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Encontros, exposições e lançamentos marcam a 11ª DW Semana de Design, em São Paulo

Cadeira do Estúdio da Casa, na exposição "Tudo que não foi dito", na Estar Móveis, durante a DW! 2022. Foto: Ari Disendruck
Cadeira do Estúdio da Casa, na exposição "Tudo que não foi dito", na Estar Móveis, durante a DW! 2022. Foto: Ari Disendruck
DW Semana de Design
Conjunto de mesas do Estúdio da Casa, na exposição “Tudo que não foi dito”, na Estar Móveis, durante a DW! 2022. Foto: Ari Disendruck

A DW Semana de Design de São Paulo chega à sua 11ª edição, reforçando sua presença também fora dos principais endereços do segmento. O evento, que acontece até o dia 11 de setembro, volta ao centro da cidade, onde não realizou atividades no auge da pandemia e das restrições sanitárias. Um dos destaques da região é a exposição Gabinete Sete, que acontece no edifício 7 de Abril, na República, uma construção de 1939 concebida pelo escritório Ramos de Azevedo, Severo & Villares, autor de projetos emblemáticos como o Theatro Municipal paulistano e a Pinacoteca do Estado, entre outros.

Promovida pela Refúgio Design e o Projeto Kuradoria 177, a mostra reúne trabalhos, instalações artísticas e soluções sustentáveis, derivadas de materiais recicláveis e/ou reaproveitados, criados por 19 artistas, designers e marcas criativas. A entrada é gratuita, mas é preciso fazer agendamento pelo WhatsApp da Refúgio Design (11 99132-8623).

Ainda na região central da cidade, o escritório Metro Associados vai apresentar, em seu ateliê na Galeria Metrópole, as novidades de sua linha Aço, com ganchos e espelhos, além de uma coleção inédita de peças de cerâmica. E, em parceria com a Constance Estúdio Galeria, o Metro fará um diálogo entre os seus projetos de design e o trabalho de Nelson Kon, fotógrafo especializado em registros de arquitetura. Serão exibidas fotos de construções icônicas, como a Oca, de Oscar Niemeyer, assim como uma seleção especial que homenageia marcos da arquitetura do centro paulistano, entre eles a própria Galeria Metrópole, de Salvador Candia e Gian Carlo Gasperini.

Outro destaque do centro paulistano é a mostra O tempo das coisas, que vai reunir 40 criativos entre designers e artistas brasileiros, com curadoria de Claudio Magalhães, idealizador da Barra Funda Autoral, em três dos quatro apartamentos no 9º andar do Edifício Virgínia, prédio que em breve passará por um retrofit. A entrada é gratuita, mas o visitante deve se inscrever pela plataforma Sympla.

No Bixiga, uma edição especial da Feira na Rosenbaum apresenta a exposição Mãos do Brasil – A força da criação, com curadoria de Cris Rosenbaum, cofundadora da Feira, e Taíssa Buescu, diretora criativa e curadora de design. O evento acontece no Smartstorage – um edifício de autoarmazenagem – e reúne 80 criadores de todo o Brasil, que apresentam produtos de decoração e moda, entre outros. A programação tem ainda bate-papos, com destaque para o artista plástico Jaime Lauriano, que fala sobre a história e o legado do bairro na quarta (7/9), às 17h. E da consultora de tendências Lili Tedde, com uma palestra sobre animismo – segundo ela, a crença de que todos os objetos, lugares e criaturas têm uma energia espiritual -, na quinta (8/9), às 11h30.

Na Bela Vista, também na quinta (8/9), das 11h às 17h, o arquiteto e designer Guto Requena abre ao público, pela primeira vez, as portas de seu estúdio, localizado num casarão de 1911. Lá, Requena vai exibir projetos e obras desenvolvidas em pesquisas do Juntxs.Lab, seu laboratório para estudos de empatia, design e tecnologia. Os visitantes poderão experimentar obras como a instalação-protótipo Banco das Emoções, um mobiliário que permite que os convidados se conectem emocionalmente por meio da pulsação conjunta de seus batimentos cardíacos, suas vozes e vibrações. As visitas guiadas devem ser agendadas, pelo e-mail media@gutorequena.com.br.

No Centro Cultural São Paulo acontece o Festival Criativos por Tradição e a exposição Conexões Amazônia, promovidos pela ONG ArteSol. Fotografias, recursos audiovisuais e objetos vão mostrar a produção artesanal de oito diferentes comunidades da região, envolvendo povos indígenas como os baniwa e krahô, as vilas de ceramistas tapajônicos e os povoados de seringueiros, entre outros núcleos.

No circuito da Alameda Gabriel Monteiro da Silva, principal endereço de design da cidade, um dos destaques é a exposição Tudo que não foi dito, na Estar Móveis. Com direção de arte de Felipe Morozini, a mostra propõe enaltecer a língua portuguesa, como patrimônio intelectual e artístico, com criações em que as letras e as palavras são tratadas como objetos formais, tridimensionais, em um diálogo entre o design e a arte. Foram convidados 24 artistas e designers, entre eles Augusto de Campos, Arnaldo Antunes, Ivan Grilo, Mana Bernardes, Marcelo Stefanovicz, Fabia Escobar, Nazareno Rodrigues, Regina Parra, Regina Silveira e Rochelle Costi.

Ainda na Gabriel, a exposição DivergentZ, da By Kamy, lança uma linha de tapetes assinada por graduandos de cursos de design gráfico e de games, entre outros, de várias faculdades da cidade, e que tem como referência a arte do grafite, dos games, dos quadrinhos e da criação artística por meio de computadores. A By Kamy também vai expor, pela primeira vez, o tapete Francesca, uma criação do designer italiano Gaetano Pesce. A peça pode ser personalizada para o cliente, seguindo o desenho e a proposta de Pesce.

Logo após o feriado, a Ornare, também na Alameda, realiza bate-papos na quinta e sexta-feira. Destaque para o encontro Expansão do design brasileiro, na quinta (8/9), a partir das 15h, que vai debater as novas tendências e o futuro do design no Brasil, com Cândida Maria Cervieri (diretora executiva da Associação Brasileira das Indústrias do Mobiliário – Abimóvel), Lauro Andrade (idealizador do festival DW), Francesca Alzati (By Kamy) e Lissa Carmona (Ethel). Participação especial de Esther e Pitter Schattan (Ornare).

