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Ayrson Heráclito exibe obras no Videobrasil Online

O artista, professor e curador Ayrson Heráclito. Foto: Arge Lola

Ao desenvolver uma poética ligada à elementos da cultura africana e afrobrasileira – passando pelo universo mitológico do candomblé e levantando debates sobre escravidão e racismo -, o artista visual Ayrson Heráclito assistiu, ao longo de décadas, sua obra ser enquadrada basicamente como exótica e primitiva. Segundo o próprio artista, nascido em Macaúbas (BA) e atuante desde meados dos anos 1980, “o meu trabalho era visto, através de um filtro da tradição hegemonicamente masculina, patriarcal, branca e colonial, como uma produção demasiadamente regionalista e folclórica, distante da ideia de contemporâneo”.

Ao longo do tempo, especialmente nos últimos anos, temáticas ligadas às tradições africanas e afrodiaspóricas, assim como o debate sobre racismo estrutural, passaram a ocupar espaço crescente no mundo das artes, pautando – ainda que de modo incipiente – a programação de galerias, museus e instituições culturais. “E assim o sistema de arte brasileiro foi abrindo espaço para que eu me tornasse contemporâneo”, diz Heráclito. “Porque antes tudo que era produzido por pretos e índios era observado apenas pelos antropólogos. E eu sempre reivindiquei que a arte preta fosse reconhecida como uma produção do simbólico assim como todas as outras, e não vista com esse olhar etnográfico que estuda o ‘outro’ através de uma visão ocidental.”

Dentro do panorama descrito pelo artista, uma das poucas instituições do país que se voltou, ainda nos anos 1980 e 1990, para esta produção dita “exótica”, reconhecendo-a como arte contemporânea, foi a Associação Cultural Videobrasil. “Nenhuma outra instituição brasileira, pelo menos que eu tive contato, produziu tamanho debate neste sentido. Foi ela, inclusive, que possibilitou grande parte das conexões culturais que eu estabeleci com a Africa”, afirma Heráclito.

Layout do site com a exposição. Crédito: Nina Farkas

É justamente na nova plataforma da associação, o Videobrasil Online, que Ayrson Heráclito acaba de inaugurar sua primeira exposição virtual. Com dez obras audiovisuais produzidas pelo artista entre 2004 e 2018 e um vídeo inédito de apresentação, Sacudimentos tem curadoria de Solange Farkas, fundadora e diretora da instituição, e é a segunda mostra apresentada na plataforma (leia aqui sobre Abdoulaye Konaté – Cores e Composições). “O Ayrson tem uma trajetória extraordinária para o cenário das artes, com uma contribuição muito particular às práticas descoloniais”, diz Farkas. “Sacudimentos pontua o trajeto de um artista que mobiliza o sentido transformador dos ritos de matriz africana em resistência à herança colonial.”

Para Heráclito, a mostra virtual é uma experiência nova e desafiadora, “já que são trabalhos pensados para serem expostos em uma espacialidade física, por vezes com várias telas, e que agora são apresentados no universo online”. “Então estamos tentando, virtualmente, criar também jogos de telas, trazendo a ideia de instalação para dentro do site”, explica. Ele destaca, ainda, que obras muito pouco vistas, por vezes expostas apenas fora do Brasil, estão agora disponíveis no Videobrasil Online.   

A memória colonial no presente 

Um dos trabalhos criados originalmente em dois canais é justamente o que dá nome a mostra, a instalação Sacudimentos, produzida por Heraclito em 2015 a partir de uma residência artística concedida pelo Videobrasil em parceria com o Raw Material Company, em Dacar (Senegal). Filmado primeiramente na Casa dos Escravos na Ilha de Goré, no Senegal, e depois na Casa da Torre, sede de um grande latifúndio na Bahia, o trabalho registra rituais de limpeza e cura espiritual – os sacudimentos – realizados pelo artista em dois locais ligados ao comércio de escravos. Em uma espécie de performance de limpeza dos espaços arquitetônicos, na busca por afastar espíritos que seguem atormentando o presente, Heráclito traz à tona a necessidade de se olhar para o passado colonial que moldou sociedades nos dois lados do Atlântico. 

Imagem da instalação audiovisual “Sacudimentos”, de 2015. Foto: Divulgação

“No meu trabalho, o sacudimento é também uma tática de retornar ao passado afim de sacudir a história, promovendo uma ‘movência’ dos nossos traumas. É uma forma de gerar uma visibilidade para questões que tradicionalmente foram ocultadas, como o processo de desumanização da população africana escravizada”, explica o artista. “A ideia é que esse passado se cure, de certa forma, e que a lógica desse passado não se repita. Eu sempre digo que a minha tática de sacudimento é para afugentar esse monstro, esse fantasma que até hoje nos persegue, que é o fantasma do senhor de escravo”, conclui.

A ideia de enfrentar as mazelas “sem que você adoeça, mas, pelo contrário, para que você se cure” – inspirada no pensamento do artista alemão Joseph Beuys – se relaciona também à percepção de que o mito da democracia racial no Brasil sempre foi um discurso utilizado pelas elites contra a população preta. Em um contexto de intensificação das lutas antiracistas em diversos países, concomitante ao crescimento da extrema-direita ao redor do mundo, Heráclito ressalta que uma guerra que sempre existiu apenas está mais escancarada. “O que a gente vive hoje é um mundo de guerras e tensões. E não existe mais a ideia de que o Brasil é mestiço e pacífico. O Brasil está em luta, em guerra, como sempre esteve, e essas pessoas e instituições que defenderam esse tipo de apaziguamento estão tendo que se ajustar ou estão perdendo totalmente o sentido, sendo colocadas de escanteio.”

Em tempos de destruição acelerada de florestas e ecossistemas, em que debates sobre o Antropoceno ganham espaço, Heráclito reforça ainda que um olhar para as culturas de matriz africana fornecem outras formas de se relacionar com a natureza. Ao trabalhar, em vídeos e performances, a partir de materiais orgânicos e alimentos como o dendê, o açúcar e a carne, o artista apresenta um dos pilares das culturas de origem Iorubá, Bantu e Fon: “O mundo é como um corpo, um ser vivente. E em meu trabalho toda a utilização dos materiais orgânicos, que são associados às práticas de alimentar as divindades e a natureza, tem a ver com o fato de que a natureza é quem nos dá de comer, é esse sujeito maior que nos guia, nos orienta, nos propicia a vida. E são os elementos da natureza que nos deixam potentes para, por exemplo, transmutar essa ideia de cicatriz, de dor, desse passado colonial que reduziu todo esse conhecimento à ideia de feitiçaria e de macumba”.

O medo de perder o mundo se tornou amplo e irrestrito, diz nova curadora do MuBE

A curadora-chefe do MuBE Galciani Neves. Foto: Marcus Vinicius de Arruda Camargo
A curadora-chefe do MuBE Galciani Neves. Foto: Marcus Vinicius de Arruda Camargo

A primeira exposição curada por Galciani Neves no Museu Brasileiro da Escultura e Ecologia (MuBE) não foi pensada para ser vista pelos visitantes do museu paulistano. Tampouco foi criada direcionada ao ambiente virtual, como se tornou comum nos últimos tempos. Aberta no dia 5 de setembro, dois meses após Galciani assumir o cargo de curadora-chefe da instituição, O ar que nos une é direcionada aos pedestres, usuários de ônibus e motoristas que passam pela avenida Europa, na zona oeste de São Paulo, já que a instituição segue de portas fechadas em meio à pandemia de Covid-19. E, seja neste desejo de diálogo com a cidade, seja nas temáticas que levanta, a exposição já dá uma mostra de algumas das preocupações que devem pautar a gestão da nova curadora do museu.

“Convidamos artistas cujos trabalhos não exatamente tematizam a pandemia, mas de algum modo falam de uma espécie de conexão, do fato de que mesmo à distância as conexões e diálogos insistem em acontecer. Falam da forma como o planeta se comporta e da forma como a gente se comporta”, explica Neves em entrevista à arte!brasileiros. Questões referentes à destruição do meio ambiente, ao Antropoceno, à causa indígena e ao papel educativo da arte surgem, de diferentes modos, nas obras de Ana Teixeira, Artur Lescher, Laura Vinci, Motta & Lima, Paulo Bruscky e Yoko Ono.

Nascida em Fortaleza, doutora em Comunicação e Semiótica pela PUC-SP e professora na FAAP e na Universidade Federal do Ceará, Galciani assume o cargo após quatro anos de gestão de Cauê Alves, que recentemente se tornou curador do Museu de Arte Moderna de São Paulo (MAM-SP). Ela pretende dar sequência ao projeto de seu antecessor de construção de um acervo de “obras-projeto” – em que o artista disponibiliza ao museu o projeto da obra e a possibilidade de montá-la, mas não o trabalho em si – e afirma que suas prioridades são trazer maior diversidade para o museu e intensificar seu papel pedagógico.   

“Acho que deve ser ressaltada uma vontade de colocar a tarefa do museu na sua vocação como um lugar de educação. Meu maior desejo é esse. E quando digo educação é de uma maneira geral, entender a educação como uma prática de liberdade. Paulo Freire já dizia isso. Entender que o educar e o educar-se é um trânsito, uma ponte”, afirma. “Acho que o que a gente tem que fazer mesmo é abrir as portas do museu, fazer com que ele seja um espaço simpático e empático. Por isso é tão importante pensar nos processos educativos.”

