Hélio Oiticica desfilando com a Escola de Samba Estação Primeira de Mangueira. Foto: Divulgação.
No dia 23 de julho, o MASP inaugura exposição virtual Hélio Oiticica: a dança na minha experiência, primeira individual do artista – um dos nomes mais importantes da arte brasileira – no museu. Com atenção à produção de caráter experimental e inovador de Oiticica, a mostra conta com 126 trabalhos relacionados ao ritmo, à música e à cultura popular. Sua abertura presencial seria realizada na segunda metade do mês de março deste ano, logo que as recomendações de isolamento social foram emitidas. Sua ocorrência física não foi cancelada, mas postergada até que seja seguro novamente frequentar os museus.
P15 Parangolé Capa 11 “Incorporo a revolta” (1967). Foto por Claudio Oiticica. Coleção Projeto Hélio Oiticica.
Enquanto isso, o MASP transferiu parte desta retrospectiva para o ambiente virtual e realiza sua abertura digital no dia 23 de julho, marcada por uma live, às 18h, com Vivian Crockett e Tomás Toledo. Junto ao diretor artístico do MASP, Adriano Pedrosa, Toledo foi responsável pela curadoria da individual de Oiticica, já Crockett é curadora e pesquisadora especializada em arte moderna e contemporânea, e escreveu um texto inédito para o catálogo da mostra. No encontro, eles conversam sobre a exposição e a trajetória do artista. Além da live, um tour virtual com Toledo e algumas vistas da mostra serão disponibilizadas no site do museu no mesmo dia.
“Meu interesse pela dança, pelo ritmo, no meu caso particular pelo samba, me veio de uma necessidade vital de desintelectualização, de desinibição intelectual, da necessidade de uma livre expressão”, escreve Oiticica em um texto de 1965 que inspirou o nome da exposição.
A dança na minha experiência é uma parceria com o Museu de Arte Moderna do Rio de Janeiro – MAM Rio. No MASP, ela inaugura o ciclo Histórias da dança, que norteia a programação da instituição em 2020.
“Seja marginal seja herói” (1968). Foto: Divulgação.
Seu catálogo já está disponível na loja do MASP, a publicação ilustrada foi editada pelos curadores e tem ensaios de Adrian Anagnost, André Lepecki, Cristina Ricupero, Evan Moffitt, Fernanda Lopes, Fernando Cocchiarale, Sergio Delgado Moya, Tania Rivera e Vivian Crockett. O catálogo inclui ainda nota biográfica de Fernanda Lopes e um extenso material documental, entre fotografias e escritos do artista.
Confira também: os cursos virtuais do MASP neste link.
Performance "Refino 2" de Tiago Sant'Ana. Foto: Reprodução.
O brasileiro Tiago Sant’Ana, de 29 anos, foi um dos artistas contemplados pelo programa de bolsas para as artes da Open Society Foundation, organização filantrópica criada pelo bilionário George Soros. Ele é o primeiro brasileiro a ser escolhido para esta bolsa. O programa está em seu terceiro ano e anunciou na última terça-feira, 14 de julho, os dez recipientes para as bolsas de 2020. São artistas, curadores, organizadores culturais e pesquisadores que trabalham na interseção de migração, espaço público e artes. Do Brasil, Botsuana, Jamaica, Nigéria, Palestina, St. Croix, Síria, Tlingít Aaní, Estados Unidos. Os bolsistas selecionados recebem um subsídio de US $ 80.000 – equivalente a R$ 431 mil – para realizar um projeto ambicioso nos próximos 18 meses.
Para Rashida Bumbray, diretora do programa de Cultura e Arte da Open Society: “A pandemia do Covid-19 e o atual cenário global com injustiça sistêmica ampliam as desigualdades em nossas sociedades que as comunidades marginalizadas enfrentam há gerações. É por isso que o trabalho de nossos colegas é tão urgente, pois eles trabalham na linha de frente da cultura para promover narrativas autodeterminadas e inspirar mudanças coletivas “.
Entre as propostas para os projetos a serem desenvolvidos estão: uma colaboração entre artistas performáticos e ativistas sociais para documentar uma história alternativa da migração síria; esculturas sustentáveis no Cockpit Country da Jamaica, uma área de resistência histórica do povo Maroon agora ameaçada por políticas ambientalmente destrutivas.
No Brasil, Sant’Ana desenvolverá performances explorando conexões no Brasil entre colonização, escravidão e comércio de cana-de-açúcar e as lutas atuais pela justiça racial.
O artista é nascido em Santo Antônio de Jesus, cidade do recôncavo da Bahia. Sant’Ana é formado em Comunicação na Universidade Federal do Recôncavo da Bahia (UFRB), tem mestrado em Cultura e Sociedade e finaliza o doutorado também em Cultura e Sociedade na Universidade Federal da Bahia. Seu trabalho perpassa diversas linguagens, da performance ao vídeo, da fotografia à pintura. Ele começou a se envolver com as artes há dez anos quando ainda estava na faculdade. Em 2018, o baiano realizou a primeira exposição individual, no Museu de Arte da Bahia (MAB). Foi a partir dessa individual que Sant’Ana elaborou seu projeto submetido e selecionado pela Open Society. Ele também já expôs no Paço Imperial, no Rio de Janeiro, e no Senac Lapa Scipião, em São Paulo.
Obra “Refino”, por Tiago Sant’Ana. Foto: Divulgação.
“Foi um processo que começou em julho do ano passado, em outubro eu já sabia da notícia, mas em decorrência de uma série de questões, o cronograma foi adiado, sobretudo, por causa do coronavírus”, contou o artista ao G1. Sant’Ana, sendo do Nordeste, reconhece na sua seleção uma importância de pensar a arte no Brasil fora do eixo Rio-São Paulo.
