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15ª Bienal Naïfs do Brasil — Sesc Piracicaba

"Festa para Iemanjá" (2017), obra de Sinesio Brandão na edição anterior da Bienal. Foto: Divulgação

A Bienal Naïfs do Brasil 2020, que teria início em agosto no Sesc Piracicaba, foi presencialmente adiada por causa da pandemia. Contudo, ações online, que se estenderão até julho de 2021, permitem ao público que se aproxime deste universo mesmo durante o isolamento social.

Conversamos com as curadoras, Renata Felinto e Ana Avelar, sobre o conceito desta 15ª edição e sobre as atividades digitais criadas para fazer com que o público, durante o isolamento social, tenha acesso à Bienal. Os trabalhos apresentados na mostra seguiram um panorama de representatividade a partir de diversos critérios, como o território, as declarações étnico-raciais, as faixas-etárias e os assuntos com os quais os artistas trabalham. Além disso, buscaram dar ênfase à temáticas que têm relação com os assuntos que criam discussões acerca das desconstruções e das construções da sociedade, como as questões de gênero e o meio ambiente.

Todas as ações da Bienal serão anunciadas periodicamente nos canais do Sesc Piracicaba no Facebook, Instagram e Twitter. A lista completa de artistas selecionados para a Bienal Naïfs do Brasil 2020, bem como catálogos e informações de edições anteriores, podem ser conferidos aqui. Assista ao vídeo (por Jamyle Rkain e Coil Lopes) e, abaixo, veja a lista dos premiados da edição:

 

Premiação

Como forma de estimular a participação, valorizar seu trabalho e diversificar a coleção permanente da instituição – o Acervo Sesc de Arte –, o Sesc São Paulo concede a alguns dos artistas selecionados, por meio de suas obras, o Prêmio Destaque-Aquisição, o Prêmio Incentivo e Menção Especial. Na 15ª edição da Bienal Naïfs, as obras agraciadas são:

Prêmio Destaque-Aquisição

Cotidiano II, de Alexandra Adamoli (Piracicaba, SP).
Totem Apurinã Kamadeni, de Sãnipã (Pauiní, AM).
O renascimento de Luzia, de Paulo Mattos (São Paulo, SP).
O martírio de Nossa Senhora do Brasil, de Shila Joaquim (São Matheus, ES).

Prêmio Incentivo

Manto tropeiro: um breve olhar do caminho das tropas, de Angeles Paredes e Carmem Kuntz (Sorocaba, SP).
Em busca de uma liberdade que ainda não raiou, de Con Silva (Batatais, SP).
Comadre Fulosinha dá a luz depois de degolar o caçador que a engravidou, de Eriba Chagas (São Paulo, SP).
Esperança em pedaços, de Chavonga (Diadema, SP).
Brincantes do imaginário, de Valdeck de Garanhuns (Guararema, SP).

Menção Especial
É óleo no mar…, de Alcides Peixe (São Paulo, SP).
Cantinho do benzer, de Alexandra Jacob (Piracicaba, SP).
Vazante, de Eri Alves (São Paulo, SP).
Jandira #33, de Hellen Audrey (Campinas, SP).
Aprendiz de Pajé, de Yúpury (Manaus, AM).
Umbuzeiro florindo, de Nilda Neves (São Paulo, SP).
Gorda, de Soupixo (Crato, CE).
Alma da estrada, de Thiago Nevs (São Paulo, SP).
Dia-a-dia de Finoca, de Zila Abreu (São Paulo, SP)

2013 | Forte e universal

O artista argentino León Ferrari. Foto: Divulgação

Hoje não é véspera de um dia qualquer. É um dia em que perdemos León Ferrari, um dos mais íntegros, criativos e profícuos artistas do nosso tempo. No passaporte está carimbada sua cidadania argentina, mas ele se sentia também brasileiro. Quando nos conhecemos, logo descobri que tínhamos muito em comum. Fomos plantados em solo fertilizado pela sede de justiça social, contra atitudes arbitrárias da igreja e contra as ditaduras militares. Sua poética, carregada de indagações, se sentia livre para errar com algumas verdades provisórias e muitas certezas definitivas. León tinha uma filosofia de vida que refletia em seu trabalho como um ponto de inflexão da insistência sobre a vida terrestre e “divina”, recheados de posições heréticas e agnósticas. Por isso, alguns quiseram silenciar sua arte, mas ela é mais forte e universal, tanto que foi reconhecida mundialmente ao ser premiada com o Leão de Ouro na Bienal de Veneza em 2007.

A história mostra como alguns países foram enriquecidos culturalmente com a imigração de intelectuais e artistas perseguidos politicamente em sua terra natal. O deslocamento reconstrói nosso lugar no mundo, e muitas vezes nos faz crescer e melhorar a sociedade que nos acolheu. A arte brasileira ganhou e muito com a presença de León Ferrari, artista plástico multimídia, poeta e militante político. León chegou a São Paulo fugindo da ditadura militar de seu país. O golpe de 24 de março de 1976, aplicado pela Junta das Forças Armadas Argentinas, tinha vários objetivos em mira, como afastar a presidente Maria Estela, viúva do general Perón, e promover a caça tanto da esquerda marxista como da esquerda peronista.

León Ferrari transcendeu, em grandeza humana, qualquer uma de suas obras. Parafraseando Hanna Arendt, o que salva os dons realmente grandes é que os que arcam com esse ônus permanecem superiores ao que fizeram, pelo menos enquanto estiver viva a fonte de criatividade. Ferrari trabalhou vertiginosamente em seu ateliê no bairro paulistano de Vila Madalena, alternando viagens a Buenos Aires à procura do filho e nora, desaparecidos durante a ditadura argentina. Sua produção, diferenciada e provocante, denunciava um criador vivo que naturalmente se incorporou à produção de arte brasileira, sendo convidado como tal para várias exposições de arte contemporânea. Antes de desembarcar em São Paulo ele fazia política e, mais do que isso, arte política. No Brasil sua obra cresceu ainda mais e sem concessões.

Durante o período que morou em São Paulo entre 1976 e 1991,  retomou as esculturas de aço abstratas do início dos anos 1960. Inquieto, navegou em todas as águas e experimentou técnicas e suportes diversos como a xerox, o videotexto,  a arte postal, microfichas, livros de artista, heliografia, uso da letra-set e instalações sonoras. Estamos falando da década de 80, quando começou a série de Releituras Bíblicas, o Brasil vivia o final de sua ditadura política, e ele continuava a fazer suas ácidas críticas.

León não ficou imune ao impacto que a cultura popular brasileira e o sincretismo religioso exerceram sobre sua arte. Crítico sobre o papel da igreja católica ele dizia que Dante, Pisano e Bosch, por exemplo, são de certa foram responsáveis pelo imaginário imagético sobre o inferno e seu personagem central, o diabo.

Sem nunca baixar as armas contra a ditadura, ao voltar a Buenos Aires inicia uma série de colagens que foram publicadas em 1995/96 no jornal argentino Pagina/12, acompanhadas com listas de desaparecidos políticos, vítimas do regime militar argentino. As obras mesclam a ditadura, o nazismo e a Igreja.

2010 | León Ferrari, a turbulência da beleza

La Civilización Occidental y Cristiana (1965). Foto: Divulgação

* Por Andrea Giunta

Desde 1954 León Ferrari realiza uma obra que une poesia e política com a mesma força. Conhecemos bem a infinita variação de movimentos do traço que, ao final, completa e revela seus desenhos abstratos.

Muitas vezes abstratos na aparência, já que quando investigamos as palavras escondidas e o relato enredado pela linha apertada, nos internamos em seus questionamentos aos cânones, às hierarquias estabelecidas pelo Ocidente, aos dogmas dos livros sagrados, da sexualidade repressiva do poder politico, do poder eclesiástico. Muitas vezes ruborizados pelo que a sua escrita e as suas imagens expõem, não podemos deixar de nos sentir, ao mesmo tempo, seduzidos por sua beleza.

A obra que León realiza nos anos 1960 é delicada e monumental. Os desenhos de linhas flutuantes, apenas uma sucessão de traços sobre o papel, dialogam com suas esculturas que soldam ou enredam o arame. Convivem, ao mesmo tempo, com a sua obra paradigmática, La Civilización Occidental y Cristiana (1965), na qual um Cristo é crucificado sobre um bombardeiro americano. Depois dessa obra León abandona a arte no sentido tradicional do termo.

