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Repetem. É bom lembrar

Fantasmas da esperança, 2018

O golpe militar de 1º de abril de 1964 inaugurou um longo período de autoritarismo, repressão, desmandos e violência no país. Oficialmente, o regime durou 21 anos. Mas seus ecos e consequências se fazem sentir até hoje, intensificados pelos recentes desvios autoritários do governo Jair Bolsonaro, que culminaram com a tentativa fracassada de sublevação e tomada de poder de 8 de janeiro de 2023. O ressurgimento de discursos (e ações) de caráter autoritário acabou por ampliar a dimensão simbólica do aniversário de 60 anos do movimento civil-militar, reforçando ainda mais a importância dos eventos planejados para refletir e tratar dos feitos e efeitos do golpe.

Antes de mais nada, existe uma rede de instituições espalhadas pelo país que tem por função primordial investigar e denunciar os desmandos do período e que planejam ações de peso para este ano, com a realização de exposições, debates e publicações. A esse esforço permanente se somam mostras ocasionais, com forte sintonia com o tema, ou criações poéticas pontuais, esforços de reflexão e arregimentação de conteúdos que ajudam a iluminar, em termos históricos e conceituais, esses momentos de inflexão da história. Concretiza-se assim um esforço prático e construtivo de se rememorar o passado como ferramenta – teórica e política – para que ele não nos assombre permanentemente, combatendo o negacionismo e o recalque.

O Memorial da Resistência de São Paulo, além de dar continuidade a sua programação normal, se espraiará para além de seus limites, realizando eventos em parceria com outras instituições, como sua vizinha Estação Pinacoteca. No terceiro andar do prédio que foi ocupado pelo DEOPS, acontecerá uma ampla mostra da coleção de Alípio Freire, que foi recentemente doada ao Memorial e que reúne uma serie de memórias da luta, da prisão e da resistência produzidos pelo jornalista, artista e militante político. O Memorial também realiza parceria com a PUC-SP, que leva ao espaço do museu a exposição Resistências, uma exposição que conta a trajetória da PUC e trata de momentos importantes de resistência da instituição aos desmandos da ditadura.

O Memorial da Democracia de Pernambuco, instituição inaugurada no final de 2022, também programou uma série de ações rememorativas da data da sublevação. Em primeiro de abril será inaugurada a praça da democracia em Abreu e Lima (PE), mesmo local em que aconteceu o primeiro ato do movimento pelas Diretas Já, e realizado um ato em favor da democracia e repúdio à ditadura. Nos dias subsequentes, serão abertos no novo espaço uma mostra literária e a exposição Arte e Resistência.

Outra instituição cuja trajetória está intimamente ligada ao antagonismo à ditadura – sendo inclusive tombada pelo município e pelo estado de São Paulo como “lugar de memória da resistência” – é o Centro MariAntonia. Em cartaz a partir do dia 19 de março, a mostra “Paisagem e poder: construções do Brasil na ditadura”, se debruça sobre um aspecto fundamental, porém menos elaborado, dos efeitos deixados pelos mais de 20 anos de autoritarismo no País: a forma como os sucessivos governos militares alteraram a espacialidade no país, consolidando um modelo de maior integração regional, instituições muito centralizadas de planejamento e intensificação das desigualdades.

“Eles agiram com mão pesada, impondo um modelo de desenvolvimento a qualquer custo e sufocando muitas vozes”, explica José Lira, diretor do MariAntonia e curador da mostra juntamente com outros pesquisadores convidados e – como ele – vinculados à Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da USP. Trata-se de uma exposição histórica, documental, que se dividirá em quatro eixos principais, que funcionam como camadas de um mesmo processo: a transformação nas cidades e nos modos de morar, com o surgimento das periferias e a generalização das favelas por todo o país; a relação entre industrialização e mineração; projetos de integração e expansão regional, que acabam sendo responsáveis pela prosperidade material do centro-oeste e da Amazonia e consolida no nordeste um modelo agropecuário amparado nas velhas oligarquias; e o desenvolvimento das rodovias, estradas, como forma de promover a integração nacional e exploração dos recursos. Além da mostra, que também conta com uma sala específica sobre São Paulo, serão realizados uma série de eventos, debates, seminários e um intenso trabalho educativo, oferecendo visitas a escolas e universidades, potencializando os efeitos de uma pesquisa que se espraia por muitos temas, como geografia, história, ciências sociais e naturais.

Já o CCBB trará, em suas quatro sedes (São Paulo, Belo Horizonte, Brasília e Rio de Janeiro), a exposição Arte Subdesenvolvida. Segundo o curador Moacir dos Anjos trata-se de uma investigação, a partir do campo da arte e da cultura, sobre os desafios do subdesenvolvimento no Brasil e núcleos importantes da mostra tratam dos efeitos e resistências à violência do golpe e de seu posterior endurecimento, com o Ato Institucional n.o 5, como os textos Eztetyka da Fome, de Glauber Rocha, e Brasil Diarréia, de Hélio Oiticica. Dos Anjos também está preparando para a Fundação Joaquim Nabuco, em Recife, uma mostra histórica sobre o Movimento de Cultura Popular (MCP), que atuou nos primeiros anos da década de 1960, até ser fechado pelo golpe. Serão mais de 60 fotografias e mais de 100 documentos, cartazes, folders, obras de arte, publicações de época etc. pela primeira vez reunidos. Aberta em abril, a mostra permanecerá em cartaz por seis meses.

A conexão entre memória e apagamento, construção e desconstrução de discursos ideológicos que perpassam as mais diferentes dimensões da sociedade não é um campo fértil de trabalho apenas para pesquisadores, mas também para os artistas. Em outubro do ano passado, Rivane Neuenschwander exibiu em São Paulo um conjunto de obras em que revisita memórias e traumas conectados ao uso político do medo, dando continuidade a uma pesquisa que iniciou em 2014 acerca das memórias e temores infantis. Parte dessa pesquisa também será mostrada na grande exposição que a artista deve fazer a partir de outubro, em Inhotim.

Durante muito tempo Rivane colecionou depoimentos de memórias sobre o período da ditadura e algumas dessas histórias foram ressignificadas na forma de trabalhos. “Funciona como um novelo de lá que você vai desenrolando”, conta a artista. Há histórias impressionantes, como a referência à prisão e tortura de nove chineses pouco antes do golpe, acusados de subversão e de tentar “assassinar” o então governador da Guanabara, Carlos Lacerda, com agulhas de acupuntura. Seria risível se não fosse dramático, gerando uma interessante metáfora acerca dos “pontos de tensão” do organismo social brasileiro. Imprensa alternativa, cumplicidade do empresariado com o golpe, perseguição a religiões de matriz africana estão entre os fios que a artista segue, recriando simbolicamente, o que ela chama de “retrato subjetivo do Brasil daquela época”, relembrando que uma violência que reverbera ainda. E não apenas no campo simbólico.

Às vezes a ajuda do acaso também contribui para que o encontro entre índices de memória se transforme em reflexão poética sobre traumas sociais. É o caso, por exemplo, do Juliana Kase. Através de um amigo, chegaram a suas mãos um conjunto amplo de clichês de propaganda do regime militar, que eram distribuídos por todo o país para veiculação de propaganda dos “feitos” do regime. Ela reimprimiu todo esse material e desenvolveu uma longa pesquisa, exibida há alguns anos no Paço das Artes. “A estética vira ética”, sintetizou a artista, enfatizando: “porque mesmo os que não foram vitimados por torturas ou violências praticadas pelo Estado também são vítimas de um condicionamento ideológico e de um embrutecimento das relações humanas sem se dar conta.” ✱


Instituto MariAntonia/mostra Paisagem e Poder

Exposição mostra as marcas da intervenção militar no país, que buscou uma maior integração regional, impondo um modelo de desenvolvimento a qualquer custo e intensificando as desigualdades. A mostra tem quatro núcleos: a transformação nas cidades e nos modos de morar, com o surgimento das periferias e a generalização das favelas por todo o país; a relação entre industrialização e mineração; projetos de integração e expansão regional, que acabam sendo responsáveis pela prosperidade material do centro-oeste e da Amazonia e consolida no nordeste um modelo agropecuário amparado nas velhas oligarquias; e o desenvolvimento das rodovias, estradas, como forma de promover a integração nacional e exploração dos recursos.


Que país é este? A câmera de Jorge Bodanzky durante a ditadura brasileira, 1964-1985/IMS-SP

Exposição reúne produção visual do cineasta Jorge Bodanzky (fotos e filmes) ao longo do período da ditadura. Nela, Bodanzky desconstrói a ideia de progresso propagandeada pelos governos militares e expõe questões fundamentais como a repressão, a violência e a destruição ambiental. Além da exposição, acontece também uma retrospectiva dos filmes do autor de títulos como Iracema, uma Transa Amazônica.


Resistências, na PUC-SP

Exposição no Memorial da Resistência, no Largo General Osório reúne imagens da invasão ocorrida em setembro de 1977 à PUC de São Paulo. Soldados da ditadura comandados pelo Coronel Erasmo Dias invadiram a universidade. Cerca de mil estudantes foram presos, alguns feridos. Nas fotos de Helio Campos Mello acima, estudantes e policiais se enfrentam e, dentro do DCE vandalizado, um soldado mexe e examina documentos.


