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Mostra em Buenos Aires coloca em diálogo Leda Catunda e Alejandra Seeber

leda catunda
"Barriga", 2018, de Leda Catunda. Foto: Fortes D’Aloia & Gabriel e Museo Nacional de Bellas Artes de Buenos Aires.

A partir do dia 19 de fevereiro, até o mês de agosto, o Museo de Arte Latinoamericano de Buenos Aires (MALBA) apresenta a mostra Fuera de serie (fora de série), com obras da paulistana Leda Catunda e da portenha Alejandra Seeber – duas artistas latino-americanas cujas pesquisas estéticas se aprofundam nos limites da pintura.

Com curadoria de Francisco Lemos, a mostra reúne obras, estudos, esboços e documentos históricos e recentes. Segundo o texto de apresentação, a exposição expõem as obras de Seeber e Catunda “no âmbito das suas técnicas pictóricas e da influência que recebem da cultura urbana, arte moderna, design, música e natureza. Evidenciando perspectivas partilhadas e zonas de diferença, ela busca iluminar as particularidades de suas obras, sugerindo trocas entre suas trajetórias e estéticas”.

A exposição ocupa dois ambientes do MALBA, uma das mais importantes instituições culturais argentinas, inaugurando o programa “Paralelo 1 || 3” – que coloca em conversa espaços expositivos do térreo e do segundo andar do museu. Fuera de serie será acompanhada por um livro homônimo editado por Gabriela Rangel, diretora artística do museu, com imagens e um ensaio curatorial de Lemus, um texto do poeta norte-americano John Yau e uma entrevista com as duas artistas.

Alejandra seeber e leda catunda
“Mujer Pancho”, 1999, de Alejandra Seeber. Foto: Museo Nacional de Bellas Artes de Buenos Aires

Em trecho de seu texto, Yau escreve: “Na expansão dos limites da pintura – esforço que, ao mesmo tempo, põe em causa o seu estatuto de privilégio – Catunda e Seeber levam a disciplina para um novo território onde o assunto é sério, mas não levado muito a sério. Ambas as artistas são capazes de dar humor e consciência social ao seu trabalho. Elas questionam os padrões do que constitui beleza e experiência estética refinada para o espectador e o convidam a fazer o mesmo”.

Além de sua primeira exposição no museu portenho, no segundo semestre de 2021 Leda Catunda apresenta mostra na Carpintaria (espaço da Fortes D’Aloia & Gabriel no Rio de Janeiro), ao lado da norte-americana Judy Chicago.

Brasil-França

Performance com as Xifópagas Capilares,reproduzida para Nervo de Prata, 1987. 1 videocassete (20 min.) VHS

Lembrar da influência da França na cultura brasileira é algo que nos faz percorrer um caminho filosófico-artístico e poético que nomeia o anônimo, recorda o esquecido e dá voz ao silêncio.

Até os anos 1960, a cultura francesa tomava conta do mundo ocidental, não é por acaso que o idioma francês é o único falado oficialmente nos cinco continentes. No Brasil, havia uma comunicação cotidiana entre os dois países, via cultural. Os colégios de freiras se ocupavam da educação de uma elite juvenil feminina. A Universidade de São Paulo, em 1934, foi buscar na França intelectuais e cientistas para sofisticar seu quadro acadêmico e assim vieram Roger Bastide, Lévi-Strauss, entre outros.

O intercâmbio entre a França e o Brasil vem de longa data e este ano toma vários espaços culturais. Na bienal de São Paulo, de 1951 a 1961, críticos franceses participaram do júri de premiação em sete edições, e artistas daquele país levaram prêmios em oito.

Na contemporaneidade, Tunga foi o artista brasileiro que mais se destacou na França, onde fixou residência na década  de 1980, e onde realizou várias exposições na galeria Daniel Templon, expôs no Grand Palais, Louvre e chegou à X Documenta de Kassel, convidado pela curadora da mostra, a crítica francesa Catherine David. Nosso especial relembra aqueles tempos de Tunga na iluminada e efervescente Paris da época. As Xifópagas Capilares da foto acima, são uma expressão do período.

ARTE!Brasileiros também destaca algumas exposições importantes que movimentarão neste segundo semestre o Ano da França no Brasil, como o inesquecível Matisse, reverenciado por todos, que traz sua alegria à Pinacoteca do Estado de São Paulo; de Chagall, na Casa Fiat de Cultura, em Belo Horizonte e em seguida no Rio de janeiro, com momentos singulares de uma vasta obra; Cartier-Bresson, que o público poderá apreciar em um significativo conjunto de fotografias. O design ganha vitrina na exposição do Museu da Casa Brasileira.

Ainda nesta edição, um artigo especialmente elaborado para mostrar a magnitude do patrimônio francês que integra os acervos das mais importantes instituições brasileiras. E há muito mais!

Art as Essence

I am writing this text in the midst of the isolation we have been subjected to in the past few days by the pandemic that has plagued our planet, to a greater or lesser extent, in most countries.

In Italy, where until now we rarely commented on the exhibitions at the Venice Biennale, approximately 12 thousand citizens died in the last 30 days. We all watched in horror the international scenes, typical of science fiction films. We read and heard daily a plethora of data and information about an unknown scourge, the COVID-19, which only comes close to the Black Death, in the Middle Ages, or the Flu Spanish, before World War I. Today and here, we are trying to minimize the numbers of human losses in Brazil, collaborating with a quarantine that allows the least amount of infected people.

We are perplexed in our fragility to the cracks in an economic and political system that cannot be sustained when it comes to serving human beings equally. Who until a few days ago defended the minimum state, today recognizes in the Unified Public Health System (SUS) the only way out of crises of this magnitude. Scientists who at the beginning of the year were forced to stop their research thanks to the cut in grants and investments are now being requested at all times.

The coronavirus came against our daily virus.

In culture, where we already discussed cuts to incentive laws and watched the dismantling of various institutions, the pandemic poses a new challenge.