Em 1975 ele parte para o Brasil com Alicia, sua esposa, e toda sua família. Partem para um exílio que durou até 1991, quando regressam a Buenos Aires. Em São Paulo, León se vincula às formações experimentais da cidade com artistas como Regina Silveira, Julio Plaza, Carmela Gross, Alex Fleming, Marcelo Nietsche e Hudinilson. O momento paulista não é, tão somente, o momento do retorno à arte, às esculturas soldadas, aos instrumentos abstratos (que Léon chama de Berimbau). É, também, o retorno às escrituras sagradas e ao papel que os escritos bíblicos exercem na história do Ocidente. Se é certo que é em São Paulo que Léon retoma a Bíblia e ao questionamento da cultura do ocidente, também é verdade que ele já havia antecipado seus argumentos em muitas de suas obras dos anos 1960. Como em A Arca de Noé, uma caligrafia apertada onde relata outra versão do dilúvio universal. Nessa, os homens morrem e só as mulheres sobram. Elas são como Eva, uma amante do conhecimento, que desobedece e lega à humanidade todos os prazeres do sexo – por isso León diz que se deveria fazer uma homenagem a Eva e que os cientistas deveriam considerá-la uma heroína, pois foi ela a sábia que descobriu o valor da pesquisa e do conhecimento. Nessa versão da arca de Noé, eu dizia, León descreve como as mulheres salvam a humanidade, cortando os genitais dos homens afogados e enxertando-os em uma árvore na qual sobem, em uma copulação frenética e reprodutora. Uma grande fornicação contra a qual Deus nada pode fazer, a não ser ficar observando, absorto, à distância.

Em São Paulo, León retoma a escultura e os desenhos, essa grisalha* que define os ritmos das linhas com as quais reinventa o abecedário, uma escritura de ritmos perpétuos. Penso em como sua obra esta marcada por momentos liminares, de fim e de começo, de abismo. Como quando quer falar da censura e não pode, porque não encontra as formas, e encripta as palavras em uma linha aparentemente abstrata (Carta a un general, 1963); como quando o vocabulário comum não lhe é suficiente para descrever os extremos da sensualidade e busca e copia do dicionário palavras em desuso; centenas de palavras que separa de seus significados e que utiliza por seu som; um som que evoca o amor, a descrição da beleza, o relato da aventura sensual. Os limites das palavras e o limite das formas. Toda a obra de León, poderíamos dizer, é uma exploração dos limites do que é possivel dizer mediante as formas ou mediante as palavras. Uma invenção de palavras novas, de alfabetos inéditos que nos propõe aprender, alfabetos de linhas amarradas, desviadas, enroladas; linhas ordenadas nessa textura, nessa trama de ritmos, no sussurro visual da Grisalha.

Certa vez León me disse que “se por acaso você tem que se exilar, faça isso no Brasil, lá o exílio é melhor”. Essas palavras guardam muitos dados da relação particular que ele teve com o Brasil. Aqui encontrou amigos artistas, aqui recuperou o sentido experimental da arte; aqui voltou a ler os livros sagrados; aqui realizou uma obra monumental; aqui encontrou, apesar da dor do exílio, o sentido da felicidade.

A obra de León Ferrari conta hoje com um forte e crescente reconhecimento internacional. O Leão de Ouro que recebeu na Bienal de Veneza, em 2007, representa um dos tributos máximos. Sua obra se expõe nos principais museus do mundo e é disputada por coleções públicas e privadas. Mas não são estes os aspectos que marcam seu legado: este está na obra que León realizou durante 55 anos de vida junto a sua família, seus amigos, as causas que sempre apoiou e a arte. Sua obra representa uma mensagem aberta ao passado, ao presente e às gerações futuras. León, como poucos artistas conseguem, faz uma revisão do passado e da complexidade do presente, por meio de obras que nos colocam, ao observá-las, frente a uma turbulenta e inesgotável beleza.

2015 | O leão chamado Ferrari

Obra de León Ferrari na exposição do MASP. Foto: Divulgação

* Por Eduardo Simões

 

A história, como dizia Gramsci, é a história dos homens que se juntam a outros homens, a muitos homens e a todos os homens do mundo para lutar, trabalhar, fazer o melhor a si mesmo e à sociedade. León Ferrari (1920-2013) não era necessariamente um gramsciano, mas um ativista político sério, como alguns artistas de sua geração. Em 1976, exilou-se em São Paulo munido de uma abordagem crítica desprovida do clichê contemporâneo de militância e ajudou a impulsionar a consciência política e artística do País.

As quase 100 obras expostas em torno do tema León Ferrari: Entre Ditaduras, em cartaz no Masp, pertencem ao acervo do Museu e são testemunho de seu embate contra as forças antidemocráticas que se instauraram na América Latina nas décadas de 60, 70 e 80. Sua obra tem sido um estudo de caso para muitos teóricos, mas não o objeto de estudo. O que mais intriga nesta mostra/homenagem é o modelo quase matemático de suas heliografias que podem ser lidas como forma de organização da burocracia a serviço da repressão. León Ferrari fez dezenas de versões deste trabalho, especialmente quando esteve exilado no Brasil, mostrando o percurso quilométrico feito por uma pessoa em busca de informações sobre desaparecidos, sem nunca chegar a lugar algum. Ele tinha humor e estômago para criar este labirinto onde a procura dispara múltiplas releituras da dissolução da vida. Entre Ditaduras é como um álbum familiar com histórias que se dividiram por dois países. Seu jeito de pensar era complexo, com potência e alcance para iniciados… em ditaduras.

As duas salas do Masp são igualmente inquietantes e acolhem os trabalhos como “refugiados” de um período de horror. Sua inteligência minimiza os fatos, como atestam os quase 100 trabalhos que criticam e questionam os regimes militares e a onda de autoritarismo que acometeu a América Latina durante a década de 70. Com a curadoria do diretor artístico Adriano Pedrosa, da curadora-adjunta do Masp Julieta González e do curador Tomás Toledo, Entre Ditaduras mostra um León Ferrari promotor da vanguarda conceitual e política na Argentina que começa a trabalhar com escultura metálica em 1962 e a indagar, ao mesmo tempo, a relação linguística entre a imagem e a escritura em seus Quadros Escritos. Estes poemas e notícias desenhados antecedem o grupo inglês Art & Language, de 1969. De 1966 a 1970 a Guerra do Vietnã passa a ser tema central de sua obra.

Vista geral da exposição no MASP. Foto: Divulgação

O Masp tem um acervo representativo doado por León Ferrari. Se estabelecermos um recorte nessa coleção, sobressaem as heliografias, as fotocópias, duas pinturas, duas esculturas e um objeto. O conjunto não é grande, mas o suficiente para teorizar seu universo. Com exceção de dois trabalhos preliminares dos anos 1960, os demais foram executados em seu exílio de mais de uma década em São Paulo. Todos os trabalhos trazem as marcas de um momento em que a desmaterialização da obra de arte e a sua dissolução na vida se materializariam em ação política como construção estética com outros suportes, com novo público e uma inserção institucional diferente, neste caso em museus como o MAC, a Pinacoteca, e ainda na Bienal de São Paulo e em outros locais da capital paulista.

A primeira série, que se relaciona com seus livros de artista Homens e Imagens e as Heliografias, recorre à linguagem visual do desenho técnico e arquitetônico para representar os vários aparatos ideológicos impostos pelo Estado para controlar sistematicamente o dia a dia do cidadão. O segundo grupo – que inclui imagens de seu livro de artista Parahereges, bem como a série Releitura da Bíblia – aborda religião e Igreja, criticando suas posições conservadoras a respeito de sexualidade e preceitos sociais. Os trabalhos em gravura e fotocópias revelam o contexto no qual Ferrari trabalhava sob ditaduras, tanto na Argentina quanto no Brasil. Durante sua permanência em São Paulo, entre 1976 e 1990, “incendeia” instituições como a Pinacoteca do Estado com performances antológicas, quando não se sabe quem é o escultor, o músico, o poeta. Toda sua linguagem é permeada por experimentação, fricção social e política.

León Ferrari chegou a São Paulo quando a repressão argentina multiplicava seus tentáculos. No início, a ditadura ainda poupava o centro Di Tella, instituição com cultura transgressora e massa crítica influente. Com o tempo, o “templo da vanguarda” também acabou na malha dos militares, que viam na instituição um potencial aliado comunista para “dominar o mundo”. Assim, a obra A Civilização Ocidental e Cristã, de 1965, foi censurada. Essa violação o ajudou na ressignificação de objetos banais, convertendo-os em instrumentos políticos. Em sua última entrevista a mim concedida, em Buenos Aires, ele leu o que havia dito na época: “Não importa a operação estética de transmutação estética, mas a associação de ideias que surge a partir da montagem”. Com essa arma, Ferrari nunca mais baixou a guarda.

