na Bulgária como Christo Vladimirov Javacheff, ele conheceu sua parceira Jeanne-Claude em 1958, em Paris, depois de receber a encomenda de fazer um quadro da mãe de Jeanne-Claude. Juntos eles ajudaram a questionar percepções sobre a arte. O casal incluía, junto com suas esculturas de proporção maciça – muitas vezes invólucros de tecido ao redor de construções históricas -, as documentações relacionadas à burocracia necessária para a realização da obra; os relatórios de impacto ambiental; os desenhos e diagramas feitos nas etapas de planejamento desses trabalhos. Propunham, dessa forma, uma nova forma para a arte pública ser compreendida.
Entre suas empreitadas mais famosas estão os embrulhos da ponte Pont Neuf, em Paris, do Reichstag, em Berlim; as ilhas de tecido na Baía Biscayne, em Miami; a Mastaba colorida no Hyde Park, em Londres; e os Floating Piers, entre Sulzano, Monte Isola e a ilha de San Paolo, na Itália.
Em 1978, o processo de sua obra Running Fence foi documentado por Albert e David Maysles em um filme que mostra a longa luta do casal de artistas para construir uma cerca de 40 quilômetros de tecido branco sobre as colinas da Califórnia, desaparecendo no Pacífico.
“Christo e Jeanne-Claude: Running Fence, Sonoma e Marin Counties, California, 1972-76″. Foto: Cortesia do artista.
A cerca, como os outros projetos de Christo e Jeanne-Claude, acabaria sendo derrubada depois de um tempo pré-determinado, persistindo graças ao documentário dos irmãos Maysles. Uma cena chama atenção para o impacto de seu trabalho. Durante as audiências públicas para aprovar ou não o início do projeto (que enfrentava grave rejeição e empecilhos burocráticos) uma mulher identificada como Sra. George Michelson se aproxima do microfone, oferendo a seguinte visão: “Algumas das refeições que preparo não são muito… Às vezes eu trabalho bastante para preparar uma refeição que eu acho que é arte. É uma obra-prima. E o que acontece? É devorada e desaparece”.
A fala da fazendeira mostra como – através de seus próprios quadros de referência – as pessoas conseguiam se relacionar com o processo do trabalho de Christo e Jeanne-Claude. Quando a cerca foi finalmente erguida, a comunidade se uniu em admiração pela beleza da obra. No comunicado emitido pelo escritório do artista isso é reafirmado: “As obras de arte de Christo e Jeanne-Claude reuniram pessoas em experiências compartilhadas em todo o mundo e seu trabalho continua em nossos corações e memórias”.
A notícia de sua morte chega quando Christo havia assumido um de seus projetos mais ambiciosos, uma escultura que veria o Arco do Triunfo, em Paris, envolto em 269.097 pés quadrados de tecido. A obra foi concebida pela primeira vez com Jeanne-Claude, em 1962. O projeto ainda deve ser executado em setembro de 2021.
Acima, Maurício Pietrocola, e Martin Grossmann; abaixo, Ana Magalhães e Marta Bogéa. Foto: Divulgação
A sede do MAC, no Ibirapuera. Foto: Divulgação
No próximo dia 9 de junho, a Universidade de São Paulo (USP) escolhe a nova direção do Museu de Arte Contemporânea, que irá substituir a atual gestão, composta por Carlos Roberto Ferreira Brandão e Ana Gonçalves Magalhães. O mandato se encerra no próximo semestre. Será uma nova chance de renovação em uma instituição que não consegue se destacar na cena de arte da cidade, enfrentando desde problemas de financiamento à falta de um projeto claro de museu e mesmo de ocupação do espaço, o imenso antigo Detran.
Duas chapas disputam a direção do museu: uma encabeçada por Magalhães (MAC), tendo a arquiteta Marta Vieira Bogéa (FAU) como vice, e outra liderada pelo professor Martin Grossmann (ECA), com Maurício Pietrocola Pinto de Oliveira (Faculdade de Educação).