To date, March 31, 2020, all meetings and cultural activities have been canceled or postponed. The editions of the Art Basel fairs in Hong Kong and Basel closed; ARCO Lisbon; SP-Arte, in São Paulo; and arteBA, in Buenos Aires. The São Paulo and Mercosur Biennials were postponed, as well as the Manifesta13, in Marseille. The Berlin Biennial still has to announce whether it will be maintained in June.

The IFEMA Exhibition Center, where the traditional ARCO Madrid fair was held just a month ago, has just been transformed into a “hospital” with over a thousand beds for infected patients.

“The outlook is bleak for the country’s cultural sector,” said Manuel Fernandez-Braso, president of the Asociación de Galerías de Arte de Madrid.

Despite the anguish we experience, having to take care of ourselves and our peers, we had to find, in our daily lives, moments of reflection and work solutions so as not to fade.

For our team, this would be a moment of great celebration. In this edition # 50, the first of the year, ARTE!BRASILEIROS celebrates its 10th anniversary. Ten years where we defend the idea that art synthesizes transversal narratives and that, specifically in the work of art, the artist expresses his ability to move away from the world and perceive him as a subject. It contains your ideas and, certainly, your anxieties and those of your time.

In these years we have tried to portray the strength and diversity of contemporary Brazilian art, for Brazilians and for the world, in some of the themes that stood out in this period in a remarkable way: the defense of freedom and gender issues; the fight against racial discrimination, women’s segregation, economic, social and political oppression; migratory movements, freedoms, denouncing aggressions to the environment and the planet.

We also portray innovation in movement, in color, the search for new supports, experimentation, research of materials and stories.

To this end, we invested in a contemporary digital art and culture platform, capable of speaking both to academia and the market.

We created a huge network of national and international collaborators and our seminars brought together interlocutors from several countries.

We got here with a positive balance. More than a thousand subscribers to the printed magazine, close to 50 thousand organic and loyal followers on Instagram, in addition to a network of relationships and readers that surrounds around 80 thousand on the www.artebrasileiros.com.br portal

This year, if we manage to win COVID-19 and its aftermath, we will hold our VI International Seminar, scheduled for early October.

This edition, which brings a new graphic project, specially commis­sioned to the team of designers at Alles Blau Studio, had the ability to adapt to the difficulties of the moment. The work with the teams in the home-office, their interviews and reports, showed a very high degree of collaboration and competence on the part of everyone involved. Most of the texts were produced before the several postponements of exhibitions and biennials, but we chose to keep them, believing that better days will come.

We hope to find everyone healthy, and can imagine another moment, which will certainly require us to be born again.

Trans-Formation

IN THE ACADEMIC UNIVERSE, the prefix “trans” refers to what is “between”, “through” and “beyond” the disciplines, considered only segments of knowledge. ARTE!Brasileiros  was founded five years ago with the conviction that art has the ability to be a particular catalyst for the idea that we must regroup the different forms of knowledge in order to seek an understanding of the world. It is a special instrument to track the reflection of contemporary individuals about their own suffering. Art allows the juxtaposition of messages, it “knows”. Its mediation as a cognitive and sensory experience allows for an encounter of trans-formation. An experience with one another that goes “beyond”.

The psychic force of each subject, immersed in his
time and territory, the different forms of expression,
choice of languages ​​and mediums make the artwork
an exceptional channel, where, throughout history,
men leave their legacy.

In contemporary art, for lack of a better term to name the art we have access to after Modernism and the avant-garde movements, diversity explodes. It is in the choices of the speech used by artists and artistic directors that we see the “through”.

Social, political or religious hatred, intolerance to gender differences, defence of territories and violence against refugees who globally migrate leaving behind part of their history, all these issues break out and create in the work of artists, cultural entanglements that “speak”. The issues and concerns of the contemporary individual are brought to the fore, giving way to another conception of beauty.

In an interview with Brazilian art critic Frederico Morais, entitled Material Language, and partially published on the Tate Etc. magazine, issue number 14, in April 2008, Meireles says: “I produced my work based on language. I try to distance myself from a pathological approach
to art, that is, art as an autobiography of the author.”

In this edition, we assembled exhibits from different parts of the world, featuring foreign artists who dive and translate to the visual arts the social and cultural characteristics of different countries. In Brazil, books and exhibitions that focus on immigrant artists – Yolanda Mohalyi, Lasar Segall, Lina Bo Bardi – who settled here, thus building part of the national art history. Coverage of the Lyon and Istanbul biennales, the Frieze and Fiac fairs, shows and initiatives that address by the means of the arts, the issues of gender and sexual identity.

For the past five years, ARTE!Brasileiros has maintained that conviction following, along with journalists, curators, historians, anthropologists and art critics, the work of Brazilian and foreign artists, national and international exhibitions, numerous biennales, the establishment and progress of cultural institutions, research publications and books, and of course, a market that only came to grow in the past three decades.

Our audience has gained strength and our bilingual publication has gained ground. In 2012, we won the Art Critics Brazilian Association Prize, Antônio Bento, dedicated to the top visual arts outreach and promotional work in the media, in 2011.

Since ever, we have tried to be as serious as possible with regards to reflection and information. It has been an absolute joy to accompany young artists in their early career and witness them evolve, as well as those already established, who have gained prominence and new working spaces.

We have also developed a division for networking and seminars, for listening to the experience of national and international experts, which reached an ever increasingly eager public. Finally, we now have a digital platform with a weekly schedule, video interviews and reports, the first steps for our ARTE!TV.

We want to thank our employees, who supported and accompanied us through the difficulties and contributed to implementing an enterprise like this in Brazil, a country with gaps in its educational development, but which, despite its flaws, is still
an international cultural reference, and we also thank our sponsors who support this initiative.

We hope, with all our hearts, to have the needed strength to carry on.

Previsões (possíveis) para o mercado da arte em 2021

Previsões para 2021. Foto da Art Basel em Miami Beach. Cortesia da feira.
Foto da Art Basel em Miami Beach. Cortesia da feira.