Ao regressar definitivamente a Buenos Aires nos anos 1990 ele continuou seu trabalho crítico, intransigente, criando colagens perturbadoras com temas religiosos. Até a sua morte em 2013 León Ferrari foi um artista íntegro, coerente e tenaz. Mais do que isso, um ativista irreverente e criador. Viva o Leão!

León Ferrari: Entre Ditaduras
Até 21 de fevereiro de 2016
Museu de Arte de São Paulo Assis Chateaubriand (Masp)

Banksy financia barco para resgate de refugiados no Mar Mediterrâneo

O barco Louise Michel, financiado pelo artista britânico Banksy. Trabalho de Banksy no Louise Michel. Foto: Ruben Neugebauer para o The Guardian.
O barco Louise Michel, financiado pelo artista britânico Banksy. Trabalho de Banksy no Louise Michel. Foto: Ruben Neugebauer para o The Guardian.

O artista britânico Banksy está financiando um barco destinado a socorrer refugiados no Mar Mediterrâneo que estejam tentando alcançar a Europa, vindos do norte da África.

Pintado em rosa-choque e decorada com uma arte de Banksy – que retrata uma garota em um colete salva-vidas segurando uma bóia de segurança em forma de coração – o “Louise Michel” navega desde o dia 18 de agosto, segundo o The Guardian, quando saiu do porto de Burriana, perto de Valência, na Espanha. Nesta quinta-feira, sua equipe realizou a primeira ação, resgatando 89 pessoas, incluindo quatro crianças. Agora, estão à procura de um porto seguro para desembarcar os passageiros ou para transferi-los para um navio da guarda costeira europeia.

Trabalho de Banksy no Louise Michel. Foto: Ruben Neugebauer para o The Guardian.
Trabalho de Banksy no Louise Michel. Foto: Ruben Neugebauer para o The Guardian.

Como a tripulação e o próprio artista temiam que a atenção na mídia pudesse comprometer a execução do projeto, ambos concordaram em tornar a iniciativa pública somente depois que conseguissem conduzir sua primeira missão com sucesso. Outras ONGs se envolveram em atividades de resgate este ano, mas foram impedidas por inspeções realizadas pelas autoridades italianas – consideradas pelas ONGs como excessivas e politicamente motivadas.

Ao The Guardian, a capitã da embarcação Pia Klemp conta que o envolvimento de Banksy é apenas financeiro, mas que a parceria foi idealizada ainda no final de 2019, quando o artista entrou em contato com Klemp via e-mail.

“Olá, Pia, li sobre sua história nos jornais”, escreveu ele. “Eu sou um artista do Reino Unido e fiz alguns trabalhos sobre a crise dos migrantes, obviamente não posso ficar com o dinheiro. Você poderia usá-lo para comprar um barco novo ou algo assim? Por favor deixe-me saber. Banksy. ”

Apenas em 2020, mais de 500 refugiados e migrantes morreram no mar Mediterrâneo, e estima-se que o número real seja consideravelmente maior, como relata o jornal britânico. O intuito do “Louise Michel” é resgatar essas pessoas antes da guarda costeira da Líbia, que vêm sido criticada pelo retorno em massa de refugiados aos portos líbios em colaboração com os Estados membros da UE.

Bloco da Cultura defende a área como eixo central de desenvolvimento do país

Em 2019, um grupo de produtores, gestores e artistas se uniu num movimento político que colocou a cultura na centralidade dos debates sociais e econômicos do país. Tinha início o Bloco da Cultura.

O movimento, idealizado pela equipe que trabalhava na Secretaria Municipal de Cultura de São Paulo, visa expandir as experiências de gestão da cidade, criando planos e estratégias que coloquem as políticas culturais em foco.

Nós entramos na Secretaria com o setor sendo muito atacado do ponto de vista nacional e bastante fragilizado na própria cidade. Então, criamos um programa que enfrentasse o obscurantismo e reafirmasse a cultura como abordagem fundamental para a redução das desigualdades e para o desenvolvimento do país”, diz Alê Youssef. O ex-secretário da Cultura de São Paulo é um dos fundadores do movimento, ao lado de Hugo Possolo (atual secretário), Carlota Mingolla e Thais Lara (ex e atual chefes de gabinete da secretaria), Laís Bodanzky (presidente da SP-Cine), Erika Palomino (à frente do CCSP), entre outros.

Hoje, o Bloco estrutura ações focadas nos períodos eleitorais, fornecendo base para que a cultura seja pensada de outra forma nos planos de governo. Em uma primeira etapa, foca nas eleições municipais e, para 2022, desenvolverá estratégias voltadas aos âmbitos estadual e federal. “Estamos aberto para todas as candidaturas que estejam vinculadas ao espírito democrático e progressista e que apresentem elementos disruptivos para que possamos mudar a situação do país”, afirma Youssef. 

Alê Youssef, co-fundador do Bloco da Cultura e ex-secretário da cultura da cidade de São Paulo. Foto: Divulgação.

A arte!brasileiros conversou com o co-fundador do movimento sobre as ações e metas do Bloco, a situação da cultura no país e a importância do setor. Leia a seguir.

ARTE!✱ – Por que decidiram criar o Bloco da Cultura?

O Bloco da Cultura nasceu da percepção de que nós precisávamos qualificar a ação dos agentes culturais, no sentido de criar alternativas para que fosse possível colocar a área no eixo central do desenvolvimento econômico e social do país. Eleição após eleição, ano após ano, muito se fala e promete, mas pouco se realiza em respeito à essa centralidade da política da cultura. Em países como a Inglaterra, Portugal, Espanha e Coreia do Sul, o setor foi colocado em um ponto estratégico do desenvolvimento, e isso apresentou resultados muito proveitosos. Acreditamos que o Brasil  tem um potencial gigantesco para seguir esse mesmo caminho. Só que não vemos esse potencial sendo representado em propostas e estratégias efetivas. Por isso, nós, que trabalhamos a gestão da maior cidade do país, absorvemos a experiência que tivemos nesses meses, entendemos os gargalos de orçamento e as potências necessárias para um projeto consistente e criamos o Bloco da Cultura, um movimento nacional em defesa do setor, que visa reconstruir a política pública cultural, que está sendo tão atacada e massacrada.

ARTE!✱ – Em outras entrevistas, vocês [Bloco da Cultura] também falam sobre esses ataques à cultura. Pode explicar um pouco melhor a que se referem?

Acho muito importante a gente sempre dizer, em todas as oportunidades, que a cultura está sob ataque no Brasil. Ela está sob ataque desde antes da pandemia. Com a pandemia, a fragilidade aumentou ainda mais – porque a área foi o primeiro a ser paralisada pelas restrições da vigilância sanitária e será a última a retornar. Mas é importante lembrar que esse ataque acontece desde muito antes… A começar pela extinção do Ministério da Cultura, passando pela mudança no teto da Lei Rouanet [Lei de Incentivo à Cultura] – sem nenhuma discussão com o setor –, avançando para a paralisação dos patrocínios das empresas estatais, chegando na determinação da existência do que foram chamados de “filtros” – mas que, na verdade, são mecanismos de censura – para definir apoios culturais com verba pública [Youssef se refere às vezes que o Presidente da República utilizou o termo ‘filtro’ para explicar se manifestações artísticas podiam ou não ser apoiadas com verba pública e acontecer em espaços de entidades do governo]. Para além, é claro, dos ataques absurdos, os flertes com o fascismo e o obscurantismo, a retenção do fundo setorial de cinema, mudanças na política da Ancine etc.

ARTE!✱ – Por que acha que esses ataques acontecem?

Porque cultura é identidade nacional. Ela representa aquilo que nos conecta, é o potencial do reencontro do Brasil consigo mesmo. Acredito que esse governo tem um projeto de destruição dessa identidade, num sonho delirante de criar uma outra identidade nacional. Então, ataca-se a cultura, ataca-se a Amazônia, ataca-se os indígenas, os quilombolas e os movimentos identitários, como uma forma de atacar a identidade nacional e a diversidade – que é uma parte tão grande da construção da nossa essência. Acho ainda que isso se soma à uma série de fake news geradas na época eleitoral, que buscaram a criminalização da arte e do artista, dizendo que as pessoas viviam de Lei Rouanet e que todo mundo era bandido. Isso gerou essa distopia maluca, mas nós precisamos ser estratégicos e buscar alternativas mais viáveis. Precisamos entender o que pode dar certo para valorizar essa potência que temos e não cairmos nessas discussões polarizadas que não levam nada a lugar nenhum. 