A convite de arte!brasileiros, as duas chapas fizeram uma síntese de suas propostas – disponíveis na íntegra aqui.
Criado em 1963, a partir da doação das coleções do casal de mecenas Yolanda Penteado e Ciccillo Matarazzo, e pelas coleções de obras adquiridas ou recebidas em doação durante a vigência do MAM – o que gerou uma crise no museu -, e pelos prêmios das Bienais de São Paulo, até 1961, o MAC viveu um período especialmente efervescente durante a gestão de Walter Zanini, entre 1963 e 1978. Zanini (1925-2013) marcou o espaço como um lugar de experimentação para os artistas nos tempos difíceis da ditadura militar, e seu trabalho vem alcançando crescente reconhecimento, inclusive no âmbito internacional.
Desde então, o museu passou por altos e baixos. Há oito anos, em 2012, com a inauguração de sua nova sede, no Ibirapuera, em um edifício projetado por Oscar Niemeyer nos anos 1950, o MAC conseguiu uma área de 23 mil m2, rara entre as instituições de arte brasileiras. Lá está o acervo de 10 mil trabalhos, que inclui obras modernistas de artistas de renome como Picasso, Matisse, Max Bill ou Käthe Kollwitz, entre os estrangeiros, e Anita Malfatti, Tarsila do Amaral e Flávio de Carvalho, entre os brasileiros, até a produção recente, especialmente nacional, boa parte incorporada durante a gestão de Tadeu Chiarelli (2010-2014).
O colégio eleitoral que decide a direção é composto por um grupo seleto da própria USP: os membros do conselho deliberativo do museu e representantes de cinco unidades afins da universidade, como a Escola de Comunicações e Artes ou a Faculdade de Arquitetura e Urbanismo. Leia a seguir o que propõe cada chapa.
Da esquerda para a direita, Maurício Pietrocola e Martin Grossmann, de uma chapa, e Ana Magalhães e Marta Bogéa, de outra. Foto: Divulgação
MAC USP: UM MUSEU UNIVERSITÁRIO NO SÉCULO 21 (Ana Magalhães e Marta Bogéa)
Com quase seis décadas de existência, e instalado definitivamente em sua nova sede no Parque do Ibirapuera, o Museu de Arte Contemporânea da Universidade de São Paulo (MAC USP) é a mais importante instituição em seu gênero no país. Guardião de um acervo inestimável de arte moderna e contemporânea, ele não é só mais um museu de arte na cidade de São Paulo. Por ser um museu universitário, no qual as atividades de docência, pesquisa e curadoria estão intimamente interligadas, ao longo de sua história, ele se consolidou como um espaço de reflexão crítica e formação (especializada e de extensão). Isso se reflete no perfil de seu colecionismo. Desde sua implantação na Universidade e sob a direção de Walter Zanini (1925-2013), o museu buscou investigar as novas práticas artísticas e as novas mídias, transformando-se em uma instituição pioneira no país, fato reconhecido pela historiografia internacional recente.
O MAC USP deve ser entendido como um museu-laboratório, pois além de abrir-se para o fomento à produção artística deve continuar a estimular o envolvimento de estudantes, dentro e fora da USP, bem como as parcerias interdisciplinares entre pesquisadores e docentes. Isso não é propriamente uma novidade para o Museu: desde a instauração da carreira docente (2004), seus curadores-professores vêm trabalhando na pesquisa em colaboração com colegas de outras áreas de conhecimento, inclusive internacionalmente, ao mesmo tempo que cumprem um papel singular de prover a formação de jovens pesquisadores em um contexto transdisciplinar. Recentemente, iniciou a discussão de um programa de residências artísticas e, em 2019, implantou um edital de exposições para artistas emergentes. Esta é, de fato, outra singularidade do MAC USP: a atividade curatorial é pautada pela pesquisa acadêmica e se desdobra em disciplinas de graduação e pós-graduação, em exposições e no programa de extensão do Museu. São práticas existentes que reconhecemos e desejamos continuar e ampliar.