Já a Galeria Idea!Zarvos recebe uma exposição de peças do acervo da marca 31 Mobiliário, que tem como curador Zanini de Zanine. Entre as peças emblemáticas em exibição, estão a poltrona Sela, desenhada na década de 70 por José Zanine Caldas, e a cadeira Hotel, criada também por Caldas, na década seguinte. Também estarão por lá a poltrona Zig Zag, a primeira desenhada por Ohtake para a marca, desde a fusão entre os escritórios de Ruy e seu filho, Rodrigo. A poltrona Espécie também faz parte da mostra e ela nasce da união entre a poltrona Espécie de 2008 (do ateliê Zanini de Zanine) e a namoradeira de balanço, projetada na década de 70, por seu pai.

Na Casa Docol, que neste ano funciona como um QG da DW, acontece a mostra Expressões em aço, com móveis e esculturas produzidas com aço inox pela Mekal e criadas por arquitetos como Ruy e Rodrigo Ohtake e designers como Carol Gay e Zanini de Zanine. Ruy é o grande homenageado e sua mesa Sinfonia, o design de destaque. O espaço também vai abrigar os DW!Talks, entre eles um bate-papo, via internet, com Alex Atala, Humberto Campana, Patrícia Pomerantzeff, Nina Talks, Vik Muniz e Gabi Matos, na quinta (8/9), a partir das 9h.

Por fim, num espaço de 250 metros quadrados na Rua da Consolação, criado especialmente para o DW! 2022, e com cenografia assinada pelo designer e arquiteto Mauricio Arruda, a Geo Luz & Cerâmica, de Campinas, tem como destaque a coleção Litoral, assinada em parceria entre o designer Maurício D’Avila e Arruda. A linha é um resgate dos abajures tradicionais, com base de cerâmica e cúpula de tecido. Os cinco modelos têm formas orgânicas, forte apelo tátil, graças à textura das peças, fabricadas em quatro cores.

SERVIÇO

11ª DW Semana de Design de São Paulo
Até 11 de setembro
Acesse a programação completa clicando aqui

Um olhar inusitado

"O maestro", da série Viagem pelo Fantástico, de Boris Kossoy.
"O maestro", da série Viagem pelo Fantástico, de Boris Kossoy.

Nos anos 1970, personagens, manequins, figuras estranhas apareceram nas fotografias de Boris Kossoy. Regendo uma sinfonia muda num cemitério, na curva de uma estrada, nos espreitando por trás de uma janela. As fotografias foram reunidas num livro “Viagem pelo fantástico”. 50 anos depois o livro é republicado, acompanhado por um novo volume, com textos críticos. Mas não só. Conhecido por seus textos críticos sobre fotografia que nos ajudaram a entender os processos, os códigos, a simbologia das imagens, mas acima de tudo a interpretar estas mensagens dentro da história, Boris Kossoy aos poucos tem mostrado seu lado fotógrafo, seu olho que busca as ruas, o cotidiano. Os manequins, a encenação tão clara nas fotos dos anos 1970 foram abrindo espaço para personagens reais com os quais ele esbarra em suas andanças, em suas viagens. 

Em Fortaleza, no Museu da Fotografia, uma exposição perpassa este caminhar fotográfico. Com curadoria de Diogenes Moura, 92 fotografias, algumas inéditas, apresentam esta trajetória. “Estranhamentos”, é com este título que as fotos se apresentam, se arrumam nas paredes de museu, criam um discurso imagético.

Para Boris, suas fotografias inseridas no que se denominou na América Latina de “realismo fantástico”, são vestígios de um inusitado que encontramos nas ruas: “São fotografias que eu defino documentais, mas com abordagens diversas”. Não são, como há 50 anos, imagens inventadas ou encenadas são imagens encontradas: “Meus personagens foram deixando o palco e eu fui para as ruas”, comenta Boris. Já Diógenes Moura escreve no texto da exposição: “O estranhamento nos fala sobre o instante seguinte, mesmo que este instante esteja no passado. Procure”.

Na exposição, sob o olhar atento do curador, fica clara a força autoral: “Penso as imagens a partir de outras imagens, da imaginação. Imagens que tem camadas de profundidade, imagens que estão ancoradas nos sentidos da cultura. Imagens que se aproximam da literatura, do teatro e do cinema”, complementa Boris.

Mas quem inspira o teórico, o historiador? “Sem dúvida tenho uma grande ligação com a literatura, como Edgar Allan Poe, Julio Cortázar, Jorge Luis Borges, Gabriel García Marquez, mas também cineastas como Alfred Hitchcock, Stanley Kubrick”. Imagens e figuras de linguagem que ficaram – e ficam – guardadas em nosso imaginário, que criam nosso repertório, aliadas a sua reflexão sobre a imagem acabaram por criar esta percepção de mundo que ele persegue: “Sempre procurei nas fotografias a dicotomia entre o dado aparente e o dado oculto da imagem. O teórico e o fotógrafo se misturam. Minhas imagens me levaram ao pensar teórico que me levou a realizar minhas fotografias”. E é neste entrelaçamento que surge a produção de Boris: “Nunca é só uma imagem. Suas fotos são um reflexo do que ele é, de todo o repertório desse homem inteligente e com uma visão de mundo muito peculiar. Tudo o que Boris produz, tudo o que fala, fotografa ou escreve, são reflexões dele. O resultado de suas palavras é a imagem e a continuação dessa imagem é a palavra impressa. Então, é sempre uma coisa por dentro da outra”, enfatiza Diogenes Moura. 

Aos 81 anos Boris Kossoy continua inquieto e cheio de projetos, sobre os quais se nega a contar. Portanto, só nos resta esperar.

Sesc apresenta seu rico acervo e o coloca em diálogo com personalidades contemporâneas

As personalidades convidadas para participar da websérie "Sem título", do Sesc.
As personalidades convidadas para participar da websérie "Sem título", do Sesc.

A coleção de arte do Sesc conta com mais de 2 mil obras de arte, de nomes como Abraham Palatnik, Rubens Gerchman, Claudia Andujar, Anna Bella Geiger, Anna Maria Maiolino e Sidney Amaral. A fim de divulgar este acervo, surgiu sua nova websérie Sem título. Em dez episódios temáticos, a série reúne 20 profissionais de áreas diversas para passear pelas unidades do Sesc, trocando com elas e com o público. O fio que guia as conversas é sempre uma mesma pergunta: o que essa obra te inspira?

Esses trabalhos ficam expostos de forma permanente ou itinerante – por vezes, eles estão em espaços não convencionais, como comedorias, bibliotecas, marcenarias e ginásios.

Saiba mais sobre a série e tenha acesso a todos os episódios gratuitamente neste link.