Sol fulgurante: arquivos de vida e resistência/Estação Pinacoteca

A exposição parte da Coleção Alípio Freire, doada ao Memorial da Resistência em 2023, em diálogo com obras contemporâneas feitas por pessoas em situação de cárcere, além de obras pertencentes a coleção da Pinacoteca de São Paulo e dos coletivos Mulheres Possíveis e Bajubá.

 

Colaboradores da edição #66

FABIO CYPRIANO, crítico de arte e jornalista, é diretor da Faculdade de Filosofia, Comunicação, Letras e Artes da PUC-SP e faz parte do conselho editorial da ARTE!Brasileiros. Cypriano escreve sobre as guerras culturais nas redes sociais e também sobre o filme O Avesso do Céu, da dupla Dias & Riedweg.

MARIA HIRSZMAN é jornalista e crítica de arte. Trabalhou no Jornal da Tarde e em O Estado de São Paulo. É pesquisadora em história da arte, com mestrado pela USP. Nesta edição, Maria escreve sobre os eventos que relembram o golpe de 1964 e entrevista o historiador João Cezar de Castro Rocha.

LEONOR AMARANTE é jornalista, curadora e editora. Trabalhou no Jornal O Estado de S.Paulo, na revista Veja, na TV Cultura e no Memorial da América Latina. Nesta edição, é de sua autoria a matéria a respeito da cidade mexicana de Tijuana.

TALES AB’SÁBER é psicanalista, ensaísta e cineasta, professor de filosofia da Psicanálise na Universidade Federal de São Paulo. Ganhador de dois prêmios Jabutis, Ab’Sáber é autor de, entre outros, Lulismo, carisma pop e cultura anticrítica (Hedra, 2011). Nesta edição, responde ao questionamento do crítico João Cezar de Castro Rocha sobre o seu documentário Intervenção, Amor não quer dizer grande coisa.

JOTABÊ MEDEIROS é repórter e biógrafo, entre outros, do cantor Belchior. Foi repórter de O Estado de S.Paulo e da Folha de S.Paulo, entre outros. Jotabê assina matéria sobre as estratégias de poder e preconceito das igrejas.

Fotos: arquivo pessoal

Um oásis no semiárido nordestino

Juazeiro do Norte, no Ceará, encontra-se em uma região curiosa, no centro do Nordeste, perto das divisas com Piauí, Pernambuco e Paraíba. Ficou de fora das rotas de colonizadores que levavam todo tipo de minerais do Brasil para Europa. Em compensação, o clima permitia o pastoreio e, com isso, uma rica produção de couro.

Essa região forma uma espécie de vale, rodeado por serras e uma floresta, a primeira a ser preservada no Brasil pela Unesco, a Florestal Nacional do Araripe-Apodi, que é administrada pelo Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio).
Ela recebeu e recebe diferentes migrações nordestinas, mas sua maior influência veio da presença do sacerdote católico, nascido em 1844, no Crato, Cícero Romão Batista, conhecido como Padre Cícero ou Padim Ciço.

Expulso da igreja católica tradicional pela sua adesão ao sincretismo e por seu respeito a outras religiões, consideradas como heresias, ele estimulou, junto à população da cidade, a ideia de que em cada casa era necessário ter um altar na frente e um ateliê no fundo. Entendendo por ateliê um espaço para tudo que se refere ao “fazer”. Sejam comidas, máscaras, brinquedos, esculturas, instrumentos musicais, ferramentas. Um educador respeitadíssimo e tido como referência de comportamento social.

Essa talvez seja uma das explicações para a sensação de estarmos no meio de uma sociedade excepcionalmente horizontal, aparentemente parada no tempo, quase pré-industrial. De lá para cá não se instalaram grandes fábricas na periferia e, com isso, não se criou uma classe operária resultante de uma burguesia tradicional, aquela da linha de produção, que bate ponto com cartão. A maioria trabalha nos serviços, na educação, no comércio e no artesanato. É uma sociedade que respeita e cultua os mestres, cidadãos que trouxeram para a comunidade suas histórias familiares de cultura popular.

Em 2003 foi decretada a Lei Tesouros Vivos, que reconhece mais de 120 mestres da região e lhes outorga uma bolsa vitalícia com um salário mínimo, uma espécie de aposentadoria que lhes permite continuar passando sua sabedoria e serem uma referência para os jovens. Dezenas de artesãos oferecem seus trabalhos no Centro Mestre Noza, Associação dos Artesãos de Juazeiro do Norte.
Na Floresta Nacional, o Mestre Galdino, especialista em biodiversidade, conhece tudo sobre animais, plantas medicinais, flores e abelhas e se tornou um dos guias mais importantes da região.

Em Potengi, ao lado da Lagoa de Sassaré, Mestre Antônio Luiz, o mais antigo representante do Reisado do Couro (uma das tradições criadas junto ao Reisado do Congo), nascido em 1957, ensina os rituais para as novas gerações que aprendem a “brincar” com as mesmas máscaras, vestimentas e os entremeios, construídos ainda em 1978.
A lenda do Reisado originalmente é europeia, aqui no Brasil é revisitada nos bairros mais pobres desde o Século XIX, onde, através de “caretas”, máscaras típicas, as crianças se transformam em reis durante as apresentações.

No Crato, o Centro Cultural do Cariri Sérvulo Esmeraldo foi erguido durante a pandemia, inaugurado no dia 1º de abril de 2022 e integra a rede de equipamentos culturais da Secretaria da Cultura do Estado do Ceará. Está instalado um prédio histórico desativado, de cerca de 50 mil metros quadrados, construído na década de 1940 para abrigar o Seminário da Ordem da Sagrada Família de ensino religioso e fechado em 1969. A partir de 1973 funcionou como o Hospital Manoel de Abreu e acabou sendo desativado em 2014.
“O Centro Cultural do Carirí é gerenciado através de uma parceria entre a Secretaria de Cultura do Governo do Ceará, a Secult Ceará e o Instituto Mirante de Cultura e Arte, que entende a necessidade de investir como política pública na educação, na saúde, no território, numa estratégia de sobrevivência onde a Cultura é o resultado de diversas ações estruturais para o desenvolvimento humano”, diz Rosely Nakagawa, diretora do Centro Cultural do Cariri, criou a Galeria Fotoptica com Thomas Farkas em 1979, é curadora e gestora cultural, e foi uma das primeiras curadoras do SESC Pompéia em São Paulo na década de 1980.

O Centro, com apoio da população, de pécnicos e profissionais das universidades, de institutos e associações, tornou-se uma fonte de aprendizado e trabalho para a região. Abriga salas de última geração de rádio, design, ateliês de pintura, desenho e escultura. Possui um espaço totalmente equipado para teatro e shows, o chamado Palco Escola, dirigido por Américo Córdula, que ensina a presença cênica, trazendo a força da ancestralidade, através de performances, do teatro e da dança.
As salas expositivas apresentam hoje três mostras que se relacionam com a história e memória do lugar. Esta é uma intenção clara da diretora do centro e do curador Bitu Cassundé, gerente de Patrimônio e Memória.

A experiência parece ser colaborativa, como deveria ser sempre, abriga artistas e curadores que participaram da construção do centro, como Luiz Santos e Carlos Henrique Soares, que montaram Amostra Prenascimento, com obras criadas a partir de materiais da demolição do prédio antigo.

A exposição do cearense Efrain Almeida, Encarnado, reúne, além das suas tradicionais esculturas, uma sequência de pinturas especialmente desenvolvidas para as comemorações dos dois anos do centro.

O curador de fotografia, escritor e editor Diógenes Moura foi convidado para revisitar a exposição montada inicialmente em 2018, para o Fotofestival SOLAR, realizado na cidade de Fortaleza e que posteriormente foi apresentada no Museu Afro Brasil em São Paulo, adicionando temas como a tragédia nacional provocada pela pandemia de covid-19, as queimadas na Amazônia. Em território caririense, com mais de 300 fotografias, Terra em Transe ampliou o retrato de um país marcado por enormes contradições.

“Para a atualização da exposição no Centro Cultural, a edição foi feita ao lado do fotógrafo Allan Bastos. (…) Terra em Transe é uma exposição feita para magoar, silenciosa, sem piedade a respeito do grande abismo que é o Brasil. Por isso mesmo, cada fotografia necessita de tempo para ser vista. É uma exposição contrária ao mundo da rapidez”.
O Centro Cutural do Carirí é um espaço precioso, que recebe rodas de conversa, piqueniques no seu parque, shows de música ao ar livre, uma iniciativa digna de ser contada e sustentada.

Agradecimentos:
A toda a equipe que nos recebeu, solícita e cheia de histórias para contar. Gente que gosta do que faz. Obrigada Bibiana Belisário, uma das gerentes de comunicação mais competentes que conheci; a Samuel Macedo, nosso motorista, fotógrafo indicado ao Prêmio Pipa; a Pamela Quiros e Aécio Diniz, responsáveis pela futura inauguração da rádio, e a todos os que nos acompanharam. A Rosely Nakagawa, pela sua atuação impecável e pelo convite, e a Tiago Santana, diretor-presidente do Instituto Mirante de Cultura e Arte.