Partimos desses pressupostos para elaborar nosso Programa de Gestão. Neste sentido, o MAC USP é uma porta aberta da maior e mais relevante universidade brasileira para a sociedade. Pretendemos, portanto, nos manter em diálogo com agentes dentro e fora da USP para debater questões prementes da contemporaneidade e assegurar este como um espaço de reflexão crítica e autonomia de pensamento. Por esse mesmo motivo, o MAC USP não é só um conjunto de galerias de exposições: suas formas de extroversão devem envolver várias áreas de conhecimento e atividades amplas de extensão cultural. Para tanto, esperamos contar com parcerias de outras instituições, dentro e fora do País – algumas das quais já desenvolvem projetos conjuntos com o Museu –, para construir um programa que se desdobre no tempo, e promova a produção de conhecimento e a educação em vários níveis. É também imperativo que este programa espelhe a diversidade e a alteridade, não só no seu calendário de exposições, mas nas suas ações de formação e de pesquisa.
O MAC USP deve ainda enfrentar grandes desafios nos próximos dez anos, sendo o mais imediato o da sua autonomia financeira para dar continuidade à sua excelência em pesquisa e formação, e ter fôlego em seu programa de extroversão. Diante das vicissitudes que estamos vivendo em função da mais grave pandemia dos últimos 100 anos, esses desafios tornaram-se ainda maiores, pois isso demanda do Museu que investigue novas formas de relação com seu público. Neste sentido, as equipes do MAC USP já estão discutindo propostas para este novo modo de comunicação e extensão de suas atividades, através das mídias digitais e redes sociais. Essas propostas deverão, em nossa visão, também envolver projetos e parcerias com artistas e pesquisadores da área, de modo a pensarmos juntos a dimensão virtual do Museu. Vale aqui lembrar que foi através do Projeto Temático financiado pela Fapesp que a instituição construiu uma plataforma virtual de difusão de seu acervo – extraindo os dados de seu banco de catalogação – e montou um laboratório de preservação digital (ver matéria na Revista Pesquisa FAPESP, de 25 de maio de 2020). O fato de ser um museu universitário, que conta com quadros altamente capacitados em seus vários modos de ação, deu não só o respaldo a essas iniciativas, mas também viabilizou a infraestrutura necessária para tal empreendimento. Com apoio de repositórios digitais que Universidade criou nos últimos anos, o MAC USP teve as condições de iniciar o colecionismo de artemídia antes de qualquer outro museu no País.
O MAC USP cresceu em espaço (27.000 m2 de área expositiva, em 2012), em número de visitantes (396.000 visitantes em 2019), e em projeção na área de pesquisa e formação. Crescimento em números, resultante sobretudo da excelência acadêmica, da competência de seus quadros funcionais e técnicos, e da reflexão crítica que permitiu ao Museu se reinventar em sua nova sede. Nosso compromisso é o de dar as condições para que o Museu continue a realizar plenamente a sua missão: produzir e promover a arte como forma de conhecimento e experimentação.
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POR UM MUSEU DE ARTE CONTEMPORÂNEA CONTEMPORÂNEO Na vanguarda do espaço-tempo: público, ubíquo, universal, planetário, experimental, transdisciplinar, formativo, colaborativo, dinâmico, aberto. Ancorado em referenciadas diretrizes museológicas e de gestão cultural.
(Martin Grossmann e Maurício Pietrocola)
A arte contemporânea se configura na segunda metade do século 20 principalmente por meio das ações de vanguardas artísticas críticas à institucionalidade da arte consolidada pelo museu de arte moderna. O pós-guerra, e em particular a inquietação dos anos 1960 e 70, colocam em xeque este paradigma de museu modernista. Surge um museu mais permeável e responsivo às intensas mutações do contemporâneo, que prioriza as relações entre arte e vida.