Na ressaca de 2020, o mundo da arte começa a retomar calendários e estabelecer estratégias reformuladas após um ano de eventos sendo adaptados por conta da pandemia e feiras migradas em formatos híbridos com o online. A incerteza ainda cerca qualquer planejamento para o ano que começa, mas mesmo assim alguns especialistas em arte e mercado deram suas apostas para 2021. Em sua coluna Gray Market, o editor da seção de mercado no Artnet News, Tim Schneider, calcula que as principais feiras de arte de 2021 acontecerão conforme planejado: Frieze New York (5 de maio), Art Basel Hong Kong (21 de maio), Frieze Los Angeles (26 de julho), Armory Show (9 de setembro) e Art Basel Miami Beach (dezembro). 

“Se você está contando pontos, isso significa que as duas únicas feiras importantes que estou advertindo são a Art Basel em Basel (prevista para sair em 14 de junho, mas postergada recentemente para 23 de setembro) e a Frieze London / Masters (com lançamento previsto para 13 de outubro)”. Por que essas duas exceções? Schneider explica que a Suíça fez jus à sua reputação em 2020 por estar entre os países mais exigentes e restritos do mundo no que se refere à regulamentação de eventos presenciais durante a crise. “Considere os desafios que já estamos vendo com a distribuição de vacinas e restrições de viagens internacionais relacionadas à saúde, e posso ver os funcionários do governo potencialmente forçando a Art Basel a atrasar um pouco seu principal evento”, ele supõe. 

Já sua ressalva com a Frieze London / Masters recai sobre a estratégia de vacinação adotada pelo Reino Unido: o governo pretende oferecer vacinas a 15 milhões de pessoas – acima de 70 anos, profissionais de saúde – em meados de fevereiro e milhões a mais de pessoas com mais de 50 anos e outros grupos prioritários até a primavera. Só no outono o resto da população adulta receberá uma vacina, justamente para quando a ocorrência da Frieze London está planejada. O mesmo período no ano passado marcou um novo acréscimo no nível de transmissões, algo que poderia ser novamente um empecilho. “A cautela poderia obrigar os funcionários da Frieze a mudar a feira de seu formato tradicional no Regent’s Park para o mesmo modelo distribuído da Frieze Los Angeles 2021”, indica o editor.

Com todo o zelo para a última edição da Frieze de 2021, por que Schneider está confiante com a ocorrência da primeira, em Nova York, ainda em maio? Uma resposta pode ser a oferecida por Victoria Siddall, diretora do conselho da feira na metrópole americana. Em entrevista ao colunista do The New York Times Scott Reyburn, Siddall já havia sinalizado que “Nova York é uma das poucas cidades onde você pode realizar uma feira para 60 galerias internacionais sem ter que contar com um grande público internacional. Há tantos colecionadores na cidade”. Ela afirma: “É uma feira muito menor, mas parece certa para o primeiro semestre.”

Há de se esperar para 2021 uma redução no número de feiras frequentadas pelos galeristas? Talvez sim. A galerista de Marianne Boesky, também de Nova York, planeja atender metade das feiras às quais comparecia há cinco anos, por exemplo, ressaltando que a necessidade de frequentar os eventos e seu encarecimento gradual levaram-na a um ponto em que a comparação entre a receita da galeria e as despesas gerais em feiras de arte – sem contar horas de trabalho -, quase não atingiam o ponto de equilíbrio.

Previsões 2021. O leiloeiro Oliver Barker presidindo os leilões eletrônicos globais da Sotheby's. Cortesia da Sotheby's.
O leiloeiro Oliver Barker presidindo os leilões eletrônicos globais da Sotheby’s. Cortesia da Sotheby’s.

Para além da permanência das feiras presenciais, Schneider se arrisca entrevendo um aumento nos leilões online devido a um número de compradores dispostos a gastar (“livremente, mas não de forma imprudente”) depois de um ano em que reduziram os luxos; sua aposta é que finas obras de arte serão vendidas em leilão, embora “troféus não façam parte do pacote”.

E como ficam os famigerados viewing rooms? “Minha sensação é que, uma vez que até mesmo a programação física limitada entrou em cena, manter um programa digital simultâneo tornou-se uma proposta cada vez mais de alto esforço / baixa recompensa para revendedores com recursos modestos”, explica o editor. Ele complementa notando que caso feiras de arte virtuais continuem após o retorno de suas contrapartes ao vivo, “alguns desses negociantes vão decidir que o ciclismo contínuo de suas próprias salas de exibição online não vale mais a pena, especialmente se eles ainda puderem participar de feiras virtuais”.

Sejam os viewing rooms ou leilões virtuais, para a consultora de arte Emily Tsingou: “O legado duradouro de 2020 será que a confiança em um formato puramente digital não é a solução para o futuro do mercado de arte”, como dito em entrevista ao The Art Newspaper.

LEIA MAIS: Na edição #53 de arte!brasileiros foi publicada uma reportagem que traçava um panorama do mercado da arte no Brasil em 2020, escutamos galeristas e outros agentes do mercado nacional, colocando em cheque tais adaptações ao ambiente virtual e se elas haviam sido benéficas, ou não. Confira acessando este link.

Pinacoteca inaugura mostra de Fayga Ostrower, uma das pioneiras da gravura abstrata

Para iniciar a sua programação de 2021, a Pinacoteca de São Paulo abre, no dia 1° de fevereiro, a mostra Fayga Ostrower: Imaginação Tangível, individual de uma das mais destacadas artistas do Brasil no século 20. Com 130 trabalhos, a exposição traça um panorama da produção de Fayga Ostrower (1920-2001), pioneira da gravura abstrata no país, nascida na Polônia e naturalizada brasileira após sua chegada ao Rio de Janeiro em 1934.