Na entrevista para o portal de notícias, ele também afirma: “Meu projeto é realizar uma série de ações, performances, vídeos e fotografias nesses lugares [os engenhos], tentando trazer à tona essas memórias ligadas à questão da escravidão. Pensando nisso também, um olhar contemporâneo. Pensar, por exemplo, como as consequências desse processo de escravização em decorrência do ciclo do açúcar reverbera na atualidade”. Sant’Ana pretende visitar ao menos uma dezena de outros engenhos na região onde nasceu, além disso seu plano prevê a interação com comunidades vizinhas aos engenhos – cujas histórias foram esquecidas à medida que se tornaram ruínas.
O resultado de seu projeto deve ser apresentado em uma exposição em Salvador no próximo ano, embora as barreiras impostas pela pandemia dificultem uma previsão mais exata, tanto da data quanto do local.
A escultura de resina preta de Jen Reid foi erguida na quarta-feira, 15 de julho, mas removida pela prefeitura da cidade de Bristol, no sudoeste da Inglaterra, ainda na madrugada desta quinta-feira, 16. O prefeito Marvin Rees disse que cabe ao povo de Bristol decidir o que substituirá a estátua de Colston.
Chamada A Surge of Power, a obra foi criada pelo artista Marc Quinn e projetada para ser uma instalação temporária para continuar o debate sobre racismo reacendido pelo assassinato de George Floyd nos Estados Unidos. O artista disse que ficou inspirado a criá-la depois de ver uma imagem de Jen Reid em pé no pedestal vazio onde se encontrava a estátua de Edward Colston. A estátua de Colston foi derrubada e jogada em um rio no início de junho durante uma manifestação antirracista, ato em que Reid estava presente. Colston foi um traficante de escravos e membro do Parlamento britânico que viveu no século XVII. Estima-se que ele esteve envolvido nas mortes de cerca de 19 mil negros escravizados nas Américas e no Caribe naquele mesmo século. Em Bristol, uma rua e vários edifícios recebem o nome dele.
Uma declaração liberada pelo artista explica que a nova estátua não foi planejada como uma solução permanente, e sim como uma forma de atrair atenção contínua ao movimento antirracista. Em seu texto, Quinn também afirma que a escultura não tem fins lucrativos e, se for vendida, o lucro será doado para duas instituições escolhidas por Jen Reid: a Cargo Classroom, programa de história negra criado para adolescentes de Bristol, e a The Black Curriculum, empresa social fundada em 2019 por jovens para preencher a lacuna de história britânica negra no Reino Unido. Também há a possibilidade da obra ser doada à coleção municipal de arte de Bristol.
“Queremos continuar destacando o problema inaceitável do racismo institucionalizado e sistêmico que todos têm o dever de enfrentar”, disse o artista no comunicado. “Essa escultura tinha que ser colocada em domínio público agora: essa não é uma questão nova, mas parece que houve um ponto de inflexão global. É hora de ação direta agora”, ele complementa.
Sobre a retirada, a prefeitura de Bristol explicou que a escultura foi instalada como decisão do artista, sem solicitação ou permissão para tal. No momento, a cidade está montando um processo para determinar o que será feito com o pedestal que suportava a estátua de Colston. “O povo decidirá seu futuro”, afirmou o prefeito Marvin Rees, no Twitter.
Leia também: na edição virtual #51 de arte!brasileiros, a advogada e ativista indígena Naiara Tukano escreve sobre os monumentos e sua relação com os povos indígenas. “Toda essa loucura que vemos dia e noite em nosso país, está refletindo a grande fake news que os livros de história, monumentos, nomes de ruas contam, silenciando as tragédias que cometeram para perpetuarem no poder”, ela coloca. O crítico Fabio Cypriano também aborda a questão e propõe a reflexão: “O que fazer com os monumentos de exaltação aos bandeirantes?”. Já o colunista da arte!brasileiros Tadeu Chiraelli elaborou uma série de pensatas cercando o assunto, elas podem ser acessadas aqui.
Voltado ao estímulo da produção de jovens artistas, o Prêmio EDP nas Artes anunciou os dez selecionados de sua 7a edição, escolhidos entre 456 inscritos provenientes de diversas regiões do país. São eles Arivanio Alves (Quixelô-CE), Davi de Jesus do Nascimento (Pirapora-MG), Emerson Munduruku – Uyra Sodoma (Manaus-AM), Érica Storer de Araújo (Curitiba-PR), Felipe Rezende (Salvador-BA), Gu da Cei (Ceilândia-DF), Hariel Revignet (Goiânia-GO), Luana Vitra (Contagem-MG), Talles Lopes (Anápolis-GO) e Yná Kabe Rodríguez (Brasília-DF).
O grupo receberá acompanhamento personalizado da equipe de jurados para o processo de realização de novas obras, que serão expostas no Instituto Tomie Ohtake ao fim do processo. A abertura da exposição e o anúncio dos três premiados finais – agraciados com residências internacionais – deverá acontecer em 1º de outubro deste ano, data a ser confirmada em função das orientações sanitárias e governamentais a respeito do controle da pandemia da Covid-19.
1 de 9
Trabalho de Gu da Cei. Foto: Divulgação
Trabalho de Davi de Jesus do Nascimento. Foto: Divulgação
Trabalho de Emerson Munduruku - Uyra Sodoma. Foto: Divulgação
Trabalho de Érica Storer de Araujo. Foto: Divulgação
Trabalho de Felipe Rezende. Foto: Divulgação
Trabalho de Hariel Revignet. Foto: Divulgação
Trabalho de Luana Vitra. Foto: Divulgação
Trabalho de Talles Lopes. Foto: Divulgação
Trabalho de Yná Kabe Rodriguez. Foto: Divulgação
Do total de inscrições foram pré-selecionados 20 nomes, mediante análise de portfólio, desempenhada por um júri composto pelos artistas Arthur Chaves, Dora Longo Bahia e Elilson e pelos curadores Amanda Carneiro e Theo Monteiro. Após entrevistas individuais por vídeo-chamada, definiu-se a lista dos 10 selecionados.