Quanto às questões urgentes referentes ao meio ambiente, em um país que assiste à destruição acelerada de seus ecossistemas, Galciani fala de seu desejo de aproximar cientistas e pesquisadores do trabalho no MuBE e cita o antropólogo e filósofo francês Bruno Latour: “Há cerca de um ano ele falou em uma entrevista que finalmente o medo de perder o mundo não é mais só dos artistas e dos poetas. Eu fiquei muito chocada com isso. Então o medo de perder o mundo agora é amplo e irrestrito”. Nesse contexto, segue ela, é preciso entender que a tarefa da arte é de resistência, de questionamento. Leia abaixo a íntegra da entrevista.  

ARTE! – Você assumiu o cargo de curadora-chefe do MuBE em julho, ou seja, há pouco menos de 3 meses. Queria começar perguntando como tem sido o trabalho e o que foi possível fazer até agora, especialmente considerando que você assumiu em meio à pandemia e com o museu de portas fechadas.

Bom, desde o começo sabíamos que o museu estaria de portas fechadas por tempo indefinido. Então o início foi de um entendimento da instituição, do que poderia ser a vocação do museu. Como você sabe, o Cauê Alves, junto com a nova diretoria, já havia reposicionado o museu de uma forma muito diferente do que ele havia sido nos últimos dez anos. Então de quatro anos para cá existe um acervo sendo montado, exposições com consistência foram feitas, há uma equipe de educativo, cursos de história da arte e de arquitetura que já estavam sendo ministrados. O MuBE realmente foi adensando a programação. Então o começo foi em parte reconhecer esse terreno, ainda que à distância. Isso é muito difícil, até porque o prédio é encantador, é muito bom estar ali, naquele espaço aberto, em contato com a arquitetura do Paulo Mendes da Rocha. Realmente sinto falta deste convívio. 

E uma coisa que começamos a fazer foi intensificar a programação online, ver o que era possível produzir. Já existia uma programação chamada MuBE ao vivo – Conversa com Artista, e o que eu pude fazer de maneira um pouco mais profunda foi preparar séries para essa programação. Primeiro foi a série “hic et nunca: a cidade como espaço/tempo de experiências artísticas”. E nós convidamos cinco mulheres, cada semana uma artista brasileira: Regina Parra, Alice Shintani, Eleonora Fabião, Virginia de Medeiros e Abigail Campos Leal. E os debates foram super legais, com uma grande participação do público. Fizemos uma segunda série, que se chama “entre nós, uma ponte”, tentando montar diálogos entre arte e educação, com artistas cujos processos artísticos são indissociáveis de processos pedagógicos, como Jorgge Menna Barreto, Vânia Medeiros, Renata Felinto e Lia Rodrigues, entre outros. Agora estamos montando uma terceira série em que cada debate terá sempre um artista e um pesquisador/cientista discutindo as urgências do Antropoceno. Queremos colocar arte e ciência em diálogo.

Então essas atividades foram o foco principal. Além disso, o Educativo tem feito atividades que já existiam antes de eu entrar, como o “ateliê a distância”, geralmente mais voltadas ao público infantil. Tem também o “conhecendo o artista”, que é um video em que os educadores apresentam a produção de algum artista, em geral alguém que esteja na exposição que já estava montada – Obras-projeto: Novo Acervo do MuBE, que foi a última que o Cauê fez. E tem ainda o “conta o conto”. São as atividades online que pudemos fazer.           

Artur Lescher, Aerólito, 2003, na mostra “O ar que nos une”. Foto: Marcus Vinicius de Arruda Camargo

ARTE! – Vocês fizeram também a exposição O Ar que nos Une, já com sua curadoria, que não é uma mostra virtual. Poderia falar um pouco sobre ela?

Sim, foi o que conseguimos fazer, lembrando que a gente não abriu o museu para a exposição acontecer. Então ela foi feita na área externa para ser vista por quem passa na calçada, nos carros e ônibus. Ela parte do Conversa de Ar, da Yoko Ono, e a gente convidou artistas cujos trabalhos não exatamente tematizam a pandemia, mas de algum modo falam de uma espécie de conexão, do fato de que mesmo à distância as conexões e diálogos insistem em acontecer. Falam da forma como o planeta se comporta, e da forma como a gente se comporta, da maneira como o patrimônio cultural se constitui e se transmite.  

ARTE! – Em uma entrevista recente você falou sobre a proposta de trazer maior diversidade para o museu e de democratizar o acesso a ele. Você acha que essa mostra, ao se abrir para as ruas, já seria um passo neste sentido de desejo de maior integração com a cidade?

Acho que sim. E o desejo de integração eu acho que é algo de que vamos falar muito agora. Porque em tempos de isolamento o que a gente mais sonha é em ficar junto né? Isso se tornou muito caro para nós. Eu, antes de ser curadora, sou professora, então sinto muita falta da sala de aula. A gente sabe o quanto a experiência de aula é feita no convívio. E eu entendo também uma exposição como uma esfera pública de discussão.

Para mim, em primeiro lugar a vocação de um museu é a educação. E isso também tem a ver com o entorno mais imediato, com a cidade, com a rua, com o público. E quando penso em ampliação de público não estou falando apenas das pessoas que visitam o espaço, mas é super importante pensar no acesso aos meios de produção culturais, propondo uma possibilidade de trazer maior diversidade entre as pessoas que podem participar das exposições, palestras etc.

ARTE! – Poderia explicar um pouco melhor o que seria essa maior diversidade que você pretende trazer para o museu e de que modo isso pode ser feito na prática?

A gente já começou esse processo. Eu sei que a ideia de representatividade ainda é algo que a gente precisa ultrapassar. Quer dizer, precisamos sair da “síndrome de um negro só”, que é o que a gente vê na maioria dos espaços né? E eu não quero correr esse risco. Mas sei que pensar sobre isso é um trabalho fundamental, que tem que estar na pauta principal do MuBE. E temos que entender que uma exposição, uma curadoria, é um lugar de legitimação, e que a medida que uma curadoria olha, seleciona, legitima e coloca em exposição alguns trabalhos, ela também deixa de colocar outras coisas em circulação. Então eu acho que o trabalho parte principalmente de um processo de pesquisa, de diálogo, e aí sim de interlocução, de relação. Nós sabemos quantas iniciativas e plataformas de tentativas de mapeamento existem, por exemplo, de artistas negros, de profissionais e pesquisadores trans, mas talvez o grande desafio seja a nossa possibilidade de acessar e se comunicar com essas pessoas. E sendo franca, acho que ainda estamos engatinhando nesse sentido. O Brasil não se preparou para isso. Estamos muito acostumados a viver dialogando e expondo os grandes nomes, já hegemônicos e já cristalizados. E acho que é super importante ampliar os espaços, mas também ampliar a vista, entender uma diversidade de ação, de pontos de vista. E isso não deveria ser só uma plataforma de um museu, não teria que ser só a plataforma de arte, a gente tem que pensar em inclusão, que os meios de produção culturais tem que ser irrestritos para essas pessoas também.          

ARTE! – Você chegou já a citar essa proposta de trabalhar a ideia do Antropoceno, o que parece ter até uma relação com o nome do MuBE (Museu Brasileiro de Escultura e Ecologia). O que significa trazer o debate sobre o Antropoceno para o museu, inclusive pensando no atual contexto brasileiro de destruição de suas florestas?

Nós estamos vivendo uma crise que é humanitária, sanitária, política… Enfim, tornou-se uma pauta que a gente encara todos os dias, isso está em nossos corpos, vinculado aos nossos deslocamentos, aos nossos privilégios de ir e vir. Então temos no museu um planejamento que está começando a ser desenhado para o ano que vem, no qual estamos conversando com muitos pesquisadores e cientistas para entender as pautas urgentes para 2021. Entender os temas que não podem faltar. Então essa série de conversas que eu citei, por exemplo, já é fruto de um diálogo inicial com algumas pessoas. O Bruno Latour, por exemplo, é um pensador que está aqui na minha mesa, literalmente, o Diante de Gaia está aqui comigo. E no Brasil estamos começando a conversar com o S.O.S Mata Atlântica, a Marcia Hirota tem nos nutrido de pessoas e pesquisadores jovens que trabalham com agrofloresta, com o impacto no ecossistema da cidade – inclusive para entendermos a cidade como meio ambiente. Isso está presente também na formação dos educadores. Estamos tentando fazer com eles uma formação bem diversa e plural, passando pelas ideias de patrimônio cultural e educação ambiental, para que a gente também comece a preparar o público interno para receber esses conteúdos. Outro conteúdo importante é sobre as mudanças climáticas, o que envolve um maior entendimento do próprio funcionamento do museu, um engajamento com o cotidiano da instituição. Existe, por exemplo, a Agenda 2030, com vários protocolos e instâncias de funcionamento, e estamos tentando posicionar o museu em relação a essas estratégias.

Acho que uma coisa importante que eu tenho começado a aprender com os pesquisadores é que nós vamos, cada vez mais, assistir o planeta falar por si só, reagir. A ciência moderna tratou, por muito tempo, o planeta como um lugar de recursos que nunca iam acabar, mais passivo, uma espécie de mãe que tudo aceita e tudo nutre, tudo dá. E acho que maior lição que tenho aprendido agora são as interconexões, tudo está imerso, o planeta vai começar a reagir de maneira mais brusca, digamos assim. E temos que pensar em como tratar esses temas.                

ARTE! – Este debate inclui também tratar de questões indígenas, por exemplo?

Sim, porque a gente também entende que os povos originários, assim como nós, somos parte do meio ambiente. Mas é também um assunto que tem uma delicadeza. Não podemos apenas estetizar, entender como uma espécie de produção excêntrica. Acho que temos que ter um cuidado para lidar com essas coisas, estamos aprendendo a pensar sobre isso. Não podemos cair em erros de museificar as coisas, mas precisamos entendê-las em um plano de ação do imediato, do contemporâneo, de conexão cultural mesmo. Talvez a gente ainda tenha que sofrer um pouco para trabalhar com esse tipo de assunto.