ARTE!✱ – Como pretendem enfrentar essa postura limitante do governo em relação à cultura e às artes? Que alianças políticas o Bloco da Cultura está disposto a construir na defesa do setor?

Primeiro, acho que a gente precisa iniciar o nosso processo de defesa a partir das experiências municipais. Nesses dois anos que temos pela frente (com a permanência do governo federal e a permanência desses ataques sistemáticos), é necessário criarmos uma rede de apoio forte, que dê vazão às políticas públicas culturais e crie um ciclo virtuoso pós-pandemia. Creio que a cultura pode ser um vetor de um novo ciclo de desenvolvimento, mais democrático e mais contemporâneo levando em conta a economia circular, a importância da diminuição das taxas de emissão de carbono e trazendo todas essas vantagens da economia criativa. Creio também que estratégia e planos políticos são necessários para desenvolver essas ações. O Bloco da Cultura está aberto para todas as candidaturas que estejam vinculadas ao espírito democrático e progressista, que conheçam a necessidade dos papéis do Estado no desenvolvimento humano, econômico e social, e que apresentem elementos disruptivos, novos e contemporâneos para que possamos mudar a situação do país. Acredito que temos que romper com a polarização atualmente estabelecida no país, através de alternativas que buscam um centro democrático e humano, que possam juntar as correntes todas do progressismo.

“Não dá mais para a cultura ser um departamento isolado no governo, ela precisa ser eixo central do desenvolvimento econômico e social do país”, explica Alê Youssef

ARTE!✱ – Como tem sido a aceitação dessa proposta por parte dos partidos, dos candidatos e de outros movimentos políticos?

A nossa ação pretende expor os problemas atuais para que a cultura seja levada em conta e seja colocada no centro do desenvolvimento econômico e social do país. Consideramos a cultura esse vetor que pode unir, assim como achamos que vários outros setores também podem ter essa visão de defesa e união, uma visão abrangente, tolerante e inclusiva, para que possamos chegar a uma situação diferente dessa polarizada que vivemos hoje. O que temos percebido é que no meio cultural muita gente tem aderido à ideia de colocar a cultura num lugar de destaque. Muita gente quer sair dessa lógica de ser usado, eleição após eleição, por candidato A, B e C, mas depois nada acontecer do ponto de vista concreto e nosso setor seguir desvalorizado.

ARTE!✱ – De que forma a cultura pode assumir esse papel?

Acreditamos que não dá mais para a cultura ser um departamento isolado em cada governo, com um orçamento pequenininho que vai ser disputado a tapa por diversas linguagens, gerando uma série de problemas que inviabilizam o posicionamento do setor nesse lugar estratégico de desenvolvimento econômico e social. A cultura precisa passar a ser vista como um assunto de desenvolvimento econômico, de fazenda e economia, de trabalho e renda, de educação, de saúde, de segurança. Acreditamos nessa centralidade. É para isso que estamos lutando. Então, nosso projeto é tolerante e aberto para todos que compreendam essa função.

ARTE!✱ – No período de pandemia, tem-se falado muito da arte como um “respiro”, uma “válvula de escape” para este momento. Acredita que essa relação pode ser uma forma de enxergarmos a cultura com mais importância no futuro?

Acho que a arte de fato exerceu um papel fundamental. O que seria ter um isolamento social (ou as regras impostas pela nossa questão sanitária) se não fossem as séries, as novelas, as músicas e os livros? Acho que isso traz a necessidade de valorização do papel do trabalhador e da trabalhadora da cultura como figuras fundamentais na construção de elementos essenciais para a existência humana. Por consequência, traz a valorização da própria cultura em si, como sendo estratégica e vital. Acho importante a gente usar essa óbvia importância para aniquilar de uma vez por todas os discursos de ódio que se formaram contra o nosso setor, e construir essa agenda virtuosa e positiva em torno da colocação da cultura num eixo estratégico de desenvolvimento. Pode parecer distante diante dos repetidos ataques que temos sofrido por parte do governo federal, mas nós temos um ponto de partida muito importante que são as eleições municipais. A gente sabe a importância das cidades – das capitais, especialmente – nessa defesa. A partir dessas eleições municipais, é possível criarmos uma rede que seja uma espécie de anteparo nessa defesa do setor. São Paulo, por exemplo, teve um contraponto muito importante e necessário ao governo federal, tivemos muitas ações fundamentais para que defendêssemos a cultura diante de tantos ataques.

ARTE!✱ – Você fala que, nesse momento de pandemia, a importância da cultura ficou explícita. Porém, ainda há quem diga que outras necessidades de investimento (como a saúde) se evidenciaram ainda mais e devem ser prioridade. Como defender a importância da cultura frente a uma crise sanitária? 

Essa situação de contraponto não existe, porque não existe você tirar recursos de uma área para colocar em outra. Existem orçamentos robustos e fundamentais nessas áreas absolutamente cruciais e eles precisam ser bem executados. A cultura também pode exercer um papel importante no complemento das ações governamentais em diversas áreas, impactando inclusive na saúde (mental, por exemplo) e na educação (com um papel pedagógico fundamental, que já exerce naturalmente). Acho que faz parte da sociedade polarizada, antagonizar tudo. O “não vamos investir em cultura porque é menos importante”, é um “não vamos investir em mais nada além do que é uma coisa obviamente importante”. Em nenhum momento se deixará de investir o que se tem que investir nessas áreas absolutamente fundamentais e estratégicas, o que não significa que nós temos que abdicar do investimento na cultura para que isso aconteça. Também não significa que esse investimento não seja estratégico. Você tem que ter uma visão holística na gestão. Essa visão [de que a área é menos importante e deve ceder verba] é resultado desse processo de polarização e criminalização que vemos o setor permanentemente envolvido. É muito mais isso do que a efetiva constatação da cultura como menos importante, entende? 

Da mesma forma que nós temos a reação da barbárie contra a cultura, temos processos virtuosos de reação e de afirmação da importância do setor – como é o caso da votação da Câmara de São Paulo com a aprovação da contratação de atividades culturais online, da aprovação da Lei Aldir Blanc etc. As forças da sociedade estão vivas, elas não são estáticas e a gente precisa exercer o papel de influência da cultura e mostrar o quanto ela é fundamental nos dias de hoje. 

ARTE!✱ – Neste ano, vocês começaram a agir nesse sentido lançando o programa Capital da Cultura. Pode falar um pouco mais sobre ele?

O programa Capital da Cultura foi inspirado no programa que desenvolvemos em São Paulo, que criou uma dinâmica de movimentos estratégicos para que a gente fizesse a gestão cultural efetiva da cidade. Nós entramos na Secretaria Municipal de Cultura com a o setor bastante fragilizado e, então, criamos um projeto que enfrentasse o obscurantismo e reafirmasse a cultura como abordagem fundamental para a redução das desigualdades. O Capital da Cultura é organizado em movimentos estratégicos interconectados, que são: calendário-integrado, difusão, pertencimento, memória, formação, incentivo, novo modernismo (reconhecer e convocar as expressões artísticas que emergem das periferias, revigorando a percepção sobre a produção cultural e fortalecendo o multiculturalismo), fomento, reconhecimento e, para amarrar tudo isso, tem a gestão – que é a ideia de ser capaz de formular políticas públicas baseadas em evidências. Isso é muito importante na cultura, a gente precisa buscar evidências, criando mecanismos de participação e transparência para permitir inovações e reconhecimento do próprio servidor. A gente tem que aproximar a ideia do gestor cultural do gestor público e acabar com essa ideia de que o pessoal da cultura não sabe gerir. 

Estrutura do Programa Capital da Cultura. Ilustração: Divulgação/Bloco da Cultura

Algumas das propostas concretas são: remodelar a política de fomento de maneira estratégica, tendo tanto um voltado para as linguagens (dança, teatro, música, etc.), como a possibilidade de fazer fomentos estruturantes – como em São Paulo foram criados o Fomento de Cultura da Periferia e Fomento das Culturas Negras; a vinculação de políticas de renúncia fiscal a métricas e indicadores de desigualdade, sendo uma ação concreta de transformação das leis de incentivo do setor; e a compreensão de quem são esses novos agentes da cultura brasileira. Quem são os novos modernistas? Quem são as pessoas que estão revigorando e reorganizando a cultura do Brasil? Dessa forma, buscando uma percepção da cidade mais modernista e menos bandeirante. Entre diversas outras ações. 

