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Cidade Matarazzo, arte contemporânea
 e neoliberalismo

Cidade Matarazzo
Modelo da Cidade Matarazzo. Imagem: Divulgação.

*Por Pollyana Quintella

Segundo a teoria econômica, o neoliberalismo propõe que o bem-estar humano pode ser melhor alcançado pela suspensão das restrições às liberdades e capacidades empreendedoras individuais no âmbito de uma estrutura institucional caracterizada por sólidos direitos à propriedade privada, livres mercados e livre comércio. O neoliberalismo privatiza ativos públicos, libera recursos naturais, desregula a indústria, facilita os investimentos estrangeiros, impacta nossas relações de trabalho e nosso meio profissional. Mas, para afirmar-se plenamente, também se constitui como paradigma cultural, e se reflete nas relações interpessoais, sexuais, afetivas, simbólicas, subjetivas e familiares, como David Harvey já bem notara. O modelo neoliberal está por toda parte, com as contradições e complexidades que isso envolve.

No caso específico da arte, não é tão difícil medir seus efeitos. Há cada vez menos apoio estatal e financiamento público para a produção artística e cada vez mais mercado. Há mais precarização e menos garantias. Mais discurso bem intencionado e menos compromisso social. Mais concorrência e menos articulação coletiva. Mais espetáculo e menos democracia.

A parceria entre arte contemporânea e lógica neoliberal vai desde a pequena escala – como a promessa de liberdade individual, por exemplo, que se aproxima da imagem clichê do artista – até as escalas maiores, com a presença da arte em projetos de “revitalização” de cidades, bem como seu papel de camuflagem refletido em operações que envolvem poluição, gentrificação, lavagem de dinheiro etc e tal. Para além da discussão econômica, podemos interpretar as novas formas de fazer política segundo algumas metodologias artísticas, vide o modo como líderes populistas autoritários têm explorado certa performatividade elástica e espetacular, que sabe disputar (e ganhar) a atenção dos grandes públicos. De modo geral, podemos reconhecer o selo da “arte contemporânea” diretamente implicado na transformação dos padrões globais de poder, sobretudo no que hoje convencionamos chamar de pós-democracia, algo que demanda mais atenção, e talvez um outro texto.

Talvez esteja fresco na cabeça do leitor o recente episódio em torno do estádio Pacaembu, em São Paulo. A gestão de Bruno Covas e o consórcio Allegra Pacaembu fecharam um contrato de concessão do estádio por 35 anos. Antes das reformas começarem, em dezembro passado, o “Paca” realizou uma grande exposição chamada Arte em campo, com a participação de 25 galerias e 54 artistas [1].

Segundo o pronunciamento oficial, a mostra teria o papel de afirmar algo que o consórcio pretende fazer durante toda a sua gestão: diversificar o uso do estádio para além dos jogos de futebol, investindo em atividades de cultura e lazer. Um dos objetivos da reforma, no entanto, é demolir o tobogã – área reconhecida por democratizar o estádio e abrigar torcedores de baixa renda – e, no seu lugar, construir um grande edifício ao modo dos shopping centers, o que já parece nos indicar que a perspectiva de “cultura” do consórcio é a da experiência privada. Ademais, o problema de segurança do local será resolvido com o encarceramento das atividades, ao contrário de investir na relação do estádio com o seu entorno.

Quando li um pouco sobre essa parceria público-privada, me perguntei qual era o papel da exposição coletiva ali, além de maquiar, sofisticar e proporcionar uma fachada cool que justifique interesses que estão longe de favorecer a cidade. Mas apesar do caso Pacaembu nos fornecer material de discussão suficiente, gostaria de concentrar este texto em torno de outro projeto recente, ainda em construção: a Cidade Matarazzo – o primeiro hotel seis estrelas do Brasil.

Em 2011, o grupo francês Allard comprou o antigo e tombado Hospital Umberto I, o “Hospital Matarazzo”, construído em 1904 e localizado numa região de disputa imobiliária próxima à Avenida Paulista, na cidade de São Paulo. O empresário à frente da empreitada, Alexandre Allard, é conhecido por ter criado a companhia Consodata, que já foi líder no mercado de dados de consumidores, e por ter reformado o luxuoso hotel Royal Monceau, em Paris, local de encontro de artistas e celebridades. Em 2008, antes de reformar o hotel, Allard deu uma “festa de despedida”, presenteando seus convidados ilustres com martelos e capacetes para que se divertissem demolindo as antigas paredes, o que lhe rendeu o prêmio Stratégies de melhor evento do ano.