O Museu de Arte Contemporânea da Universidade de São Paulo é, portanto, um dos pioneiros no mundo nessa nova tipologia, ao inaugurar e liderar uma nova forma de ação museológica, laboratorial, ousada, crítica, contextual, performática.
O processo de criação do MAC é resultante de uma crise institucional do Museu de Arte Moderna de São Paulo, fundado em 1949. Em 1963,sua coleção, bem como as de seus idealizadores e mecenas (Ciccillo Matarazzo e Yolanda Penteado), são doados à USP.
Instalado em sede definitiva no Parque do Ibirapuera viabilizada pelo Governo do Estado em 2007, o MAC, no entanto, ainda não aterrissou na metrópole. Ele sofre de um complexo de orfandade, seja de sua mãe de sangue, a cidade, seja de sua madrasta, a universidade. Carece de uma identidade que corresponda a ubiquidade contemporânea: o de estar e existir concomitantemente em todos os lugares, incluindo assim a universidade, a cidade, o mundo e até a virtualidade.
Por que um “culturador”*, professor titular da Escola de Comunicações e Artes, com significativa experiência em gestão cultural e acadêmica se junta a um outro professor titular da Faculdade de Educação, com um sólida formação científica (Física), especializado em Epistemologia e História da Ciência, bem como no desenvolvimento de estratégias inovadoras no ensino de Ciência, com o intuito de assumirem a gestão do MAC nos próximos quatro anos?
Entendemos que o museu precisa tornar-se uma interface, um atrator, alimentado pelos conhecimentos e práticas que só uma universidade como a USP é capaz de fornecer. O MAC precisa não só criar sentido para as suas áreas específicas e correlatas como para outras áreas de conhecimento da universidade e principalmente para o público. Precisa deixar-se contaminar pelas diferentes formas de saberes e experiências que convivem e tensionam a universidade e o planeta, sendo um espaço aberto à criação no sentido amplo do termo.
O nosso projeto de gestão se alicerça em uma proposta audaciosa de “culturadoria” inter e multidisciplinar, tendo como espinha dorsal a fantástica coleção do museu e um programa educativo e cultural colaborativo, em um movimento pela formação educacional para/pela arte, envolvendo assim, necessariamente, toda a equipe do museu, bem como vários e diversos agentes externos e diferentes públicos.
Como se trata de tarefa complexa, propomos que este projeto seja planejado e desenvolvido pelo museu em parceria com um coletivo de pesquisadores, artistas e profissionais, provenientes de diferentes áreas do conhecimento e de atuação e em sua grande maioria da USP, que queiram atuar na triangulação entre arte, ciência e cultura, visando o desenvolvimento de um dispositivo de investigação, expositivo, comunicativo e participativo transdisciplinar baseado, indiscutivelmente, na vocação, genealogia e trajetória deste museu.
Propomos um projeto coletivo, colaborativo, que considere de fato o MAC como museu de arte contemporânea da USP, ou seja, que represente a potência da interdisciplinaridade de uma universidade plural que reúne praticamente todos os campos de conhecimento. Sua centralidade será uma exposição temática de grande porte que terá a coleção do museu como referência central ampliada por meio da tecnologia digital e analógica embasada por um programa de ação educativa, científica e cultural. Uma experiência única de conhecimento e fruição, uma combinatória de narrativas interdisciplinares e multimídia —arte, cultura e ciência— que buscarão estimular experiências transdisciplinares.
Inspirados por seu primeiro diretor, Walter Zanini, a proposta aqui delineada para a gestão do MAC (2020-2024) pretende “remodelar o modelo”*. O museu precisa resgatar a sua matriz original, laboratorial, que com sua inventividade e ousadia, colocou o MAC em pari passu com outros museus de arte contemporânea no mundo, ao propor uma ação museológica distinta da maioria dos museus de arte moderna existentes em diferentes partes do globo, inclusive no Brasil.