ARTE! – Pensando no momento político conturbado que estamos vivendo, mais especificamente no Brasil, temos um governo que parece tratar arte, cultura, educação e meio ambiente quase como áreas inimigas. Queria que você falasse um pouco sobre como vê este contexto, pensando que essa são exatamente as principais áreas de atuação do MuBE…

Há cerca de um ano o Bruno Latour falou em uma entrevista que finalmente o medo de perder o mundo não é mais só dos artistas e dos poetas. Eu fiquei muito chocada com isso. Então o medo de perder o mundo agora é amplo e irrestrito. E é uma ameaça que se edificou com mais força e potência na nossa frente. Mas, partindo disso, eu entendo a arte como uma atividade social, embrenhada no meio social, nas nossas questões políticas, no nosso exercício efetivo como gente, por mais óbvio que seja falar isso. Então nesse momento é entender mesmo que a tarefa da arte é de resistência, de questionamento. Acho ainda temos alguma esperança se entendermos que a vocação principal da arte é a educação, o que pode trazer mudanças para as próximas gerações. E especificamente no MuBE e na minha atividade como curadora e professora, eu estou pensando nas gerações futuras, no que realmente pode acontecer de transformação. Talvez não sobre muita coisa para as próximas gerações, mas temos que tentar semear uma base, um outro solo, nossa obrigação é muito grande. E nesse sentido a arte também tem essa tarefa de desobediência, também num nível de engajamento coletivo, e estar à frente do MuBE é pensar em trazer tudo isso para dentro, mas é sobretudo convocar e fazer circular, ser uma espécie de centro nevrálgico para algumas pessoas. Para que a gente possa produzir e fazer circular informações que sejam mais humanitárias, que de alguma maneira distribuam justiça, não num sentido demagógico, mas de alguma equidade social, de algum sonho de equidade social. 

ARTE! – Por fim, falando sobre o acervo do museu, você entra após um período de quatro anos em que o Cauê se dedicou à criação de um acervo de projetos de artistas. Isso seguirá neste próximo período?

O acervo do museu é feito de obras-projeto, o que significa que as ideias do artista estão ali sendo cuidadas pelo museu. O que significa também que nós temos a possibilidade de remontar essas obras. Então, por exemplo, se nós fizermos um empréstimo de uma obra do MuBE, nós enviamos o projeto e aí a outra instituição é responsável pela montagem. E os artistas são super parceiros nisso, porque não é apenas um croqui, mas todo um memorial descritivo dos trabalhos. Os artistas fizeram vídeos, estão em diálogo com a conservadora, que é a Flavia Vidal. E acho que o que o Cauê iniciou foi muito importante para reposicionar o museu, colocá-lo também como detentor de um acervo. E sim, já estou conversando com pessoas que terão projetos incorporados como parte do acervo do MuBE. Em breve poderemos anunciar quem são.

CURA BH traz obras de arte para as fachadas da capital mineira

CURA BH. "Entidades", por Jaider Esbell. Foto: Divulgação.
"Entidades", por Jaider Esbell. Foto: Divulgação.

Desde 22 de setembro, Lídia Viber, Robinho Santana, Daiara Tukano e Diego Mouro vem trabalhando nas quatro empenas (com obras pintadas, afixadas nas paredes de prédios) espalhadas pela região da Rua Sapucaí, no Bairro Floresta, comissionadas para a quinta edição do CURA BH. Os três primeiros são artistas convidados, já Diego Mouro foi o vencedor da convocatória do CURA para 2020 – que recebeu cerca de 400 propostas. Devido à pandemia, o projeto está documentando todo o processo, com duração de 13 dias, em suas redes sociais.

“O CURA 2020 nasceu de um desejo em emergência de cuidar de nós e do que nos cerca, de nos unirmos e construirmos essa edição de mãos dadas. Um festival gestado por mulheres e que se tornou uma jornada de encontro e novas perspectivas”, afirma Janaína Macruz, uma das idealizadoras do festival, ao jornal O Estado de Minas.

Além das empenas, destacam-se a instalação Bandeiras na Janela e Entidades, escultura em grande escala de Jaider Esbell. Ao todo, são 18 obras de arte em fachadas, sendo 14 na região do hipercentro de Belo Horizonte e quatro na região da Lagoinha. O conjunto forma a maior coleção de arte mural em grande escala já feita por um único festival brasileiro. Também fica a crédito do CURA o primeiro e, até então, único Mirante de Arte Urbana do mundo.

Entidades é uma escultura inflável de duas cobras, cada uma com 18 metros de comprimento e 1,5 metro de diâmetro, nos arcos do Viaduto Santa Tereza, que traz consigo um registro da floresta amazônica, suas lendas e cultura. Entidades é inspirada pelo povo Makuxi, sendo uma representação da figura da “Cobra Grande”, considerada a “grande avó universal”.

O que ela representa não poderia vir em tempo mais oportuno: “A Cobra Grande está sempre trabalhando nos bastidores, sempre, incansavelmente, para nos alertar, nos proteger, nos manter vivos neste mundo enquanto povos originários dessas terras todas. A Cobra Grande representa várias simbologias, desde a fertilidade ao caminho das águas, da fartura, porque ela vive debaixo da terra, nos grandes rios subterrâneos, mantendo o movimento da água sempre pulsando para que sejam mantidas as fontes. Ela também está distribuída no universo através da Via Láctea, também no intermediário, através dos rios voadores”, explica Esbell. À noite, a escultura ganha outra face quando acendida com luzes neon.

“Bandeiras na Janela”. Foto: Divulgação.

A série Bandeiras na Janela, por sua vez, conta com painéis que reproduzem o trabalho de cinco artistas: Celia Xakriaba, #CóleraAlegria, Denilson Baniwa, Randolpho Lamonier e Ventura Profana. Até dia 1º de dezembro, as bandeiras ficam expostas na fachada da antiga Escola de Engenharia da UFMG, na Avenida do Contorno, cujo prédio encontra-se inativo desde 2010, quando foi cedido ao TRT (Tribunal Regional do Trabalho).

Nos cartazes agigantados surgem dizeres que se voltam a discussões contemporâneas e de relevância: na obra de Ventura Profana a palavra de ordem “Sem Senhor”; Randolpho Lamonier continua sua série Profecias prevendo “Em 2050 descobrimos: Brasil é América Latina!”; e Cólera Alegria chama a incorporar a reviravolta.

Contra a devastação! 

Beuys VI Seminário ARTE!Brasileiros
Trabalho da série Difesa della natura (Defesa da Natureza), 1984, de Joseph Beuys. Foto: Divulgação

Este ano completamos 10 anos de arte!brasileiros, uma publicação que pensa a arte inserida na contemporaneidade, como uma atitude, como uma forma de atuar e de sentir frente à realidade. Em outubro, nos dias 8 e 9, das 9:30 as 12:30 da manhã, temos a satisfação de realizar nosso VI Seminário Internacional, desta vez em formato virtual, no meio de uma das maiores provações dos últimos anos. 

No mundo, e no Brasil especificamente, parecem ter sido abertas as comportas de uma represa, e quase como num filme de ficção, saído em debandada monstros de todas as espécies, capazes de atualizar as atrocidades que já formaram parte da nossa história colonial. Os incêndios criminosos na Amazônia, no Pantanal, a contaminação dos povos das florestas, a violência brutal e assassina contra negras e negros e o abuso sexual contra as mulheres se tornaram um espetáculo tenebroso. Vivimos um cenário de descaso com a vida, com a ideia de humanização. 

A pandemia só veio agravar essa sensação. 

O mundo da arte e da cultura também passa por ataques sistemáticos nas redes de ódio que se espalham pela internet. A censura chega ao absurdo de questionar nus nas telas dos museus. 

Este debate já teve como como protagonista o artista alemão Joseph Beuys, que de 1980 a 1985 produziu na Itália uma série denominada Defesa da Natureza, que buscava a ampliação e superação do conceito de arte usando não só conceitos ecológicos, mas uma perspectiva mais ampla de revisão da própria ação humana. 

O “VI Seminário Internacional ARTE!Brasileiros: Em defesa da natureza e da cultura – a arte do possível”, realizado em parceria com o Goethe-Institut, busca, trazer para o público varios dos temas que ganharam urgência neste período e dos esforços expositivos que foram desenvolvidos em diversas mostras internacionais que não puderam chegar a se desenvolver plenamente no contexto pandêmico.

O encontro irá reunir virtualmente, transmitido através do Youtube e varias plataformas digitais; artistas, filósofos, cientistas, ambientalistas e curadores que vêm trabalhando neste cenário complexo já há muito tempo.

Estarão presentes o filósofo italiano Franco “Bifo” Berardi, pensador importante sobre o futuro pós-pandemia. O líder ambientalista Ailton Krenak, uma das vozes mais potentes dessa época, a artista e militante indígena Naiara Tukano e o cientista Antônio Donato Nobre que abordarão questões cruciais que atingem a vida do planeta e o ataque aos povos indígenas. A curadora e pesquisadora argentina Andrea Giunta, responsável pela última Bienal do Mercosul, e a dupla Bárbara Wagner e Benjamin de Burca, a partir da Manifesta13, apresentarão as questões de cerceamento às liberdades individuais e a defesa de diversidade de gênero.