A exposição, com curadoria de Carlos Martins, faz parte das celebrações do centenário de nascimento da artista – “autodidata, inovadora e múltipla em suas realizações” – e está organizada a partir dos principais interesses que norteavam sua pesquisa. Segundo o texto de apresentação da mostra, “o público poderá apreciar a pluralidade das obras que se relacionavam com a literatura, estamparia e arquitetura, ampliando os limites tradicionais das técnicas de xilogravura e gravura em metal, criando um vocabulário muito particular”.

Fayga Ostrower
Ilustração para a capa de “Invenção de Orfeu”, de Jorge de Lima, 1952. Foto: Isabella Matheus/ Pinacoteca de São Paulo

Em um primeiro núcleo, a exposição perpassa os anos de formação de Fayga, onde é visível o uso das narrativas literárias e a inspiração em livros para criar imagens e aprimorar o aprendizado da gravura. Nesse período, a artista ilustrou livros como O Cortiço, Invenção de Orfeu e Terra Inútil. O segundo momento da mostra apresenta o período em que Fayga Ostrower passa a obter reconhecimento nacional e internacional, e no qual ela dá uma grande virada em sua carreira – na década de 50, a artista abandona a figuração e parte para abstração e para composições mais livres.

O terceiro período contemplado pela exposição, em núcleo intitulado Expressões Gráficas, mostra a aproximação de Fayga, já no final dos anos 60, com outras técnicas de trabalho, como serigrafia e litografia. Estão aí também os cartazes de divulgação das exposições de Fayga, desenhados pela própria artista. “Ela tinha essa curiosidade de imagem impressa, sem preconceito. O que interessava era a multiplicação da imagem, fazer uma proposta visual que possa e tenha caráter, mesmo que multiplicado sobre o papel por qualquer tipo de mídia”, afirma Martins no texto de divulgação.

Fayga Ostrower
“Bambús”, 1953, serigrafia sobre tecido. Foto: Isabella Matheus/ Pinacoteca de São Paulo

Uma das mais destacadas artistas brasileiras de seu tempo, Fayga Ostrower recebeu o Grande Prêmio Nacional de Gravura da Bienal de São Paulo (1957) e o Grande Prêmio Internacional da Bienal de Veneza (1958), além de prêmios nas bienais de Florença, Buenos Aires, México e Venezuela. Para a exposição na Estação Pina, um catálogo bilíngue (português e inglês) foi produzido com imagens das obras da Fayga, mostrando sua trajetória e reunindo textos de Carlos Martins e de Adélia Borges.

*Leia também “Acervo Radical”, texto de Fabio Cypriano sobre a nova disposição da coleção da Pinacoteca do Estado.

Serviço: Fayga Ostrower: Imaginação Tangível
Estação Pinacoteca – 2° andar
Largo General Osório, 66 – Santa Ifigênia
Gratuito (a entrada só é permitida com a reserva pelo site www.pinacoteca.org.br)

 

 

Arte sul-coreana dos tempos do Antropoceno ganha espaço no Videobrasil Online

Cena de "Sound Graden", de Jeamin Cha. Foto: Divulgação

Já faz alguns anos que, de modo crescente, as discussões em torno do Antropoceno se tornaram pauta fundamental na pesquisa e produção de artistas contemporâneos ao redor do mundo. Se temáticas como a destruição da natureza já estavam presentes nas artes visuais há mais tempo, a urgência da crise ambiental e a consolidação de um novo conceito – que se refere ao período em que a ação humana na natureza é tamanha e tão destrutiva que passa a representar uma ameaça à própria vida no planeta – se mostraram incontornáveis na criação artística realizada nas mais variadas linguagens e suportes. 

Dentro deste contexto, ainda parece raro no mundo ocidental, e no Brasil mais especificamente, um olhar atento para a produção oriental referente a esses temas, em países como, por exemplo, a Coreia do Sul. “Desde o início, o objetivo desse projeto curatorial era mostrar o Antropoceno não ocidental”, conta Juhyun Cho, curadora da mostra Antropoceno: Coreia x Brasil 2019-2021, em cartaz desde o começo de janeiro na plataforma Videobrasil Online. Suprir parte desta lacuna, portanto, é um dos objetivos da exposição, que reúne contundentes trabalhos audiovisuais de seis artistas coreanas contemporâneas: Hayoun Kwon, Sanghee Song, Ji Hye Yeom, Jeamin Cha, Eunji Cho e Song Min Jung.

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Cena de “Future Fever”, de Ji Hye Yeom. Foto: Divulgação

A data presente no título se refere ao início, em 2019, de um projeto mais amplo de cooperação entre a Associação Cultural Videobrasil e o Ilmin Museum of Art, em Seul – do qual Cho é a curadora chefe -, que apresentou uma mostra de artistas brasileiros no museu coreano. A segunda exposição, com os trabalhos dos artistas coreanos, seria realizada presencialmente no Brasil em parceria com o Sesc, mas acabou migrando para a nova plataforma do Videobrasil por conta da pandemia de Covid-19. Apesar da mudança forçada, o novo formato se mostrou coerente com a pesquisa da curadora coreana – bastante focada na relação entre arte e novas mídias – e com o suporte dos trabalhos, que misturam principalmente filmagens e animações 3D. 

Para Cho, a apresentação dos 11 vídeos – “altamente narrativos” e com duração entre 5 e 35 minutos – em ambiente virtual, permitindo ao visitante número irrestrito de acessos, a qualquer horário ao longo de um mês, “parece ser vantajosa para entregar mensagens ao público, que pode viver uma imersão e apreciação mais completa”. De fato, a disponibilidade de tempo parece favorecer a mostra, dada a densidade dos trabalhos, com narrativas por vezes fragmentadas e com múltiplas camadas de apreciação, em um emaranhado de visões sobre as questões sociais e geopolíticas da Coreia, mas também relacionadas às questões globais contemporâneas.     