O Prêmio EDP nas Artes é dedicado a artistas nascidos ou residentes no Brasil há pelo menos dois anos, com idade entre 18 e 29 anos. A iniciativa, além da premiação, contempla uma série de atividades ao longo do ano, como cursos, palestras, lives e workshops em regiões brasileiras onde o acesso à arte contemporânea é mais restrito. Na edição anterior, em 2018, os três premiados com residências artísticas internacionais foram os recifenses Marie Carangi e Elilson e o carioca Iagor João Barbosa Peres.
Levi Bianco. Fátima, Portugal, 2015. Foto: Divulgação.
“No começo da pandemia percebi que havia muitos colegas com os trabalhos simplesmente zerados”, conta a fotógrafa Mônica Zarattini, uma das organizadoras do projeto 20 X 20 Galeria Solidária de Fotografia. A partir dessa questão Zarattini propôs ao coletivo Fotógrafos pela Democracia um projeto que conseguisse juntar esses profissionais e acudisse quem precisasse. Ao coletivo, foi somada a ARFOC-SP (Associação de Repórteres Fotográficos e Cinematográficos do estado de São Paulo) para ser a realizadora da campanha, como entidade e a responsável pela contabilidade do projeto.
Levando isso em conta, foram pensados três modelos de participação: os que doam o valor de venda da foto em 100%; os que doam 50% e recebem 40%; e os que doam 50% e recebem 40% e ainda se inscrevem para receber um auxílio que vem justamente da divisão do todo arrecadado. “‘Ninguém solta a mão de ninguém’, esse é nosso lema”, afirma Zarattini.
1 de 4
Ana Carolina Fernandes. Engenho da Rainha, RJ, 2016. Foto: Divulgação.
Nario Barbosa. MST, Santo André, SP, 2012. Foto: Divulgação.
João Machado. Bom Jesus da Lapa, 2013. Foto: Divulgação.
Alinne Rezende. São Paulo, SP, 2020. Foto: Divulgação.
As fotografias selecionadas por Zarattini e Toni Pires são exibidas no Instagram do projeto, que já conta com mais de 230 fotos submetidas. Entre os participantes estão tanto novos talentos quanto fotógrafos renomados como: Nair Benedicto, Gal Oppido, Cristiano Mascaro, Bob Wolfenson, Rogério Reis, Claudio Edinger, Elza Lima , Cássio Vasconcelos, Rogério Assis, Rosa Gauditano, João Roberto Ripper e Araquém Alcântara.
O valor único da foto é R$ 220,00; em seu primeiro mês de campanha, a galeria solidária vendeu 94 fotografias e arrecadou R$ 20.680,00. Assim, beneficiou com R$ 737,00 cada um dos 16 fotógrafos inscritos para receber o auxílio devido à paralisação de suas atividades por conta da pandemia do Covid-19. Também destinou mais de R$ 3.557,00 aos 18 participantes que tiveram 49 fotos vendidas e participam com doação de 50% do valor da venda.
“A situação de crise sanitária e crise política em que os brasileiros se encontram tem feito com que muitos profissionais se desanimem. Medo, apreensão já são sintomas que surgem em qualquer pandemia”, afirma Zarattini sobre as barreiras emocionais impostas a esses profissionais que geralmente estariam à frente da notícia. Ela complementa, ao lamentar a reação brasileira à crise: “No caso do Brasil sofremos mais ainda pois o presidente não acredita na ciência, zomba da dor dos parentes que se foram e a todo momento coloca a tal ‘crise financeira’ como o fantasma que vai te derrotar”. Para ela, essa somatória de fatores faz com que muitos profissionais se desestabilizam: “Estarmos juntos, numa galeria, nos torna mais fortes.”
Segundo a organizadora, ainda é cedo para definir o futuro da galeria. Caso ela continue depois da data limite da campanha, 20 de outubro, seguirá novos moldes através de outras campanhas. Apesar disso, ela conta que a organização gostaria de realizar uma grande exposição com as obras participantes, assim que reuniões forem novamente possíveis.
“Os fotógrafos têm se arriscado para trazer as informações aos que estão em casa. Temos que agradecer aos profissionais de saúde e também a esses fotojornalistas que se arriscam. É praticamente uma cobertura de guerra, os que estão no front correm muito risco”
A convocatória para participar da 20 X 20 Galeria Solidária teve início 20 de maio vai até 20 de outubro, “quanto mais cedo o fotógrafo ingressa, mais chances tem de vender”, reforça Mônica.
Leia também: o trabalho de fotógrafos que se esforçam para fornecer profundidade à documentação da crise de Covid-19 pelo mundo, arte!brasileiros apresenta uma seleção de trabalhos notáveis realizados durante a pandemia. Neste link.
Duas das mais importantes feiras de arte do mundo, que acontecem anualmente em Londres no mês de outubro, acabam de anunciar que não realizarão suas edições de 2020. Os eventos, que aconteceriam simultaneamente no Regent’s Park, terão sua próxima edição presencial apenas em 2021.
Ao mesmo tempo, sem dar ainda muitos detalhes, a Frieze anunciou que realizará, também em outubro, sua próxima edição online da Frieze Viewing Room, “celebrando a Frieze Week ao redor de Londres” – semana em que galerias e instituições culturais da cidade tradicionalmente se preparam para receber mais visitantes e colecionadores.
A primeira edição online à qual o texto se refere foi a Frieze New York, que aconteceu virtualmente em abril substituindo a feira presencial, também por conta da pandemia do novo coronavírus. Leia aqui reportagem publicada na edição #51 da arte!brasileiros sobre as feiras virtuais e o mercado de arte.
A edição digital nova-iorquina deste ano reuniu 200 galerias de diversos países. A Frieze londrina presencial de 2019 reuniu cerca de 160 casas, entre elas algumas das maiores do globo.