A civilização em disputa

Imagens criadas por Inteligência Artificial usadas nas redes sociais para divulgar a manifestação realizada em fevereiro de 2024 na Avenida Paulista em apoio a Bolsonaro: mescla perigosa e passadista de conservadorismo, fé e patriotismo

O historiador e professor de literatura comparada da Universidade do Estado do Rio de Janeiro, João Cezar de Castro Rocha, dedicou-se a examinar o discurso da extrema direita na tentativa de compreender as razões do movimento, suas estratégias e os caminhos que levaram à radicalização, em todo o mundo e particularmente no Brasil. País que, segundo ele, seria “um laboratório mundial de criação metódica da realidade paralela”. Sintetizada em livros como Guerra Cultural e Retórica do Ódio, de 2021, e Bolsonarismo: da Guerra Cultural ao Terrorismo Doméstico, de 2023, sua análise trata o discurso radicalizado como um processo narrativo e sugere caminhos de interpretação e enfrentamento por meio do diálogo e do afeto. Em entrevista à arte!brasileiros, ele fala sobre as origens e desdobramentos do uso da retórica do ódio, que combina negação absoluta da diversidade, caos cognitivo e criação de uma midiosfera perversa, fortalecendo um discurso autoritário e teocrático de poder.

arte!✱ – A Guerra Cultural é uma das marcas da nossa história recente. Como você define o fenômeno?

João Cezar de Castro Rocha – Vamos pensar juntos. A guerra cultural é uma ponta de lança da extrema direita transnacional e é um movimento muito bem articulado. A ideia central é que, para realmente chegar ao poder, é preciso fazê-lo através da conquista de corações e mentes. Ou seja, através da cultura. Daí a extrema direita no mundo inteiro tem como alvos preferenciais a imprensa livre, a arte e a universidade: instâncias críticas de reflexão sobre a realidade. É uma espécie de leitura enviesada, perversa, do conceito de hegemonia do Antonio Gramsci. Em 1992, Pat Buchanan (que se candidatou às primárias presidenciais do Partido Republicano) surpreendeu o mundo ao dizer em seu discurso que aquela não era uma eleição como as outras: “We are fighting for the soul of America”, diz ele literalmente. A comparação aqui seria com a fala de Michelle Bolsonaro na manifestação de 25 de fevereiro último, na Paulista.

arte! – Eles repetem isso o tempo todo, buscando alimentar essa sensação de novidade, pressão e guerra, para que não abaixem a guarda.

O tempo todo. É uma guerra pela cultura. E isso tem consequências tremendas. Porque, se é uma guerra, nós não estamos lidando com o outro, o diferente, o diverso. Estamos lidando com o inimigo. Numa guerra, só há uma forma de lidar com o inimigo. Eliminá-lo.

arte!✱ – E como nós, vistos como inimigo, podemos combater esse ataque? Qual é o seu método?

Em primeiro lugar, temos que ter consciência de que essa guerra está em curso. Isso é importante porque, por vezes, tudo parece tão delirante, tão afastado da realidade, que nossa tendência é não prestar atenção nos discursos articulados. Aqui, eu creio, entra a minha colaboração. Tenho agora discutido muito a Teologia do Domínio. Não sou teólogo, há muitas pessoas no Brasil que conhece o assunto duzentas vezes mais do que eu. A contribuição que eu tento dar é analisar cuidadosamente o discurso e a tradução do projeto por trás daquele discurso. Trabalho os textos minuciosamente, lendo duas, três, cinco vezes, passo às vezes anos pensando, procurando elos que não são visíveis no primeiro momento.

arte!✱ – Seria quase uma análise literária do fenômeno?

O que eu tento fazer é analisar cuidadosamente os discursos e, como eu tenho uma formação de historiador, procuro sempre contextualizá-los no longo prazo, numa longa duração. A guerra cultural, num primeiro momento, é uma reação à contracultura nos Estados Unidos e também na Europa. Na França, por exemplo, é uma reação a maio de 68. Nos Estados Unidos, ao movimento hippie, mas também aos Panteras Negras. A contracultura, como movimento, acabou sendo assimilada pelo próprio capitalismo que contestava. Mas a contracultura como atitude, afetava a base do sistema capitalista. Abria mão da propriedade privada em todos os níveis, especialmente nas relações pessoais; a contracultura considerava como valor máximo a experiência e não a posse, e não a riqueza. Riqueza significava uma experiência rica e não conta de banco. Ela propunha também uma transformação radical nas relações interpessoais, a maneira como mulher se relacionava com o marido, etc. E a contracultura foi identificada na guerra cultural sobretudo à escola de Frankfurt. E isso tem uma razão concreta: na Segunda Guerra foram para os Estados Unidos os mais importantes pensadores da Escola de Frankfurt: Adorno, Horkheimer, Lowenthal, Herbert Marcuse. Se os primeiros voltaram para a Alemanha, Marcuse ficou na California, na Universidade de San Diego. Você sabe quem ele teve como aluna? Angela Davis! Marcuse escreveu obras que foram absolutamente icônicas e fundamentais para o movimento de 68. De novo, o que eu tento fazer é estabelecer esses elos que são quase narrativos, quase uma forma literária de abordar a questão. Steve Bannon tem um documentário, Generation Zero, que discute a bolha financeira, a crise imobiliária. Você sabe de quem é, para ele, a culpa da crise de 2008?

É da Escola de Frankfurt! Por que essa obsessão? Porque Marcuse, no final dos anos 60 era o inspirador da contracultura, o guru da juventude norte-americana, da juventude em Paris. A guerra cultural parte do princípio de que o que está em jogo, de fato, é uma batalha pela definição da civilização. E há aqui um abraço completo: o que se defende é a civilização greco-romana-judaico-cristã, entenda isso como quiser.

arte!✱ – Branca, masculina, que não questiona a escravidão, o capitalismo, o colonialismo, ou seja, tudo que é preciso questionar não se pode.

Isso. Como disse Machado de Assis, “é mais fácil apreciar o chicote quando se tem se tem o cabo na mão”. Quando ele é empunhado, não quando é recebido nas costas. Mas lembremos que guerra cultural é anterior a expansão do universo digital, através da onipresença quotidiana das redes sociais. Agora, a extrema direita é o grande fenômeno político das duas primeiras décadas do século XXI. E é muito importante reconhecer aqui que a extrema direita chega ao poder, pelo menos pela primeira vez, por meio de eleições livres e democráticas. Bolsonaro venceu as eleições em 2018; em 2016, Trump não ganhou no voto popular, mas venceu no Colégio Eleitoral norte-americano; Viktor Orbán, que era de esquerda na sua juventude – imagina isso – também venceu a primeira eleição na Hungria; Javier Milei obteve 55% dos votos na eleição argentina… O que acontece? A extrema direita compreendeu muito antes do campo progressista o potencial inédito das redes sociais. E esse potencial é a produção de caos cognitivo. Caos cognitivo pelo excesso de informação, não pela sua ausência. E as redes sociais, em relação à questão do tempo, produzem algo que se nós não compreendermos, não seremos capazes de enfrentar.

arte!✱ – É como combater uma hidra, da qual você corta uma cabeça e logo nascem mais três?

Você sabe que eu tenho revisitado o Édipo Rei, do Sófocles. Tenho relido muitos clássicos para pensar a situação contemporânea. Édipo decifra a esfinge. Essa é a referência que sempre fazemos, não é? Mas mesmo decifrada a esfinge, o final do Édipo não é feliz. Não basta decifrar a esfinge, ao contrário do que nós pensamos. A hipótese realmente nova que proponho é a seguinte: isso que nós chamamos de humano, como uma forma de operação de tempo e espaço, não existe sem defasagem temporal. O que caracteriza o humano é a necessidade de uma defasagem temporal entre os seguintes atos: uma ação, a sua transmissão, a sua recepção e a sua posterior interpretação. O que as redes sociais estabelecem realmente de inédito na história da comunicação humana é a promessa de uma impossível simultaneidade. Veja, nas redes sociais, um ato, uma ação, antes de ser concluída, já é transmitida; sendo transmitida, ela já é recepcionada; e muitas vezes a interpretação da ação que ainda não foi concluída impacta o curso da própria ação. Esse eixo de simultaneidade produz um colapso hermenêutico. E veja, não existe a menor possibilidade da experiência estética sem a contemplação. Mas a contemplação é uma forma de retardar o tempo. Quantas vezes, diante de um conto, de um poema, de um quadro, de uma sinfonia, de um balé você tem a impressão de que desliga, fecha os olhos. Você precisa de tempo, não é verdade? Porque aquilo que chamamos de hermenêutica é a ideia fundamental de que entre nós, no presente, e a linguagem do passado – embora seja a mesma – abriu-se um buraco. Não existe mais comunicação imediata, o tempo passou, a defasagem temporal é o que nos faz humanos. O mundo está cada vez mais desumano? Sim, porque nessa vertigem de um tempo simultâneo entre ação-transmissão-recepção-interpretação-impacto, a extrema direita nada de braçada.

arte!✱ – O autoritarismo segue uma lógica de aceitação ou negação pura e simples. É maniqueísmo puro.

Isso, o maniqueísmo é a pura verticalidade, não tem nuance. Não tem defasagem temporal. Tudo é aqui, agora, já.

arte!✱ – Você chegou a ver as artes produzidas por inteligência artificial para divulgar a manifestação do dia 25 de fevereiro na Paulista? Foram criadas a partir de um comando básico. O poder do homem branco e do poder divino sobre essa multidão.