Os curadores da Bienal de Berlim, a brasileira Lisette Lagnado e o espanhol Agustín Pérez Rubio, assim como a artista brasileira Aline Baiana e o artista guatemalteco Edgar Calel, que participam da bienal. A mostra, que foi suspensa em abril e aberta, com restrições ao público em 4-6 de setembro, aborda temas como o combate ao fanatismo e ao extrativismo, a vulnerabilidade de indivíduos que vivem em campos ou situação de confinamento e a existência de corpos sexodissidentes.

Por último o trio de curadores Diane Lima, Beatriz Lemos e Thiago de Paula Souza, à frente da Frestas – Trienal de Artes, que acontece parcialmente em Sorocaba, trará reflexões sobre os temas que o evento aborda, como o deslocamento dos eixos geográficos na arte contemporânea e o desenvolvimento de estratégias de escuta social, participação e formação dos públicos! Aguardamos a todos!

Comité Curatorial: Patricia Rousseaux, diretora editorial arte!brasileiros, Fabio Cypriano, diretor do curso de comunicação PUC_SP, critico de arte.

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Hino contra ditadura inspira exposição de brasileiros em Paris

Lyz Parayzo, "Bandeira #2". Apesar de você, amanhã há de ser outro dia.
Lyz Parayzo, "Bandeira #2". Foto: Daniel Nicolaevsky Maria.

Com título inspirado em canção de Chico Buarque contra a ditadura, a exposição manifesto Apesar de você, amanhã há de ser outro dia reúne cerca de vinte artistas mobilizados para se levantar contra a política ultraconservadora do presidente Jair Bolsonaro, que coloca em risco a cultura, os direitos humanos e a proteção do meio ambiente. A coletiva será apresentada até o dia 30 de setembro no ateliê do artista colombiano Iván Argote, nas Grandes Serres, em Pantin, Paris.

Os participantes são artistas brasileiros radicados na França cuja obra se mobiliza contra a situação preocupante do país. Sua seleção foi realizada pela curadora argentina Sofía Lanusse, partindo de uma iniciativa de Sandra Hegedüs, colecionadora e mecenas brasileira, também fundadora da SAM Art Projects. Apesar de você traz obras em plataformas diversas que abrangem pintura, escultura, desenho, música e performance. A mostra expõe trabalhos dos seguintes artistas: Anna Torres, Bianca Dacosta, Elian Almeida, Juliano Caldeira, Lyz Parayzo, Lucas Kröeff, Isadora Soares Belletti, Gabriel Moraes Aquino, Wagner Schwartz, Romain Vicari, Rodrigo Braga, Randolpho Lamonier, Liliane Mutti, Julio Villani, Daniel Nicolaevsky Maria, Daniel Zarvos, Joanna Zimmermann e Iván Argote.

Embora a canção de Chico tenha ecoado pelas ruas do Brasil nos anos 1970, alguns aspectos se mostram atuais. Hegedüs observa: “Estamos enfrentando sérios problemas de censura e uma lista de tensões que seria muito longa para enumerar. Recorri a Iván Argote, que é sul-americano e tem plena compreensão de todas essas questões que existem não só no Brasil. Ele já tinha começado a organizar exposições aqui e imediatamente acolheu este projeto. Com Sofia como curadora queríamos dar a eles esse espaço para que se expressassem sem risco de censura e violência, seguindo o comando artístico dirigido por Julio Villani nos portões da Embaixada do Brasil em Paris, no dia 21 de maio de 2020, cujos cartazes estão distribuídos ao longo da exposição”.

Cartazes de Julio Villani na mostra "Apesar de você, amanhã há de ser outro dia". Foto: BZ.
Cartazes de Julio Villani na mostra “Apesar de você, amanhã há de ser outro dia”. Foto: BZ.

Na apresentação da mostra, Lanusse aponta que essa é uma “oportunidade de sublinhar a importância da criação de espaços coletivos para discutir questões que nos separam, de forma a driblar as táticas do ‘dividir para conquistar'”. Ela complementa: “A forma como nos reunimos é definida pela forma como percebemos e implementamos nossos relacionamentos e responsabilidades, uns para com os outros”. A curadora relata, por fim, que quando políticas lesivas “assediam” nossa sociedade, o diálogo se torna “uma ferramenta fundamental para restaurar a confiança e nos permitir compartilhar nossas opiniões. Cinquenta anos depois, a nostálgica melodia ‘Apesar de você’ nos lembra um passado que se faz mais uma vez presente – e ao qual devemos resistir”.

Acompanhando a exposição, neste final de semana (26 e 27 de setembro) ocorrem três mesas redondas, que poderão ser assistidas virtualmente na página do Facebook da SAM Art Projects, confira:

Sábado (26 de setembro), às 17h

Corpos políticos e afetividade

Conversa (em inglês) entre a curadora da exposição, Sofia Lanusse, e as artistas Lyz Parayzo e Isadora Belletti.

Domingo (27 de setembro), às 16h

Literatura da resistência

Com: Adriana Brandão, jornalista nascida no Brasil, integrante do corpo editorial do serviço brasileiro da RFI e autora do livro Os brasileiros em Paris, ao longo dos séculos e dos bairros; Julio Bernardo Ludemir, nascido no Brasil, autor, um dos criadores do FLUP (Festival Literário Internacional que ocorre, desde 2012, nas favelas do Rio) e da Batalha do Passinho, duelos musicais ao ritmo do funk, que acompanhou em Londres e Nova York; Leonardo Tonus, especialista em literatura brasileira contemporânea; Wagner Schwartz, artista plástico nascido no Rio de Janeiro, que vive e trabalha entre São Paulo e Paris, está envolvido em diversos grupos de pesquisa e experimentação coreográfica na América do Sul e na Europa.

Domingo (27 de setembro), às 18h

O que os artistas podem fazer?

Com: Sandra Hegedüs, mecenas e colecionadora paulista, fundadora da SAM Art Projects e iniciadora da exposição Amanhã há de ser outro dia; Iván Argote, artista plástico nascido em Bogotá, vive e trabalha em Paris, expõe seus filmes e instalações em importantes bienais, museus e galerias de todo o mundo; Liliane Mutti, diretora e roteirista baiana, mora na França e atua nas áreas de videoarte, videoperformance e ficção, tratando de temas entre o exílio e o olhar feminino; Daniel Nicolaevsky Maria, dançarino e artista visual, natural do Rio de Janeiro, que vive e trabalha entre Paris e Rio de Janeiro, expõe e se apresenta em diversos centros de arte, incluindo o Centre Pompidou e o Palais de Tokyo em Paris ou o Sogetsu Art Center em Tóquio.

Para seguir as regras sanitárias, exigidas por causa da pandemia de Covid-19, as pessoas terão que reservar seus ingressos com antecedência e agendar suas visitas no site do evento (weezevent.com). O uso de mascara é obrigatório, bem como o respeito do distanciamento social.

Galeria TATO tem exposição presencial e abre inscrições para seu segundo ciclo de formação

Obra de Rosa Grizzo na Casa TATO I
Trabalho de Rosa Grizzo que compõe a exposição da Casa TATO I. Foto: Cortesia da Galeria TATO

Neste mês a Galeria TATO abriu as portas com sua primeira exposição presencial após meses fechada por conta do isolamento social. A mostra é resultado do Casa Tato I, programa de formação ministrado pela galeria, e segue aberta até o dia 27 de setembro (domingo).

O projeto aproximou treze artistas a um grupo de curadores. Foram 39 encontros virtuais promovendo o diálogo com colecionadores e agentes do mercado de arte. Participaram desta primeira edição Arlette Kalaigian, Corina Ishikura, Cris Basile, Cynthia Leitão, Heloisa Lodder, Jussara Marangoni, Kika Goldstein, Luciana Luchesi, Marcos Pereira de Almeida, Nil Sanchez, Rosa Grizzo, Rosana Pagura e Silvio Dworecki. Na exposição, realizada com apoio da Galeria Pourquoi Pas?, de Punta Del Este, cada artista apresenta seu trabalho com uma pequena mostra em um dos cômodos do espaço expositivo. 

De forma a garantir maior segurança frente à pandemia de Covid-19, a visitação é feita apenas com hora marcada e são seguidos todos os protocolos sanitários, incluindo o uso obrigatório de máscara. As obras também serão expostas online pela ArtSoul.

O programa de formação

A Casa TATO – que resulta na mostra – nasce de uma ideia de Tato DiLascio, fundador e diretor da Galeria. Em seus 10 anos de carreira, o curador notou uma carência de serviços para desenvolvimento de artistas frente às exigências feitas pelo mercado de arte. Foi pensando em suprir essa lacuna que idealizou um programa de formação e experimentação.

O objetivo geral era criar oportunidades para desenvolvimento de competências ao artista que deseja se profissionalizar. Para que isso acontecesse, treze curadores foram convidados e realizaram abordagens e reflexões sobre os trabalhos dos inscritos na Casa TATO. Em paralelo, cada participante selecionou um nome dentre a lista de curadores, com quem teve conversas mais aprofundadas sobre suas obras e o futuro de sua trajetória profissional.  

Tato conta que essa primeira turma foi idealizada para acontecer presencialmente, porém a pandemia alterou os rumos do projeto. A maioria dos encontros aconteceram virtualmente, proporcionando maior aproximação dos artistas com todos os curadores e maior reflexão e aprofundamento na poética dos trabalhos. Além disso, Tato DiLascio acredita que o formato online traz um lado positivo para a formação: “Desse modo, a Casa TATO possibilita a presença de artistas de todo o Brasil. Por isso, seguiremos com esse formato daqui para frente”, explica.