Cidade Matarazzo
Vasos quebrados compõem “O Abuso da História”, de Héctor Zamora, em “Made By… Feito por Brasileiros”. Foto: Reprodução Prêmio Pipa.

No Brasil, não houve espetáculo de demolição, mas em 2014 o grupo organizou a exposição Made By… Feito por Brasileiros [2], para simbolizar o início do projeto e demarcar seu gesto de criatividade. Com a participação de mais de 100 artistas e curadoria dos franceses Marc Pottier e Pascal Pique e do canadense Simon Watson, a mostra captou R$ 3,2 milhões via Lei Rouanet. Embora majoritariamente endossado pelo meio cultural naquela altura, o caso rendeu algumas controvérsias, como a recusa de Cildo Meireles em participar mesmo depois de ser previamente anunciado. O artista alegou à imprensa que, “se soubesse que seria um projeto imobiliário, teria feito mais perguntas” [3].

Tratava-se apenas de um prenúncio da magnitude do empreendimento, que prevê ainda uma área comercial de luxo e o maior parque privado de São Paulo. Não à toa o título do projeto seja “Cidade Matarazzo”. A promessa é que ali será possível experimentar uma espécie de cidade privada dotada dos melhores serviços e alheia à ruína do mundo. Em fevereiro deste ano, o projeto anunciou uma parceria com o banco Bradesco para inaugurar a “Casa Bradesco de Criatividade”, incluindo um suntuoso espaço expositivo. Com curadoria de Marcello Dantas, a programação pretende trazer os disputados nomes internacionais em projetos comissionados de grande envergadura, a começar por Anish Kapoor [4]. Junto a isso, artistas emergentes e consagrados estão sendo convidados a produzir projetos permanentes para o complexo, de modo a fazer da Cidade uma experiência constante de beleza, inspiração e transcendência.

Numa entrevista à Forbes, o milionário francês se manifestou a respeito da arte: “Não existe nada mais poético do que o processo criativo. Amo quando vejo alguém em um estúdio de música, trabalhando em como agregar as notas, amo a moda, criei algumas marcas fabulosas, amo quando vejo alguém preparando um desfile. Sou um amante do processo criativo porque acredito que isso salvará o mundo.” [5]

Certamente não me cabe aqui duvidar da sua comovente sensibilidade, mas há algo mais em sua fala. Creio que para Allard, o processo criativo não salvará o mundo, salvará o capitalismo. Justamente porque não há nada mais neoliberal do que a premissa da “criatividade”. No caso da Cidade Matarazzo, um dos papéis da arte é produzir um senso de inclusão e representatividade que está longe de refletir a lógica estrutural do empreendimento. Mais uma vez, a equação é simples: a presença da prática artística é recurso publicitário para valorizar e justificar o negócio, “imunizá-lo”, quiçá.

Eu costumava achar que havia um abismo entre acreditar que a arte pode complexificar nossos modos de estar no mundo e simplesmente reduzi-la a um problema de gosto, mas esses discursos se encontram mais do que se imagina. Foi Pierre Bourdieu quem identificou que, segundo a perspectiva das classes dominantes, a maneira “legítima” de compreender uma obra é entendê-la como fim em si mesma. Ela não deve servir a fins políticos e econômicos, mas apenas ao próprio problema da linguagem. Porém, tal maneira “legítima”, como esmiuçou o sociólogo, tem como pressupostos (de classe) a formação de repertório, herança familiar e posição sócio-econômica, embora os iniciados se esforcem para que soe como dom natural e sensibilidade nata. Por isso Allard “ama” o processo criativo, porque parece acessar algo mágico e divino quando vê alguém trabalhando em “como agregar as notas”. E por isso seus empreendimentos também estão permeados de arte – é a aura que os torna legítimos e admiráveis. Acontece que, aqui, a arte está sim a serviço de fins políticos e econômicos, mas soa como se não estivesse. “O espetacular é um substituto suficientemente bom para o democrático”, diria Hal Foster no seu Complexo Arte-Arquitetura (2013).

O início desse casamento é longínquo, mas gostaria de chamar atenção para o fato de que a tal “autonomia” da arte, que nos fez crer que a prática artística está desatrelada de funções morais, científicas e funcionais, hoje é acionada com outras intencionalidades. Afinal, o trabalho “tem autonomia” em relação ao projeto, ao artista cabe fazer a sua arte, ao curador cabe fazer a sua exposição, e nada mais. Tal perspectiva autônoma pôs o trabalho cultural na chave da transcendência, cuja premissa é a de que a criação se dá para além das condições sociais e políticas, então só resta aos agentes envolvidos lavarem muito bem as mãos e seguirem para a próxima aventura. A responsabilidade é uma batata quente.