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Cena de “Sound Graden”, de Jeamin Cha. Foto: Divulgação

Apesar dos diferentes temas tratados, a percepção sobre um mundo distópico legado ao futuro pelo Antropoceno percorre a maior parte dos trabalhos. Segundo Cho, “são artistas que operam na fronteira entre normalidade e aberração, em obras que, de formas diferentes, baseiam-se no documental”. O ficcional e os traços de surrealismo que surgem nos filmes e animações não deixam de estar conectados a realidades conflituosas enfrentadas no mundo, especialmente em regiões periféricas ou por grupos desfavorecidos. “Os trabalhos não apresentam a visão utópica de que este mundo capitalista será derrubado ou se tornará melhor, eles mostram a cegueira ou o lado invisível da crise e da realidade que enfrentamos”, afirma. “Os artistas estão falando diretamente sobre a crise e sobre quem está sofrendo com ela, por meio de fatos históricos e narrativas de ficção cientifica”, explica.

Entre os universos retratados surgem histórias passadas em lugares como a DMZ (Zona Desmilitarizada entre as Coreias do Sul e do Norte), os hospitais, ruas e estádios de Seul, as estradas do interior do país ou o mar de seu litoral, mas também em um povoado na Nigéria, em Paris ou em áreas da Amazônia brasileira. Há ainda lugares não identificáveis, vistos em épocas passadas ou futuras – por vezes com estética semelhante a de videogames – e referências a Leviatã, a Inteligência Artificial, a psicologia, ao militarismo e ao feminismo. 

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Cena de “Wild Seed”, de Min Jung Song. Foto: Divulgação

Mulheres coreanas 

Em consonância com o enfoque dado há mais de 30 anos pela Associação Cultural Videobrasil à produção artística do chamado Sul Global – termo referente a países ou grupos marginalizados no quadro geopolítico global -, a aproximação entre Brasil e Coreia permite traçar diálogos ainda pouco vistos nas instituições culturais de ambos os países. “Acima de tudo, pensei que a solidariedade centrada em cada área era significativa para que os objetos de discriminação, exclusão e alienação que a modernidade e o capitalismo global criaram pudessem adquirir uma nova identidade”, explica Cho.

Para Solange Farkas, diretora do Videobrasil, “é de grande relevância mostrar para o público sul-americano as visões filosóficas, políticas e ecológicas de mulheres artistas coreanas que exploram com extrema habilidade a relação entre a terrível crise global em curso e o impacto da atividade humana em nosso planeta”. O fato de serem apenas artistas mulheres, ressaltado por Farkas, não deixa de estar associado à busca pela visão dos grupos menos favorecidos, como explica a curadora coreana: “Eu também queria mostrar como o patriarcado do capitalismo explorou as mulheres e a natureza, e como é importante construir uma coalizão global com vítimas da corrida ocidental pela acumulação de capital, incluindo trabalhadores, povos originários e várias minorias sujeitas à opressão e discriminação pela sociedade moderna. Mas é claro que eu não acho que apenas artistas mulheres podem construir esta solidariedade”.

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Cena de “A Night with a Pink Dolphin”, de Ji Hye Yeom. Foto: Divulgação

Ao fim do período de um mês no ar, no dia 1º de fevereiro, Antropoceno: Coreia x Brasil 2019-2021 dá lugar na plataforma do Videobrasil a outra exposição concebida em parceria por Farkas e Cho, uma individual de Ayoung Kim. Uma das mais destacadas artistas contemporâneas do país asiático, Kim foi a representante da Coreia do Sul na 56a Bienal de Veneza de 2015, teve importantes mostras individuais no Festival de Melbourne e no Palais de Tokyo (Paris), além de ter participado de diversas bienais e festivais de cinema ao redor do mundo.

Segundo Cho, Ayoung Kim apresenta, em vídeos, performances e instalações, questões contemporâneas como a história coreana moderna, a política do petróleo, o imperialismo territorial e a movimentação do capital no mundo. Em suas experimentações, a artista apresenta ainda um vasto trabalho com arquivos e com desenvolvimento de dados e evoca formas pouco familiares de ler, ouvir e pensar sobre as condições do mundo. A mostra será a quarta a ocupar o espaço do Videobrasil Online, inaugurado em setembro com o documentário Abdoulaye Konaté – Cores e Composições, seguido pela exposição Sacudimentos, de Ayrson Heráclito, e da mostra coletiva Antropoceno, das artistas sul-coreanas.

Um outro céu sobre uma mesma terra

"Refúgio" (2020), Arissana Pataxó. "Uma obra que remete ao luto, mas também à luta, pois mesmo em meio ao caos das mortes e sofrimento do luto, muitos povos foram atingidos por conflitos e tensões por conta da luta pelo território. No centro, traz uma pessoa como se tivesse de saída, procurando um refúgio", conta. Foto: Cortesia da artista/Divulgação

Ameaças de invasão territorial, desmatamento e exploração de recursos ambientais são apenas alguns dos muitos conflitos listados no Mapeamento de Violações dos Direitos Indígenas no Nordeste do Brasil. A pesquisa é um dos componentes de Um outro céu, projeto que une arte a estudos de ecologia política e antropologia para colocar em foco a luta indígena brasileira. Realizado por uma organização em rede, ele é ligado a professores e estudantes das Universidade Federal da Bahia (UFBA), Universidade Federal do Recôncavo da Bahia (UFRB), Universidade do Estado da Bahia (Uneb) e Universidade de Sussex na Grã-Bretanha.

Um mapa interativo repleto de símbolos que remetem a grafismos indígenas é o nosso primeiro contato com o projeto, ao entrar no ambiente virtual onde está exposto. Elaborados pelo artista e designer Denilson Baniwa, os desenhos designam diferentes tipos de conflito, e nos permitem localizar especificamente as batalhas vividas pelas populações de cada território. Ao lado delas, pequenas imagens nos permitem enxergar outro aspecto dessas mesmas localidades: a arte. É clicando em cada uma dessas fotografias que somos redirecionados às obras que compõem a exposição Um outro céu.