Eu vi. Isso foi inteligência artificial?! É Inacreditável! De fato, praticamente só há pessoas brancas. Impressionante. Olha que loucura, que me dei conta agora. Há dois sinais de trânsito fechados, antes do senhor, e depois todos estão abertos, com o horizonte ao fundo.

arte!✱ – Você indica em seus livros que depois da pandemia a guerra cultural já não é a grande e única arma da extrema direita. Poderia explicar?

João Cezar de Castro Rocha – No princípio, a guerra cultural foi a mais poderosa máquina eleitoral do século XXI. No momento em que o campo progressista ainda não compreendia a engrenagem das redes sociais, a extrema direita produziu o caos cognitivo, inicialmente a partir do negacionismo climático. E depois do revisionismo histórico. Na presença do caos cognitivo só há uma resposta possível: é o puro afeto. Então a guerra cultural permite, paradoxalmente, despolitizar a pólis pela hiper politização do cotidiano. O resultado concreto que ninguém mais discute projetos de pólis. Daí a importância da pauta de costumes, muito favorável para a criação de pânico social. As pessoas presas à pauta de costumes não tratam da redistribuição de renda, da desigualdade, da utopia de um mundo mais justo. Não! Na pauta de costumes é assim: “amanhã, a sua filha na escola vai entrar no banheiro e vai ter um homem”, “amanhã, o seu filho vai receber uma aula de ideologia de gênero etc.

Imagem criada por Inteligência Artificial usada nas redes sociais para divulgar a manifestação realizada em fevereiro de 2024 na Avenida Paulista em apoio a Bolsonaro: mescla perigosa e passadista de conservadorismo, fé e patriotismo

 

arte!✱ – Isso relembra o discurso fake da Damares sobre as crianças vítimas de pedofilia de Marajó, por exemplo.

Já que você falou da Damares, veja esse exemplo de dissonância cognitiva coletiva. Em 2013, a Damares Alves – não tenho nenhuma dificuldade de reconhecer que Damares é muito carismática e adorada em certas comunidades evangélicas –viajou o país inteiro como assessora da Frente Parlamentar Evangélica para denunciar a existência do “kit gay”, que nunca existiu. Em 2018, Bolsonaro lança mão dessa denuncia e é como se ele passasse a existir. Em outras palavras, quando uma dissonância cognitiva é tornada coletiva e milhões de pessoas a abraçam, ela se torna real. É como diz Freud ao discutir o erro e a ilusão: o erro é o equívoco objetivo, a ilusão é um equívoco, mas é sobretudo a projeção de um desejo. Se eu projeto meu desejo e esse desejo é também projetado por 58 milhões de pessoas, ele deixa de ser equívoco e se torna realidade política objetiva. O “kit gay” que nunca houve passou a existir e foi importante na campanha de 2018. Todo meu trabalho consiste em tentar entender como é que, discursivamente, do ponto de vista retórico, a extrema direita consegue, em primeiro lugar, transformar o erro em ilusão. Isto é, capturar o desejo. Em segundo lugar, como consegue transformar a ilusão em ilusão coletiva. E como isso pode ser feito? Por meio das redes sociais.

arte!✱ – É quase um diagnóstico psiquiátrico, não? Podemos recorrer a vários autores que pensam os efeitos dessa modernidade para ajudar a refletir sobre esse caos cognitivo?

É, é uma questão psíquica muito difícil. Há muitos pensadores que atribuem à introdução de poderosos novos meios de comunicação transformações de caráter antropológico a longo prazo. Raymond Williams – importante crítico cultural britânico e um dos criadores do Cultural Studies – tem um livro pouquíssimo conhecido no Brasil, On Television. No início desse livro, ele fala algo muito impressionante. Segundo ele, as pessoas pensam que um novo meio de comunicação é apenas uma outra forma de armazenar e transmitir dados. Ele diz que não, que eles podem alterar profundamente a percepção da realidade. E que, portanto, têm consequências antropológicas imprevisíveis. Veja, você tem toda uma geração entre os dez e vinte anos, que passa de dez a 12 horas por dia com o celular nas mãos, você entra no metrô e as pessoas não se olham; você vai no restaurante e há casais que não conversam. Pela primeira vez na história da humanidade há um meio de comunicação que pode estar 24 horas por dia, sete dias por semana sendo usado. O livro não era assim, a televisão não era assim, o cinema nunca foi. Agentes sociais, no universo digital, têm uma capacidade extraordinária de nos manter reféns no seu interior. É a primeira vez que um meio de comunicação realiza isso. Nós precisamos começar a pensar nas consequências antropológicas desse fato. Uma consequência antropológica fundamental é que a arte e a literatura tornam-se absolutamente excepcionais, algo à parte, porque tanto a leitura literária quanto a contemplação estética dependem de uma outra fruição do tempo.

arte!✱ – Ou seja, também o desejo utópico de universalizar a arte é derrotado?

Completamente. Por exemplo, nessas duas imagens que você mostrou é uma espécie de retrocesso inacreditável a uma concepção ou beletrista de literatura ou academicista de arte. É curioso pensar até que ponto a extrema direita tem uma compreensão muito aguda dessa transformação e a utiliza. Porque, em boa medida, a guerra cultural da extrema direita é um braço avançado do neoliberalismo selvagem que vivemos hoje, neoliberalismo que enfrenta pela primeira vez de maneira concreta a necessidade de reconhecer que os recursos naturais não são ilimitados, como se acreditava.

arte!✱ – Vamos falar novamente de Brasil. Além desse tempero novo das redes sociais, temos outra especificidade que é esse eterno regresso à questão da ditadura militar e a força do neopentecostalismo. Você chega a ver um certo enfraquecimento da guerra cultural?

Isso é um pouco a hipótese básica do meu último livro. Desde a campanha, até o início de 2020, o governo Bolsonaro é o governo da guerra cultural. Isto é, uma máquina de produzir narrativas que, com base em “fake news” e teorias conspiratórias, inventa constantemente inimigos que devem ser eliminados. E isso mantém a militância permanentemente mobilizada. A guerra cultural é uma poderosa máquina eleitoral, porque é uma poderosa máquina narrativa de radicalizações: o bem e o mal, o justo e o ímpio etc. Me parece que, com a pandemia, algo de fundamental se quebrou. Porque, no princípio, a reação – tanto nos Estados Unidos quanto no Brasil, Trump e Bolsonaro – era de ou minimizar ou negar a pandemia. No Brasil, a Carla Zambelli teve a coragem de difundir uma “fake news” de que os caixões eram enterrados com pedras e não com corpos. E os bolsonaristas disputavam narrativas sobre a origem do vírus, sobre o número de mortos, sobre estatísticas, como se fosse apenas mais um meme. Acontece que houve um momento no mundo inteiro em que os mortos da covid deixaram de ser números. Eles passaram a ser rostos: o meu primo, um parente próximo, um amigo de infância. Os mortos deixaram de ser disputáveis enquanto objeto narrativo, porque passaram a nos afetar a todos. Quando isso acontece, a guerra cultural ela perde muito na sua vigência, porque não é possível transformar a vida em simples disputa narrativa, especialmente quando morre o seu pai, o seu irmão… Há limite para o caos cognitivo.

arte!✱ – De certa forma, estamos vendo a mesma coisa e na Palestina, não?

É isso! Há um limite para a disputa narrativa e o limite é aquilo que nos tornou humanos: a consciência da finitude. Porque a extrema direita é tão perversa, mas tão inteligentemente perversa, que viceja porque se apropria de duas características diferenciais da condição humana. Veja, se nós falamos de humano, nós necessariamente falamos em narrativa. Não existe um grupo humano contactado por antropólogos que não tenha uma forma especial de descrever um mundo, de descrever a si mesmo, a origem das coisas. É a narrativa como a essência mesmo do humano. Em segundo lugar, a finitude. Quer dizer, a consciência que nós temos de que somos, sim, seres para a morte. A extrema direita lança mão das duas coisas de maneira muito perversa. Na pandemia, a finitude falhou. A guerra cultural deixou de ser a disputa de narrativa e se transformou em forma de vida. Não basta disputar narrativas sobre o número de mortos, é preciso tomar kit cloroquina. Não basta a narrativa sobre caixões enterrados com pedras, é preciso usar máscara de maneira deliberadamente equivocada, na testa, no queixo e nunca nas vias respiratórias. A guerra cultural foi perdendo lugar para a vida.

arte!✱ – Pela própria radicalidade ela se supera?

Isso. Ela passa a ter caráter religioso.

arte!✱ – Chegamos aos adoradores de pneus…

E aos que buscam socorro nos alienígenas. Você lembra que eles colocavam o celular na horizontal sobre a cabeça? Você sabe por que? Porque, se estivesse na vertical como é que os alienígenas iam ler o pedido de SOS?! Dissonância cognitiva na veia. Aconteceu o mesmo nos Estados Unidos. O apoio agora é menos a adoração de um mito político e mais a veneração ao líder religioso. A revista The Economist publicou uma matéria no início do ano dizendo que a maioria dos apoiadores de Trump acredita que ele é escolhido de Deus.

arte!✱ – De certa forma isso aconteceu na manifestação da Paulista, inclusive com essa passagem de bastão de bolso de Jair Bolsonaro para Michelle Bolsonaro?