Por isso, o segundo ciclo de formação, com início em outubro, também ocorrerá virtualmente. “A formação acontece toda pelo Zoom, a única coisa presencial é a exposição. Os curadores visitarão a exposição montada, que podem ir ver isoladamente ou seguindo os protocolos de distanciamento”, afirma o diretor. As inscrições para a segunda edição do projeto estão abertas (clique aqui).

Serviço

Endereço: R. Veríssimo Glória, 59 – Perdizes
Horários: De Sexta a Domingo – das 12h às 16h
Para visitar a exposição presencial é necessário agendar com até 15 minutos de antecedência. Para isso, envie uma mensagem de WhatsApp para (11) 98171-2121

Sesc-SP: Retomada gradual de atividades presenciais e sucesso da proposta digital

Sesc-SP reabertura

Em entrevista à arte!brasileiros, Juliana Braga de Mattos, Gerente de Artes visuais e Tecnologia do Sesc-SP, fala sobre o trabalho da instituição no período da quarentena, tanto através da plataforma Sesc Digital e das redes sociais quanto das ações na área de saúde. Ela conta também que o Sesc-SP, com suas 40 unidades espalhadas pela capital e pelo interior do estado, inicia uma cuidadosa e gradual reabertura presencial de suas unidades, o que inclui a inauguração de pelo menos dez exposições até o fim do ano. Assista ao vídeo gravado no Sesc Pompeia, unidade que abre em breve a exposição Farsa, com trabalhos de arte contemporânea de artistas do Brasil e de Portugal.   

 

 

Acervo Comentado VB: Liu Wei por Márcio Seligmann-Silva

Cena do filme SARS (2003), de Liu Wei. Foto: Cortesia Videobrasil.
Cena do filme SARS (2003), de Liu Wei. Foto: Cortesia Videobrasil.

No novo episódio do Acervo Comentado Videobrasil, o crítico e teórico Márcio Seligmann-Silva [1] fala sobre a obra SARS (2003), do cineasta chinês Liu Wei.

Liu Wei é um cineasta independente que vive e trabalha em Pequim. Ele nasceu na província de Hei Longjiang, na República Popular da China, em 1965 e se formou na China Central Academy of Drama em 1992, completando seus estudos no Departamento de Filosofia da Universidade de Pequim em 1995. Seus trabalhos estão intimamente relacionados à experiência e memória pessoal, bem como à realidade e à rápida mudança da história da China contemporânea.

Os filmes de Liu Wei já foram exibidos no Festival de Vídeo de Nova York, The European Media Art Festival, Experimenta Media Arts Festival, Berlin International Media Art Festival, e em três edições do Sesc_Videobrasil. Sua filmografia reúne as seguintes obras: The City of Memory (2000), Underneath (2001), Sars (2003) A Day to Remember (2005), Year by Year (2005), Hopeless Land (2008) e Unforgettable Memory (2009).

Talvez dos trabalhos de Liu Wei, um dos mais conhecidos seja A Day to Remember (2005), realizado em parceria com Susie Jakes. A premissa do documentário é simples: Liu passa o aniversário de 2005 do massacre de Tiananmen andando pelos lugares perguntando às pessoas “você sabe que dia é hoje?” e filma as respostas. Por mais famoso que seja o massacre de Tiananmen (4 de junho de 1989) fora da China, o evento é pouco conhecido dentro da nação. Justamente essa vasta amnésia, a autocensura imposta pelo governo Chinês, que Liu explora neste filme, procurando entender como, em um país tão cosmopolita como a China, isso pode ser possível.

“As reações no rosto das pessoas à medida que processam sua pergunta e as maneiras como tentam responder é uma representação poderosa do que significa ter seu governo suprimindo à força a memória de um doloroso evento nacional. Alguns parecem sinceramente inconscientes, alguns encontram uma maneira de sinalizar seu entendimento sem dizê-lo abertamente. Outros simplesmente fogem, tão sensível é a memória de Tiananmen que até mesmo perguntar a data em 4 de junho pode assustar as pessoas e fazê-las fugir”, aponta o jornalista Max Fisher.

Sars (2003)

A obra compara o poder do vírus da Sars, pneumonia que se alastrou a partir do sul da China e infectou milhares de pessoas em 2003, ao da mídia chinesa, que corrói a compreensão da realidade ao martelar imagens propagandísticas de alegria e prosperidade absoluta. No vídeo do Acervo Comentado, comparando a epidemia de Sars à da Covid-19, Seligmann-Silva reflete sobre as relações entre arte e política.

“Também agora os Estados se mostram como gestores da vida e da morte. Os Estados totalitários, como a própria China, se revelam agora como máquinas biopolíticas bem oleadas que conseguem impor lockdown com rigor militar e podem contar com a disciplina de uma população amestrada pelo medo”, aponta Seligmann. E ele complementa: “Já Estados geridos por políticos populistas, neoliberais, como o caso do Brasil e dos Estados Unidos, se mostram como máquinas de necropolítica negacionistas. Esses políticos apostam na maximização, como sabemos, dos lucros, e na máxima exploração do trabalho e das classes trabalhadoras, não importando se isso custa vidas”.

Sobre o Acervo Comentado

Acervo Comentado Videobrasil é uma nova parceria entre arte!brasileiros e a Associação Cultural Videobrasil. A cada 15 dias publicamos, em nossa plataforma e em nossas redes sociais, uma parte de seu importante acervo de obras, reunido em mais de 30 anos de trajetória.

A instituição foi criada em 1991, por Solange Farkas, fruto do desejo de acolher um acervo crescente de obras e publicações, que vem sendo reunido a partir da primeira edição do Festival de Arte Contemporânea Sesc_Videobrasil (ainda Festival Videobrasil, em 1983). Desde sua criação, a associação trabalha sistematicamente no sentido de ativar essa coleção, que reúne obras do chamado Sul geopolítico do mundo – América Latina, África, Leste Europeu, Ásia e Oriente Médio –, especialmente clássicos da videoarte, produções próprias e uma vasta coleção de publicações sobre arte.

Este projeto contribui para “redescobrir e relacionar obras do acervo Videobrasil, e vertentes temáticas, na voz de críticos, curadores e pensadores iluminando questões contemporâneas urgentes”, afirma Farkas.


[1]Márcio Seligmann-Silva é doutor pela Universidade Livre de Berlim, pós-doutor por Yale, professor titular de Teoria Literária na UNICAMP e pesquisador do CNPq. É autor de, entre outras obras, “Ler o Livro do Mundo” (Iluminuras,1999, vencedor do Prêmio Mario de Andrade de Ensaio Literário da Biblioteca Nacional em 2000), “Adorno” (PubliFolha, 2003), “O Local da Diferença” (Editora 34, 2005 vencedor do Prêmio Jabuti na categoria Melhor Livro de Teoria/Crítica Literária 2006), “Para uma crítica da compaixão” (Lumme Editor, 2009) e “A atualidade de Walter Benjamin e de Theodor W. Adorno” (Editora Civilização Brasileira, 2009). Foi professor visitante em Universidades no Brasil, Argentina, Alemanha, Inglaterra e México.

 

Para Nelson ou os perigos da fúria interpretativa

Nelson Leirner, "Você Faz Parte II", 1964. Madeira, aço cromado, espelho e aglomerado de madeira. 111,3 x 111,3 x 10,2 cm. MAC-USP.

I.

Uma obra do Museu de Arte Contemporânea da USP que sempre me intrigou é, Você faz parte II, produzida por Nelson Leirner em 1964. Penso nela e logo me vem à mente sua estrutura modular em grade e, como contraponto, o humor do artista preenchendo cada um dos módulos com representações de fechaduras e chaves, com exceção de um deles, representando uma fechadura vazia com um espelho em lugar da chave[1]. Sempre pensei sobre o que aquela obra significava ou poderia significar, pois a fúria interpretativa que a quase todos assola nunca me abandonou, apesar das leituras que fazia (e ainda faço) sobre seus perigos[2].

Quando redigia Nelson Leirner. arte e não Arte[3], antes de escrever sobre a obra, preferi indagar Leirner sobre como surgira a ideia da peça (e da série toda), qual o significado dela para ele etc. Ouvir o artista é uma espécie de “obrigação metodológica”, uma crença de que a “verdade” de qualquer trabalho é detida apenas por seu autor; que só ele ou ela pode dar a interpretação “mais correta” sobre ela. Sempre duvidei da veracidade dessa crença. Entretanto, durante a redação do livro, antes de escrever sobre Você faz parte II, achei prudente enviar um e-mail para Nelson perguntando-lhe sobre a obra e a série. Ele me respondeu o seguinte:

“A exposição da Atrium, por incrível que pareça, nasceu em um cemitério judaico, onde as famílias compram quadras, pois na nossa religião não se pode erguer monumentos aos mortos. E foi numa quadra com todos os lotes cobertos por lápides de mármore preto que percebi um somente coberto por terra, como que esperando a chegada do corpo a ser sepultado. E deu para perceber que, nesse cemitério na Vila Mariana, dentro de pouco tempo a ‘ludicidade’ da vida não mais existiria. A equação para a exposição estava formada, o resto foi uma questão de jogo”[4].

Fiquei frustrado com a resposta, repleta de questões pessoais que não me interessavam e que somente anos depois despertariam minha atenção. Lembro que absorvi e instrumentalizei positivamente parte do depoimento – a questão lúdica dos trabalhos – fazendo questão de citar seu depoimento em nota de rodapé, acrescentando no final:

“… Como é possível notar, Leirner percebeu, numa quadra de um cemitério judaico, com um lote vago, a base do jogo entre a vida e a morte, o que confere a todos os trabalhos apresentados na Atrium um outro potente sentido alegórico, até então insuspeito [5]

Feito esse comentário, segui a análise sobre as obras do artista destacando interpretações que levavam em conta algumas de suas potencialidades alegóricas (sobre as quais voltarei a falar).