ARTE!✱ – Acredita que os próximos passos do Bloco da Cultura são tornar iniciativas permanentes dessas ações e a expansão para outros territórios e para o âmbito federal?

Acredito que a nossa principal busca, neste momento, é apresentar um programa de dez movimentos estratégicos para que toda capital brasileira possa ser considerada também uma capital da cultura. Ou seja, torne-se uma espécie de central de difusão e de aglutinação de suas próprias experiências culturais. Dessa forma, teremos um mínimo denominador comum em todas as regiões do Brasil, para que possamos colocar o setor nesse outro patamar. É o primeiro passo que estamos dando. Em seguida, começamos o ciclo para reconstruir a estrutura pública cultural brasileira, que está sendo destruída pelo atual governo federal. Esse ciclo é muito importante e terá que ter a dimensão estadual e federal desse processo de reconstrução. Precisamos de uma grande mobilização da sociedade em torno dessa visão de futuro que coloque a cultura com essa centralidade. É um enorme desperdício e uma enorme perda de oportunidade não ter a cultura nesse local de centralidade.

Para presidente da Japan House, instituição existe porque governo japonês percebe o valor da cultura, ao contrário do que acontece no Brasil

Eric Klug, presidente da Japan House. Foto: Alexandre Virgílio/ Divulgação

Após as passagens de Angela Hirata e Marcelo Araujo, Eric Klug é o terceiro nome a assumir a presidência da Japan House São Paulo (JHSP), instituição cultural criada pelo governo japonês e inaugurada em 2017 na avenida Paulista. Ao tomar posse em 1º de abril, já durante a pandemia de Covid-19 e com a Japan House de portas fechadas, Klug dedicou seu trabalho nesses primeiros meses a intensificar a atuação virtual da instituição, como conta em entrevista à arte!brasileiros. “Eu nem mesmo conheço o escritório. Então trabalhar dessa maneira virtual e conseguir continuar a missão da JHSP neste período foi um desafio e um aprendizado.”

Após passagem recente pelo IDBrasil – Organização Social (OS) responsável pela gestão do Museu da Língua Portuguesa e do Museu do Futebol – e, anteriormente, pelo British Council Brasil (de 2011 a 2017), Klug vê paralelos entre as atuações da instituição britânica e da japonesa. “Equipamentos como a Japan House e o British Council existem porque esses países perceberam o valor da cultura. Que não só vale a pena você investir dentro de casa, na formação cultural da sua população, mas vale a pena investir dinheiro no exterior para mostrar a sua cultura, porque ela é tão importante e é criadora de pontes que não são concebidas de outra maneira”, afirma. Para ele, é o oposto do que se vê atualmente no Brasil, com um governo federal que promove um desmonte na área cultural.

“Acho que existe uma dualidade neste sentido. A arte e a cultura são de uma força imensa, porque elas sobrevivem. Sobrevivem aos ataques, à pandemia. Então não há nenhum temor de que a poesia, a literatura ou o cinema acabem. Mas, por outro lado, há uma fragilidade, principalmente das instituições e dos indivíduos que a fazem. Então a arte não acaba, mas, sim, museus fecham, teatros fecham. E é muito perigoso quando você tem ações governamentais ou de descaso ou de aberta oposição à cultura”, completa.

A Japan House, que tem sedes também em Londres e Los Angeles, em apenas três anos recebeu mais de 2 milhões de visitantes no espaço paulistano, em seu imponente edifício projetado pelo japonês Kengo Kuma. O local reúne espaços expositivos, biblioteca, o restaurante Aizomê, café e uma loja – todos voltados para apresentar a cultura japonesa – e promove atividades artísticas e educativas diversas, além de projetos voltados a negócios, turismo, esporte e gastronomia. Para Klug, o trabalho da instituição ajuda também a desmistificar certos estereótipos sobre o Japão, mostrando sutilezas, nuances e a diversidade cultural do país, e combatendo uma certa visão que generaliza e simplifica a cultural oriental.

Klug afirma também que sua gestão será de continuidade em relação às anteriores, mas que tem em mente novos projetos e expansões da atuação da instituição. O aprendizado com a pandemia, por exemplo, acabou por apresentar a possibilidade de alcançar muito mais gente, de modo virtual, nos mais variados lugares do país e do mundo. “Nosso objetivo não é voltar ao que era, mas de uma maneira melhor”. Klug afirma que a Japan House está preparada para a reabertura presencial, com todos os cuidados e protocolos rigorosos, e aguarda autorização da prefeitura. Leia abaixo a íntegra da entrevista.        

ARTE! – Eric, pensando nas suas experiências mais recentes, na IDBrasil e no British Council, queria que falasse um pouco dessa carga que você traz e de como enxerga agora o desafio de assumir a Japan House.

É um prazer imenso assumir a presidência da Japan House, que é uma instituição com um sucesso enorme, que se colocou em apenas três anos no cenário cultural e artístico da cidade de maneira tão forte, tendo recebido 2 milhões de pessoas, estando em um lugar tão icônico, com uma arquitetura tão icônica e um projeto tão moderno. Então eu proponho uma continuidade de tudo isso que foi conseguido, não uma ruptura, com algumas expansões que nós queremos fazer. Entre elas atingir mais áreas do conhecimento, mais áreas da cultura japonesa, e mais áreas geográficas mesmo. É um crescimento a partir de um sucesso recente. Eu estava no IDBrasil, que administrava dois museus incríveis, do Futebol e da Língua Portuguesa, e acho que de lá eu trago, entre outras coisas, uma abertura para fazer parcerias, trabalhar com empresas de modo potente, que foi algo muito forte nesse período. Trabalhar com novos patrocinadores, com uma programação cultural muito intensa com o terceiro setor falando de racismo, questões de gênero etc. Tem alguns projetos que são icônicos. A gente fez exposições sobre a Copa de 1958 e sobre futebol feminino com o Itaú; fizemos uma expansão para quatro estados do Brasil com a Motorolla. Então é você pegar a missão do museu e alinhar com a missão de uma empresa e fazer uma coisa que agregue bastante para ambas.

No Museu da Língua, foi uma grande conquista ter finalizado a reconstrução desse equipamento após o incêndio de 2015. E você sabe como é difícil, como é raro a gente conseguir reconstruir um equipamento desses. E ter viajado com ele também foi algo muito importante. O Museu da Língua foi pra sete cidades no interior de SP, foi pra três países da África e foi pra Portugal nesse período de fechamento da sede. Então tem aí um grande pensamento que eu trago para a Japan House que é isso: a missão não se realiza somente dentro da sede. O Museu da Língua conseguiu realizar sua missão no exterior, online e com exposições temporárias mesmo quando sua sede estava fechada, o que tem um paralelo com o momento em que estamos. Bom, e antes disso eu era diretor do British Council, que fazia relações culturais do Reino Unido com o Brasil, então é uma organização que está desde 1945 no Brasil e faz com muita potência essa criação e fortalecimento de laços através da cultura, do esporte, da educação, da língua.

Fachada da Japan House. Foto: Divulgação

ARTE! – Parece haver um paralelo com o trabalho na Japan House, de diálogo e difusão da cultura de um outro país…

Exatamente. A atuação é muito parecida. O objetivo, que é fortalecer os laços, criar vínculos, criar uma relação de amizade e de atração, é o mesmo. Agora, muda o elemento, que é uma cultura completamente diferente. Eu vivi cinco anos no Reino Unido, trabalhei lá, então eu conhecia bastante a cultura britânica. No caso do Japão é diferente. Eu conheço as ferramentas, o modus operandi dessas relações culturais, mas estou aprendendo, com um interesse imenso, sobre a cultura japonesa em si.    

ARTE! – Você assumiu já em meio à pandemia, em um momento muito conturbado, inclusive em que a instituição está de portas fechadas. Como trabalhar neste contexto?

Sim, eu entrei no dia 1º de abril, já em meio a pandemia, com a sede fechada. Eu nem mesmo conheço o escritório. Então trabalhar dessa maneira virtual e conseguir continuar a missão da JHSP neste período foi um desafio e aprendizado dessa experiência mais recente. Eu assumi e logo a gente já lançou uma campanha online chamada JHSP online, que basicamente conecta o Japão contemporâneo ao Brasil. É uma miriade de eventos e iniciativas, com duas vertentes principais. Primeiro, é uma tradução do que era feito presencialmente para uma outra plataforma. Por exemplo, a gente tinha o Clube de Leitura, onde as pessoas leem um livro e se encontram para discutir com um especialista, com o autor ou com o tradutor do livro. Isso a gente mudou para o mundo online, mas o conceito é o mesmo. Claro que tem gente que gostaria de estar lá, sente falta do convívio, mas há um potencial também. Na última sessão que fizemos, sobre um livro chamado O Livro do Chá, escrito em 1906 por Kakuzo Okakura, quando eu fui entrar, estava um pouco atrasado, e o zoom não deixou, porque havia mais de 100 pessoas conectadas. E nós nunca teríamos, presencialmente, 100 pessoas neste encontro. Então tem esse lado positivo.