Balé da Cidade de São Paulo dança obras do norte-americano John Cage e do alemão Franz Schubert

INACABADA, Balé da Cidade de São Paulo, coreografia de Ihsan Rustem a partir de sinfonia de Schubert. Foto: Stig de Lavor
Registro de "Inacabada", coreografia de Ihsan Rustem a partir da sinfonia de Franz Schubert, dançada pelo Balé da Cidade de São Paulo. Foto: Stig de Lavor

O Complexo Theatro Municipal, em São Paulo, terá a dança como seu principal foco neste mês de setembro. Tem início hoje (2/9) uma série de oito apresentações de coreografias inéditas do brasileiro Alejandro Ahmed, conhecido por seu trabalho à frente da Cena 11 Cia. de Dança, e do inglês Ihsan Rustem, para obras de John Cage e Schubert, respectivamente. Os espetáculos terão execução ao vivo da Orquestra Sinfônica Municipal, com regência do maestro Alessandro Sangiorgi.

Ahmed leva ao Municipal sua interpretação para a música Sixty-Eight, de Cage, enquanto que Rustem apresenta no palco sua coreografia para a Sinfonia em Si menor, Inacabada, do compositor alemão. Em comunicado enviado pelo Complexo, a diretora-geral Andrea Caruso Saturnino destaca “a expertise e competência” de ambos coreógrafos, que acumulam em suas trajetórias “trabalhos consolidados tanto no que concerne às suas propostas artísticas, quanto às suas experiências”.

Já Cassi Abranches, diretora artística da companhia de dança, ressalta que se sentem lisonjeados com a participação de Ahmed, coreógrafo com um “trabalho absolutamente marcante”. Sobre Rustem, a diretora lembra que o Balé não fazia colaborações internacionais desde 2018, quando foi montado Deranged, do coreógrafo austríaco Chris Haring, com inspiração na canção I’m deranged, de David Bowie.

Com 15 bailarinos em cena, as coreografias para a sinfonia Inacabada têm movimentos intrigantes e intrincados, marcados pela ideia de impermanência e mistério. Os figurinos, inspirados nos séculos 19 e 20, também aludem a uma noção de incompletude, numa leitura contemporânea de trajes de época, assinada por Cassiano Grandi. Já a iluminação fica a cargo de Caetano Vilela.

Em Sixty-Eight, obra escrita por Cage no início dos anos 1990, Ahmed propõe uma “coreografia que se auto-organiza através de um consenso de restrições que a gente estabelece e que faz com que as possibilidades não sejam simplesmente pré-determinadas pela autoridade” dele. Com 12 bailarinos no palco, distribuindo-se em rampas, o trabalho coreográfico se orienta a partir dos compassos de metrônomo luminoso, criado pelo artista Diego de Los Campos. Os figurinos são de Karin Serafin, com a assistência de Juliana Laurindo. A iluminação foi concebida por Mirela Brandi.

SERVIÇO

Sixty-Eight, de John Cage, com coreografia de Alejandro Ahmed

Sinfonia em Si menor, Inacabada, de Franz Schubert, com coreografia de Ihsan Rustem

Theatro Municipal: Praça Ramos de Azevedo, s/n – República, São Paulo – SP
Horários: 2/9 (20h), 3/9, 4/9 e 7/9 (17h), 8/9 e 9/9 (20h) e 10/9 e 11/9 (17h)
Ingressos: R$ 10,00 a R$ 80,00
Classificação: 18 anos

 

 

Exposição dos Premiados do PIPA 2022 entra em cartaz no Paço Imperial

UÝRA, "Lama", 2017. Foto: Keila Serruya / Reprodução

O Terreiro do Paço Imperial, no Rio de Janeiro, recebe mais de 30 obras a partir desta quinta-feira (1). São trabalhos de Coletivo Coletores, Josi, UÝRA e Vitória Cribb, vencedores do Prêmio PIPA 2022. Entre os 61 indicados este ano – sendo todo artistas e coletivos com até 15 anos de carreira -, os quatro foram escolhidos pelo Conselho do PIPA por serem considerados um conjunto representativo do cenário artístico brasileiro atual. Além da participação na mostra, os premiados recebem uma doação de R$ 20 mil cada.

“Este conjunto de 2022 mostra um ecossistema artístico bastante complexo, misturando poéticas que remetem a práticas mais artesanais, até o envolvimento radical com a tecnologia. Acima de tudo, vemos nestes artistas um engajamento poético e político com o universo periférico e com uma experimentação ecológica e social que integra o humano a todas as formas de vida proliferantes”, escreve o curador Luiz Camillo Osório.

A escolha deste ano concretiza a reformulação proposta pelo PIPA em 2020, quando o prêmio passou a selecionar mais de um vencedor por edição. “Mais do que concentrar em um único nome, percebemos que dividir o prêmio é mais justo, tendo em vista um cenário tão plural e continental como o brasileiro, com tantas micro-cenas relevantes de norte a sul do país”, explicou o curador em entrevista à arte!brasileiros em 2021.

Neste cenário, a exposição deixa de ter caráter competitivo para tomar forma de celebração. Assim, Coletivo Coletores, Josi, UÝRA e Vitória Cribb dividem o Terreiro do prédio colonial com obras justapostas, “posicionadas de forma a evidenciar as permeabilidades possíveis e aumentando sua potência como conjunto. Sem uma expografia rígida, eles criam juntos um espaço de forma livre e fluida  – a exposição é escrita a várias mãos”, explica a organização em suas comunicações oficiais. 

Além de trabalhos dos quatro vencedores de 2022, quem visita o Paço Imperial tem a oportunidade de ver obras comissionadas e adquiridas pelo Instituto PIPA nos últimos anos. São trabalhos de artistas contemporâneos brasileiros que fazem parte da história do Prêmio: Eduardo Berliner, Leticia Ramos, Romy Pocztaruk, Ilê Sartuzi, Denilson Baniwa e Isael Maxakali.

Os premiados

Formado em 2008 na Zona Leste da cidade de São Paulo pelos artistas e pesquisadores Toni Baptiste e Flávio Camargo, o Coletivo Coletores tem como proposta pensar as cidades como meio e suporte para suas ações, utilizando diferentes linguagens visuais e tecnológicas, discutindo temáticas ligadas às periferias, apagamentos históricos/culturais, assim como o direito à cidade. Nesta exposição, o grupo apresentará um trabalho em videomapping na fachada do Paço Imperial e exibirá uma vídeo-instalação em NFT, Histórias que não ninam. No dia da abertura, o coletivo ainda circulá pela cidade do Rio de Janeiro com uma de suas projeções.