***

Estar focado em outras possiblidades interpretativas para Você faz parte II me impediu de examinar seu depoimento atento a outro dado importante do percurso de Leirner: além das duas primeiras obras da série Você faz parte dos anos 1960, em 1990 ele produziu outro trabalho que se integraria ao grupo – Você faz parte, hoje no MAM SP. E, a partir de 2000, Leirner continuaria dando continuidade à série.

Quanto à obra do MAM SP, apenas achava curioso o fato dela remeter às obras do início de carreira do artista (pelo título e pelo uso do espelho), e só. Quanto a Leirner voltar à série em 2000, também não dei a atenção devida. Para mim elas não passavam de irônicas respostas de Nelson ao mercado, naquela época ávido por possuir as obras mais radicais do seu começo de carreira ou, pelo menos, novos exemplares que remetessem à sua produção inicial. Afinal, apesar da longa trajetória como artista e professor, Leirner só foi reconhecido a partir da segunda metade dos anos 1990[6]. Quando, a partir daí começam a surgir colecionadores interessados em suas obras, não me espantou que o cinismo e a ironia de Leirner o levassem a retomar a série que praticamente havia marcado seu debut na cena brasileira. Afinal, desafiar a instituição arte – e, dentro dela, o mercado –, sempre foi um dos seus objetivos. Nunca discuti essa questão com ele e, passados tantos anos, ainda não descarto de todo a possibilidade da série Você faz parte ter ressurgido no início dos anos 2000 como uma operação para atiçar o mercado (em todos os sentidos).

Contudo, existe outro aspecto dessa retomada de Você faz parte que somente agora começa a fazer sentido para mim: afinal, Nelson optou por resgatar aquela série em especial, e não qualquer outra produção que desenvolvia no início de carreira. Ele insistiu em repetir uma série que pode ser entendida como fruto de uma experiência perturbadora e, ao que parece, não resolvida. Refiro-me ao que Nelson vivenciou ao visitar o Cemitério Israelita da Vila Mariana, em São Paulo. Afinal, quem aquele lote “coberto de terra” estava esperando, a não ser o próprio Leirner?[7]

Ao que tudo indica, não ter conseguido superar aquela experiência explica as razões que o levavam a, de tempos em tempos – e por meio das mais diversas circunstâncias –, reviver o abalo que vivenciou no cemitério.

Capa do livro: CHIARELLI, T. Nelson Leirner. “arte e não Arte”. São Paulo: Takano, 2002.

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Durante muito tempo acreditei que, por mais curioso que pudesse ser pensar a série Você faz Parte como a repetição ritual de uma perturbação vivida por Leirner, tal fato dizia mais sobre o artista do que sobre a série. O próprio Nelson parecia insatisfeito com apenas essa conexão entre a série e o episódio do cemitério, se apressando em chamar a atenção, no e-mail citado, para a dimensão provocativa e lúdica nos trabalhos exibidos na Atrium[8], retirando o protagonismo do “conteúdo” da série e preferindo pensar no “aqui e agora” de cada uma das peças enquanto signos e proposições.

Hoje, respeitando o posicionamento de Leirner, e tomando cuidado em relação às possíveis investidas daquela “fúria interpretativa” citada no início, creio ser possível usar esse dado de sua biografia para propor algumas interpretações possíveis para Você faz parte II, respeitando sua autonomia enquanto obra, mas levando em conta sua importância no percurso do artista na arte brasileira.

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Você faz parte II é uma provocação. Ao colocar uma série de representações de fechaduras (16 ao todo) em que apenas uma está sem a chave que a “tranca”, Nelson induz a pessoa a se aproximar para mexer naquelas chaves ou, no mínimo, olhar através do buraco da fechadura. Sabendo ser impossível tocar na obra (por mais tentador que seja), ela se aproxima para espiar pelo buraco na única fechadura vazia e aí, então, a surpresa: tendo colocado um espelho no lugar da chave, ao invés de revelar algum mistério oculto do “outro lado” da obra, Leirner desarma a expectativa da pessoa, jogando-a para fora da obra, para o espaço que ela ocupa na sala de exposição.

Essa frustração se dá porque a tradição artística do Ocidente – e aqui me reporto, sobretudo à pintura – comportou-se como uma janela para a contemplação de uma realidade em que a perfeição e a beleza reinariam como antídotos às imperfeições do mundo “real”. A obra de Leirner, ao mimetizar aspectos da pintura, comporta-se como tal: retangular e bidimensional, e presa à parede, confunde-se com as pinturas ao seu redor, para melhor frustrar quem a observa.

Meio pintura, meio objeto, ela evoca a última obra de Marcel Duchamp, Étant donnés, produzida entre 1946 e 1966, hoje no Museu da Filadélfia. Frente a ela a pessoa é levada a se aproximar de uma porta com dois buracos (um para cada olho) e observar um corpo nu de mulher segurando uma lamparina na frente de uma paisagem. Você faz parte II, 1964, poderia ser o “comentário” de Leirner sobre essa obra (Duchamp sempre foi uma referência para ele). Porém, além de Étant donnés ter vindo a público após a produção de Leirner, ela premia o espectador vouyeur que, ao colocar os olhos nos buracos da porta encontra uma cena onírica, erótica e alegórica. O trabalho de Leirner, não. Ele faz o contrário: o espelho colocado na fechadura repele a possibilidade de introduzir a pessoa em uma outra realidade. O espelho o joga continuamente para fora da “Arte” e para dentro do espaço físico em que a obra e a pessoa que observa estão situados.

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Aracy Amaral, em Arte paulistana, atenta para como a peculiar “relação arte/indústria é percebida com transparência em Nelson Leirner a partir de fins desses anos 60”[9]. De fato, uma das características de sua obra é o uso de material industrializado. Porém, essa característica “paulistana” já estava presente em suas produções exibidas em 1965, visível, tanto no acabamento industrial (sem indicações da “mão” do artista), quanto na configuração modular que a elas outorgava, remetendo-as à arte construtiva em sua desinência paulistana, o concretismo. Porém, é problemática essa relação de Você faz parte II com o concretismo. Aquelas formas representando chaves dentro de fechaduras, como num mostruário de loja de fábrica, comprometem o rigor concreto, ao mesmo tempo em que solapam qualquer positividade do industrialismo paulistano, uma vez que “falta” uma chave no mostruário.

Em Nelson Leirner. arte e não Arte, refleti sobre a peculiaridade das obras que integraram a exposição na Atrium, em 1965[10]. Praticamente todas – Que horas são, Dona Candida?, Acontecimento e Responda, se puder[11] – possuíam constituição modular, remetendo-as à lógica industrial e à “herança” concretista. Essa racionalidade, por sua vez, era sempre desmentida por algum elemento: uma fechadura sem chave, uma série de ratoeiras em que apenas uma prende um rato, uma série de relógios que não funcionam[12]. Essa crítica à racionalidade, ao desprestigiar a lógica capitalista ali entranhada, imantava os trabalhos com um caráter humorado e lúdico, levando o público a acreditar que estabelecia uma relação menos cerimoniosa com elas. Porém, essa possibilidade de participação que os trabalhos sugeriam (trocar as chaves de lugar, mexer nos ponteiros dos relógios etc.) era ilusório.

Aparentemente “afáveis”, aquelas obras se comportavam estrategicamente como obras tradicionais, não se sujeitando à dominação do público, à catarse participativa[13].

A partir desse limite entre a aproximação e a recusa à submissão aos desejos do/da visitante, elas como que obrigavam a pessoa a perceber o espaço real de exibição em que se encontrava, tornando-a atenta ao fato de que não vivenciar as experiências lúdicas que aqueles trabalhos sugeriam era conscientizar-se de que estava imersa em outro jogo: aquele do sistema da arte que ela integrava, querendo ou não. Você faz parte II descoloniza da ideologia, a pessoa e a arte, fazendo com que a primeira se conscientize também dos equívocos da arte “participativa”, antecipando em dez anos Espelho com luz, de Waltercio Caldas[14].

II.

Leirner, com Você faz parte II, parecia interessado em provocar a pessoa que a contemplava, impedindo-a tanto de “viajar” através dela, quanto de, com ela, criar qualquer tipo de interação “participativa”. Seu objetivo, parece, era obrigar o/a espectador/a perceber-se como integrante de um sistema que já o/a precedia e sem dúvida o/a sucederia, do qual apenas podia ser refém e cúmplice.

***

Foi o desconforto de Nelson perante a dimensão implacável da morte que o fez povoar seu percurso com diversas configurações dessa espécie de mantra: “você faz parte”. É como se ele sentisse a responsabilidade de sempre lembrar quem contemplasse sua produção de que a vida é constantemente ameaçada pela morte. Daí a continuidade da série após 1964. Porém, como esse sentido original que o motivou a realizar tantas obras com o mesmo título nunca foi revelado ao público – permanecendo não manifesto nas configurações assumidas pelas peças que integram o conjunto –, essa não revelação aparentemente neutralizou aquele o objetivo original, conferindo-lhe outro sentido.

O que persiste em todas as obras da série é a presença do espelho, a jogar aquele/a que observa para fora da obra, para o espaço em que se encontra. E se a pessoa que contempla não alcança o jogo entre vida e morte que deu origem aos trabalhos, é previsível que ela, então, perceba a si mesma como participante de um outro jogo – o jogo da arte, do sistema da arte que a pressupõe, mas que a precede e sucede.