Sim. Uma coisa muito sintomática: muitos deputados e ex-ministros foram barrados. Não subiram no trio elétrico Mário Frias, Ricardo Salles, Júlia Zanatta, Carla Zambelli, Bia Kicis, Osmar Terra: todos os que são radicalmente bolsonaristas do ponto de vista da guerra cultural. Os que subiram tem uma associação mais forte com o neopentecostalismo, com a religião. A fala da Michelle Bolsonaro é flagrantemente inconstitucional, porque propõe a submissão do estado laico à religião. Se trata da submissão do estado e das políticas públicas à doutrina que ela defende. E você percebe que chega um momento em que a guerra cultural não dá mais conta, porque a categoria que ela trouxe para tratar disso é categoria do mal. O mal é uma questão fascinante, que está na origem de Crime e Castigo de Dostoiévski. É fundamental nos Irmãos Karamazov também. Como compreendê-lo na sua essência, na sua radicalidade? É uma questão filosófica, literária e teológica. O mal enquanto categoria não cabe na política. Porque a política é a arte na pólis de negociar diferenças. Trazer a categoria do mal para a política é negar a política radicalmente. É dizer que o que se deseja é um estado que tenha caráter teocrático e vocação fundamentalista. É a guerra cultural transformada finalmente em batalha espiritual. Não é uma ameaça pequena.

arte!✱ – E como fica a arte nessa batalha?

Ninguém sabe a resposta. O que eu tenho pensado é que nós precisamos de uma perspectiva dupla: a curto e a médio e a longo prazo. O que vou dizer agora não é compreendido por muitos, mas é a vida. Eu quero muito poder em breve dialogar com bolsonaristas numa mesa. De preferência, como dizia Deleuze, numa mesa redonda, que é a mesa própria da filosofia. A médio e longo prazo, a educação, a arte e a literatura serão incontornáveis. Mas a curto prazo, para que o médio e o longo prazo sejam possíveis, para que a perspectiva generosa tenha tempo se desenvolver, eu só vejo uma alternativa: o rigor da lei. Se não houver uma punição rigorosa para os articuladores do golpe, financiadores, policiais militares, generais que agiram por ação ou omissão, nós voltaremos ao eterno dilema da memória mal resolvida da ditadura militar de 1964. Isto é, como os militares nunca foram punidos porque impuseram uma chantagem para permitir a redemocratização, a anistia de agosto de 1979. Se isso se repetir agora, eles retornam muito mais fortes em 2026. Sem essa perspectiva rigorosa, o delírio da extrema direita bolsonarista não conhecerá o ponto fundamental para a sua superação, que é o choque de realidade! Os que estão agora enfrentando penas gravíssimas, compreenderam da maneira mais traumática possível, que o mundo não se limita ao WhatsApp.

arte! – Uma história que me trouxe esperança foi a do terraplanista que, por meio de uma experiência pessoal, descobriu que a terra é redonda. Será que os bolsonaristas com quem você se sentaria à mesa têm essa perspectiva de superação por diante?

Isso, também fiquei inspirado! Quanto aos bolsonaristas, devo me expressar melhor aqui. Proponho que façamos uma distinção entre eleitores de Bolsonaro e bolsonaristas. Bolsonarista é alguém que, por exemplo, idolatra Carlos Brilhante Ustra, que é machista, homofóbico, transfóbico, que não tem nenhuma preocupação com a igualdade em nenhuma instância e que sempre aposta na lei do mais forte. Por isso, é defensor ardoroso do armamentismo. Com essas pessoas, é muito difícil pensar em diálogo, porque praticamente só há diferenças. E não há necessariamente por parte dessas pessoas interesse algum de escutar algo que não seja o espelho das suas convicções. Mas eu creio que nos 58 milhões de votos que o Bolsonaro recebeu no dia 30 de outubro de 2022, que nem sequer 20% se encaixa nessa categoria. E digo com base em algo bem concreto. O momento de maior declínio da popularidade de Bolsonaro durante a pandemia, ele caiu justamente a 20% de aprovação do eleitorado, quando o apoio neopentecostal se tornou decisivo para que ele mantivesse alguma possibilidade política ainda. E eu diferencio esse bolsonaristas do eventual eleitor do Bolsonaro. Este é alguém descontente com o sistema, ou antipetista radical, ou alguém cujo cotidiano efetivamente não melhorou muito nos últimos anos. Porque há uma dificuldade real no cotidiano das pessoas mais vulneráveis no Brasil. Com estes, creio, é possível conversar. Conversar, no entanto, não quer dizer que eles se tornarão eleitores de esquerda. Eles têm todo o direito a serem de direita, de centro, liberais. O problema só surge quando o diálogo se torna inviável pela pretensão do outro de eliminar tudo o que não seja o espelho. Mas vou repetir: para que seja possível no curto prazo, a perspectiva rigorosa é rigorosamente indispensável. Especialmente num país que tem uma memória tão mal resolvida da ditadura militar, um país que não foi capaz – mesmo na redemocratização – de julgar os crimes cometidos pelas forças armadas durante a ditadura. Nesse sentido uma anistia hoje, em 2024, apenas reforçaria a tendência golpista e autoritária dessas mesmas forças armadas e de todos os civis que apoiaram ativamente a articulação golpista.

arte!✱ – Gostaria também de saber como você decidiu embrenhar-se nesse acompanhamento das redes, da midiosfera bolsonarista.

Como historiador de formação, sempre me interessei muito pelo período militar. E li muito sobre o tema. Além disso, na minha universidade, duas colegas que eu sempre respeitei muito pela inteligência, pela correção, pela integridade, começaram a partir de 2017 a enviar mensagens que eu considerava curiosas. Para resumir a história, se tornaram bolsonaristas radicais, o que me surpreendeu muito. Então comecei a me interessar para tentar compreender o fenômeno, como essas pessoas tinham se deixado enredar de maneira tão intensa por teorias conspiratórias tão obviamente equivocadas.

arte!✱ – Você sempre fala que se prometeu não adoecer. O que isso quer dizer?

Esse ponto de não adoecer para mim foi muito importante. Eu não tinha redes sociais, não tinha nem Twitter nem Instagram. Tinha apenas Facebook. Ingressei nos dois em fevereiro de 2020 e comecei a estudar mais a profundamente a guerra cultural. Quando achei que tinha alguma compreensão do que estava acontecendo. decidi começar a participar do debate público mais ativamente. Tomava como um compromisso cívico de decifrar a esfinge bolsonarista. De fato, inicialmente foi uma esfinge, porque não se compreendia exatamente como o homem tão obviamente limitado do ponto de vista cognitivo, do ponto de vista de conhecimentos básicos, como era possível que ele empolgasse a um número tão grande de pessoas, que o viam literalmente como um líder, um mito. Então havia esse desejo inicial de compreensão e esse desejo, uma vez que eu ingressei nas redes sociais, para mim era muito importante não permitir que eu começasse a ter o mesmo comportamento. E creio que muitos companheiros de esquerda nem sempre conseguiram com sucesso evitar o que eu chamo desse adoecimento, ou seja dessa forma necessariamente agressiva, violenta, da incapacidade de escutar o outro, da incapacidade de aceitar que alguém discorde da sua opinião. Ou seja, essa radicalização, esse desejo de reduzir o mundo a espelho, que em última instância a extrema direita realiza. E é curioso, porque a extrema direita tem muitas afinidades estruturais com o próprio universo das redes sociais. Em alguma medida, a operação do algoritmo é a própria visão do mundo da extrema direita. ✱

As milícias da fé, uma estratégia de poder & preconceito

A onipresença de bandeiras do Estado de Israel em uma manifestação recente da extrema-direita na Avenida Paulista, em São Paulo, surgiu como a confirmação de um fenômeno em expansão: a confusão teológica e o charlatanismo bíblico como estratégias de combate ideológico e político. Naquela ocasião, duas mulheres com bandeiras de Israel nas costas, abordadas pelos repórteres, responderam da seguinte forma à questão “Por que vocês estão com Israel?”: “Porque são cristãos como nós”. Na verdade, os cristãos representam apenas 1,9% da população israelense, sendo que os judeus representam cerca de 83% do povo de Israel. Cristo não é reconhecido como o Messias por Israel. Ou seja: Israel não é cristão.

A escalada dessa esquizofrenia que cresce misturando deliberadamente credos e crenças híbridas, que se escora na demonização do outro, no expurgo e na censura para mover perseguições de fundo político, cultural, social e antropológico se dissemina com assombrosa velocidade pelo País e pelo mundo. Não é absolutamente coincidência que, há alguns dias, o ex-presidente norte-americano Donald Trump tenha lançado estrepitosamente a sua própria versão da Bíblia, apelidada de Deus Abençoe os USA, nos Estados Unidos. Em plena campanha pela reeleição, Trump aposta nessa reiteração gospel da supremacia white power para seguir semeando o terror na política internacional. Ato contínuo, o setor de estudos teológicos de Harvard publicou uma alentada análise da estratégia do “Evangelho” de Trump, lembrando que, num passado recente, pastores protestantes utilizaram a Bíblia como forma de ameaçar pessoas negras escravizadas que se rebelassem contra seus algozes. Em 1749, o reverendo Thomas Bacon, um pastor anglicano de Maryland, celebrou um sermão no qual dizia que os escravizados deveriam glorificar seus mestres brancos como se fossem “Superintendentes de Deus”.