“Onde há conflito, também há arte. Territórios indígenas são territórios de guerra contra a conquista, de resistências anticoloniais, de retomadas, de reocupações, de criação e recriação de mundos, de arte”, apontam os coordenadores na descrição da plataforma online. E assim ocorre. Para a artista e professora Glicéria Tupinambá essa relação estabelecida entre arte e luta por território é um dos grandes diferenciais da iniciativa. “A visão de fora, geralmente é só para o belo, para a arte indígena. Mas assim não entendem quais conflitos influenciam ou acabam com esse belo.” 

Jurema Machado, Felipe Tuxá e Felipe Milanez, professores e coordenadores do projeto, contam que essa foi uma das maiores preocupações durante a elaboração do site. Era importante que os visitantes fossem além da contemplação das obras e entendessem os contextos que envolvem esses artistas, principalmente no momento atual. “Você olha os trabalhos artísticos e tem acesso a uma narrativa de muita dor, uma narrativa da Covid-19 dentro de um contexto extremamente conflituoso que não começou com a pandemia e nem vai acabar com ela. Você vê a exposição e depois fecha o site, segue com a sua vida. Mas aqueles conflitos não cessaram de acontecer”, explica Felipe Tuxá. Por isso, os coordenadores julgavam importante unir as imagens das obras às suas explicações e relacioná-las às tensões e ao momento de pandemia. Para Glicéria, é isso que dá ainda mais força ao projeto, pois é pela arte que ele consegue dar mais visibilidade às causas ali retratadas: “A arte tem uma linguagem mais acessível, então chega a um outro contexto, a um outro grupo, a um outro olhar”. 

Entre academia e ação política

Porém, não foi com a arte que Um outro céu teve início. Ainda muito antes do resultado que vemos hoje, um grupo de professores conseguiu financiar pela Academia Britânica uma pesquisa em rede internacional: o Desenvolvimento “Sustentável” e Atmosferas de Violências, coordenado por Felipe Milanez (UFBA) e Mary Menton (Universidade de Sussex). Nas discussões dentro do projeto, surgiu a ideia do Mapeamento das Violações aos Direitos Indígenas no Nordeste do Brasil, hoje financiado pela Universidade de Sussex, na Grã-Bretanha, e coordenado por Felipe Cruz Tuxá (Uneb), Felipe Milanez (UFBA), Jurema Machado (UFRB) e Mary Menton (Universidade de Sussex). “Quando estávamos no auge do mapeamento fomos atravessados pela Covid-19”, conta Machado. 

A iniciativa então crescia. À princípio, passaram a desenvolver uma nova frente, um plano de pesquisa emergencial para investigar os impactos da Covid-19 entre os povos indígenas. Mas, para os envolvidos, algo ficava ainda mais claro neste momento, os conflitos, unidos ao descaso frente as populações indígenas na pandemia de coronavírus, tinha (e tem) nome: genocídio. O momento intensificava a necessidade de visibilizar as violências sofridas e eles trabalhavam neste sentido. Porém, um ponto não era abarcado pelo projeto: “A gente precisava pensar: no meio de um processo de genocídio, como os povos indígenas vão sair disso e se reconstruir?”, compartilha Felipe Milanez. “Não teria como trabalhar pensando numa alternativa que não fosse em diálogo com as artes. Então passamos a trabalhar com artistas das comunidades indígenas como interlocutores, como pessoas com um pensamento de enfrentamento a esse genocídio, com uma visão de outros mundos, de um outro céu”, conclui. 

Desse diálogo, nasceu a exposição que dá nome ao projeto interdisciplinar. Quinze artistas de diferentes etnias foram convidados a participar e receberam um prêmio de 2 mil reais por suas produções. “Quisemos ter pessoas que são conhecidas e se reconhecem como artistas, bem como artistas que são vistos nas suas comunidades como aquelas pessoas que são muito especiais em fazer coisas se encantarem”. Hoje, a exposição conta com Arissana Pataxó, Eduarda Yacunã Tuxá, Glicéria Tupinambá, Olinda Yawar Tupinambá, Edivan Fulni-ô, Leide Pankararu, Lindaura Xukuru-Kariri, Ziel Karapotó, Benício Pitaguary, Reginaldo Kanindé, Arawi Suruí, Irekran Kayapó, Kryt Gavião Akrãtikatejê, Isael Maxakali e Ailton Krenak; e traz obras diversas, com cantos, desenhos, vídeos, mantos sagrados, poemas, cerâmicas, entre outros, caminhando entre expressões artísticas, políticas e espirituais, cruzando essas esferas e as costurando em uma só expressão.  

Entre arte e guerra

“É muito pungente que não é uma coisa apenas de uma expressividade artística. Acho que tem muito mais do que essa dimensão. Tem essa dimensão da guerra, é essa dimensão da luta, é essa dimensão do cotidiano que se repete na pandemia, dia após dia de quarentena”, diz Felipe Tuxá. E destaca: “Não dá para pensar Covid num mundo indígena sem pensar autodeterminação, soberania dos territórios e extrapolar todos esses limites do formato clássico do que é considerado arte”.   

Como explica o professor, ao pensarmos os conflitos vividos pelas populações indígenas, os territórios tornam-se centrais – são unidade comum tanto das lutas com garimpeiros, dos desmatamentos, como da pandemia. “Uma coisa que é importante marcar é que os conflitos que mapeamos vem principalmente da luta pela terra, da disposição dos povos indígenas de não abandonarem nunca seus territórios. Então se você perceber, as obras também têm muita relação com isso”, explica Jurema Machado. A exposição de certa forma reflete e intensifica essa busca por um outro céu – mais apurado nas realidades indígenas e menos genocida – sobre essas mesmas terras.

“Acho que não existe exposição de arte indígena, feita por um indígena, descontextualizada. A partir do momento que fazemos uma exposição, já estamos lutando contra uma sociedade que acha que não podemos ser artistas”, afirma Benício, participante da mostra e liderança jovem do povo Pitaguary. Para ele, a arte une-se à luta diretamente. “Acho importante mostrar que os indígenas estão presentes e ocupando esses espaços. A arte é mais um meio de estar ocupando, resistindo e fazendo uma luta”, explica. 