Foi por isso que, ao me referir à suposta neutralização do sentido original dos trabalhos da série, usei o advérbio “aparentemente”. E isto porque, Você faz parte II, de 1964 – e todos os trabalhos que se agregam à série –, metaforiza a similitude entre a situação do/a observador/a, tanto em relação à morte quanto ao próprio sistema da arte: a impossibilidade irrecorrível de escapar a ambos.

*

Você faz parte II, 1964, assim como todos os outros trabalhos do mesmo grupo, refletem aleatoriamente o que se encontra à sua frente, seja a sala de uma residência ou de um museu e, neste sentido, são obras cujo sentido estrito será sempre circunstancial. Em síntese, são trabalhos sempre dependentes de suas relações com o entorno.

Em 1963, portanto um ano antes da peça criada por Nelson Leirner, e na mesma galeria em que o artista a exibiria, Waldemar Cordeiro apresentou uma pintura em “técnica mista” (óleo e espelho sobre tela) à qual conferiu o título Opera aperta. A expressão em italiano remetia em parte às origens do artista[15], mas, sobretudo, ao livro homônimo do ensaísta italiano Umberto Eco, publicado no ano anterior naquele país.

Waldemar Cordeiro, “Opera aperta”, 1963, óleo, espelho, colagens s/ tela, 75 x 150 cm. Col. Família Cordeiro.

Opera aperta, 1963, representa, talvez, o momento mais importante da carreira de Cordeiro, quando ele faz penetrar em sua prática de artista, anteriormente ligado à experiência concretista de São Paulo, elementos hauridos do cotidiano: fotografias, folhas de jornais, rodas de bicicleta, tampas de garrafa, espelhos. Opera aperta enfatiza também sua estrutura em grade, cara ao modernismo em geral e caríssima às vertentes construtivas e concreta: em uma tela convencional, Cordeiro dispôs quatro linhas horizontais, cada uma delas ritmadas por dez superfícies espelhadas quadradas, sendo que na primeira e terceira linhas as séries de dez quadrados têm início a um curto espaço da lateral esquerda da tela, enquanto os espelhos da segunda e da quarta linhas têm início a partir de uma distância maior da mesma lateral.

Se não fosse esse arranjo rítmico dos espelhos proposto por Cordeiro, eles configurariam uma disposição allover ao campo pictórico, semelhante àquela proposta por Nelson Leirner em Você faz parte II. Essa escolha de Cordeiro acaba conferindo a Opera aperta a obediência ao conceito de composição pictórica tradicional (não existe uma real quebra da relação figura/fundo tão cara à grande pintura europeia). Este fato, no entanto, não lhe retira o elemento principal que é a sua dimensão acidental, sua capacidade de mudar de significado a cada ambiente em que é inserido e a cada espectador/a que se colocar à sua frente. De fato, os quadrados espelhados, conferindo-lhe um componente aleatório, neutraliza sua composição de cunho tradicional.

Apresentar essa pintura de Cordeiro nessas considerações sobre a produção de Nelson Leirner não tem como objetivo reivindicar para o primeiro a primazia da introdução de espelhos em obras de arte em São Paulo, uma questão, por si só, inócua. A utilização do espelho em Opera aperta, pelo então ex-líder do concretismo paulista, por outro lado, não significou a continuidade dessa operação por parte do artista, uma vez que Cordeiro encaminharia sua produção para outras questões que o distanciaram de qualquer relação efetiva com a crítica à instituição arte – o contrário da trajetória de Nelson.

O que justifica a lembrança dessa obra de Cordeiro é atentar para o fato de que, em São Paulo, na primeira metade dos anos 1960 havia um processo de aprofundamento da dimensão experimental da arte, sem um rompimento com as normas estabelecidas pela tradição, como ocorria em alguns segmentos artísticos do Rio de Janeiro – os trabalhos de Helio Oiticia, Lygia Clark e mesmo Ligia Pape.

Se nesses últimos era perceptível uma busca de interação entre obra e espectador – com todo o radicalismo e riscos que essa intenção guardava –, nota-se que, em São Paulo, esse contato mais próximo entre obra e espectador continuava mediada, digamos assim, pela própria manutenção de certos esquemas estabelecidos pela tradição artística: a pintura, os limites para a manipulação. Tal atitude (consciente ou não), embora aparentemente mais conservadora trazia, no entanto, aquele dispositivo crítico de enfrentamento dos próprios limites do sistema da arte que somente a partir de alguns poucos anos mais à frente começaria a ser explorado por artistas mais jovens.

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Cildo Meireles, “Espelho cego”, 1970. Madeira, massa de calafate, letras de metal em relevo, 36 x 49 cm. Coleção Particular.

Espelho cego, 1970, de Cildo Meireles pode abrir uma interessante reflexão sobre o espelho, esse dispositivo tradicionalmente voltado para o olhar, desviado agora para um outro sentido, o tato[16]. A matéria (um tipo de borracha) colocada no lugar do plano refletor na peça de Cildo, e mais o título do trabalho em inglês e o nome do artista invertidos e em relevo, atiçam o/a espectador/a a manipular aquele objeto, com o intuito de percebê-lo em sua dimensão física. Supondo que tal manipulação seja possível – difícil, uma vez que a obra quando em exibição deve ser salvaguardada do contato físico dos visitantes –, pergunto-me, até onde o/a espectador/a seria levado/a por essa experiência? Diferente dos Bichos, de Lygia Clark, Espelho cego não se transforma quando manipulado e, portanto, a experiência de manejar, quando finda, deve levar a uma pouco prazerosa sensação de frustração. O/a espectador/a, após olhar envergonhado/a para os lados, devolveria a peça para o seu lugar. Tal sensação seria a mesma a ocorrer se ele/a, o/a visitante, simplesmente observasse a peça, sem tocá-la.

Para que serve um espelho cego exceto para que, passados alguns segundos de contemplação, os olhos do/a visitante comecem a percorrer o espaço em que ele/a e o “espelho” se encontram? Interessante como, mesmo sem refletir o entorno – como é o caso de Você faz parte II –, Espelho cego igualmente faz ressoar na mente do/a observador/a a consciência do espaço institucionalizado da arte, seus limites e regras.

O mesmo poderia ser dito sobre Você é cego, 1972, de Waltercio Caldas. Uma montagem composta por uma base em forma de pedestal e, sobre ela, um objeto representando um cavalete e uma pintura. Na base, o título: Você é cego.

Waltercio Caldas, “Você é cego”, 1972.

O interesse de Caldas por frustrar toda possibilidade do/a espectador/a “entrar” nas obras, sendo obrigado/a a conscientizar-se do espaço concreto em que ele/a e o objeto de arte que contempla se encontram, ganha sua maior expressão, talvez, na obra aqui já mencionada, Espelho com luz, 1974: um espelho emoldurado em forma de quadro, tendo no canto inferior direito um pequeno botão que acende uma lâmpada vermelha acima dele.

Ronaldo Brito, em um texto sobre a obra do artista, associa, não sem razão, Espelho com luz a uma crítica à arte “participativa” de então, e ao interesse pelas perspectivas supostamente novas levantadas pelo mito da “obra aberta”, que ganhava maior força a partir da já citada publicação de Umberto Eco. Brito se posiciona sobre a obra:

“… Mas não. O Espelho com luz está mais perto de ser uma obra fechada. Nesse fechamento, nessa recusa, estaria sua inteligência crítica. Como vimos, a crueldade é justamente a capacidade de não entregar sentido, em suma não comunicar (oráculo do idealismo tecnicista dominante). A luz vermelha que se acende no espelho proíbe a entrada, barra o acesso ao interior da obra. Mais ainda, torna patente que há apenas um espelho e uma luz: não há uma cena…”[17]

Sim, na verdade há uma “cena” ali: o reflexo do/a visitante eventual, (frustrado/a pelo fato de nada acontecer depois de ter apertado o botão) e o seu entorno, o espaço em que a obra e ele/a estão inseridos.

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Estabelecida essa relação tão proteica e inesperada entre Você faz parte II, Opera aperta, Espelho cego, Você é cego e Espelho com luz, creio poder terminar este texto levantando uma possível dimensão alegórica[18] para Você faz parte II.

O espelho presente em Você faz parte II, ao jogar o/a espectador/a para fora da obra – e, portanto, para dentro do espaço expositivo – obriga-o/a a buscar no próprio trabalho outro tipo de apoio que forneça alguma sustentação para que ele/a possa dar “sentido” à obra (a maioria dos espectadores/as não se contenta apenas com o “aqui e agora” da obra de arte). E uma primeira pista para a descoberta de significado ele/a encontrará no próprio título e na datação da peça que funcionam como um enunciado peremptório: Você faz parte II, 1964.

Para a maioria dos brasileiros, 1964 significou e significa um ano na história do Brasil em que o processo pelo qual vinha passando o país sofreu importante revés, motivado pelo golpe civil-militar perpetrado naquele ano. Assim, Você faz parte II pode ser interpretada como uma alegoria daquele momento em que todos os brasileiros, apoiadores ou não do golpe, éramos responsáveis pela situação em que o país passou a viver.

Você faz parte II é tão atual que, se fosse trocada a data para 2020, não estranharíamos nada.