No Brasil, a ressonância dessas estratégias já se faz ver desde o avanço da Bancada da Bíblia no Congresso (já com duas centenas de congressistas) até o território da cultura de massas. Chamou atenção o recente embate entre as cantoras Ivete Sangalo e a evangélica Baby do Brasil durante o Carnaval de Salvador, o famoso episódio do “macetar o apocalipse”. E, mais adiante, o embate prosseguiu com a cantora evangélica Claudia Leitte que, também sob argumentos de zelo religioso, mudou ao vivo uma letra de música (também no Carnaval) para promover um “expurgo” de um ícone dos cultos afro. Na música “Caranguejo”, que tem 20 anos de existência, Claudia – que enriqueceu cantando a tradição afro na Bahia – mudou um trecho da letra e substituiu Iemanjá por “Yeshua”, nome de Jesus em hebraico. E o veto ao uso do Estádio do Maracanã, no Rio de Janeiro, para a turnê de Caetano Veloso e Maria Bethânia, revelado recentemente, opõe duplamente liberdade de expressão e política: o boicote partiu do governador Cláudio Castro, ex-cantor gospel e evangélico que se fez na política sob o guarda-chuvas da fé.

O patíbulo móvel em que se assenta a intolerância religiosa e cultural, ao longo da História do Brasil (e do mundo), promoveu no passado (e segue promovendo) o etnocídio, tornando-se base do extermínio de povos originários. Depois, consolidou-se na perseguição crescente aos cultos de origem africana no Brasil. Alastra-se pelos territórios comportamentais, sitiando gays, mulheres, negros, transgêneros e dissidentes de toda espécie, como os artistas e as manifestações culturais. Arte! Brasileiros publica nesta edição textos que remontam às raízes históricas dessas guerras, buscando esclarecer como as milícias da fé agem – com o beneplácito dos extremistas alocados na ordem política.
Há casos recentes que ilustram como a intolerância religiosa busca se abrigar nas instituições do Estado brasileiro. Em 2021, arte!brasileiros denunciou com exclusividade uma insidiosa manobra no interior do Instituto Brasileiro de Museus e do Iphan: a tentativa, por parte de um representante do extremismo neopentecostal abrigado no governo Bolsonaro, de sabotar a catalogação e o preparo de uma coleção histórica de objetos históricos da cultura afro brasileira – o Acervo Nosso Sagrado.

Manifestação em solidariedade ao povo palestino, Londres, outubro de 2023

A sociedade indiferente pode acabar vitimada por sua inércia. O Brasil é um País laico, a Constituição protege todas as manifestações religiosas e há liberdade de culto. É preciso denunciar e reagir. A denúncia de arte!brasileiros acerca do caso de sabotagem do Acervo Nosso Sagrado teve repercussões positivas da parte da sociedade civil. O IPHAN, atendendo a um pedido do Museu da República, adotou oficialmente o nome da coleção como Nosso Sagrado (sua denominação anterior, cunhada pela Polícia Civil, era Coleção de Magia Negra). Em 2023, o ministro dos Direitos Humanos e da Cidadania, Silvio Almeida, assinou um convênio com o Museu da República para promover um levantamento de todos os processos no Brasil de apreensão de objetos de cultos afro-brasileiros. Também foi constituída uma gestão compartilhada (a primeira no país) entre o museu e lideranças religiosas de matriz africana (lideradas por Mãe Meninazinha, do Ilê Omolu Oxum, em São João do Meriti). Agora, o pesquisador e ex curador do Instituto dos Pretos Novos, Marco Antônio Teobaldo, está fazendo uma tese pioneira de mestrado (orientado por Mario Chagas, diretor do Museu da República), sobre Museologia de Terreiro, para atualizar a academia sobre a importância para o patrimônio histórico e imaterial dos terreiros. Ele próprio é iaô (filho de santo) do Ilê Omolu Oxum, e já teve outros convênios do Ilê com a faculdade de museologia da Unirio. E, recentemente, em congresso internacional de museus, na Sicília, ele incluiu no documento final do evento a Museologia de Terreiro. A importância disso é o reconhecimento técnico, da parte da museologia, de que não se pode pegar uma peça de terreiro, um artefato sagrado de culto ancestral, e tratá-la com os métodos convencionais europeus: colocar em uma vitrine, classificar e restaurar a partir dos parâmetros tradicionais da museologia. É um avanço significativo.

Os cultos afro têm sido alvo do ódio religioso há séculos, e esse ódio está se renovando nas hostes neopentecostais. Há alguns dias, em Sepetiba, na Zona Oeste do Rio, fiéis do Centro Espírita Ogum Beira Mar encontraram seu terreiro de umbanda revirado e com imagens de santos quebradas, uma ação que vem se repetindo constantemente. Não é uma exclusividade brasileira: há intolerância por todos os lados. Muitas vezes, o medo é aliado dos obscurantistas, como no caso recente de uma universidade no Texas, em Houston, que cancelou a palestra da artista paquistanesa Shahzia Sikander, devido a ataques que ela sofreu por uma escultura de arte pública chamada de Witness, uma figura com chifres de bode e braços tentaculares. Um grupo de extrema direita texano acusava a figura de fazer o elogio de “imagens satânicas”.

Ao avanço do obscurantismo, é preciso responder com informação e ação legal. As trevas sempre se valeram de uma aliança com a violência para chegar ao seu objetivo, que é sem dúvida o estabelecimento de uma teocracia, um Estado teocrático, dogmático e autoritário. Assistimos agora à emergência de uma corrente “evangélica” do tráfico de drogas, o chamado “narcopentecostalismo”, reivindicando protagonismo nas comunidades e morros do Rio de Janeiro. A associação mística entre evangélicos e os símbolos israelenses também se pronuncia nesse contexto – existe até uma área batizada como Complexo de Israel por uma facção criminosa. Complexo de Israel é como está sendo chamado o conjunto de favelas dominadas pelo traficante Álvaro Malaquias Santa Rosa, conhecido como Peixão, que domina as áreas de Cidade Alta, Vigário Geral, Parada de Lucas, Cinco Bocas e Pica-pau. Ali vivem cerca de 134 mil pessoas. Investiga-se ainda a expansão da quadrilha para duas localidades que nunca foram dominadas por traficantes: a Estrada do Porto Velho e a Rua Lyrio Maurício da Fonseca, na região de Brás de Pina.

A teóloga Romi Bencke, que é pastora da Igreja Evangélica da Confissão Luterana no Brasil, aponta uma clara polarização em torno da imagem bíblica do Deus da Guerra (ou Deus dos Exércitos), uma imagem que sacraliza a subjugação de um povo sobre o outro e a limpeza étnica; uma anti-imagem do sagrado, contrária à vida, porque autoriza bombardeios, censura e interdita qualquer tentativa de paz. “Há uma tendência de avanço de uma cultura religiosa menos aberta em relação a comportamento, artes e aceitação de outras religiosidades. Isso é perceptível no Brasil por meio de um cristianismo cada vez mais autocentrado e fechado para acolher as novas agendas de direitos humanos e diversidade cultural e religiosa. O moralismo está se sobrepondo à capacidade de acolher, sem censuras prévias, as diferentes manifestações da criatividade humana”, analisou Romi. “Em outros países, como a Índia, vemos o mesmo, só que na versão hinduísta. Penso que, se o Estado brasileiro compreendesse melhor o sentido da laicidade garantida na Constituição, seus agentes poderiam ter um papel relevante na garantia do convívio entre diferentes visões de mundo. Infelizmente, no entanto, os governos tendem a estabelecer uma relação utilitarista com grupos religiosos, tendo como horizonte apenas os possíveis ganhos eleitorais. Isso tanto por parte de partidos que se apresentam como de esquerda ou progressistas, quanto por partidos de direita e extrema direita”.

A censura também se expande. Na esteira da hegemonia informacional, passou-se a fustigar artistas que porventura se expressassem criticamente sobre o conflito em curso no Oriente Médio, particularmente se fosse de forma desfavorável ao Estado de Israel. Atentados contra a livre expressão passaram a ser corriqueiros. Em novembro, o venerável artista chinês Ai Wei Wei teve exposições suas em Londres, Nova York e Paris suspensas após questionar em uma rede social os argumentos da guerra. Outros artistas, como a atriz Susan Sarandon e o cantor Roger Waters, perderam agentes e contratos por causa de sua atitude crítica.

