Foto de Claudia Andujar que está na mostra. FOTO: Divulgação

Tem caráter de manifesto a mostra Claudia Andujar – A luta Yanomami, em cartaz no Instituto Moreira Salles (IMS), em São Paulo. Em cerca de 300 imagens, a exposição retrata os quase 50 anos do comprometimento da artista com os povos indígenas, em um momento que o governo federal estimula ameaças que colocam em risco a condição deles na Amazônia.

Andujar tem sido vista de forma recorrente nos últimos 20 anos, desde a chamada Bienal da Antropofagia, em 1998, passando pela bienal Como viver junto, em 2006, tendo o ápice de visibilidade na inauguração do seu pavilhão em Inhotim, há três anos, além de outras dezenas de mostras, coletivas ou individuais, como na Pinacoteca do Estado, em 2005, com A vulnerabilidade do ser.

Contudo, o recorte proposto por Thyago Nogueira, que organiza a mostra atual, dá contundência ao trabalho de Andujar, apresentando ainda um vasto material de notas, entrevistas para a imprensa, livros e mesmo diários gravados, que atestam o profundo vínculo de Andujar com os yanomamis.

Trata-se, na verdade, da segunda mostra sobre Andujar no IMS. A primeira, No lugar do outro, de 2015, exibida na sede carioca, reuniu a produção da artista nos anos 1960 e 1970, especialmente como fotojornalista, mas abarcando séries que já apontavam para sua estratégia particular de produzir imagens a partir de um envolvimento efetivo. A mostra chegou até as fotos para a edição especial da revista Realidade, sobre a Amazônia, de 1971. Foi então seu primeiro contato com os yanomamis.

Três anos depois, em 1974, ela retornou equipada para permanecer um longo tempo entre aqueles com os quais viveria por mais de quatro décadas. “Acho que uma das coisas mais maravilhosas deles é o fato de que parecem estar sempre felizes. Escuto-os rir de manhã, gritar de um jeito alegre, conversar, cantar. À noite, quando escurece, deitam nas redes e é a mesma coisa por horas”, diz a suíça naturalizada brasileira, em inglês, em um dos áudios disponíveis na mostra, realizado em 1974, uma de suas primeiras idas ao Catrimani, o povoado mais visitado por ela.

A exposição atual é dividida em duas partes, e a primeira atesta de fato essa alegria contagiante dos yanomamis na mata, na maloca, em seus rituais de festa e em conexão com os espíritos da floresta. Algumas imagens são conhecidas, mas há muito material novo. No geral, reforçam a relação íntima, afetiva, delicada entre a fotógrafa e seus retratados. São imagens realizadas próximas, de uma testemunha que não se considera distante e que para melhor transmitir o que vê usa recursos simples, como passar vaselina nas bordas da lente da câmera, para desfocar o entorno, fazendo sobressaltar quem está no centro da imagem.

Nesta primeira sala ainda, como não há paredes dividindo o espaço, mas as fotografias estão penduras do teto, há quase a simulação da convivência das famílias em suas ocas. Sem dúvida é uma opção ética, o do viver junto, que segue o respeito que Andujar dedica na construção das imagens.

Já no segundo andar, Nogueira ressalta o caráter militante de Andujar, seja com a série Marcados, realizada em 1983, quando junto com dois médicos vacinou centenas de Yanomamis, protegendo-os contra doenças que chegaram junto com as estradas abertas pela ditadura militar.

O destaque, contudo, fica por conta da instalação Genocídio do Yanomami: Morte do Brasil, criada em 1989 e exibida no mesmo ano no Museu de Arte de São Paulo (Masp), contra a ameaça de demarcação da terra indígena, pelo governo Sarney, em 19 “ilhas” na Amazônia, que terminaria por asfixia-los.

A criação do território Yanomami, uma área com o dobro do tamanho da Bélgica, ocorreria três anos depois, em 1992, no governo Collor. Para alguns teóricos, pelo empenho da Andujar à causa, essa poderia ser considerada a maior obra de land art existente.

A instalação foi originalmente montada com um sistema de projetores de slide, mas no IMS é feita com um sistema digital, que projeta fotos de Andujar e, por meio de filtros e luzes, cria uma narrativa de um mundo em harmonia que vai sendo, aos poucos, destruído. O que há 30 anos já era uma causa urgente volta a ter atualidade frente às declarações do presidente eleito, que acha que demarcação de território indígena é “como manter zoológico”.

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