Take de vídeo doado pelo fotógrafo Gideon Mendel

Uma força-tarefa juntando a Unesco, o Ministério da Cultura, o Iphan e as secretarias de Cultura e Educação do Rio Grande do Sul iniciou na semana passada um levantamento preliminar do impacto da inundação no estado em relação às instituições culturais – museus, casas de cultura, salas de cinema, de exposições e patrimônio histórico, entre outros. 

“A redução no nível das águas permitiu, pela primeira vez desde o início da enchente no Rio Grande do Sul, o acesso a pé aos prédios. Anteriormente, era possível chegar aos locais somente por meio de bote”, informou nota da Assessoria de Comunicação da Secretaria de Estado da Cultura nesta segunda-feira, 20. Segundo a secretaria, uma equipe técnica realizou nova vistoria em instituições ligadas ao governo no Centro Histórico de Porto Alegre, afetadas pela tragédia. Segundo a secretaria, três museus gaúchos iniciaram o resgate de seu acervo com orientação remota de especialistas. 

A rede de televisão CNN noticiou essa semana que 98 municípios do Rio Grande do Sul tiveram bens culturais danificados, e que esses danos atingem 650 sítios arqueológicos e 28 bens tombados. O levantamento, preliminar, segundo a emissora, é do Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan), em colaboração com o governo gaúcho e a prefeitura de Porto Alegre. O estado do Rio Grande do Sul possui 378 museus cadastrados pelo governo (10% do total de museus do País), e nesse momento está sendo feita uma seleção de voluntários para atuação nos museus municipais. 

A secretaria informou que ainda coleta informações sobre bens culturais (bibliotecas, museus, casas de cultura, teatros, espaços culturais etc.) e acervos (livros, obras de arte, documentos, peças de museus etc.). “As principais dificuldades enfrentadas são o desconhecimento ainda existente sobre o quantitativo de acervos atingidos, os bloqueios nas estradas (impossibilitando vistorias presenciais), a telefonia e a internet que não estão plenamente restabelecidas, e as equipes reduzidas”, informou, em nota. 

No Centro Histórico de Porto Alegre, a Casa de Cultura Mario Quintana (CCMQ), joia do centro, e o Museu de Arte do Rio Grande do Sul (Margs) foram atingidos duramente pelas águas. No interior da Casa Mario Quintana, a equipe de visitação constatou que os principais danos sofridos pelas salas da Cinemateca Paulo Amorim ocorreram em poltronas e carpetes, além de aparelhos de ar-condicionado, que ficaram imersos em pelo menos meio metro de água. Apesar dos danos nas cinematecas e no mobiliário que havia na recepção do andar térreo, o espaço alimenta a expectativa de poder receber público já a partir de junho, caso haja o restabelecimento da energia elétrica na região. “Um dano que, muitas vezes, não é muito contabilizado nesses levantamentos é na nossa atividade-fim, o fato de recebermos cerca de 30 mil visitantes por mês, de a gente ter uma economia vinculada à casa de cultura, de produtores, agentes culturais, artistas e técnicos que deixam de receber”, afirmou Germana Konrath, diretora da Casa de Cultura Mario Quintana. “Queremos abrir o quanto antes, fazer circular essa roda de economia, reativar todos os nossos espaços e agendas, e também servir como uma Zona de Acolhimento Cultural. Como um ponto para as pessoas que têm a casa como referência, e também para as que estão em abrigos, que precisam de um espaço de privacidade, para estudar, ler, carregar o celular, ter um ponto de internet. A ideia é que a gente forneça essa possibilidade”. 

Outro importante centro cultural, o Memorial do Rio Grande do Sul, instalado em um prédio histórico da década de 1910, situado na Praça da Alfândega (construção inventariada pela Prefeitura e tombada pelo Iphan), também está ainda inacessível a pé. A edificação sedia ainda o Arquivo Histórico do Rio Grande do Sul (AHRS) e o Museu Antropológico do Rio Grande do Sul (Mars). Eles ficaram preservados porque funcionam nos andares superiores do prédio. 