Mas é difícil tapar o sol com a peneira. Na noite dos Oscars de Hollywood, no início de março, superastros da música e do cinema, como Billie Eilish e Mark Ruffalo, ostentavam broches vermelhos em apoio a um cessar-fogo na Faixa de Gaza. Havia protestos também do lado de fora do Kodak Theater, um dos lugares onde a cerimônia dos Oscars era realizada, com centenas de manifestantes pedindo o fim do massacre. E, ao receber seu prêmio de Melhor Filme Estrangeiro, o britânico Jonathan Glazer, o diretor de Zona de Interesse, filme baseado em uma história do campo de concentração nazista em Auschwitz (baseada em romance de Martin Amis), também chamou atenção para o massacre no Oriente Médio. Subindo ao palco com o produtor James Wilson, Glazer, que é judeu, afirmou: “Todas as nossas escolhas são feitas para refletir e nos confrontar com o presente. Não só para dizer ‘olha o que eles fizeram’, mas também ‘olhem para o que estamos fazendo agora’. Nosso filme mostra que a desumanização nos conduz para o pior”, disse. ✱

Tijuana: violência & cultura

 

A música de protesto Canción Sin Miedo, de Vivir Quintana, trouxe energia ao início da concentração da Marcha das Mulheres em Tijuana, México, no último dia 8 de março. Na voz da cantora local Giuliana, violão em punho, a mensagem contundente da compositora ressoou como um chamado. Com versos como “cada minuto, de cada semana / nos roubam amigas, nos matam irmãs / Destroçam seus corpos, os desaparecem”, Quintana denuncia as injustiças e violências enfrentadas pelas mulheres. Sua música é um chamado à ação e à memória, convocando os políticos e a sociedade a reconhecerem e combaterem essa realidade brutal. Giuliana se diz indignada e está na marcha pelo direito à vida, pela busca incansável das crianças que desaparecem todos os dias, pelas mulheres que são silenciadas e por aquelas que já perderam suas vidas. “Aqui as pessoas cometem crimes e simplesmente escapam impunes, ninguém é responsabilizado”. A canção de Quintana é uma carta de alerta à população e, por isso tornou-se um hino presente em várias manifestações.

Em outro ponto da concentração, encontro uma voz firme e decidida: a ativista e atriz de teatro, Adriana Millanés, que é parte integrante da Fundação Manos Entrelazadas. Esta instituição, há 17 anos dedica-se incansavelmente à prevenção do abuso sexual infantil e da violência intrafamiliar. Adriana, com uma determinação inabalável, destaca: “Aqueles que negam a existência desse problema são, sem dúvida alguma, cúmplices da discriminação e violência contra as mulheres”. Ela compartilha uma estatística alarmante: 1.426 mulheres desapareceram apenas nos primeiros dois meses e meio deste ano. Em um dia significativo para a manifestação, como o Dia Internacional da Mulher, ela ressalta que as pessoas estão nas ruas porque não aceitam mais essa situação. No entanto, ela lamenta que, no dia seguinte, 9 de março, tudo permanecerá inalterado, destacando a contínua crise enfrentada pelas mulheres no México. Após a marcha, Adriana Millanés segue para seu trabalho, subindo ao palco da Antiga Bodega de Papel, um renomado teatro local, onde atua na icônica peça de Eve Ensler, Os Monólogos da Vagina. Assim, após lutar nas ruas, ela continua sua missão de conscientização e empoderamento por meio da arte.

Converso com Ana Hernandez, professora de uma escola elementar que diz ter a esperança de que, ainda este ano, o México tenha uma presidenta que diminua a violência no país. “É um momento especial em nossas vidas, eu acredito na determinação de uma mulher e no seu compromisso de executar o prometido”. A eleição está marcada para 2 de junho e estão no páreo, a ex-prefeita da Cidade do México, Claudia Sheinbaum, líder com 50,5% das intenções de voto, do mesmo partido (Morena) do presidente Andrès Manuel López Obrador. E a senadora Xóchitl Gálvez, com cerca de 28,8% das intenções de voto. O único homem é Jorge Álvarez Máynes, sem chances na competição com apenas 4,8% de intenção de votos.

Tijuana enfrenta um desafio significativo: o constante fluxo de uma população em movimento, que atravessa a cidade em uma tentativa desesperada de cruzar clandestinamente a fronteira. Muitos buscam emprego nas Maquiladoras, indústrias que contratam trabalhadores por períodos flexíveis – uma hora, uma semana ou um mês – dependendo da demanda. É uma dança frenética de oportunidades e incertezas, onde alguns se estabelecem temporariamente, enquanto outros insistem na busca pelo tão almejado sucesso na travessia da fronteira. Esses indivíduos, enraizados na esperança, constroem uma comunidade vibrante e diversificada em Tijuana. Com seus 130 anos de história, Tijuana se destaca como um centro pulsante, abrigando uma população impressionante de três milhões de habitantes.

Os homens não participam da Marcha, ficam intimidados por sua segurança. Um repórter fotográfico foi atingido por manifestantes com tintas e teve que se retirar. No todo, a manifestação foi controlada, embora um grupo de mulheres vestidas de preto, com rosto coberto portassem nas mãos martelos e tacos de basebol. Com palavras de ordem, entre outras, “Somos más e podemos ser piores”, “Nem uma Mais”, o movimento cumpriu seu propósito. Um dos feitos de impacto foi a exposição de fotos e xerox, na praça das Tijeras (tesouras), dos rostos de estupradores, agressores e exploradores, em cuja lista apareciam professores, padres, políticos, e parentes das vítimas.

Mesmo com seus problemas Tijuana atrai mexicanos de outros estados e latino-americanos de vários países. Ranqueada como a segunda metrópole mais populosa do México é considerada a porta da América Latina. Como uma cicatriz que não fecha, a cidade é cortada por um muro de mais de 700 quilômetros que divide e atravessa também outras cidades. Enquanto os banhistas tentam relaxar na praia de Tijuana, o abominável muro se ergue imponente, dominando todos os ângulos da paisagem e avançando pela areia por mais de cem metros em direção ao mar.

Ao contrário do que ocorria no litoral na Alemanha Oriental, na época da Guerra Fria, onde guardas armados portando binóculos potentes tudo observavam, em Tijuana a vigilância é praticamente monitorada por drones. Parte do muro foi erguido ou restaurado durante o governo de Donald Trump, e outros trechos foram levantados a partir de 1991.
Nas últimas décadas, o governo mexicano colocou em prática um projeto cultural ambicioso, visando amenizar o estigma negativo de Tijuana e apresentá-la também como cidade voltada às artes. Entre outras iniciativas surge o Salão Internacional de Estandarte (1996), idealizado por Marta Palau que participou da 19ª Bienal de São Paulo de 1987, e que depois o transformou em Bienal. Ainda com esse propósito surge InSITE, uma exposição internacional criada pela Intersection Gallery de San Diego, California e que acontecia simultaneamente no Centro Cultural Tijuana (México), construído com um projeto arrojado, dentro desse programa de reestruturação, e inaugurado em 1982. Na opinião de Roberto Rosique artista, crítico, professor e membro do conselho curador da Trienal de Tijuana, InSITE foi impulsionado pela visão empresarial de Michel Krichman y Carmen Cuenca, com recurso do Conselho Nacional para a Cultura e as Artes (Conaculta), além de empresários norte-americanos. Para legitimar o projeto foram convidados artistas e curadores internacionais. Os críticos brasileiros Adriano Pedrosa, curador da Bienal de Veneza 2024, e Ivo Mesquita, ex-diretor da Pinacoteca do Estado, foram curadores desse evento em edições diferentes.

Com o objetivo de fomentar e promover a arte local, além de estimular o intercâmbio internacional na cidade, Álvaro Blancante, renomado crítico de arte mexicano, foi um dos visionários na concepção da Trienal de Tijuana: 1. Internacional Pictórico, de 2021. Embora não tenha testemunhado sua concretização, tendo falecido em 2021, o projeto floresceu. A segunda edição, que está sendo trabalhada sob a minha curadoria geral, será inaugurada no dia 26 de julho deste ano. O evento contará com a presença de artistas consagrados e emergentes ajudando a Trienal de Tijuana a se consolidar como um marco importante no calendário cultural da região, reafirmando o compromisso da cidade em celebrar e promover a arte em todas as suas formas, com a participação de artistas representando 15 países diferentes.

A universidade, a censura e os cancelamentos

Por Tâmara Abreu

Os cancelamentos a obras literárias e a obras de arte em geral estão em pauta dentro e fora do Brasil. Até aí nenhuma novidade. A censura já levou Flaubert e muitos outros escritores aos tribunais de acusação em diferentes épocas na história da humanidade. As causas e os modos de aplicar a censura vão ganhando novos contornos conforme o tempo e o contexto de produção, recepção e circulação dessas obras. Uma das reações mais interessantes aos ventos proibitórios atuais foi a inauguração, em outubro de 2023, do Museo del Arte Prohibido (Museu da Arte Proibida) em Barcelona. Trata-se do primeiro espaço museológico cujo acervo é composto só por obras de arte censuradas e proibidas ao longo da história. São mais de 200 obras, entre as quais estão Picasso, Goya, Klimt, Andy Warhol e outros proscritos.

Recentemente, dois estados brasileiros ordenaram a retirada de O Avesso da Pele (de Jefferson Tenório) das bibliotecas escolares sob pretextos de ordem moral. A escritora Lia Neiva teve um livro proibido pela Prefeitura de Rio Claro (SP) em 2022, sob a mesma alegação. Consideradas as devidas diferenças, casos de censura institucional guardam relações com a censura informal praticada sob a roupagem do “cancelamento” nas redes sociais. J. K. Rowling, Road Dahl, Camões, Dante, Shakespeare, são apenas alguns casos dentre os clássicos da literatura internacional. Na esfera nacional, o caso mais emblemático e polêmico é o do escritor Monteiro Lobato. A ele vamos nos ater daqui pra frente.