Ailton Krenak, que participa da primeira conversa. Foto: Garapa - Coletivo Multimídia
A partir desta terça-feira, dia 14, o seminário online “Conversas sobre Perguntas” reúne importantes nomes de variadas áreas do conhecimento para discutir questões como: Quais os significados deste momento para a humanidade? O que tal experiência transformará em nós e no mundo? Como elaborar e pôr em prática mudanças necessárias aos novos tempos?
Participam dos encontros gratuitos, realizados semanalmente – sempre às terças, às 17h – o líder indígena Ailton Krenak (14/7), a futurista Lala Deheinzelin (21/7), o economista Eduardo Albuquerque e a administradora Grazi Mendes (28/7), o psicanalista Christian Dunker (4/8), a escritora Conceição Evaristo e a curadora e crítica de arte Júlia Rebouças (11/8).
O “webinário”, como foi intitulado, é uma coorganização da Casa Fiat de Cultura, do Centro Cultural Banco do Brasil (CCBB), do Memorial Minas Gerais Vale e da MM Gerdau – Museu das Minas e do Metal. O evento, segundo texto de apresentação, propõe-se a aprofundar o debate sobre o futuro, em um mundo pós-coronavírus, por meio do estímulo a diálogos multidisciplinares, “capazes de entrelaçar teorias e ideias da filosofia à psicanálise, das ciências à arte, da economia à espiritualidade”.
“Trata-se de formato propício à ânsia global pela realização de perguntas fundamentais sobre a vida, o tempo, as relações etc. – e que, desde a chegada do coronavírus, têm instigado cidadãos, intelectuais, governantes e cientistas de todo o planeta. A situação, afinal, abalou fundamentos da convivência social e econômica, a ponto de a humanidade testemunhar o colapso da vida cotidiana e do mundo como o conhecemos”, conclui o texto.
Serviço:Webinário “Conversas sobre Perguntas”:
Dia 14 de julho – O líder indígena Ailton Krenak – YouTube da Casa Fiat de Cultura Dia 21 de julho – A futurista Lala Deheizelin – Youtube do MM Gerdau Dia 28 de julho – Os professores da área de ciências econômicas, Eduardo Albuquerque e Grazi Mendes – YouTube MM Gerdau Dia 4 de agosto – O psicanalista Christian Dunker – Youtube do Memorial Minas Gerais Vale Dia 11 de agosto – A escritora Conceição Evaristo e a crítica de arte Júlia Rebouças – YouTube Memorial Minas Gerais Vale Dia 18 de agosto – (palestrante a confirmar) – YouTube da Casa Fiat de Cultura
Mais informações nas redes sociais dos quatro espaços culturais.
Detalhe da Capa do livro "Um defeito de cor", 2006, Editora Record. Foto: Divulgação.
“Quando não souberes para onde ir, olha para trás e saiba pelo menos de onde vens”. Este é um dos dez provérbios africanos que introduzem cada capítulo do livro Um Defeito de Cor (Editora Record, 2006), um livro contemporâneo que já é considerado um clássico da literatura brasileira mesmo em seus primeiros anos em circulação. O volume ficcional, com quase mil páginas, é sempre lembrado em discussões sobre a literatura negra, antirracista, que trata da diáspora afroatlântica e da formação social escravista do Brasil.
No livro, a autora Ana Maria Gonçalves, mineira da cidade de Ubiá, desdobra o enredo em torno da narrativa de Kehinde, uma mulher negra africana do Reino do Daomé (hoje Benim) que tem na história de sua família uma trajetória cheia de traumas deixados pelo processo de escravidão brasileiro. A violência, a morte, as separações, a violação sexual.
É uma história individual que se confunde com a memória coletiva do período colonial brasileiro, que estende suas marcas e cicatrizes aos dias de hoje por meio das estruturas sociais construídas, que têm a desigualdade como um de seus produtos. É considerada a obra prima da autora, que ganhou o Prêmio Casa de las Américas com o livro em 2007. Na última lista de livros de autores nacionais mais vendidos em livrarias brasileiras, que apurou o mês de junho de 2020 a partir de parceria entre a empresa de pesquisa Nielsen com a plataforma editorial PublishNews, Um Defeito de Cor segue presente, agora em sua 20ª edição.
A personagem Kehinde tem raízes na biografia da mítica Luísa Mahin, heroína negra que teria ajudado a insuflar um levante contra o regime escravista na Bahia e mãe do abolicionista Luis Gama, que a definiu: “Uma negra, africana livre, da Costa da Mina”. A autora conta que o que a levou a escrever o livro foi ter encontrado casualmente, quando morou na Ilha de Itaparica (BA), um manuscrito de Mahin. O livro, portanto, traz uma narrativa que estende o que fora registrado por Luísa, escrava de ganho que sabia ler e escrever, nesse manuscrito.
Assim, a trama ficcionalizada de Ana Maria Gonçalves se confunde por várias vezes com a História. Kehinde passa a vida em deslocamento pelo continente africano e pelo Brasil, onde é levada à condição de escrava. Separada de seu filho, vendido como escravo pelo próprio pai (um branco escravagista), ela narra sua busca por ele ao longo dos anos. O tom memorialístico usado na narração do texto, contado por Kehinde em primeira pessoa, dá ao livro um caráter autobiográfico dessa mulher que é levada a uma situação epopeica ao insistir em ter o filho de volta. É também um pedido de desculpas de uma mãe que teve o menino levado sem nada poder fazer para impedir.
Kehinde passa a vida em deslocamento pelo continente africano e pelo Brasil, onde é evada à condição de escrava. Separada de seu filho, vendido como escravo pelo próprio pai um branco escravagista), ela narra sua busca por ele ao longo dos anos
É preciso pontuar a importância de Um Defeito de Cor nos estudos afrofeministas, pois evoca a vivência de mulheres que foram escravas/escravizadas, se tornando obra indispensável para os estudos de gênero. Isso porque é muito latente a condição da mulher e as particularidades das violências vividas por Kehinde não só por ser escravizada, mas por ser do sexo feminino. Como, por exemplo, a violência sexual que tem o corpo da mulher negra como objeto – e que é um ponto crucial do livro -, já que o estupro é um tema que acompanha a personagem no Brasil, quando ela é violada, e também no continente africano, quando viu a mãe sofrer a mesma violência.