A gente tem também uma série de encontros com o Educativo, que às vezes tem durado até duas horas. E é muito interessante porque a cultura japonesa demanda esse tempo. Eu lembro de uma vez no British Council que tivemos uma sessão com tradutores e eles ficaram um dia todo falando sobre uma palavra. E eu fiquei muito impressionado. Agora, na Japan House, isso é muito comum. São horas dedicadas a um vocábulo. E o Educativo consegue, com as pessoas em casa, ter um conversa de duas horas sobre o vocábulo, e isso é de uma riqueza incrível.

E para além desse eventos que a gente traduziu para o virtual, tem uma segunda linha de eventos que são experiências realmente novas. Uma delas é uma ação em que a pessoa encomenda um kit – em uma ação feita junto com os nosso chamados negócios independentes, que são a loja, o café e o restaurante. E fizemos um que tinha sakê, mixer, vários elementos gastronômicos, e você recebia isso envolto num furoshiki, que é um embrulho de tecido, uma técnica que tem mais de mil anos. E aí todos desembrulhavam juntos, com umas 30 pessoas online, e socializavam enquanto abriam. E uma mixologista, usando conceitos japoneses, orientou mas pessoas a fazerem o seu drink com o sakê. O Aizomê forneceu os elementos gastronômicos que acompanhavam. E é uma experiencia absolutamente japonesa, contemporânea, familiar. E em meio à pandemia as pessoas participaram de uma experiencia comunal, o que é de uma riqueza muito grande. E isso a gente vai continuar.         

ARTE! – Então você acha que certas atividades virtuais vieram para ficar?

Certamente isso continuará, foi um aprendizado imenso, de uma riqueza imensa. Porque pudemos reunir, nessa experiência que acabei de contar, um senhor que está em Itaquera, uma mulher nos Jardins e assim por diante. Teve um visitante que está na Estonia e quer falar sobre arquitetura japonesa. Tem essas 100 pessoas que querem comentar o Livro do Chá. Então isso certamente continuará e tomará uma proporção maior do que a que tinha. Eu acho que em grande parte das instituições culturais, pequenas ou grandes, o digital era uma parte muito pequena das atividades, e em geral vinculado às atividades presenciais. Muitas vezes era quase só uma coisa para chamar as pessoas, divulgar. E agora descobrimos essa potência imensa e não podemos ceder a tentação de voltar ao que era. Se fala muito em resiliência, que é aguentar e depois voltar ao que era. Nosso objetivo não é esse, é voltar de uma outra maneira, melhor.        

ARTE! – De fato, muita gente considera que, tendo sido pegas de surpresa pela pandemia, as instituições culturais estavam muito despreparadas para atuar nas redes e que a quarentena explicitou essa fragilidade….

Sim, fomos pegos de surpresa. Mas o interessante é que houve uma resposta bastante rápida. E houve uma sede, uma demanda pelo nosso produto, e isso é essencial. As pessoas não pararam de consumir música, literatura, arte, informação, por causa da pandemia. E os museus e instituições culturais conseguiram responder. Isso é muito importante porque nós dizemos sempre que nós somos o setor da criatividade. Então a criatividade eu espero que venha daqui e não só da Uber, da Yellow etc. E acho que isso aconteceu de maneira bastante interessante.

Agora, sobre não estarmos preparados, eu acho que sempre tivemos, principalmente nos museus, uma fixação por passar através das portas. Então sempre a primeira coisa que se fala é sobre quantos visitantes tem um museu. E isso é importante, claro, mas é só isso? Se você não passa pela porta o museu não existe para você? Então nesse ponto a gente estava mesmo atrasado, porque o museu pode ser muito mais do que isso, do que algo só ligado ao espaço, à sede fixa. Então o aprendizado dos últimos tempos é importante e veio para ficar.

ARTE! – Falando nisso, vocês já começam a pensar em uma reabertura?

Estamos há meses já pensando nisso, nos planejando. Temos falado com o ministério das Relações Exteriores do Japão, temos sentado semanalmente com os secretários municipal e estadual de cultura, temos nosso protocolos já preparados, treinamento de equipe já feito. Então estamos bastante preparados, preocupados em garantir a segurança aos nossos visitantes, colaboradores e fornecedores, esperando a autorização da prefeitura.

ARTE! – E as exposições que estavam em cartaz serão reabertas?

Sim, as duas vão continuar. Uma é a Japão em Sonhos, que é de um coletivo francês, uma experiência em videomapping que está no térreo, que é uma coisa muito lúdica, que pode ser entendida em vários níveis, por pessoas de todas as idades. E em cima nós temos a exposição do Tadashi Kawamnata, que se chama Construção. É uma exposição site specific feita de hashis. São 180 mil hashis. E além disso, a Japan House não é só um espaço expositivo, nós temos também os negócios independentes que fazem parte da nossa missão. Então um entendimento da gastronomia japonesa é entregue pelo Aizomê. A loja também ensina sobre a cultura japonesa e assim por diante. Trabalhamos em parceria. Então a ideia é reabrirmos com toda nossa potencia, com essa experiencia japonesa.

Acho importante falar também, pensando nesse assunto das parcerias, que já havia uma associação artística, cultural, chamada Paulista Cultural, que são os sete grandes equipamentos da avenida Paulista, que já trabalhavam em eventos conjuntos. E nessa hora difícil nós estamos trabalhando também em protocolos, fazendo reuniões com os secretários conjuntamente, pensando em maneiras para que a gente consiga organizar os horários de visitas e agendamento de ingressos que seja coordenado, para facilitar a vida do nosso visitante. Então a parceria, a solidariedade e o trabalho em conjunto são essenciais nessa hora.

ARTE! – Vocês fizeram também essa parceria com o Instituto Tomie Ohtake, com correspondências sobre arquitetura. É parte desse objetivo de fortalecer vínculos com outras instituições culturais? 

Sem dúvida. Eu já nem sei mais trabalhar de maneira isolada. Acho que parcerias juntam missões diferentes e a gente consegue uma capilaridade maior, consegue recursos adicionais e uma riqueza no diálogo. Então se a JHSP se propõe a estreitar os laços entre o Brasil e o Japão, ela precisa falar com o Brasil de verdade. Essa série com o Tomie Ohtake foi uma ideia muito bacana para falar sobre arquitetura, no Brasil e no Japão. E isso engaja os públicos das duas instituições, é uma parceria em que ambos ganham. E tem a ver com uma coisa de solidariedade, de fazer junto. Não somos isolados, não somos uma ilha e temos que trabalhar em conjunto. 

O espaço do Restaurante Aizomê. Foto: Thiago Minoru/ Divulgação

ARTE! – Pensando no contexto político e social, nós temos no momento uma grande discussão mundial, e também no Brasil, sobre racismo, o racismo estrutural que moldou as sociedades ocidentais. E isso tem a ver com negros, com índios, mas parece que começa a haver alguma discussão também sobre um racismo com povos asiáticos, que também sofreram uma exclusão e preconceito no Brasil, com consequências que vem até hoje. Queria saber como você enxerga essa questão? E se há algum trabalho nesse sentido na Japan House?

Quando começaram as manifestações recentes a gente fez debates internos bastante interessantes e potentes sobre o Black Lives Matter. Porque o assunto era a questão do racismo e a negritude. E foi muito importante, foi muito valorizado pelos nossos colaboradores. E nós temos, o que é muito positivo, um percentual de pessoas pretas na nossa equipe muito maior do que grande parte das instituições culturais congêneres. Não é o bastante ainda, pensando na população brasileira, mas é bastante representativo. Então foi muito rico, muito solidário, ter essa discussão interna. E acho que nós não podemos nunca nos eximir das grandes questões da humanidade, sejam elas sobre imigração, racismo, questões de gênero, de violência. Então não é uma agenda da Japan House, mas como um importante centro de cultura, não podemos estar alheios a esta e a outras grandes pautas. Tem um movimento muito importante dos museus nos últimos anos que é do “museu social”, pensar o museu enquanto um gestor e um provocador de mudanças. Então eu vejo esses equipamentos culturais também como palcos onde essas discussões devem ser fomentadas. Eu tenho um certo ceticismo quanto a levantar bandeiras muito específicas, mas eu acho que essas discussões devem ser ativamente trazidas para estes espaços. Isso é parte da função social dos museus e instituições culturais.         