Nascida em Itamarandiba, a mineira Josi viveu sua infância em Carbonita, no Vale do Jequitinhonha (MG). Formada em Letras pela Universidade Federal de Minas Gerais, passou pela graduação em Artes Plásticas na Escola Guignard-UEMG e hoje busca trançar os saberes ouvidos e testemunhados na academia e “inscritos na musculatura das mãos: as artesanias várias, a pintura, lavação de roupa, o fiar, a escrita, desenho, a cozinha e a cerâmica”, explica em texto publicado pelo PIPA. Nesta exposição, a artista traz algumas esculturas em cerâmica e uma série de pinturas com uma técnica original desenvolvida por ela: o uso de água de feijão preto sobre papel e tecido.

UÝRA traz um pouco da floresta Amazônica para o prédio colonial a partir de bandeiras com fotos da cobertura das árvores da floresta. Nos tecidos, o público pode ver os animais que habitam a Amazônia, por meio do desenho feito pelas folhas das árvores. A artista é Emerson, pessoa trans (dois espíritos) e indígena formada em biologia e mestre em ecologia. Ela habita Manaus (AM), território industrial no meio da Floresta, onde se transforma para viver UÝRA, uma árvore que anda. Tendo o corpo como suporte, a artista narra histórias de diferentes naturezas via foto performances e performances. “A partir da paisagem cidade-floresta, se interessa pelos sistemas vivos e suas violações, pela memória e diásporas indígenas”, explica a organização do PIPA em suas páginas oficiais. 

Filha de pai haitiano e mãe brasileira, Vitória Cribb vem criando nos últimos anos narrativas digitais e visuais que permeiam técnicas como criação de avatares em 3D, filtros em realidade aumentada e ambientes imersivos, utilizando o ambiente digital como meio para explicar suas investigações e questões atuais percorridas por seu subconsciente. A artista investiga os comportamentos e desenvolvimentos de novas tecnologias visuais/sociais e transpõe o seu pensamento através da imaterialidade presente no digital.

Serviço

Prêmio PIPA 2022: Exposição dos Premiados e Aquisições Recentes
Paço Imperial: Praça XV de Novembro, 48 Centro, Rio de Janeiro
1º de setembro a 30 de outubro
Visitação de terça a sábado, das 12h às 17h
Entrada gratuita

Detanico Lain: “Sobre a terra, sob o céu”, na Galeria Vermelho

"Sobre a terra, sob o céu" (2022), vista da exposição na Galeria Vermelho. Divulgação.
"Sobre a terra, sob o céu" (2022), vista da exposição na Galeria Vermelho. Divulgação.

Até o dia 10 de setembro, a Vermelho apresenta Sobre a terra, sob o céu, individual da dupla Detanico Lain, sendo esta a sua oitava exposição solo na galeria.

As obras de Angela Detanico e Rafael Lain são imbuídas de referências científicas, matemáticas e literárias. Elas lidam com temas relacionados ao tempo, ao espaço, à memória, à linguagem e à história. Em Sobre a terra, sob o céu, particularmente, são transpassadas sempre pela questão da linguagem.

Entre os trabalhos expostos está a série Vanitas (2018), onde palavras que se referem à passagem do tempo são escritas com um sistema de escrita no qual cada letra do alfabeto é designada por uma determinada quantidade de flores dentro de vasos. Um vaso com uma flor corresponde à letra A, um vaso com duas flores, à letra B, e assim por diante. E, no segundo andar, temos Terra Incógnita (2022), em que o título da obra aparece escrito em tinta acrílica sobre tela de linho, utilizando o sistema Timezonetype, desenvolvido por Detanico Lain. Timezonetype é uma tipografia criada a partir da relação entre fusos horários e as letras do alfabeto. A porção de terreno recortada pelo fuso horário é utilizada como a letra que ela designa.

Uma extensa e crítica mostra

Mural Marielle Franco (criação coletiva), Escadão Marielle Franco (criação coletiva) e Fumaça Antifascista (criação coletiva). Imagem feita em memória aos três anos do assassinato de Marielle Franco, uma ocupação de várias ações artísticas lembrando que a justiça ainda não foi feita. Foto: Reprodução

Frente ao caos sócio político do momento, o homem ainda conta com a memória como refúgio para reconstruir o espaço da utopia, do sonho e da resistência. A coletiva Histórias Brasileiras, que ocupa o 1º andar e o segundo subsolo do Museu de Arte de São Paulo (Masp), provoca conexões do homem contemporâneo com a sua ancestralidade, mistura ciência, saberes populares, reflexão sobre os povos originários e afros, rememora lutas sociais e políticas enfrentadas pelos brasileiros ao longo dos tempos.   

Seguindo as pulsões entre a tradição e a novidade, Adriano Pedrosa, diretor artístico do museu, e Lilia Moritz Schwarcz, antropóloga convidada, junto com mais nove curadores, orquestram a exposição com quase 400 obras assinadas por 250 artistas. O disparador conceitual da mostra é fugir da história oficial, imaginar enquadramentos temáticos que provoquem reflexões renovadas sobre nossa colonização. Pedrosa e sua equipe têm realizado exposições amarradas em torno de diferentes narrativas que começaram com Histórias da Infância (2016), Histórias da Sexualidade (2017), Histórias Afro-Atlânticas (2018), Histórias das Mulheres, Histórias Feministas (2019) e Histórias da Dança (2020), que ocorreu somente online por conta da pandemia. 

“Agora com o bicentenário da Independência realizamos Histórias Brasileiras. O Masp é um dos únicos grandes museus brasileiros a não criar nada em torno da Semana de Arte Moderna de 1922”, diz Pedrosa. Segundo ele, a instituição está mais voltada para a história social e para o campo da cultura. “Essa coletiva faz mais sentido para nós.” 

Os oito núcleos que balizam a grande exposição não constituem um guia, todos têm vida própria e são eles: Bandeiras e Mapas, Paisagens e Trópicos, Terra e Território, Retomadas, Retratos, Rebeliões e Revoltas, Mitos e Ritos, Festa. A coletiva começa mostrando a que veio. Em Bandeiras e Mapas, Bruno Battistelli mostra sua obra Bandeira Afro-Brasileira (2022), que não é só indicador do gosto do autor, mas uma prova de resistência e militância. O artista muda as cores da bandeira nacional e a transforma em bandeira afro-brasileira. Lilia, que divide a curadoria desse segmento com Tomás Toledo, vê essa obra como um troco. “Aqui temos o sequestro de volta, não só pelo ativismo negro, mas também pelo ativismo LGBTQ+ e pela retomada dos mapas. Todo mapa é imaginário e um mapa do século 16 não é menos imaginário do que o mapa do Jaime Lauriano, que desmistifica a democracia racial.” 