Mas as noções de autonomia e utilidade são mutuamente intercambiáveis e nada estáveis. Na caracterização acima, seria possível invertê-las, a depender do que esteja sendo enfatizado. Um trabalho supostamente comprometido em relação a determinados temas e questões pode ser apropriado de modo desinteressado. Na via oposta, um trabalho supostamente desinteressado pode ser bastante útil na construção de determinada narrativa social, pode ser instrumentalizado como força simbólica. Os sentidos são construídos sobretudo no modo como o trabalho circula, no modo como se desloca e habita o mundo. Não existe obra desencarnada. Um exemplo claro disso é a relação entre o mercado e as iniciativas independentes “sem fins lucrativos”, que acabam por agregar valor ao artista ou iniciativa por serem reconhecidas por seu propósito crítico e contestatório ao sistema (no caso do Pacaembu, a presença de trabalhos que estavam indiretamente criticando o projeto é evidência disso). No entrelaçamento entre produção artística e infraestrutura neoliberal, é preciso reconhecer cada vez mais curadores, instituições e empreendimentos como peças fundamentais na construção de sentidos que uma obra institui.

Cidade Matarazzo. Projeto de Jean Nouvel para a "Torre Mata Atlântica", no Rosewood Hotel São Paulo. Foto: Divulgação.
Projeto de Jean Nouvel para a “Torre Mata Atlântica”, no Rosewood Hotel São Paulo. Foto: Divulgação.

Voltemos à Cidade Matarazzo: o negócio é gringo, mas os “valores” são brasileiros. O hotel, com assinatura de Jean Nouvel (sua primeira obra na América Latina), é composto por uma “Torre Mata Atlântica” cuja estrutura é formada por uma série de planos verdes frondosos e terraços com árvores locais que devem simular uma invasão da mata sobre a arquitetura, uma espécie de triunfo da natureza [6]. O projeto também se compromete a usar apenas materiais e fornecedores nacionais e não  economizar no plantio de árvores comuns à Mata Atlântica ameaçada no local. Além disso, como é característica do arquiteto, soluções high tech serão conjugadas com efeitos de luz, transparência e leveza, fazendo da estrutura sólida algo translúcido e evanescente. Uma conciliação entre espetáculo e engenharia; imagem e estrutura. Mas sobra aqui, sem dúvida, a famigerada visão do paraíso tropical, o desejo de monumentalidade tão afeito à lógica contemporânea e o anseio de produzir um ícone instantâneo, templo de si mesmo. Nada muito diferente do que seja o olhar estrangeiro quanto às qualidades de um Brasil abundante e exótico.

Quando perguntado sobre como definiria a Cidade Matarazzo, Allard disse: “É uma máquina gigante para celebrar a diversidade brasileira.” [7] Conquanto, se submetermos sua concepção de diversidade sob um raio-X, veremos um conjunto de lugares-comuns que refletem um neoprimitivismo muitas vezes mascarado de “desconstrução de valores hegemônicos”. O turista global da Cidade Matarazzo quer ver palmeiras e espécies exóticas no coração de São Paulo. Não se assuste se, no instagram do empreendimento, você encontrar fotos de indígenas com a hashtag #tribe, #DiscoverMatarazzo, #Diversity, entre outras. A floresta de Allard está mais para monocultura fetichista [8].

Acontece que quando o capital investe em “diversidade”, fica a impressão de que as coisas estão finalmente caminhando rumo à justiça, mas cabe desconfiar. Se quisermos fazer um paralelo com a discussão econômica, podemos reconhecer tal fenômeno como parte integrante do que entendemos por neoliberalismo progressista. No que consiste? Basicamente, uma política econômica regressiva com uma máscara inclusiva. Trata-se do capital que apoia a representatividade, as pautas minoritárias e a reivindicação por direitos dos movimentos sociais, enquanto investe em operações que degradam cada vez mais a condição de vida dos trabalhadores, contornando regulamentações e direitos. É o modelo que defende a diversidade, mas entrega precariedade. Que defende o “empoderamento”, mas o utiliza para devastar a indústria. Que desmonta estruturas sociais para sugar dinheiro de todos os cantos. Ou seja, a emancipação só existe até a segunda página, ou talvez sequer ultrapasse o primeiro parágrafo. Nancy Fraser definiu muito bem esse fenômeno no seu recente livro The old is dying and the new cannot be born (2019), mas o que me interessa aqui é chamar atenção para o fato de que, não coincidentemente, a arte contemporânea é muitas vezes o verniz desse modelo. O verniz que faz operações duvidosas soarem bacanas e descoladas. Como diz Hito Steyerl, “a arte contemporânea é um nome de marca sem uma marca, pronto para ser colado a tapa em quase qualquer coisa, um lifting facial expresso que promove o novo imperativo criativo em lugares que estão precisando de um extreme makeover”[9]