Causou polêmica um post do Instagram publicado recentemente (04/03/2024) na conta oficial do Instituto de Estudos da Linguagem (IEL) da Unicamp. A estratégia de comunicação adotada pela direção do IEL ao postar o card de divulgação do evento, uma bomba semiótica com alto potencial lacrador para redes sociais, foi a seguinte: uma foto do rosto de Monteiro Lobato vandalizada com a inscrição “RACISTA” riscada na testa do escritor está encimada pela pergunta-título do evento “O IEL deve cancelar Lobato?”. O post informava que, no dia 14 de março, no anfiteatro do IEL, haveria uma mesa de debate na qual se discutiria “se o instituto deve ou não cancelar Monteiro Lobato, cujo acervo encontra-se no CEDAE/Unicamp.” E assim foi. Participaram da mesa professores do IEL e a coordenadora técnica do CEDAE, Roberta Botelho. Desta vez, o que estava em questão era cancelar (ou não) um acervo arquivístico. Temos aqui algumas questões que merecem discussão.

O processo de doação de um conjunto arquivístico pelos herdeiros de um
escritor, até que se formalize a aquisição pela instituição mantenedora, é
juridicamente complexo, trabalhoso, tem uma série de etapas e múltiplos atores

A Unicamp guarda uma parte importante dos arquivos de Monteiro Lobato no Centro de Documentação “Alexandre Eulalio”(CEDAE), situado na entrada do prédio do IEL. O Cedae foi parte do evento que discutiu o cancelamento do escritor. Vamos supor que o IEL admitisse cancelar Lobato, atendendo a reivindicações de alguns alunos e das redes sociais. Isto significaria o quê? Retirar os dois mil documentos do CEDAE e devolvê-los à família? Excluir seus livros da biblioteca da universidade? Riscar o nome de Lobato dos programas de disciplinas dos cursos de Letras (se é que ainda está lá…)? A julgar pelo que vem ocorrendo de uns anos para cá e considerando que a proscrição de obras literárias nas instituições de ensino já é uma realidade, nada mais surpreende. A interdição institucionalizada poderia perfeitamente estar a caminho.

O que está em jogo é maior do que se pensa quando uma universidade discute uma questão tão séria com ares de banalidade. Cabe aqui observar que os arquivos pessoais de um escritor não caem do céu. Tampouco são feitos de papéis aleatórios ou documentos quaisquer, mas de fontes históricas que testemunham o passado e permitem aos estudiosos produzirem a historiografia existente sobre literatura brasileira – que não deixa de ser um produto de seu tempo e estar sempre sujeita a novas interpretações. O processo de doação de um conjunto arquivístico pelos herdeiros de um escritor, até que se formalize a aquisição pela instituição mantenedora, é juridicamente complexo, trabalhoso, tem uma série de etapas e múltiplos atores.

Os documentos que compõem o importante acervo do escritor Monteiro Lobato jamais teriam vindo parar no Cedae sem a iniciativa e o trabalho competente da professora, hoje aposentada, Marisa Lajolo quando esteve à frente do projeto temático “Monteiro Lobato (1882-1948) e outros modernismos brasileiros”, financiado pela FAPESP. Em números, estamos falando de mais de dois mil documentos entre livros raros em primeiras edições, folhetos, periódicos, centenas de cartas manuscritas e datiloscritas, fotografias, desenhos e aquarelas, além de sete objetos.

Nas dependências do IEL e do CEDAE, muitos estudantes foram formados para exercer com rigor a pesquisa científica e a docência, todos com projetos de pesquisa aprovados e financiados com recursos públicos pela FAPESP. As pesquisas desenvolvidas neste acervo foram legitimadas por vários prêmios das principais instâncias acadêmicas do país. A partir dele foram produzidos dois livros que são referência para os estudos sobre o escritor. Cito apenas um: Monteiro Lobato livro a livro: Obra Infantil organizado por Marisa Lajolo e João Luís Ceccantini (Ed. Unesp, 2008), vencedor do Prêmio Jabuti na categoria “Livro do Ano Não-Ficção” e na categoria “Crítica Literária”, além de ter recebido o selo Altamente Recomendável FNLIJ 2009 (Fundação Nacional do Livro Infantil e Juvenil).

Não parece razoável supor que seria a finalidade dos professores envolvidos no evento cancelar quem quer que seja. De fato, o encaminhamento da discussão seguiu o rumo oposto, segundo deram conta as notícias publicadas. Provavelmente, chegou-se à conclusão de que uma universidade não é o espaço adequado à prática de cancelamentos. Se assim fosse, o IEL estaria atentando contra a sua missão institucional de preservação da memória da cultura e da literatura brasileiras, lesando o direito coletivo de acesso a essa memória. Ali estão os acervos de Oswald de Andrade, Menotti Del Picchia, Hilda Hilst e muitos outros artistas e intelectuais que podem um dia entrar na berlinda como “o cancelado da vez”.

Usuários de redes sociais cancelam diariamente escritores; instituições de
ensino, não. Influenciadores digitais manipulam as emoções alheias;
professores estudam, debatem, pesquisam, constroem conhecimento

Professores sabem – ou deveriam saber – que acervos são bens de interesse público, assim como a universidade. Arquivos em instituições de guarda como o CEDAE não são “canceláveis”, portanto a discussão, nos termos em que foi posta, carece de mérito e de cabimento. Por sua missão social e educativa, a universidade tem o dever de discutir os cancelamentos das obras literárias e suas consequências, mas espera-se que a condução da discussão parta de uma perspectiva de compreensão do fenômeno e análise das obras em toda a sua complexidade, considerando-se suas dimensões estética, social e histórica.

Não se nega o racismo presente na biografia ou na obra de um escritor ou artista, discute-se. O perigo de as universidades aderirem a estratégias de comunicação de massa próprias às redes sociais é o rebaixamento do nível das discussões, quando o seu papel é qualificar o debate, apresentar argumentos fundamentados em leitura e pesquisa, estimular o pensamento crítico por meio do qual se possa discordar de forma democrática e civilizada.

Usuários de redes sociais cancelam diariamente escritores; instituições de ensino, não. Influenciadores digitais manipulam as emoções alheias; professores estudam, debatem, pesquisam, constroem conhecimento. O simples fato de essa pergunta ser o tema do debate promovido pelo IEL acena para a admissibilidade da ideia do cancelamento, flerta com ele. Além disso, organizar uma discussão que já começa por uma estratégia de divulgação nos moldes dos tribunais de censura da internet amesquinha a universidade. Oxalá o debate tenha sido produtivo e tenha permitido ao IEL sair da camisa de força na qual se meteu. ✱

Tâmara Abreu
(Professora da UFRN)
Março/2024

 


 

1 Para maiores detalhes sobre a história da criação e da organização do Fundo Monteiro Lobato no CEDAE/IEL, ver:: Lajolo, M., Bignotto, C., Tin, E., Bastos, G. S., Chiaradia, K., Camargo, L., Martins, M., Silva, R. A. da ., Abreu, T., & Albieri, T.. (2022). De papéis a documentos: Monteiro Lobato (1882-1948) e outros modernismos brasileiros. Revista Brasileira De Literatura Comparada, 24(46), 131–142.
https://doi.org/10.1590/2596-304x20222446mlcbetgbkclcmmrstata

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Em BH, a Galeria Albuquerque Contemporânea inaugura primeira individual de Froiid

Froiid, na Galeria Albuquerque Contemporânea.
Froiid, na Galeria Albuquerque Contemporânea. Foto: Daniel Mansur

Intitulada “Mundaréu”, a individual de Froiid, em cartaz na Galeria Albuquerque Contemporânea, estabelece um diálogo com o escritor, ator, jornalista e dramaturgo Plínio Marcos (1935-1999) e as suas “Histórias das Quebradas do Mundaréu”(1973). 

Ao explorar o universo confabulado de uma mesa de bar e referências ligadas às dinâmicas do jogo, o artista multidisciplinar Froiid constrói uma narrativa visual, sonora e sensorial a partir de temas como crime, samba, RAP, futebol, torcidas organizadas, inteligências artificiais e violência. 

“Com esta sala de estar, marcada pelo seu carácter identitário, Froiid desdobra o tempo livre e nos chama para nos aproximarmos mais uns dos outros, para não perdermos as redes sociais físicas e para apreciarmos a profundidade e riqueza do conhecimento popular”, aponta Ana Salazar Herrera no texto curatorial.

A exposição é concebida como um jogo. Ao percorrer a galeria, encontramos obras jogáveis, com destaque para a instalação “É Hora da Onça Beber Água” (2020), uma mesa de bilhar com cerca de 13 metros, que convida o público a criar e jogar com suas próprias regras.

A produção de Froiid se estabelece com uma diversidade de materiais e técnicas, com pinturas, fotografias, desenhos, vídeos e instalações sonoras que exploram a riqueza cultural do Brasil.

SERVIÇO
Albuquerque Contemporânea Galeria de Arte: Rua Antônio de Albuquerque, 885 – Savassi, Belo Horizonte (MG)
Em cartaz até 27 de Abril de 2024
Horário de funcionamento: Segunda a sexta: das 10h às 19h / Sábado, das 10h às 13h30

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