Na verdade, os artistas estão fazendo a ocupação dos símbolos nacionais, como observa Lilia. Tudo é feito com suportes de várias procedências – tela, saco de lixo, objetos descartados – enfim, uma mistura do que é mais provisório com o que é mais permanente. Diante de uma sociedade armada e violenta, é agregadora a presença de 5664 Mulheres, (2014), trabalho de Beth Moysés. As cápsulas de balas de revólver são sustentadas por tule com pérolas e representam as 5664 mulheres assassinadas por seus parceiros no Brasil, em 2013. 

Em Mitos e Ritos há o questionamento da ocupação colonial portuguesa que até hoje parece mantida em segredo público. A maioria dos artistas desse segmento é de origem africana e suas obras foram garimpadas pelos curadores Fernando Oliva, Glaucea Britto e Tomás Toledo. “Muito mais do que religiões esse núcleo trata de mitos, religiosidade, questionando o projeto colonizador,” comenta Oliva. Os cruzamentos que movem os dois grupos de inflexão com as religiões de matrizes africanas e indígenas reverberam na história da arte brasileira, embora, segundo Oliva, seja difícil detectar isso no Brasil, no campo da visualidade.

Gênero canônico dentro da história da pintura, o retrato ganha um grande “corredor” na exposição, com dezenas de obras. Segundo Pedrosa, o Masp tem tradição de retrato de corpo inteiro, de escala natural como os de Velázquez, Rubens, Ticiano, Victor Meirelles. “Quis comissionar e fazer justaposição, contraste, contraponto deles com a obra de artistas contemporâneos.” Nesse contexto, o curador solicita a Panmela Castro, para o núcleo dedicado ao gênero, um retrato da Maria Auxiliadora da Silva; no mesmo segmento, o pintor No Martins mostra uma obra a partir de uma fotografia, a única aí que não é autorretrato. 

A história do Brasil é tensionada por qualquer ângulo que se tente entendê-la. Terra e Território deixa latente as lutas por espaços territoriais desde o século 16. Pedrosa cura esse segmento com Isabella Rjeille e comenta que o tema envolve artistas nacionais e estrangeiros. O pintor afro-americano Hank Willis Thomas, criou uma das obras mais sintéticas do gênero, o mapa da América do Norte ligado ao da África, numa clara alusão à rota dos navios negreiros. O poeta Langston Hughes, negro, comunista, ligado aos beatniks e ativista na década de 50, já havia falado sobre essa ponte maldita sobre esses dois continentes.

O Brasil, com seus quilômetros de litoral e densas florestas, é um multiplicador de paisagens. Com Guilherme Giufrida, Lilia trabalha o tema Paisagem e Trópicos e lembra que o Brasil sempre foi representado pela humanidade decaída, que são teorias da mestiçagem e, por outro lado, pela eternização da paisagem nos grandes trópicos, como o éden na terra. Aqui está em jogo a questão da horizontalidade tema debatido entre os curadores, portanto não é surpresa que Histórias Brasileiras tenha essa linguagem que se revolve num horizonte contínuo, endêmico, como explica Lília. Entre as obras garimpadas destacam-se as pinturas Paisagem com Jiboia (1660), de Frans Post, que representa a paisagem brasileira, e a fotografia Natureza Morta 1 (2016), de Denilson Baniwa, que traz a silhueta de um indígena morto na floresta amazônica, uma analogia ao extermínio simultâneo tanto da mata quanto dos povos tradicionais.

Com André Mesquita, Lilia revive Rebeliões e Revoltas. “O Brasil sempre guardou a imagem mitológica de país pacífico, harmonioso, no entanto foi o último a abolir a escravidão.” Hoje as revoltas nascem contra o passado, como o protagonismo de falsos heróis como os Bandeirantes. A curadora ressalta a presença da obra Confronto com as Tropas de Arthur Oscar, do cearense Descartes Gadelha, além do coletivo a Linha do Horizonte, que fala de censura com bandeiras das mães de maio. André Mesquita comenta pontos da mostra como a greve dos de anarquistas nas ruas de São Paulo em 1920. Essas lutas são feitas com o uso de panfletos, a partir de uma produção efêmera que é transformada em arte. No meio da sala, a escultura agigantada de Rubens Gerchman de 1968, criada sinteticamente com as letras L.U.T.E., fez parte do ativismo do artista contra a ditadura militar nos anos 1960.

Avançamos para o núcleo Retomadas, com a curadoria de Clarissa Diniz e Sandra Benites, que decidiram cancelá-lo em protesto contra a não inclusão de fotos do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST) e da luta indígena, feitas por João Zinclar, André Vilaron e Edgar Kanaykõ Xakriabá. Depois das negociações com a diretoria artística do Masp, as fotos voltaram, e elas concordaram em retomar o núcleo. 

Clarissa aponta vários trabalhos de ocupação com diferentes formas de luta presentes neste segmento. A curadora milita na fronteira entre a resistência e a descoberta. Entre os achados de Histórias Brasileiras destaca-se a “ressureição” do povo puri, por meio da cultura, da língua, e, sobretudo pelo trabalho de organização e pela publicação de um dicionário cujo vocabulário foi recuperado com viajantes ou jesuítas puri. “Com isso, um grupo de descendentes, que não conhecia nada sobre essa etnia, começou a estudar puri e também a compor, fazer poesia e se comunicar nessa língua,” explica Clarissa. 

Múltiplas narrativas contra-hegemônicas estão por todos os núcleos. O movimento de descolonização iniciou-se por volta de 2010 e hoje ganha corpo e espaço. Chama a atenção Monumento à Voz de Anastácia (2019), obra de Yhuri Cruz, representação da escrava torturada e obrigada a usar grilhão e máscara de flandres até sua morte. 

De descendência Guarani, Sandra Benites diz que a luta dos povos indígenas no Brasil é ampla e violenta. “A diversificação é grande, há indígenas morando em zonas demarcadas, na cidade, nas favelas, todos apagados como sujeitos. Nos confrontos pela retomada de nossas terras, a grande mídia vê a todos como invasores”, lamenta Sandra.

O núcleo Festas encerra a exposição e os seus curadores, Amanda Carneiro e Adriano Pedrosa, acreditam que os trabalhos ali presentes coloquem o público em contato com as contraditórias maneiras de celebrar, de diferentes grupos. Chama a atenção a navalha da Madame Satã (Pernambuco, 1900-Rio de Janeiro, 1976). João Francisco dos Santos, o mítico Madame Satã, era homossexual, uma espécie de bandido grã-fino, que vivia na Lapa dos anos 1930, território-livre da malandragem carioca, e que também faz parte das lendárias histórias do Brasil. 