ARTE! – Quando fala da questão asiática, penso também em um artigo da pesquisadora Luciara Ribeiro que publicamos recentemente, em que ela diz: “É comum encontrarmos livros de arte brasileira que não citam nenhum artista negro, indígena e de ascendência asiática, nem mesmo os nipo-brasileiros, que possuem trajetória relevante na historiografia da arte brasileira”. Você percebe essa defasagem?

Essa é uma questão muito delicada e muito debatida. Há o “orientalismo”, que é uma simplificação de características asiáticas que é muito conveniente, foi muito conveniente e usado durante séculos. Que é uma simplificação e uma estereotipação. Então você fala “os orientais” são assim ou assado, como se fossem todos iguais. E é missão da Japan House, sim, desmistificar esses esteriótipos, dando sutilezas e traços para isso. E a questão racial é uma delas. Há uma percepção de que o Japão é homogêneo em termos étnicos, raciais. E não é. Há uma diversidade muito grande. Por exemplo, há populações no norte do Japão que têm uma fisionomia caucasiana, quase russa. É uma variedade bastante grande que passa invisível aos olhos ocidentais. Outra questão delicada, por exemplo, é que muitos traços da cultura japonesa vêm, sim, da cultura chinesa. São culturas muito diferentes, mas tem uma influência histórica de um beber do outro que é inegável e absurdamente potente. Então dar corpo, sutileza e substancia à essa discussão com certeza é função da Japan House. A gente tem, vamos dizer, um ponto muito positivo, que a população brasileira tem uma visão de longe muito mais positiva do que negativa da cultura japonesa, dos valores japoneses. Que seja da comida, dos valores éticos, do design, da arte – seja a arte tradicional, sejam os mangás e animes. Então existe um campo muito favorável para se trabalhar. Mas sim, é simplificado, é estereotipado. Então dar nuances para essa discussão é uma das funções da Japan House.

ARTE! – Por fim, falando um pouco mais do contexto político brasileiro, muitos gestores que entrevistei nos últimos tempos dizem perceber que o atual governo federal trata o campo da cultura e das artes quase como inimigos, que há um desmonte na área. Você concorda? Como percebe esse quadro e como trabalhar com essas dificuldades?

Acho que existe uma dualidade neste sentido. A arte, a cultura, é de uma força imensa, porque ela sobrevive. Sobrevive aos ataques, à pandemia. Então não há nenhum temor de que a poesia, a literatura ou o cinema acabem. Mas, por outro lado, há uma fragilidade, principalmente das instituições e dos indivíduos que a fazem. Então a arte não acaba, mas, sim, museus fecham, teatros fecham. E é muito perigoso quando você tem ações governamentais ou de descaso ou de aberta oposição à cultura. Realmente é muito delicada a posição em que a gente está. Como gestor de equipamentos públicos estaduais, que eu fui durante anos, eu diria que há em São Paulo uma seriedade muito grande com a cultura, foram honrados os compromissos e os contratos. Mas teve uma gradual e sensível perda de investimentos, perda de importância destes equipamentos. Cada vez eles eram menos relevantes em termos políticos no Estado. No âmbito federal, momentos em que não se fala de cultura parecem os melhores possíveis, porque quando se fala é para fazer cortes ou realizar ações altamente arbitrárias, que não valorizam a força do simbólico, a cultura como educação – que é uma briga que a gente sempre teve, de que a educação não é separada da cultura. É uma situação muito perigosa, de fragilidade. E acho que no governo atual a gente tem uma desestruturação, uma desmontagem desse setor que é tão fundamental.

ARTE! – A Cultura deixou de ser Ministério e foi rebaixada para Secretária. E depois já foram cinco secretários que passaram por lá em um ano e meio de governo…

Exatamente. E isso é de uma miopia muito grande, porque a arte, a cultura, ela domina. Então, inclusive, quem domina isso de maneira potente é quem ganha eleições, é quem ganha os olhos das pessoas. Equipamentos como a Japan House e o British Council existem porque esses países (Japão e Reino Unido) perceberam o valor da cultura. Que não só vale a pena você investir dentro de casa, na formação cultural da sua população, mas vale a pena você investir dinheiro no exterior para mostrar a sua cultura, porque ela é tão importante e é criadora de pontes que não são concebidas de outra maneira. A Japan House então existe em São Paulo, Londres e Los Angeles. E isso ajuda a tornar mais rica e positiva a imagem que se tem sobre o Japão.

Em “Cartografia do Olhar”, Ana Beatriz Almeida analisa obras de arte sob uma perspectiva não eurocêntrica

"Parede da Memória", de Rosana Paulino. Foto: Divulgação/SP-Arte

Nesta semana, entre 24 e 30 de agosto, acontece o SP-Arte Viewing Room – primeira versão online de uma das maiores feiras de arte da América Latina. Além das exposições, o evento conta com debates online, entrevistas e lives. Dentre elas, uma programação feita em parceria com a arte!brasileiros e o Iguatemi: a Cartografia do Olhar.

O projeto consiste em duas aulas, ministradas pela curadora e artista visual Ana Beatriz Almeida. “A perspectiva pela qual a gente olha a arte é eurocêntrica. A revolução racial que temos acompanhado ganhar o mundo tem outro cunho, busca fazer emergir essas narrativas que foram suprimidas por uma tendência hegemônica de mundo. A Cartografia do Olhar é um primeiro passo para o desenvolvimento de outras capacidades éticas e estéticas de apreciar experiências expressivas”, explica. 

No primeiro episódio, Cartografia do Olhar: Mar e Travesías, Ana Beatriz Almeida faz uma retomada histórica sobre o olhar e as vivências não brancas para então colocar Juliana dos Santos e Rosana Paulino em foco. A partir das obras Entre o Azul e o que não me Deixo/Deixam Esquecer e Parede da Memória, a curadora ministra uma aula sobre as artistas e suas visões e estéticas expressivas. Assista:

No segundo episódio, Cartografia do Olhar: Estadia e Permanência, Ana Beatriz se debruça sobre Aceita?, de Moisés Patrício, e Atos da Transfiguração: Desaparição ou Receita para Fazer um Santo, de Antônio Obá. Assista:

Ana Beatriz Almeida, ministrante das aulas, é co-fundadora da 01.01 Art Platform, curadora convidada da Bienal de Glasgow de 2020, mestranda em História e Estética da Arte pelo MAC-USP e doutoranda pela King’s College (UK). Em todos esses ambientes, a artista visual leva consigo uma cartografia decolonial do olhar, buscando novas ferramentas de leitura e crítica de arte pensando em éticas e estéticas não brancas.

Ana Beatriz Almeida. Foto: Divulgação/01.01 Art Platform

Isael Maxakali é o vencedor do Prêmio PIPA Online de 2020

O artista Isael Maxakali. Foto: Divulgação

Após 16 dias de votação e a contabilização de 33.038 votos, distribuídos entre os 56 participantes da categoria, o PIPA Online anunciou Isael Maxakali como vencedor de sua edição de 2020. O artista, morador da Aldeia Hãm Kutok, em Minas Gerais, recebeu 4.191 votos e será premiado com uma doação de R$ 15 mil. Ele deverá doar uma obra para o Instituto PIPA, a ser definida em comum acordo entre o artista e a coordenação.

“Meu nome é Isael Maxakali, moro na Aldeia Hãm Kutok, município de Ladainha – MG. Já fiz muitos filmes para as pessoas de todos os lugares assistirem e saberem que nós, os Tikmū’ūn, existimos. Eu também gosto muito de fazer desenhos dos bichos, dos peixes, dos espíritos yãmyxop e de outras coisas também. Eu penso que, com o meu trabalho, eu cresço e fortaleço os Tikmū’ūn. Se eu fico conhecido, eles ficam também. Se eu ganho um prêmio, eles ganham também!”, diz o texto de apresentação do artista no site do PIPA.