Além do efeito-maquiagem, é preciso falar das condições de trabalho. O meio artístico-cultural já operava segundo a lógica da flexibilidade, da terceirização e da precariedade. Uma avalanche de MEIs e PJs, estagiários voluntários, contratos escusos, abuso de poder, trabalho mal pago ou, mais que isso, trabalho não remunerado “em prol de algo maior”… a misteriosa visibilidade. Agora, esse pacote serve de exemplo para outros setores, e configura um novo modelo trabalhista.

Ao contrário de escandalosa, tal flexibilidade vem sendo qualificada positivamente pelo mercado, pois exige soluções cada vez mais inventivas e competitivas. É preciso ser criativo para sobreviver, eles dizem. Além disso, o trabalho flexível é a promessa da tal liberdade individual, pois seduz com a ideia de que cada um pode gerir sua própria rotina, fazer escolhas, ter autonomia, organizar seu próprio tempo e se “empoderar”. Não há tempo para identificação nem acomodação. A realidade, no entanto, reflete uma auto exploração assombrada pela insegurança e pela instabilidade, o que nos faz reconhecer que o trabalhador cultural é o produtor pós-fordista por excelência. Ou, em outras palavras, o meio da arte se tornou o modelo bem-sucedido da precarização porque, por cima de todas essas porcarias, somos o território do “sensível”, do “pensamento crítico”, da “força criativa” etc. Balela neoliberal.

Tudo isso, é claro, nos coloca numa posição difícil. A não ser que você seja herdeiro ou tenha sido agraciado com um sobrenome importante, pagar as contas te faz ter que jogar com esses esquemas. Daí que muitas vezes utilizamos o argumento de que vamos “ruir o sistema por dentro” para aceitar convites de iniciativas com que não concordamos no todo. Às vezes porque precisamos do dinheiro, às vezes porque desejamos algum prestígio e visibilidade, ou simplesmente porque é através delas que vai ser possível realizar qualquer coisa que seja. Na prática, o “ruir por dentro” tem tornado essas estruturas ainda mais fortalecidas e sofisticadas com os nossos selos politicamente engajados. E não é raro nos sentirmos ridículos.

Isabell Lorey (2015) tem definido a precariedade como forma de regulação do nosso tempo histórico. Mais do que isso: a produção de um regime de precariedade é a forma de governar pessoas no século XXI. A instabilidade produzida pela precarização nos impede inclusive de protestar e exigir direitos. Tememos perder laços de trabalho ao endereçar críticas, tememos fazer reclamações porque elas podem nos fechar portas no futuro. A expressão “rabo preso” vem muito bem a calhar. Ademais, o trabalho precarizado isola e individualiza o trabalhador, além de dificultar os recursos de organização coletiva. Não apenas porque acentua a concorrência, mas também porque fragmenta radicalmente as etapas de trabalho, suprime convivências e reduz encontros. Por tudo isso, a precariedade é uma governabilidade, e isso também é lição da arte.   

Nós, trabalhadores do meio cultural, somos todos cúmplices dessa equação, em maior ou menor grau, e não estou isenta disso. Me pergunto, porém, se estamos realmente cientes de como isso integra o nosso trabalho diário. Não haverá vida imune ao mercado e nem redenção, mas ainda vale investir em alguma sobrevida que não se reduza a isso.

Antes de tudo, podemos desconfiar cada vez mais de discursos e propósitos pautados na transcendência da arte, da experiência e do valor. Junto a isso, podemos compreender que assumir uma postura política é agir diante de uma situação concreta, que vai além de rótulos discursivos, e isso significa analisar deliberadamente com quem nos associamos e sob que condições. Além disso, se não nos resta alternativas de trabalho mais saudáveis, talvez possamos negociar melhor os nossos aceites, de forma mais ativa e propositiva. Em todo caso, celebrar a “diversidade brasileira” não basta, cumprir as normas da representatividade tampouco. Precisaremos de articulação e imaginação coletiva e, não custa lembrar, já percebemos que isso não se resolverá nos feeds do instagram.