SERVIÇO

Histórias Brasileiras
Masp (Museu de Arte de São Paulo): Av. Paulista, 1578 – Bela Vista, São Paulo (SP)
Em cartaz até 30 de outubro de 2022
Horários: Terças-feiras, das 10h às 20h (entrada até as 19h); de quarta a domingo, das 10h às 18h (entrada até as 17h)
Agendamento on-line obrigatório pelo link masp.org.br/ingressos
Ingressos: R$ 50 (entrada); R$ 25 (meia-entrada); terças e quinta-feiras grátis

 

Uma nakoada pela arte

Vista de NAKOADA, no Mam Rio, com obra do MAHKU em destaque
"Kapewẽ Pukenibu", do MAHKU - Movimento dos Artistas Huni Kuin, obra comissionadas para "Nakoada". Foto: Fábio Souza / MAM Rio

Uma serpente atravessa o Salão Monumental do Museu de Arte Moderna do Rio de Janeiro, deglutindo obras modernistas, criações de diferentes comunidades indígenas e engolindo a própria arquitetura do museu. O que talvez pareça um conto é a proposta expográfica de Nakoada: estratégias para a arte moderna, em cartaz até novembro de 2022. Desapegada do cubo branco, a exposição é construída a partir da silhueta de uma cobra, e é caminhando por seu corpo que tomamos contato com a seleção de trabalhos expostos. 

Com curadoria de Denilson Baniwa e Beatriz Lemos, a mostra entra para a longa lista de programações que buscam dialogar com o centenário da Semana de Arte Moderna, reunindo obras das coleções do MAM Rio — especialmente a de Gilberto Chateaubriand, que reúne um importante e vasto acervo do período e está em comodato com a instituição há anos — peças do Museu do Índio e trabalhos de artistas contemporâneos. Porém, ao invés de um caráter celebratório ou crítico frente à efeméride, a mostra propôs uma outra estratégia: trabalhar perspectivas de futuro, e o fez impulsionada por uma ética baniwa, a koada. 

“Não tem uma tradução que satisfaça o valor da palavra ‘koada’. Ela pode ser entendida como vingança, troca, revolta, retomada…”, explica Denilson em entrevista à arte!brasileiros. Trata-se de uma estratégia de guerra do povo Baniwa da região do Alto Rio Negro, no Amazonas. Praticada a partir do estudo da cultura e dos saberes de outros povos – permitindo uma compreensão do contexto presente a partir da avaliação de situações passadas -, ela visa dar continuidade à existência da própria comunidade. Já o termo ‘na’ “é um prefixo que significa ‘nossa’ ou ‘nós’. Então nakoada seria ‘nossa retomada’, ‘nossa restituição’, ‘nossa revolta’, ‘nossa volta’, coisas desse tipo”, completa o curador.  

Como ressalta Beatriz, essa ética baniwa não se propõe como tema, “não é uma exposição sobre esse conceito, mas é uma possibilidade de vivê-lo no corpo”. Assim, pretende-se convidar o público a uma nakoada pela arte, a enxergar o que pensamos conhecer sobre o modernismo e o Brasil que ele almejava e a revisar os legados do passado e seus usos no presente. 

Para isso, grandes nomes do movimento, como Anita Malfatti, Candido Portinari, Di Cavalcanti e Tarsila do Amaral, se encontram em diálogo com obras contemporâneas criadas especificamente para a exposição por Cinthia Marcelle, MAHKU, Novíssimo Edgar e Zahy Guajajara e com criações de diversas etnias indígenas. Tudo isso costurado em uma proposta expográfica que toma forma de serpente cósmica. “Essa simbologia é recorrente em diversas culturas ocidentais e orientais. A cobra digere a nossa história e carrega, dentro de seu bojo, esse tempo expandido”. Assim, quem caminha pelo Salão Monumental da instituição encontra diálogos, enfrentamentos e negociações entre os trabalhos, seus contextos, os períodos que os abrigaram, os autores e as visões de mundo que os criam.

“Se antes nakoada era usada num contexto de guerra e a estratégia servia como um guia para retribuir ou retomar um território; hoje, pensando uma nakoada pela arte, nós estamos nesse mundo fazendo pequenos movimentos de reapropriação do que nos foi tirado: a voz, a presença, a autonomia, a existência”, diz Denilson. 

Uma capoeira com a memória

No momento em que o evento marco do modernismo completa 100 anos, elaborar uma mostra que trabalhe um dos principais acervos de obras do período – abrigado por um museu que é em si fruto desse movimento – era algo imprescindível. “Quando existem essas demandas, acho que o mais interessante é exatamente olhar o entorno, entender o que faz sentido hoje, o que a gente pode trazer de novos olhares. Não exatamente uma exposição sobre esse acervo, mas com esse acervo”, conta Beatriz Lemos. 

A escolha por estabelecer um diálogo do contemporâneo com a coleção modernista foi resposta a um ensejo da dupla curatorial. Como explica Denilson: “A gente queria fazer um comentário sobre o modernismo, mas não invalidar ou queimar esse acervo, não atacar de forma deliberada tudo isso, porque a quem interessa queimar as coisas, né? Fico pensando como fazer, então, com que tenha uma reflexão da importância do modernismo, que teve equívocos, só que também possibilitou uma presença indígena, negra, LGBTQIA+, feminina dentro de um contexto de produção de arte no Brasil”. Ao que Beatriz complementa: “existe um lugar de dançar com a história, que a gente não pode chegar e simplesmente negar tudo, jogar fora e apagar essa memória. É importante tentar jogar com o próprio tempo, negociar com o tempo”.

Essa negociação ganha forma em uma série de pequenos ‘atos nakoada’ espalhados pela mostra – por vezes na escolha das obras e de seus posicionamentos, por outras, nos textos de parede e recursos que nos guiam pela exposição. 

Contra-ataques e aproximações

Com 12 metros de comprimento, o painel Kapewẽ Pukenibu, feito pelo MAHKU – Movimento dos Artistas Huni-Kuin especialmente para a exposição, é a obra que primeiro recebe quem chega à Nakoada. Representando o jacaré canoa, uma figura encantada da narrativa huni-kuin de fundação dos mundos, a tela nos leva à seção Natureza, invenção e paisagem, ficando lado a lado com quadros de Alberto Guignard e Anita Malfatti. Se os trabalhos modernistas nos trazem um Brasil interiorano e de paisagens bucólicas sob um olhar contemplativo, a pintura do Mahku propõe re-orientações, tratando de se relacionar com a impossibilidade de domesticação da natureza e colocando-a não sob um ponto de vista estetizante, mas enquanto um ser plural, encantado e familiar. 