Neste sentido, acreditamos que este seja o momento de metamorfose, do necessário salto para que o MAC —potência que é— retome o seu papel protagonista na cidade e no sistema da cultura e do conhecimento. Vivemos tempos de pandemia/pandemônio que nos inquieta, angustia, preocupa, desconcerta. Como o mundo e o Brasil sairão desta crise? Ainda não sabemos e os nossos espíritos entristecidos pelas mortes, como também pela evidente estupidez humana, tendem a uma postura mais cética, diante de tamanha barbárie e complexidade. Neste contexto distópico no qual todos nós estamos inseridos, um museu de arte contemporânea como o MAC precisa manter o seu espírito prospectivo e utópico, iluminar o que está por vir.
Um Museu de Arte Contemporânea contemporâneo que abre o terceiro milênio 27 deve apontar para o que ainda não existe, para o mundo em metamorfose. Mais do que nunca precisamos exercitar a imaginação na perspectiva de antever o novo, buscar e desenvolver novas formas de atuação, novas narrativas, novas museografias, novas metodologias a serem desenvolvidas conjunta e coletivamente seja com seu corpo técnico, seja com outras instâncias da universidade e fora dela, mas acima de tudo com o público.
*1 – Existe o culturólogo, termo que vem da Rússia onde há uma vertente importante da “ciência da cultura”: a culturologia.Já no Ocidente, os estudos culturais são a vertente mais consolidada de investigações relacionadas à cultura. No entanto, o neologismo “culturador” é lançado aqui uma vez que existem particularidades importantes na atuação e nasinvestigações até agora realizadas, que aproximam a cultura, as artes e a ciência, demandando assim uma nova área de atuação interdisciplinar, a culturadoria (culturing), uma investigação curatorial científico-poética da cultura. Ou seja, o culturador (culturator) é um especialista de estudos e da poética da cultura.
*2 – Baldini, Isis, Grossmann, Martin, Prado, Pamela, & Spricigo, Vinicius. (2018). Walter Zanini e a formação de um sistema de arte contemporânea no Brasil. Estudos Avançados, 32(93), 307-329. https://doi.org/10.5935/0103-4014.20180047
Desde que precisaram fechar as suas portas, por conta da epidemia do coronavírus, os museus e galerias do país passaram a organizar variadas atividades e iniciativas no universo digital para se manter em contato com o público. Entre essas iniciativas estão as lives, encontros transmitidos ao vivo, que ocorrem geralmente através do Instagram e Youtube, mas também de plataformas mais interativas como o Zoom. A arte!brasileiros selecionou alguns dos encontros que ocorrerão nos próximos dias. Veja abaixo:
Galeria Karla Osorio – A galeria segue sua série de lives “to.keep.alive”, com conversas sobre diversos assuntos do universo das artes. Nesta quinta-feira, dia 28, às 17h, Patricia Rousseaux (educadora, fundadora e diretora editorial da arte!brasileiros) conversa com Karla Osorio sobre “O Momento da Arte no Brasil e no Mundo. Na sexta-feira, dia 29, é a vez da artista Élle de Bernardini participar de um “Take Over” no Instagram da galeria.
Bienal do Mercosul – Rosana Paulino é a primeira convidada da Bienal 12 para o seu Programa de lives. O bate-papo acontece nesta quinta-feira, dia 28, às 19h, com mediação de Igor Simões, curador do Programa Educativo da Bienal 12. Os encontros seguem semanalmente, sendo ao todo seis encontros, sempre às quintas-feiras, que contarão com a presença de artistas, educadores e curadores. As conversas terão como eixo central o debate de questões relacionadas à arte e à educação inseridas no contexto do coronavírus.