Mas outro aspecto de Um outro céu corrobora essa ocupação. Todos os estudantes pesquisadores bolsistas envolvidos nas propostas acadêmicas são de etnias indígenas. “Nos últimos dez anos, percebemos muita entrada de estudantes indígenas nas universidades, mas eu, particularmente, via os estudantes ali, mas não os via nos grupos de pesquisa, com bolsa de iniciação científica, por exemplo”, conta Jurema Machado. Felipe Tuxá faz coro. “De um modo geral a gente passa por um processo de marginalização muito forte na universidade e de uma lógica que tenta definir quais são os lugares previstos para nós lá dentro”, conta o professor universitário, que ingressou na faculdade em 2005, sendo um dos primeiros dentro de políticas afirmativas. Mas explica que a decisão de optar por apenas bolsistas indígenas é mais complexa do que parece. 

“No Giro do Maracá”, de Benício Pitaguary. “O maracá é como se fosse um universo dentro de uma cabaça, e as sementes como se fossem os planetas e as estrelas. Quando giramos o maracá, estamos agitando esse universo e gerando energia. Então, pra gente, o maracá é um artefato de muito poder, porque ele tem essa capacidade de afastar as energias ruins e chamar os espíritos bons. Eu quis representar que nesse momento de pandemia, o que une os povos indígenas são as orações desse giro do maracá”, conta. Foto: Cortesia do artista/Divulgação

“Fazemos isso não só por ser um projeto sobre indígenas, mas por entender o potencial de enunciação de um sujeito indígena falar sobre sua própria realidade. Ninguém está criando nada novo, a gente está apenas adequando essas ferramentas que foram tão excludentes no passado e continuam sendo. Vemos isso como uma potência de criação de um outro tipo de conhecimento”, diz. Felipe Milanez explica que na própria proposta apresentada à Universidade de Sussex, a escolha por bolsistas indígenas não foi uma política afirmativa, mas uma escolha metodológica, uma proposta de agregar uma nova forma de conhecimento e uma outra qualidade de olhar ao projeto. Ao lado de colaboradores não bolsistas (entre indígenas e não indígenas), os estudantes foram responsáveis pelo mapeamento das violações dos direitos das comunidades, conversando com lideranças dos diferentes povos, com contatos que já tinham nas regiões e, por vezes, com antropólogos que trabalham nas áreas. Além disso, fizeram contato com outras aldeias para entender os impactos da Covid sobre as diferentes etnias. Sempre em atividades coletivas, “porque nós, povos indígenas, sempre pensamos e trabalhamos na coletividade. Essa coletividade é o que nos fortalece a sempre seguir”, explica a bolsista Daniela, monitora do Museu Indígena Jenipapo-Kanindé, de seu povo, graduanda do curso de Museologia na UFRB e membro do Coletivo de Estudantes Indígenas na universidade.

“Acho isso um ponto muito importante, no sentido de dar autonomia dos povos indígenas fazerem suas próprias pesquisas e artes da maneira que achamos que deve ser feito, não em uma forma colonial”, aponta Benício Pitaguary. “Por muitas vezes somos só sujeitos de estudo. Hoje, com todo o nosso conhecimento fora e dentro das aldeias, sabemos que podemos ser os próprios agentes da nossa história”, afirma Daniela Jenipapo-Kanindé. E complementa: “Essa experiência me fez entender que nós é que temos que contar a verdadeira história dos nossos povos e não apenas ouvi-las vindo de outros pesquisadores não indígenas. Nós conhecemos as dores, porque muitas vezes passamos por situações parecidas, e isso faz com que tenhamos a liberdade de contar com mais precisão.”

Para Raquel Jenipapo-Kanindé, graduanda em Serviço Social pela UFRB e membro do coletivo identitário na universidade, a participação de indígenas tanto na exposição quanto no levantamento de dados é essencial para fortalecer a luta pelos territórios. “Esse projeto é também enfrentamento, porque a partir do momento que a gente registra e estuda isso, cria nossas próprias estratégias para que possamos ir de encontro com os homens brancos, com as pessoas que querem tomar nossa terra, nossas águas e nossas matas”.

Frame do filme “Equilíbrio”, de Olinda Yawar Tupinambá. “Equilíbrio foca na problemática ambiental e em como a civilização tem usado do planeta de forma hostil e desarmônica. ‘Equilíbrio’ é um alerta do espírito das matas para a humanidade”, conta a jornalista, cineasta, performista e ativista ambiental. Foto: Reprodução

Para um outro céu, um olhar sobre a terra

É nesse intercâmbio entre artistas e pesquisadores; entre academia, política e arte que traçam-se as possibilidades de visibilização das lutas e das expressividades. Mas Um outro céu segue em aberto. Hoje, o mapeamento cobre algumas das violações na área de atuação da Apoinme (territórios do nordeste, Espírito Santo e Minas Gerais), além do sul e sudeste do Pará. A perspectiva é de expandir: “É importante justamente para trazer à tona todas as violações que esses povos vêm sofrendo, porque muitas comunidades muitas vezes são invisibilizadas pelos próprios violadores. Eles tentam calar o nosso povo”, conta Daniela Jenipapo Kanindé. 

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Eduardo de Jesus comenta “Parallel”, de Jiwon Choi, no novo Acervo Comentado Videobrasil

Cena da obra "Parallel", de Jiwon Choi. Foto: Reprodução

O curador e professor de Comunicação Social da UFMG Eduardo de Jesus comenta, no novo episódio do Acervo Comentado Videobrasil, a obra Parallel, da sul-coreana Jiwon Choi, trabalho que foi apresentada na 20a edição do Festival Sesc_Videobrasil, em 2017. “Trata-se de um potente filme ensaio em torno de questões da vida social contemporânea da Coreia do Sul”, conta o curador em seu depoimento.