“Existe uma retomada, uma revolta, uma retribuição, uma vingança também em algum sentido, em colocar o acervo do MAM sendo engolido pela serpente cósmica do tempo, e ao redor – fazendo as ações de contra-ataque e ataque, afastamento e aproximação – os artistas contemporâneos”, explica Denilson Baniwa. 

Esse impulso talvez seja ainda mais explícito Meditação da ferida ou a escola das facas, trabalho de Cinthia Marcelle que distribui 25 faqueiros, que trazem em seu interior apenas a silhueta de facas e punhais usados como armas por diferentes povos. “A ausência dessas ferramentas indica que elas estão sendo usadas no espaço. Então é justamente chegar e visualizar que elas estão aqui em conflito, né? Porque o conflito é dado. Então, esses punhais estão com o colonizador, ou com aqueles que são colonizados”, explica Beatriz. 

Alguns desses embates (simbólicos) são percebidos na exposição. Como no posicionamento de Pata Ewa’n – o coração do mundo, pintura de Jaider Esbell que traz a imagem de um cavalo-marinho, ser cultuado por várias culturas afro-indígenas por sua ligação às narrativas de origem. Com mais de dois metros de altura, o quadro fica ao lado de Urutu, de Tarsila do Amaral, que mede pouco mais de 60 centímetros, e de três telas de Rego Monteiro, ainda menores. “Colocar artistas como Jaider Esbell quase que engolindo a Tarsila e o Rego Monteiro — pelo tamanho inclusive das obras — é legal pra provocar sobre as presenças que ocupam hoje”, conta Denilson. 

Já a seção retratos é composta em grande parte por corpos negros, indígenas e de mulheres. Em sua maioria, pintados há cerca de 80 ou 100 anos, “quando o intuito era apreender esse outro, como algo generalizado desse corpo”, explica Beatriz. A exposição, porém, busca despertar outra leitura sobre essas mesmas obras. “Por mais que esses corpos racializados e femininos tenham sido retratados nesse lugar de um olhar moderno, aqui eles estão autônomos, firmes, altivos e com muita propriedade de suas próprias identidades e subjetividades. Então é um dos gestos dessa outra perspectiva de olhar um acervo histórico”, completa a curadora. 

A video-instalação de Zahy Guajajara se aproxima dessa seção. Com uma proposta de futurismo indígena, o trabalho reflete sobre o contato entre as culturas originárias e o colonizador, com seus impactos, suas contradições, presenças e ausências; apropriando-se da linguagem tecnológica como suporte para a sobrevivência das tradições. 

Logo ao lado, outras nakoadas podem ser percebidas na presença das peças de acervo do Museu do Índio. As bonecas karajás aproximam-se dos estudos de Antropofagia e A negra, de Tarsila do Amaral, evidenciando a semelhança entre os aspectos formais e as possíveis referências da pintora. E, ao serem exibidas junto a obras modernistas de renome e trabalhos de artistas da cena contemporânea, as criações indígenas instauram outros embates: “desde provocações a respeito do que é arte e o que é artefato, até questionamentos sobre quem estabelece essas definições. Qual é o poder que essas pessoas têm de definir o que é arte grande, o que é arte pequena, o que é artefato, o que é arte contemporânea? É bem legal colocar isso em debate em um museu como o MAM”, compartilha Denilson.

A reflexão se estende aos materiais complementares da mostra, ao que, junto aos textos de parede, tomamos contato com gravações em áudio de narrativas de povos indígenas – os tikis. “Colocar textos técnicos junto com textos dos tikis é um modo de provocar sobre que tipo de conhecimento a gente considera intelectualizado ou não, né?”, provoca Denilson.

Estratégias de permanência

Como contam os curadores, trazer esses embates ao MAM Rio talvez tenha sido a primeira nakoada. “Todo o processo de fazer essa exposição foi de pequenas nakoadas cotidianas para mudar coisas dentro da própria estrutura do museu. Então, a exposição é uma matéria colocada dentro de um espaço, mas para além disso, ela é uma imaterialidade construída dentro do museu, que muda as relações com o acervo, as relações entre as equipes, o pensamentos dentro da estrutura da instituição”, conta Denilson. Ao que Beatriz faz coro, destacando também o contato com o Museu do Índio — instituição de base etnográfica e cujo acervo, há tanto fechado para visitação pública, ganha outra perspectiva na mostra em cartaz.  

O curador compartilha, ainda, que um dos pontos importantes nesse processo de construção da mostra foi ligado à sua participação, ao (nakoadamente) quebrar expectativas de pessoas do próprio museu em relação ao que seria uma curadoria feita por um profissional indígena. Compreendendo e afirmando sua presença para além de um caráter étnico. “É um papel político estar na curadoria de exposições. E não é que eu tenha vergonha, ou que tenha vontade de não parecer indígena, ou de não falar da cultura e da luta indígena. É que, pra mim, tudo isso já faz parte de quem eu sou. Acho que estou afim de pensar a nossa presença – de pessoas de origem indígena -, como uma presença para mais do que as nossas etnias representam, para mais do que esperam da gente. A gente está construindo, ou tentando construir, uma espécie de pensamento ou teoria de arte indígena que ultrapasse a expectativa de qualquer branquitude, ou qualquer convite feito apenas para ocupar um espaço específico. Acho que não cabe mais à gente, não em 2022; acho que já coube antes, mas agora não cabe mais.”  

“Pra mim, o desafio todo não foi fazer uma exposição sobre o modernismo, mas foi aproveitar uma exposição sobre modernismo para tentar pensar estruturas de um museu”, diz o curador, e completa: “Temos aqui um produto final disso tudo que a gente pode aproveitar pra construir tijolos de um novo tipo de museu, acho que esse é o desafio”.