Assista aqui ao vídeo que fala um pouco mais sobre o trabalho de Isael Maxakali:

É a terceira vez que a categoria online do PIPA premia um artista de origem indígena e, segundo texto oficial, “cumpre o objetivo de dar visibilidade a artistas que estão menos presentes no eixo Rio-São Paulo”. Ainda segundo o PIPA, “é importante que artistas que ainda não são representados por galerias possam ser reconhecidos pelo PIPA Online. No site, todos os votantes têm acesso igual ao trabalho de todos os artistas, através das páginas que apresentam obras e trajetória de cada um”.

Desafios, alternativas e soluções nas feiras virtuais: o que as galerias pensam?

SP-Arte Feiras
"Partículas de Amor", de Luiz Zerbini (2020). O artista é representado pela Fortes D'aloia & Gabriel. Foto: Pat Kilgore. Cortesia Fortes D’Aloia & Gabriel, São Paulo/Rio de Janeiro.

*Por Giulia Garcia e Miguel Groisman

 

Cinco meses após o anúncio do cancelamento, devido à pandemia de Covid-19, da feira presencial que ocorreria na primeira semana de abril, a SP-Arte realiza sua volta ainda em 2020 com uma nova plataforma digital. O SP-Arte Viewing Room acontece entre os dias 24 e 30 de agosto e conta com mais de 130 expositores. “Este novo formato virtual tem funcionado muito bem para nós mesmo com um público ainda tímido em adquirir obras através da internet”, salienta Eduardo Mansini, diretor da Galeria Athena. Ele destaca que nos meses de julho e agosto o mercado voltou à ativa e que, dado o fato de não ter ocorrido a SP-Arte no início do ano, sua expectativa é grande para esta edição.

A adesão da SP-Arte ao virtual integra o paradigma observado ao redor do mundo decorrente das medidas de isolamento implementadas no globo; primeiro surgindo como soluções temporárias, depois como alternativas. Talvez presencial e online possam coexistir num futuro pós-pandêmico, e foi essa a questão posta pela arte!brasileiros a algumas das galerias mais relevantes no cenário nacional. Suas reflexões, abordando limitações e benefícios do formato digital, e até as funções da feira, podem ser conferidas a seguir:

À distância 

Para os galeristas entrevistados, as feiras são momentos de criação de vínculos e contatos, necessários ao mercado da arte. Como aponta Márcio Botner, fundador d’A Gentil Carioca, um galerista não é apenas um vendedor de obras de arte, “ele vende história, confiança e troca. Então, transcende a questão de uma simples compra”. Isso deve ser levado às feiras, quaisquer que sejam os formatos. “Como nas feiras presenciais, o mais importante é o desenvolvimento de relações com colecionadores, conhecer novos interessados e divulgar os artistas da galeria. E, na eventualidade de fazer negócios, melhor ainda”, diz Murilo Castro, diretor da galeria homônima. 

“Investimos muito, nos meses recentes, em exposições virtuais e plataformas digitais. No entanto, sabemos que a arte é uma experiência que merece ser vivida e isso o online não dá conta por si só”, aponta Alexandre Gabriel, diretor da Fortes D’Aloia e Gabriel. Para os expositores, o ambiente digital apresenta novos desafios em relação à aproximação com os colecionadores, apresentação das obras e envolvimento de novos clientes. “É claro que a questão online cria uma distância muito grande. Você não tem esse momento de encontro, essa oportunidade de um estar contagiando o outro culturalmente, de uma maneira mais sensível”, explica Botner.

“A gente sabe que a arte precisa de um desejo, precisa de um impulso, ninguém morre se não comprar arte”, diz Márcio Botner, fundador da galeria A Gentil Carioca


Novo[s] formato[s]

O diretor d’A Gentil Carioca acredita que para diminuir essa distância seria necessária a criação de uma “experiência” na plataforma virtual. “Sinto muita falta de algo que seja personalizado. Algo que te traga quase que o cheiro da galeria, que te faça sentir parte do evento. Ainda não vejo isso dentro desse formato da SP-Arte”. 

Entretanto, Eduardo Masini destaca que o SP-Arte Viewing Room é mais elaborado que outras plataformas trazidas por feiras de porte semelhante. “Ela possui diversos recursos que proporcionam a cada expositor montar o seu perfil e sua página de obras de diferentes maneiras. Assim, faz com que a experiência do público ao visitá-la se torne mais dinâmica e não tão cansativa como nas primeiras feiras online que surgiram no início deste ano”, afirma. Além da SP-Arte, a Athena participou da Not Cancelled, feira online brasileira que ocorreu em julho de 2020. Bem como a Galeria Marilia Razuk, que esteve também na Frieze Nova York. 

Razuk, por sua vez, concorda com Botner sobre a necessidade de se criar um espaço de experiência e troca no virtual. Já vê, porém, as funcionalidades do SP-ArteVR cumprindo parte desse papel e sendo um possível atrativo para os colecionadores. Para ela, os ambientes virtuais criados tornam o evento mais interessante para quem o frequenta e devolvem “um pouco daquele glamour que existia nas feiras presenciais” com a programação paralela. Além da exposição, o SP-ArteVR contará com debates online, entrevistas com artistas e curadores, apresentação de trabalhos, entre outras atividades gratuitas promovidas pela feira e pelos expositores.

Razuk supõe que as vantagens da SP-Arte sobre o novo formato se dão pelo momento em que o viewing room acontece. “Ela [Fernanda Feitosa] teve tempo para observar outras feiras e se organizar para o online”. Botner concorda e nota que as feiras estão se adaptando a esse novo formato e tendem a se aperfeiçoar com o passar do tempo. “As primeiras feiras de maior relevância (como Basel e Frieze Nova York) eram gratuitas. Agora, a SP-Arte e a Frieze Londres começam a cobrar um valor das galerias. Isso demonstra um desejo das feiras de conseguirem se adaptar a esse novo momento. Da mesma forma, as galerias, os colecionadores e os artistas também terão que se adaptar”, conta. 

Liberdade expositiva

A exibição das obras também é alterada pelo meio virtual. Enquanto em uma feira física cada galeria dá conta de um espaço no pavilhão da Bienal, na versão online as obras estão dispostas nas páginas virtuais de cada expositor e, também, individualmente com maior detalhamento da peça. 

Isso trouxe alterações na escolha das obras por parte de algumas galerias. “Para a feira online escolhemos um número maior de obras que normalmente não levaríamos para a feira física por causa das suas dimensões. Possivelmente levaríamos uma quantidade menor de esculturas”, conta Erica Schmatz, da Almeida e Dale. Thais Hilal, da OÁ Galeria, afirma que o evento online deu a oportunidade de apresentar um projeto desenvolvido para a ocasião, um solo do artista Hilal Sami Hilal, que “se fosse presencial não teria espaço físico correspondente ao espaço que trabalhamos, que é a própria galeria”.

Para Alexandre Gabriel, “as feiras online têm suas vantagens, como apresentar obras que estão fisicamente em diferentes lugares do mundo, sem precisar transportá-las. Ou até mesmo mostrar obras que não são possíveis de serem instaladas em um estande no pavilhão da Bienal, como a escultura do Ernesto Neto”. A estratégia de Márcio Botner, porém, foi na direção oposta. A Gentil Carioca leva à SP-Arte obras menores de seus melhores artistas. “Os colecionadores terão uma oportunidade de ver pequenas grandes jóias de cada um dos artistas da Gentil.”

Futuro híbrido

Na fala dos galeristas fica mais claro a visão de um futuro híbrido, fundindo aos formatos tradicionais a interação do mundo virtual. Não se trata de algo totalmente novo, embora ainda não tivesse sido adotado com tal escala: “Essas eram mudanças já anunciadas. Só que foi dado um enfoque muito maior pra esse tipo de ação, porque ela acabou sendo a principal nesse momento. Acredito que no futuro uniremos as duas formas, porque o presencial é muito importante, mas o virtual te leva aonde o presencial não consegue”, diz Marilia Razuk. E ela complementa: “Não podemos estar em todos os lugares do mundo para estar em todas as feiras. Então a forma virtual possibilita entrar em contato com o que está acontecendo sem ter que se deslocar”.

Indo ao encontro dessa fala, Marcos Amaro – um dos diretores da Galeria Kogan Amaro e presidente da FAMA – acredita que esse é um “processo irreversível”. Isso não significa, porém, o fim das edições presenciais, tendo em vista que há entre os galeristas “o desejo de voltar a circular, poder se encontrar, ir às instituições culturais”, como nota o diretor d’A Gentil Carioca.

“Quando tivermos as [feiras] presenciais, vai ser uma espécie de concorrência. Não vai ser muito fácil, mas ela pode ser um segundo módulo do evento presencial. As feiras podem ter os dois formatos, diz Marilia Razuk