Masp – O museu promove no dia 29, a partir das 11h, o seminário online “Histórias do Brasil”, com a participação de Heloisa Muriel Starling, Lilia Moritz Schwarcz, Moacir dos Anjos, Sandra Benites e Tom Farias. Este é o primeiro seminário de um projeto de longo prazo que antecipa o programa de exposições, palestras, oficinas, publicações e cursos do Masp dedicado às Histórias do Brasil em 2022, ano do bicentenário da independência.
Pinacoteca – O museu paulistano segue sua programação online com uma conversa neste sábado, dia 30, às 11h, sobre a exposição “Esculturas no Parque da Luz”. Tatiana Russo, conservadora do Núcleo de Conservação e Restauro da Pinacoteca, conversa com Valéria Piccoli, curadora chefe da instituição.
Galeria Nara Roesler – No dia 30 de maio, a Galeria Nara Roesler promoverá a segunda parte do evento online honrando Abraham Palatnik, artista falecido no dia 9 de maio, aos 92 anos. O evento reunirá curadores, críticos e amigos para discutir seu início, sua carreira e a herança deixada por Palatnik como pioneiro da arte cinética brasileira. No seu Instagram também podem ser conferidas as gravações das lives feitas anteriormente.
Galeria Luisa Strina – No dia 4 de junho, às 17h, a Galeria Luisa Strina faz seu webinar “Tramas, reflexos e dissonância: Passagem arquitetônica na exposição Vazios, intervalos e juntas de Leonor Antunes”. Para a conversa com a artistas, a galeria traz Denis Joelson. O bate-papo será realizado na plataforma ZOOM e para participar basta se registrar no link disponibilizado no Instagram da galeria. A live seguirá algumas questões chave como a dupla relação de Leonor Antunes com o campo da arquitetura e vai se desbruçar sobre o universo de alguns personagens que a influenciaram.
O projeto Messages for the City (Mensagens para a cidade, em tradução livre) deu largada em cinco distritos de Nova York no dia 17 de abril e ganhou sua segunda rodada no último dia 15 de maio. O projeto – conduzido em conjunto pelo Times Square Arts, o Museu Poster House, a Print Magazine e o coletivo For Freedoms – quer trazer, através da arte, anúncios de serviço público e mensagens de agradecimento e homenagem aos trabalhadores da cidade que não podem ficar em casa. São aproximadamente 30 artistas e designers, consolidados e iniciantes, que criaram obras para serem exibidas por um dos lugares mais emblemáticos do mundo.
Para a organização do Messages, “embora as imagens de uma Times Square vazia tenham se tornado emblemáticas de quão rapidamente a vida pública mudou em meio à crise global, as ruas da cidade não estão de fato vazias”. O texto afirma ainda que “centenas de milhares de nova-iorquinos vão trabalhar todos os dias para sustentar a cidade, desde profissionais de saúde, trabalhadores da cidade, funcionários de saneamento, funcionários de mercearias e bodegas, entregadores e muito mais.”
Pablo Delcan. Foto: Divulgação.Duke Riley. Foto: Divulgação.
Cada obra fica em exibição nos telões digitais por 15 minutos, continuamente ao longo de todo o dia. Várias empresas doaram espaço publicitário em seus outdoors na Times Square para o projeto. As peças também aparecerão nas telas de asilos, clínicas de saúde e bancos de alimento, graças à organização F.Y.eye.
Além da campanha com os outdoors, o Messages for the City incluiu em seu desenvolvimento uma pintura em edição limitada feita pelo artista mexicano Pedro Reyes, cuja venda tinha como objetivo beneficiar a Coalizão de Imigração de Nova Iorque. A organização de defesa de direitos representa mais de 200 grupos de imigrantes e refugiados na metrópole. Em pouco tempo as edições já se esgotaram.
Pedro Reyes. Foto: Divulgação.
*Clique nos links para ser direcionado a uma mini bio de cada artista.
Leia também: No Brasil, artistas e designers se unem para campanha de ação social, acesse neste link.