SERVIÇO

Nakoada: estratégias para a arte moderna
MAM Rio – Av. Infante Dom Henrique, 85 – Rio de Janeiro (RJ)
Em cartaz até 27 de novembro de 2022
Visitação de quinta a sábado, das 10h às 18h; e domingos, das 11h às 18h
Entrada gratuita com contribuições sugeridas (R$ 10 a meia, R$ 20 a inteira)

Talks SP-Arte: confira a programação para a edição de 2022

Silvana Mendes, "Afetocolagens - Reconstruindo Narrativas Visuais de Negros na Fotografia Colonial", Série II, 2022 - PREAMAR. Cortesia SP-Arte.
Silvana Mendes, "Afetocolagens - Reconstruindo Narrativas Visuais de Negros na Fotografia Colonial", Série II, 2022 - PREAMAR. Cortesia SP-Arte.
Silvana Mendes, "Afetocolagens - Reconstruindo Narrativas Visuais de Negros na Fotografia Colonial", Série II, 2022 - PREAMAR. Cortesia SP-Arte.
Silvana Mendes, “Afetocolagens – Reconstruindo Narrativas Visuais de Negros na Fotografia Colonial”, Série II, 2022 – PREAMAR. Cortesia SP-Arte.

A SP-Arte Rotas Brasileiras acontecerá dos dias 24 a 28 de agosto, esta edição vem para substituir a antiga SP-Foto e busca estreitar laços com agentes das cinco regiões do país, assim como esmaecer fronteiras entre o popular e o erudito, e entre o centro e periferia. Como já é tradição da SP-Arte, para a edição Rotas Brasileiras também ocorrerão os Talks, no fim de semana anterior à Feira, no dia 20 de agosto, na Residência HOA.

Localizada na casa onde viveu Ruth Escobar no bairro do Pacaembu, a HOA receberá o público para três mesas de conversa, às 11h, 14h e 16h. As conversas são gratuitas, abertas ao público e serão transmitidas ao vivo e ficarão gravadas no canal de YouTube da SP–Arte, e também no site da HOA. 

A primeira mesa conta com a participação dos artistas Moisés Patrício e Aislan Pankararu em uma conversa sobre como questões de raça e classe estão implicadas na circulação de produções artísticas categorizadas erroneamente como populares ou “naïf”. A mediação é de Ana Beatriz Almeida.

"Madona negra" (2015). Marcela Bonfim. Foto: reprodução Prêmio PIPA.
“Madona negra” (2015). Marcela Bonfim. Foto: reprodução Prêmio PIPA.

O segundo terá a presença de Lázaro Roberto, fundador do ZUMVÍ Acervo Fotográfico – coletivo que surgiu em Salvador nos anos 90 –, e da fotógrafa Marcela Bonfim, cujo trabalho foca nas populações negras da Amazônia. Quem media é Thayná Trindade, integrante da equipe curatorial do Museu de Arte do Rio.

A mesa de fechamento apresenta o primeiro ciclo de ações do Preamar, projeto dedicado à arte contemporânea no Maranhão, realizado entre São Luís e Alcântara, cujo objetivo é de fomentar uma cena de arte sustentável em suas próprias condições locais, mantendo intercâmbio com os grandes centros. O Preamar será representado pela artista Silvana Mendes e Yuri Logrado, da residência artística Casa do Sereio, com mediação de Felipe Molitor, coordenador de conteúdo e programação da SP–Arte.

Em Vila Velha, no Espírito Santo, novo projeto propõe um diálogo entre a arte e a natureza

Inaugurado em 28 de maio deste ano, em Vila Velha (ES), o Parque Cultural Casa do Governador é uma das mais novas iniciativas culturais do País que propõem um diálogo entre a arte contemporânea e a natureza. Conhecido como Parque de Esculturas, ele abriga 21 obras, de artistas capixabas e de outros estados do Brasil, a exemplo da mineira Marilá Dardot, do carioca Alexandre Vogler, do uruguaio radicado em São Paulo Fernando Velásquez e do cearense Narcélio Grud.

Entre esculturas, instalações e site-specifics, os trabalhos foram todos selecionados por meio de um edital público, lançado em 2021, sendo dez deles temporários e 11, permanentes. Ao todo, foram investidos R$ 2 milhões, com fomentos de R$ 40 mil, 100 mil e até 200 mil por projeto, que é orientado e supervisionado pela primeira-dama do Estado, Maria Virgínia Casagrande, com o apoio de seu marido, o governador Renato Casagrande.

Aberto somente às terças e quintas-feiras, com entrada gratuita, o Parque recebe cerca de 200 visitantes por dia. As esculturas temporárias permanecerão no lugar até o fim de maio de 2023, quando então haverá outro edital para seleção de novas obras.

Sob curadoria de Nicolas Soares, também diretor do Museu de Arte do Espírito Santo, o projeto tem três eixos temáticos – ambiental, histórico e artístico –, explorados numa área de visitação com 93 mil metros quadrados, próximo à Praia da Costa. Ali também está instalada a residência oficial do Governo do Estado do Espírito Santo.

“A proposta curatorial passa pela relação entre arte e natureza, paisagem, arquitetura, história e também tecnologia”, conta Soares. “Mas não só num sentido da tecnologia da informação, do universo digital, mas também algo que pode ser ancestral, que traz um entendimento do ambiente, de suas intempéries. E os artistas foram levados a tirar partido disso, com instalações ao ar livre, expostas ao sol, ao vento, à chuva.”

Soares tem o apoio de uma equipe interdisciplinar e interinstitucional, por meio da Fundação de Amparo à Pesquisa e Inovação (Fapes) e Secretaria da Cultura (Secult), com a participação da Universidade Federal do Espírito Santo (Ufes) e do Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia do Espírito Santo (Ifes).

O projeto arquitetônico do Parque ainda está em frase de implementação e, segundo o curador, ainda há muitas frentes de trabalho, de infraestrutura e de tecnologia, que ainda estão sendo construídas. Como, por exemplo, uma nova entrada – a atual ainda é feita pelo acesso oficial do governo –, além de dois mirantes numa parte mais alta do terreno e um auditório para atividades diversas com público. Há também o desejo de se criar galerias permanentes.

Para o curador, o Parque Cultural Casa do Governador cria a possibilidade de acesso a um lugar que já vivia no imaginário do capixaba, e a iniciativa, como um todo, reflete um bom momento da arte contemporânea no estado, em que há um diálogo cada vez mais intenso com o cenário artístico no restante do País.

“Há muitos artistas capixabas circulando fora do Espírito Santo e do Brasil. E, ao abrir um edital público deste porte, e de caráter nacional, nós trazemos, para o acervo do estado, trabalhos do País todo, colocando-nos numa discussão com a arte que fortalece a produção local, ao mesmo tempo em que reforçamos as possibilidades de visibilidade para fora do Espírito Santo”, conclui Soares.

Serviço

Parque Cultural Casa do Governador
R. Santa Luzia, Praia da Costa – Vila Velha (ES)
Visitação às terças e quintas, das 9h às 17h, mediante agendamento por telefone (27) 3636-1032
Entrada gratuita.