A identidade da mãe negra da personagem “conecta-se a outras narrativas de mães negras no Brasil, as quais também são apartadas de seus filhos, mas que, diferentemente da narradora do romance, não raro deparam-se com os corpos inertes desses filhos assassinados cotidianamente por uma política genocida do Estado que tem como alvo a população negra desse país”, atesta a pesquisadora Fabiana Carneiro no livro Ominíbú: maternidade negra em Um defeito de cor (Editora Edufba, 2019).
Ao falar do livro, a autora sempre aponta a necessidade de se recorrer ao passado para compreender com afinco a história de nosso país. Ler Um Defeito de Cor é, sem dúvidas, conhecer para questionar criticamente um período condenável da construção do Brasil, que é a origem da característica estruturalmente racista que acompanha a nossa sociedade em todas as relações. ✱
Leia também: Desconstruir a hegemonia branca nas artes brasileiras é uma ação efetiva de mudança, leia artigo da pesquisadora e curadora Luciara Ribeiro sobre. Neste link.
Ato em Recife pedindo justiça pela morte do menino Miguel Otávio. Foto: Foto: Levante Popular da Juventude
Por Moacir dos Anjos
1. Em um de seus últimos textos, Gilles Deleuze produziu uma breve e densa análise das peças teatrais que, na década de 1960, Samuel Beckett escreveu para serem filmadas e exibidas na televisão. Para compreendê-las – e delas extrair novos conceitos –, o filósofo francês propunha, em seu ensaio, a distinção entre o cansado e o esgotado, entre o cansaço e o esgotamento. Desde logo haveria, entre os dois estados, uma diferença de intensidade: “O esgotado é muito mais que o cansado”. Mas o esgotado não seria, contudo, apenas o extremamente cansado, havendo entre as duas condições uma diferença outra, irredutível a quantificações. O cansado seria aquele que, ancorado em suas preferências e objetivos, exerce, até o limite de suas possibilidades (subjetivas), o poder de fazer escolhas para realizar algo. Escolhas – banais ou complexas, de efeito passageiro ou duradouro – feitas dentro do que, a cada tempo e lugar, é considerado como o âmbito do possível. O cansado seria aquele, portanto, que estanca quando não mais consegue realizar algo que existe como parte daquele campo de possibilidades (objetivas), adiando suas realizações para quando sentir-se de novo capaz. O esgotado, por sua vez, seria aquele que, renunciando a preferências e objetivos precisos, experimenta e combina todas as possibilidades de escolhas e de suas consequências, ao ponto de exauri-las. O esgotado seria, nesse sentido, aquele que esgota o possível, embora nem por isso se torne inerte.
2. No exame próximo que faz de cada uma das peças televisivas de Beckett, Deleuze aponta quatro modos – não mutuamente excludentes – de promover o esgotamento do possível: Exaurir as coisas que podem ser nomeadas, estancar o fluxo de vozes que as falam, extenuar as potencialidades do espaço onde elas existem e dissipar a potência contida em suas imagens. Extrapolando o objeto original de seu texto e fazendo uso abertamente arbitrário dos conceitos nele tratados, essas condições de esgotamento parecem ser apropriadas para capturar, mesmo que de maneira imprecisa (e talvez por isso adequada), a situação vivida no Brasil de agora. Lugar e momento em que se entrelaçam uma crise sanitária, uma crise política e uma crise econômica com consequências ainda não de todo conhecidas em sua extensão, embora já sabidamente muito graves. Situação em que as palavras já não bastam para descrever os fatos e evocar os afetos que eles geram, em que o silenciamento de quem diverge do poder já é abertamente demandado, em que se desregulam e enfraquecem os territórios institucionais consagrados ao desentendimento e à disputa e, por fim, em que se contestam as equivalências sensíveis que descrevem o que acontece nas ruas. Para aqueles que reconhecem e sentem em seus corpos a gravidade da crise vivida no país (em suas várias dimensões), é cada vez mais frequente sentir-se esgotado. Ou sentir que o Brasil está esgotado. Que as possibilidades de realização de uma outra vida comum se gastaram antes de serem exploradas, bloqueando um projeto de sociedade minimamente mais inclusiva e justa gestado, com lentidão e dificuldades, a partir do fim da ditadura militar no país. Que a morte (de cada vítima da pandemia e também do espaço público de embates) encolheu o que era ainda tido como possível, apressando um processo de esgotamento que, embora há muito já em curso, parecia ainda poder demorar mais a se manifestar no Brasil. Em particular, com a fúria essiva com que se apresenta agora.