O novo episódio da série é lançado no mesmo momento em que a instituição promove a mostra coletiva Antropoceno: Coreia x Brasil 2019-2021, na plataforma VB Online, com trabalhos de seis artistas sul-coreanas e curadoria de Juhyun Cho.

Nas palavras de Eduardo de Jesus, Parallel “de um lado busca um testemunho contundente das experiências vivenciadas pelo avô da artista na guerra da Coreia, por outro reproduz processos midiáticos que quase estruturam as formas subjetivas típicas da contemporaneidade na Coreia do Sul. Uma profusão de signos típica do sistema midiático”. Deste modo, a obra da jovem artista coreana – com trajetória consistente nas linguagens audiovisuais – faz um paralelo entre dois períodos da história do país, deixando claro continuidades e diferenciações no tempo.

“Isso fica bastante nítido em passagens em que ela aproxima a ambiguidade de sentidos da palavra shot entre ‘atirar’ ou ‘tirar foto’, para produzir uma espécie de reflexão em torno da excessiva produção de imagens na sociedade contemporânea e ao mesmo tempo o intenso processo de militarização pelo qual a Coreia atravessa, desde a guerra”, afirma Jesus. O próprio nome do filme, Parallel (paralelo, em português), também remete à divisão entre Coreia do Sul e do Norte e à DMZ (Zona Desmilitarizada da Coreia), faixa que divide os dois países.

Surge também com intensidade o universo do K-Pop – no filme a própria artista constrói uma banda de K-pop, na qual ela performa todos os integrantes do grupo. Para Jesus, fica claro estar em questão uma luta em busca da identidade. “Se naquele primeiro momento da guerra a questão era a democracia, agora é a identidade”. E ele conclui: “É bem interessante o modo com que a artista constrói uma critica bastante contundente, usando os próprios elementos da cultura midiática para elaborar essa crítica”.

Assista aqui também o depoimento dado pela artista ao Videobrasil em 2017 sobre Parallel. “Eu estou apresentando a cultura coreana contemporânea, resultante da Guerra da Coreia e da cultura popular coreana”, afirma. Ao falar da luta de seu avô, de seus pais e da cultura contemporânea da Coreia da Sul, a artista conclui: “Precisamos aprender mais uns com os outros, apenas escutar e dialogar mais”.

O avô da artista em cena do filme. Foto: Reprodução.

Ainda não conhece o Acervo Comentado?

Acervo Comentado Videobrasil é uma parceria entre arte!brasileiros e a Associação Cultural Videobrasil. A cada 15 dias publicamos, em nossa plataforma e em nossas redes sociais, uma parte de seu importante acervo de obras, reunido em mais de 30 anos de trajetória. Confira os outros episódios neste link.

Sobre Videobrasil

A instituição foi criada em 1991, por Solange Farkas, fruto do desejo de acolher um acervo crescente de obras e publicações, que vem sendo reunido a partir da primeira edição do Festival de Arte Contemporânea Sesc_Videobrasil (ainda Festival Videobrasil, em 1983). Desde sua criação, a associação trabalha sistematicamente no sentido de ativar essa coleção, que reúne obras do chamado Sul geopolítico do mundo – América Latina, África, Leste Europeu, Ásia e Oriente Médio –, especialmente clássicos da videoarte, produções próprias e uma vasta coleção de publicações sobre arte.

Este projeto contribui para “redescobrir e relacionar obras do acervo Videobrasil, e vertentes temáticas, na voz de críticos, curadores e pensadores iluminando questões contemporâneas urgentes”, afirma Farkas.

“FARSA. Língua, fratura, ficção: Brasil-Portugal” no Sesc Pompeia

FARSA - sesc pompeia

“Como sentimos a linguagem nos dias de hoje?”. Essa é uma das perguntas que guiou Marta Mestre e Pollyana Quintella na curadoria de FARSA. Língua, fratura, ficção: Brasil-Portugal, mostra em cartaz no Sesc Pompeia, em São Paulo.

Aproximando propostas experimentais das décadas de 60/70 da produção de artistas que emergiram no século XXI, no Brasil e em Portugal, FARSA dá ênfase ao poder da linguagem e às estratégias de desconstrução da mesma, em países que compartilham uma língua que foi simultaneamente fator de opressão e vetor de liberdade.

“Uma exposição que relaciona Brasil e Portugal poderia ser lida segundo uma suposta unidade linguística entre os dois países, no entanto o que FARSA busca fazer é justamente o contrário: desconstruir o mito da lusofonia e afirmar que existem muitas línguas portuguesas”, diz Pollyana Quintella. Para as curadoras, o português é um idioma disputado, múltiplo e ambíguo – ao que carrega tanto um caráter colonizador quanto a possibilidade de construção de outros mundos e horizontes – e isso não poderia ser relevado.

É nesse raciocínio que FARSA extrapola a língua falada. “Há nessa exposição muitos trabalhos que falam de linguagens outras, que resistem a essa monocultura colonial. Linguagens do corpo, do silêncio, do ruído, do segredo; e que produzem maneiras de escapar desse fascismo da língua”, explica Quintella. Como apresenta Marta Mestre,  vivemos um momento de proliferação de formas de linguagem cada vez mais diversas, em especial com a forte presença virtual. Por isso, FARSA busca também pensar “como o digital de certa forma veio infletir aquilo que entendemos como linguagem? Como nos posicionamos e como os artistas refletem sobre isso?”, conclui Mestre.

A arte!brasileiros visitou a exposição e conversou com suas curadoras. Assista ao vídeo e saiba mais:

FARSA fica em cartaz até 30 de janeiro de 2021. Para a segurança de todos frente à pandemia de coronavírus, a temperatura corporal de todos é aferida na entrada e o uso de máscaras é obrigatório durante toda a visitação.

Reserve seu ingresso no site do Sesc Pompeia clicando aqui.