Em todas as salas de exibição audiovisual da Casa de Cultura Mario Quintana – Paulo Amorim, Eduardo Hirtz e Norberto Lubisco – foram encontradas muita lama, umidade e água. A equipe afirmou que ainda não é possível, no momento, avaliar as perdas de mobiliário e demais necessidades para a recuperação do espaço, mas salientou que os sistemas de projeção e sonorização não foram afetados por ficarem nas cabines de projeção, localizadas no segundo andar do prédio. 

No Margs, a vistoria presencial teve como objetivo principal verificar as condições de acesso no andar térreo. Apesar da baixa do nível da água, o ritmo de redução diminuiu, mantendo o térreo inundado em altura que ainda não permite a movimentação em segurança. A equipe da secretaria informou que seguirá monitorando a situação das instituições afetadas. 

O maior evento de artes do Sul do País, a Bienal do Mercosul, que seria realizado a partir de 12 de setembro, anunciou oficialmente na noite desta terça-feira, 21, seu adiamento. A Bienal tinha a estimativa de um público de 800 mil pessoas e mais de 100 artistas convidados, e sua estratégia tradicional consiste em ocupar a maioria dos espaços expositivos de Porto Alegre, mas em setembro ainda não se sabe como estará o processo de reconstrução e recomposição dos serviços museológicos. “Devido aos desafios enfrentados após a tragédia climática em nosso estado, a 14ª edição da Bienal do Mercosul será adiada”, informou a nota. “Esse é um momento importante de solidariedade, união e reconstrução – e a arte tem um papel decisivo nesse processo. A Bienal vai acontecer na hora certa para reanimar o setor artístico e atrair visitantes de volta à Capital. Em breve anunciaremos a nova data, buscando sempre celebrar a arte, a cultura, a união e a superação”. 

Outra ação de reação aos efeitos da tragédia tem como foco o apoio financeiro aos produtores. Sem poder trabalhar desde o início da inundação (com casas de shows, bares, teatros e salas de exposição fechadas), artistas e produtores iniciaram a campanha Apta RS – Ajuda para Todos os Artistas do Rio Grande do Sul, para dar suporte aos trabalhadores da cultura. Por seu lado, a secretaria estadual está buscando antecipar o repasse imediato dos recursos dos nove editais da Lei Paulo Gustavo (LPG), que disponibilizaram 90 milhões de reais para o estado, aos projetos selecionados. O Ministério da Cultura, por sua vez, postergou os prazos para apresentação de contas e adesão a sistemas para não pressionar os municípios e produtores do estado. Em relação ao edital da legislação local de fomento, a Lei de Incentivo à Cultura (LIC), em andamento, a pasta aguarda o restabelecimento do sistema eletrônico para concluir a etapa de avaliação e cumprir o cronograma, que prevê a divulgação do resultado em junho. 

As artes sofreram um impacto tremendo também em outros territórios culturais. O setor livreiro, que concentrava suas sedes na Zona Norte da capital gaúcha, foi duramente atingido pela inundação, perdendo estoques e acervos valiosos. Foi o caso da editora L&PM, cujo depósito de livros, localizado no bairro Farrapos, ficou sob 1,5 metro de água e estima que pode ter perdido 10 mil volumes. Outra editora, a Artes e Ofícios, também teve seu depósito, no qual eram guardados 107 mil livros, invadido pela água. A editora Libretos estimou a perda de 12 mil volumes e prejuízo de 350 mil reais com a inundação. A editora Jambô espera a água baixar dentro do seu escritório, no Centro Histórico, para calcular as perdas. 

O governo do Estado iniciou um processo de mapeamento das bibliotecas públicas municipais atingidas, para traçar estratégias de recomposição de acervos, além de ter iniciado o credenciamento de voluntários para atuarem na recuperação de espaços de leitura. 

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