3. É certo que esse esgotamento foi gradual, alcançando primeiro as vidas mais vulneráveis, aquelas mais suscetíveis a terem o poder de optar por uma decisão ou outra acerca de sua existência bloqueado. Os corpos viventes, afinal, se distribuem desigualmente não somente no espaço físico, mas também em termos do reconhecimento de seus direitos e de suas capacidades. Ocupam lugares de lazer, de moradia, de trabalho e de representação política que são também marcadores do quão diversas são as possibilidades a que cada um tem acesso. Se a alguns corpos é facultada uma existência com conforto material e segurança afetiva, a outros se destina uma vida atravessada pelo medo e pela falta. Se uns possuem poder de movimento e de mando, outros são submetidos a um regime de circulação regrada e de obediência – ainda que também de resistência – às ordens dadas. Para alguns, como os povos indígenas nativos das terras que viriam a ser o Brasil, o possível foi diminuído abruptamente – quase encerrado, de fato – na chegada do colonizador europeu. A violência colonial esgotou esse possível, esgotando aqueles povos, suprimindo-lhes a humanidade. Retirou-lhes a possibilidade do cansaço, condição somente alcançada pelo exercício de uma vida autônoma. E continua a querer negar-lhes um lugar, ainda que subalterno, na desigual distribuição de corpos que define o país. Violência colonial que, ao escravizar mulheres e homens negros vindos de cantos diversos da África, bem como seus descendentes, os cansou e os esgotou ao mesmo tempo. Que submeteu seus corpos ao limite de sua capacidade e, em simultâneo, cerceou o que guardavam como potência para um tempo futuro. Violência que, transformada e atualizada em formas diversas de racismo, continua a ser exercida no Brasil contemporâneo. Para esses corpos, o esgotamento do país também já era sentido há tempo. Assim como o sentiam os corpos dissidentes de uma norma social que é não somente branca, mas também heterossexual e cisgênera.Bem como o sentiam os corpos pobres, que por vezes são também corpos indígenas. Que por vezes são também negros. Que por vezes são também gays, lésbicas, travestis. Vidas que vêm se sentindo gradualmente esgotadas, para quem o esgotamento do Brasil é fato previsível. Para quem o esgotamento chegou antes: há séculos, para alguns; há décadas, para outros tantos. Esgotamento que foi, aqui e ali, freado, à medida em que porvires distintos pareciam ter ampliado o possível como resultado de longas disputas. Mas que foi de novo acelerado nos últimos anos, com uma sequência de fatos – emergência do fascismo e, mais recentemente, da doença – que, pelo poder destrutivo que embutem, parece ter esgotado mesmo muitos daqueles corpos até aqui poupados. Corpos que tinham o privilégio de estar apenas cansados.
4. O cansaço exige descanso para que o cansado possa de novo escolher entre as alternativas que o possível acolhe, retomando projetos parados ou refazendo os desmanchados. Para que possa atuar como sujeito que afirma posições e disputa possibilidades. Possível que, no Brasil de 2020, parece ter se exaurido ou ter sido bloqueado. Ao esgotamento, por sua vez, o descanso não basta, pois o repouso não restaura o esgotado. O esgotamento exige imaginar outros possíveis para que o esgotado deixe de sê-lo. Para que aquilo que não era considerado uma possibilidade entre outras, passe a ser assim contado. Para que novos sujeitos políticos emerjam e criem aquilo que não podia ser antes pensado. O fim do esgotamento exige a subversão da distribuição hegemônica das probabilidades, forçando a inclusão, nelas, de hipóteses inéditas de futuro. Para Deleuze, afinal, o esgotado continua ativo, ainda que não tenha, em sua atividade, objetivo certo. Dar direção e significado a essa potência guardada é a tarefa política dos esgotados.
Moacir dos Anjos é pesquisador da Fundação Joaquim Nabuco. Foi curador da 29ª Bienal de São Paulo (2010) e das mostras Cães sem Plumas (2014), A Queda do Céu (2015), Emergência (2017) e Quem não luta tá morto. Arte democracia utopia (2018). É autor dos livros Local/Global. Arte em Trânsito (2005), ArteBra Crítica (2010) e Contraditório. Arte, Globalização e Pertencimento (2017).
“O fotojornalista é um contador de histórias e ele está na linha de frente, nos mostrando o que está acontecendo no mundo”, afirmou uma vez a crítica de fotografia Simonetta Persichetti. A fotografia, através de uma linguagem não textual, pode evocar memória, pode ser uma personificação da natureza das ideias questionadoras, a replicação de uma espécie de estado vago que se encontra fora até da linguagem. Neste momento, através da promoção de sentimentos diretos de identificação, empatia ou desaprovação, ela pode driblar as barreiras nacionais que constroem, por cada país, uma resposta muito particular de prevenção e combate à pandemia de Covid-19.
Pelo entrelace de camadas de significado, as imagens transmitem temas universais como morte, vida, amor e medo, mesmo que, pelo momento, sempre acompanhados de um tema suspenso que é o vírus. Esse, como o filósofo Jacques Derrida ensina, é por definição, o estranho, o outro, o estrangeiro. Cria-se uma barreira entre um “nós” – incontamináveis – e um “eles” – os que estão propensos a contrair o vírus. Nesse cenário, o bom fotojornalismo tenta eliminar tal barreira simbólica e discursiva por meio de registros que criem uma conexão com quem observa e contempla as imagens. E mesmo que não tenham função de documento – como o documentarista francês Claude Lanzmann diria: se você sente necessidade de uma prova, por exemplo, fotográfica, é porque já está na vertente negacionista – esses registros ajudam a retirar a questão de uma dimensão particular e levá-la a uma dimensão pública, colaborando para a informação e até mesmo atenuando um sentimento de pânico.
Tendo essas considerações em mente – como também a impossibilidade de apresentar uma “face do vírus” – a arte!brasileiros realizou uma seleção de trabalhos fotojornalísticos notáveis. São registros vindos do Peru – com Rodrigo Abd -, do Irã – com Newsha Tavakolian e Arash Khamooshi, da França – com Jean Gaumy – e do nosso país – com Victor Moriyama, Hélio Campos Mello e Cristina de Middel.
Presença humana e a barreira fantasma
“Nós, fotógrafos, devemos ter uma proximidade emocional com a história que estamos retratando nesses momentos dramáticos. E nossa câmera deve ser a ferramenta para reduzir essas distâncias que surgem da pandemia. As fotos nos unem como profissionais com as pessoas, e os produtos dessa união, que são fotografias, unem os leitores à vida de milhares de fotografados”, afirma Rodrigo Abd.