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[1] – Dois dados importantes relativos à peça: era a segunda de uma série (a primeira foi extraviada) e fazia parte de um conjunto de obras que, produzidas a partir de suas configurações em grade, todas introduziam elementos de humor nos módulos resultantes. Esse conjunto foi exibido em uma mostra na antiga Galeria Atrium, em São Paulo, em 1965 que Leirner dividiu com o amigo Geraldo de Barros.
[2] – Sobre o assunto ler, entre outros: SONTAG, Susan. Contra a interpretação. Porto Alegre: L&PM, 1987 (sobretudo o texto que dá título ao livro).
[3] – CHIARELLI, T. Nelson Leirner. arte e não Arte. São Paulo: Takano, 2002.
[4] – Este depoimento faz parte de uma série de e-mails trocados entre o artista e eu entre junho e setembro de 2001 para a coleta de informações para a produção do livro citado na nota 3.
[5] – Nota 23, in – CHIARELLI, T. op. cit. pág. 42.
[6] – Reconhecimento coroado, quando o curador Ivo Mesquita o convidou para, junto com Iran do Espírito Santo, representar o Brasil na Bienal de Veneza, em 1999. Nessa que foi a 48ª. edição da mostra, se evidenciava a potência de Leirner na arte contemporânea brasileira, não apenas pela dimensão crítica de sua produção, mas também por ter sido um dos orientadores de uma significativa geração de artistas surgida nos anos 1980, na qual sobressaía o próprio Iran do Espírito Santo.
[7] – Este fato talvez explique o lado supersticioso que Nelson às vezes exibia. Um dado que chama a atenção sobre essa característica da sua personalidade pode ser notado na foto de capa do livro, aqui mencionado, arte e não Arte. Nelson fez questão de que fosse protagonista da imagem a série de amuletos ligados a diversas matrizes religiosas que ele carregava pendurada no peito. Outro dado: em 2002, quando realizei no Santander Cultural de Porto Alegre a mostra “Apropriações/coleções, optei por apresentar as produções de seis nomes fundamentais para se pensar as questões da apropriação e da coleção na arte brasileira. Eram eles, Alberto da Veiga Guignard, Jorge de Lima, Athos Bulcão, Aloísio Magalhães, Farnese de Andrade e o único artista vivo entre os “homenageados”, Nelson Leirner. Nelson veio reclamar comigo, dizendo que se sentia incomodado por ser o único vivo entre os “clássicos” da exposição. Seria de novo a síndrome do “Você faz parte”?
[8] – Vale a pena rever o texto: “E deu para perceber que, nesse Cemitério na Vila Mariana, dentro de pouco tempo a “ludicidade” da vida não mais existiria. A equação para a exposição esava formada, o resto foi uma questão de jogo”.
[9] – “Arte paulistana”, um AMARAL, Aracy. Textos do Trópico de Capricórnio. Artigos e ensaios (1980-2005). São Paulo: Editora 34, 2006. Vol.3 pág. 303. Publicado originalmente no jornal Gazeta Mercantil, São Paulo, 10,11,2000.
[10] – CHIARELLI, Tadeu. Nelson Leirner. arte e não Arte. Op. cit..
[11] – As três obras são de 1965. As duas primeiras pertencem a coleções particulares e a terceira à Coleção Daros Latin American, Zurique.
[12] – Em tempo: o relógio é o signo por excelência da modernidade industrial, do tempo subordinado à lógica da sociedade capitalista; relógios que não funcionam, entregam a falência de tal lógica, exibindo-a.
[13] – As peças de Leirner agiam em sentido contrário àquele das proposições que Hélio Oiticica e Lygia Clark desenvolviam mais ou menos na época.
[14] – Voltarei a tratar sobre a obra de Waltercio Caldas e a análise feita sobre ela por Ronaldo Brito (BRITO, Ronaldo. Waltercio Caldas Jr. “Aparelhos”. Rio de Janeiro: GBM Editoria de Arte, 1979 – sobretudo pag. 56 e segs.).
[15] – Filho de mãe italiana, viveu durante muitos anos na Itália, chegando ao Brasil aos 21 anos.
[16] – Sobre o assunto, consultar: ALMONFREY, Juliana de Souza S. Cildo Meireles: inserção e desvio no transitar conceitual. Vitória: Dissertação de Mestrado, UFES, 2009.
[17] – BRITO, Ronaldo. Waltercio Caldas Jr. “Aparelhos”. Rio de Janeiro: GBM, 1979; pág. 72.
[18] – A alegoria pode partir do desejo do próprio artista que pode querer conferir a determinada obra de sua autoria uma dimensão alegórica, ou então a alegoria pode estar na ordem do espectador que pode interpretar determinada obra como uma alegoria, independente dos desígnios de seu autor (Sobre o assunto, ler HANSEN, João Adolfo. Alegoria: construção e interpretação da metáfora. São Paulo: Ed. Hedra, 2006).

Festival É Tudo Verdade prepara programação especial junto ao Sesc-SP

Cena do filme "Auto da Resistência" de Natasha Neri e Lula Carvalho. Na cena, Marielle Franco, vereadora assassinada no Rio em 14 de março de 2018, ao lado de mães de jovens mortos pela polícia. Filme é um dos exibidos pelo Sesc dentro do Festival É Tudo Verdade.
Cena do filme "Auto da Resistência" de Natasha Neri e Lula Carvalho. Na cena, Marielle Franco, vereadora assassinada no Rio em 14 de março de 2018, ao lado de mães de jovens mortos pela polícia. Filme é um dos exibidos pelo Sesc dentro do Festival É Tudo Verdade.

Começando no dia 23 de setembro, a 25ª edição do festival É Tudo Verdade exibe, até 4 de outubro, um total de 60 longas, médias e curtas-metragens em competição e hors-concours, de forma gratuita, em plataformas de streaming. O festival, que teria acontecido em março, foi parcialmente adiado para setembro na esperança de que pudesse ocorrer presencialmente.

Com a pandemia ainda impondo riscos à sua realização física, a mostra será realizada, quase que em sua totalidade, digitalmente. Ainda assim, as produções premiadas pelos júris do É Tudo Verdade 2020, nas competições brasileiras e internacionais de longas e médias-metragens e de curtas-metragens, estão automaticamente classificadas para apreciação à disputa pelo Oscar do ano que vem.

Uma novidade da edição atual é a programação especial – realizada em conjunto com o Centro de Pesquisa e Formação do Sesc-SP – que inclui seções exclusivas com longas-metragens brasileiros vencedores das edições anteriores do festival, disponíveis na plataforma Sesc Digital, a partir de 8 de outubro, por um período de 30 dias. Confira os filmes a seguir:

Auto de Resistência
Direção: Natasha Neri e Lula Carvalho

Um panorama contemporâneo de homicídios praticados pela polícia contra civis, no Rio de Janeiro, em situações inicialmente classificadas como legítima defesa. As vítimas de assassinato são acusadas de serem traficantes e de terem trocado tiros com os policiais. No entanto, a versão da PM é posta em xeque pelo surgimento de vídeos e pela luta de mães que tentam provar a inocência de seus filhos.

Cidades Fantasmas
Direção: Tyrell Spencer.

Em Humberstone (Chile), resquícios na paisagem e memórias de sobreviventes mal conseguem ilustrar a prosperidade da época em que dali saía boa parte do salitre exportado para todo o mundo. Nas imediações da antiga Fordlândia (PA), casas hoje ocupadas por posseiros são os últimos sinais de uma cidade estadunidense construída por Henry Ford no auge do ciclo da borracha. Armero, na Colômbia, teve sua população praticamente erradicada pela erupção do vulcão Nevado del Ruiz, em 1985. Vinte e cinco anos depois de ter sido inundada, após a quebra de uma barragem, ruínas da Villa Epecuén, na Argentina, emergiram para expor os restos de uma antigamente animada estação de águas medicinais.

O Futebol
Direção: Sergio Oksman.

Sergio e seu pai, Simão, não se viram ao longo de 20 anos. A realização da Copa de 2014 no Brasil fornece ao filho, que mora na Espanha, um pretexto para conviver algum tempo com o pai, retomando seu antigo hábito de assistirem a jogos juntos, mantido quando o filho era garoto. À medida que ambos se reaproximam, suas conversas os levam ao encontro do passado e das questões deixadas em aberto pela distância.

Poster do filme "O Futebol", de Sérgio Oksman, vencedor do É Tudo Verdade de 2016. Foto: Divulgação.
Poster do filme “O Futebol”, de Sérgio Oksman, vencedor do É Tudo Verdade de 2016. Foto: Divulgação.


Homem Comum
Direção: Carlos Nader.

Ao longo de quase 20 anos, o cineasta Carlos Nader conviveu com o caminhoneiro paranaense Nilson de Paula e sua família. Desde o início, havia o projeto de realizar um documentário, cujas intenções se transformam visceralmente, num processo também captado pela câmera. Durante esse período, transformam-se as vidas de Nilson, que adoece, de sua mulher, Jane, e de sua única filha, Liciane, assim como a do diretor, que passa a fazer parte deste círculo também afetivamente.

Mataram Meu Irmão
Direção: Cristiano Burlan.

Reconstituindo os detalhes da morte de seu irmão, Rafael Burlan da Silva, ocorrida há 12 anos, o cineasta Cristiano Burlan se lança em uma jornada pessoal que conduz ao coração de um círculo de violência em torno dos bairros da periferia paulistana – como o Capão Redondo, onde morava a família e o irmão, de 22 anos, que foi morto com sete tiros, em 2001.

Dois Tempos
Direção: Dorrit Harazim e Arthur Fontes.

Apontada pelas estatísticas, a ascensão da classe média brasileira é radiografada neste documentário em que os diretores Dorrit Harazim e Arthur Fontes revisitam uma família da zona leste paulistana que protagonizou um trabalho anterior, “A Família Braz” (2000). Seu Toninho, dona Maria e três dos quatro filhos, Denise, Gisele e Éder – o mais velho, Anderson, se casou e mudou – continuam morando na mesma casa, na Vila Brasilândia. Mas sua renda e perspectivas profissionais e culturais visivelmente se ampliaram.