Mas como ter proximidade quando não é possível chegar fisicamente perto dos respectivos retratados? Cristina de Middel conta que qualquer forma de interação se tornou muito mais difícil por conta de uma “ideia pairante” de desconfiança. No seu caso, a barreira linguística duplicou o esforço – Middel é espanhola mas vive em Itacaré, no Nordeste do Brasil, com o marido Bruno Morais -, “percebi muito rapidamente que seria difícil para mim trabalhar em Itacaré, porque eu pareço uma gringa e não falo português adequado, então as pessoas eram um pouco rudes e ninguém queria ser fotografado ou mesmo falar comigo”. Uma de suas estratégias para não pensar no quão frustrante é não poder viajar e explorar o país como uma fotógrafa é refletir em seu trabalho sobre a situação que estamos vivendo sem sair de sua casa, seu bairro ou sua cidade. Não só a sua segurança, mas a de outras pessoas é algo desafiador nesse processo criativo.
O brasileiro Victor Moriyama concorda, ao notar que “por mais que nós tomemos os cuidados, há sempre uma preocupação, um medo de contrair o vírus, de contaminar outras pessoas, isso é extremamente preocupante: você ser um transmissor silencioso”. Para ele, o risco de contágio faz com que fotografar no meio da pandemia traga um perigo análogo ao de cobrir um conflito, embora o compromisso com o jornalismo o mantenha motivado a continuar. Moriyama integrou a iniciativa Covid Latam, criada pelo fotógrafo Sebastian Gil Miranda, que une 18 fotógrafos de 13 países na América Latina com o propósito de fornecer uma cobertura mais ampla e concreta, como também apoiar o trabalho desses profissionais.
Cobrindo o Covid no Irã, Arash Khamooshi reflete sobre o valor histórico da fotodocumentação da crise: “As fotos que tiramos durante a pandemia para capturar esses momentos definitivamente terão um valor maior no futuro. O mundo moderno não passou por nada assim. Talvez possamos compará-lo à pandemia de gripe de 1918, mas estamos experimentando algo diferente”. Ele relata que teve que se adaptar a todas as medidas de segurança: máscara e luvas o tempo todo. Mas revela que se tivesse que se aproximar para ter um retrato mais autêntico ele faria o necessário. “Talvez seja isso que gera empatia, não apenas com o retratado, mas também com quem vê a fotografia”.
Tal proximidade não é apenas física. Em seus trabalhos publicados nesta matéria, Rodrigo Abd lida com o tema da morte, tanto em seus registros nos cemitérios Nueva Esperanza e El Angel quanto na missa rezada pelo Arcebispo Carlos Castillo. Ao retratar temas delicados como esse, ele preza: “Sempre tente se aproximar deles [os retratados] antes de começar a fotografar”. Abd confessa que isso o ajudou a ser bem-vindo a fotografar um momento de muita dor que é um enterro. “No cemitério de Nueva Esperanza, conversei bastante com os parentes das vítimas fatais de Covid-19. É essencial para mim explicar às pessoas a importância da fotografia para criar uma memória histórica sobre o que acontece conosco como sociedade. Isso abre portas, os parentes entenderam muito bem, por exemplo.”
Embora tenham abordagens diferentes, esses fotógrafos compartilham uma característica que é evitar o uso do choque como recurso narrativo. Fazendo isso eles negam dizer o que nós devemos sentir e nos permitem sentir coisas que nós não entendemos muito bem, como afirmou a teórica cultural Susie Linfield. “Às vezes, tenho que ser direto com o meu público através das minhas imagens para alertá-los” afirma Khamooshi, complementando: “Eu não acho que é preciso fazer uma imagem chocante para mostrar isso. Em geral, a presença de pessoas nas minhas fotos é muito determinante”. Essa escolha, para Abd faz com que a leitura das imagens pelo observador seja enriquecida, porque nos força a pensar sobre o registro, ao contrário das imagens meramente descritivas que “convidam a um consumo rápido e passivo”.
Veja as fotos a seguir:
Foto: Jean Gaumy, Fécamp, França. 22 de março de 2020.
Nossa filha Marie e seus filhos ficaram confinados, infectados com o vírus por 12 dias. Doze dias difíceis. Marie ficou febril e privada de sono, assumiu bravamente seu papel enquanto nós, avós, só conseguíamos nos aproximar da janela deles. Viemos o mais rápido possível, mas não era para entrar na casa deles. Naquele dia, tivemos a surpresa de encontrá-los tocando violoncelo. Estavam finalmente melhorando.
Foto: Rodrigo Abd. Cemitério Nueva Esperanza, Lima, Peru. Maio de 2020. Cortesia do fotógrafo.
Um fotógrafo de rua vende fotos para os parentes de Adrian Tarazona Manrique, 72, que morreu devido à Covid-19, durante seu enterro no cemitério Nueva Esperanza, nos arredores de Lima, Peru. Em 2013, visitei o cemitério de Nueva Esperanza pela primeira vez e encontrei um de seus trabalhadores, Juan Luis Cabrera, coveiro. Ele diz que nunca trabalhou tanto quanto nos últimos meses. Ele continua trabalhando, tentando fazê-lo com alegria, apesar da dor e desolação que é sentida no ar.
Foto: Rodrigo Abd. Cemitério El Angel, Lima, Peru. Maio de 2020. Cortesia do fotógrafo.
A família e os amigos dos que morreram sofrem duas vezes como resultado da perda de entes queridos e da incapacidade de se despedir intimamente. Apenas poucos membros da família podem comparecer; a grande maioria dos mortos é cremada em solidão.
Foto: Rodrigo Abd. Cemitério Nueva Esperanza, Lima, Peru. Maio de 2020. Cortesia do fotógrafo.
Noly Suarez segura uma cruz durante o enterro de seu irmão Flavio Juarez, 50 anos, que morreu de Covid-19, no cemitério Nueva Esperanza, nos arredores de Lima. O cemitério Nueva Esperanza está entre os maiores do mundo, com mais de um milhão de túmulos, e está localizado em um dos bairros mais pobres de Lima. Ele cresce dia após dia, cheio de parentes dos falecidos com o coração partido devido à súbita perda de seus entes queridos.
Foto: Rodrigo Abd. Lima, Peru. Junho de 2020. Cortesia do fotógrafo.
No sábado, 13 de junho, uma missa sem precedentes foi realizada sem os paroquianos, a catedral estava cheia de retratos de mais de 5.000 pessoas que morreram de Covid-19. O arcebispo Carlos Castillo declarou-se ‘agradavelmente e profundamente surpreso com a resposta do nosso povo’ ao realizar esta despedida coletiva. Em seguida, ele criticou o sistema de saúde peruano: ‘ele se baseia no egoísmo e nos negócios, e não na misericórdia e na solidariedade com as pessoas’.
Foto: Newsha Tavakolian. Teerã, Irã. Março de 2020. Cortesia da fotógrafa.
Um ano após a morte do pai, Behrooz, Newsha e a irmã foram colocar flores no túmulo. Elas haviam planejado uma grande cerimônia com convidados e comida, mas tiveram que cancelá-la quando o surto de coronavírus se espalhou pelo Irã. “Foi muito triste, mas o que podemos fazer? Decidimos ir ao cemitério Behest-e Zahra de Teerã. Os iranianos adoram visitar seus entes queridos e, especialmente, nas semanas que antecedem o Ano Novo”. O cemitério, normalmente muito movimentado durante o ano novo iraniano, parecia estranho e abandonado. “O medo está em toda parte. Medo da morte, medo do futuro. Medo de um ano terrível pela frente”.
Foto: Newsha Tavakolian. Teerã, Irã. Março de 2020. Cortesia da fotógrafa.
Observar, em frente à janela, a árvore que floresce no jardim deixa Jila, mãe de Newsha, feliz. Com a pandemia, ela passa boa parte do tempo na mesa da cozinha olhando para fora ou assistindo TV. Newsha conta que um dia o telefone dela tocou, era uma senhora que tinha errado o número. Independentemente disso elas conversaram por uma hora e descobriram que ambas haviam perdido seus maridos no ano passado. “Minha mãe desligou e riu. ‘Eu me sinto bem’, disse ela”.
Foto: Newsha Tavakolian. Teerã, Irã. 2020. Cortesia da fotógrafa.
A irmã da autora, cansada de ficar dentro de casa, veste uma máscara facial para jogar badminton com as amigas. Newsha tem saído de casa para fotografar. Ela diz que no Irã, o povo está acostumado a crises e se adapta rapidamente a novas realidades. A fotógrafa conta que coloca luvas de látex, uma máscara sobre a boca e o nariz e carrega um higienizador antisséptico na bolsa de sua câmera.
Foto: Arash Khamooshi. Teerã, Irã. Maio de 2020. Cortesia do fotógrafo.
Dentro de seus carros, as pessoas lêem o Alcorão, durante o Ramadan, na Noite do Destino, Laylat al-Qadr; a celebração marca o começo da revelação do Alcorão ao profeta Maomé no Monte Hira, em Meca.
Foto: Arash Khamooshi. Teerã, Irã. Março de 2020. Cortesia do fotógrafo.
Na véspera do Ano Novo Persa, uma estação de ônibus na capital do Irã fica vazia em razão das medidas do governo para conter a disseminação do novo coronavírus.
Foto: Cristina De Middel. Itacaré, Brasil. 7 de maio de 2020. Cortesia da fotógrafa.
Cadeiras são colocadas do lado de fora da agência local do banco do governo, distribuindo a ajuda financeira fornecida às famílias afetadas pela Covid-19
Foto: Cristina De Middel. Itacaré, Brasil. 18 de abril de 2020. Cortesia da fotógrafa.
Brinco com um certo senso de confusão e surpresa, tentando associar imagens a significados que não são convencionais. Para mim, uma boa imagem é aquela que você não sabe como reagir: engraçada e triste, ridícula e bonita, ofensiva e tenra … as combinações são infinitas.
Foto: Cristina De Middel. Itacaré, Brasil. 18 de abril de 2020. Cortesia da fotógrafa.
Ednaldo Cardoso (44) é o sacerdote da única igreja católica em Itacaré. Ele é bastante progressista, tem uma banda de música, bebe cerveja. Sua igreja foi fechada nas últimas 3 semanas, mas ele se manteve disponível para quem precisasse de conselhos espirituais via Whatsapp. Ele não pode confessar, mas pode ouvir e tentar apaziguar seus paroquianos à distância.
Foto: Victor Moriyama. São Paulo, Brasil. 17 de março de 2020. Cortesia do fotógrafo.
Comprador em uma feira orgânica no Parque da Água Branca, em São Paulo. O Brasil confirmou neste dia a primeira morte por Covid-19.
Foto: Victor Moriyama. São Paulo, Brasil. 20 de março de 2020. Cortesia do fotógrafo.
O florista Valdemir da Silva encomenda as flores de sua barraca enquanto aguarda o fechamento total das lojas na cidade de São Paulo.
Foto: Victor Moriyama. São Paulo, Brasil. 18 de maio de 2020. Cortesia do fotógrafo.
Passageiros na Estação da Luz durante o horário de pico.
Foto: Victor Moriyama. São Paulo, Brasil. 8 de maio de 2020. Cortesia do fotógrafo.
Tallytta Ferreira, de verde, faz as unhas em uma manicure no bairro de Paraisópolis.
Fundado na França em 1971, o MSF – Médicos Sem Fronteiras trabalha pelo mundo e atende vítimas de conflitos, de desastres naturais e de flagelos como o ebola e agora o coronavírus. Nesta imagem, uma de suas médicas atende a população mais vulnerável ao Covid-19, em São Paulo. Em 2015 eram 15.905 homens, mulheres e crianças que moravam nas ruas. Segundo censo encomendado pela prefeitura da cidade em 2019 e recentemente divulgado, aquele número cresceu para 24.344. E a imensa maioria deste número assustador – são quase 25 mil pessoas sem casa para morar! – não está lá por escolha própria.