[1] https://www1.folha.uol.com.br/ilustrada/2020/12/estadio-do-pacaembu-e-invadido-por-obras-de-arte-as-vesperas-de-reforma.shtml
[2] O site da exposição ainda pode ser visitado através de: http://www.feitoporbrasileiros.com.br/
[3] http://www.canalcontemporaneo.art.br/brasa/archives/week_2014_09_21.html
[4] https://vejasp.abril.com.br/cidades/anish-kapoor-casa-bradesco-da-criatividade-cidade-matarazzo/
[5] https://www.forbes.com.br/principal/2020/02/a-potencia-de-criacao-da-cidade-matarazzo/
[6] “Não estamos falando de pequenas samambaias num jardim vertical, mas sim de árvores enormes, de 15 a 18 metros, que dialogam com a altura da torre. É a ascensão por meio da natureza.” – Essas são as aspas de Jean Nouvel no site da Cidade Matarazzo.
[7] https://www.forbes.com.br/principal/2020/02/a-potencia-de-criacao-da-cidade-matarazzo/
[8] No site do projeto, o designer Philippe Starck explica suas escolhas: “Utilizamos pedras brasileiras extraordinárias assim como madeiras brasileiras lindíssimas. Todos os quartos do hotel serão equipados com um kit-mural que permite ao hóspede expor ou não obras de arte brasileiras através de um jogo de painéis em lambril de madeira. Há algumas vitrines com estatuetas e outras com arte plumária. É a realização do que associo à imagem e ao objeto.”
[9] https://www.revistaapalavrasolta.com/post/hito-steyerl-na-tradu%C3%A7%C3%A3o-de-julia-de-souza?fbclid=IwAR3sgQmM0cvXwdrXCdNMss5ssOlXY915egj6NAxsCxgd95CIACq3UPQHYG4

Hal Foster: tudo é luta

"O que vem depois da farsa?", de Hal Foster. Editora Ubu, 2021 (192 p.). Foto: Divulgação

O que vem depois da farsa?, título do novo livro do professor norte-americano Hal Foster, não é uma pergunta meramente retórica. Ela parte de uma das mais conhecidas ideias de Karl Marx – que a história costuma ser encenada duas vezes, a primeira como tragédia e a segunda como farsa – para refletir sobre o contexto norte-americano dos últimos anos da gestão Trump, considerada aí como farsa.

Capa do livro "O que vem depois da farsa?", de Hal Foster, publicado no Brasil pela Editora Ubu. Foto: Divulgação.
Capa do livro “O que vem depois da farsa?”, de Hal Foster, publicado no Brasil pela Editora Ubu. Foto: Divulgação.

O livro (leia trecho aqui) foi publicado no início do ano passado, portanto sem tempo para atentar o que a pandemia do novo coronavírus acrescentou nesse cenário, incluindo a derrocada do próprio Trump e ascensão da chapa Joe Biden/Kamala Harris. Contudo, não se trata de fato de uma análise da questão geopolítica sobre o que vem depois da farsa, mas das implicações no campo da arte, que é o espaço de reflexão de Foster, ou em suas próprias palavras no prefácio: “Onde se posicionam os artistas e os críticos”.

Apesar de passar longe do contexto do Sul global, o que torna a publicação um tanto deslocada das atuais discussões decoloniais, ignorando todo o mundo da arte fora do eixo EUA-Europa, as transposições de certas análises para o Brasil são inevitáveis e ajudam a compreender um pouco das raízes da exaustão que agentes culturais se encontram neste momento.

Afinal, como dar credibilidade a uma instituição de arte como a Bienal de São Paulo quando o Credit Suisse, empresa que é dirigida por seu presidente, o banqueiro José Olympio da Veiga Pereira, organiza um encontro de apoio ao presidente Bolsonaro, recentemente criticado em um manifesto encabeçado por religiosos e intelectuais como Leonardo Boff e Chico Buarque, que começa por: “O Brasil grita por socorro. Brasileiras e brasileiros comprometidos com a vida estão reféns do genocida Jair Bolsonaro, que ocupa a presidência do Brasil, junto a uma gangue de fanáticos movidos pela irracionalidade fascista”.

"Ubu Trump", 2017, de Mr. Fish, referido por Hal Foster em seu novo livro. Foto: Mr. Fish / Reprodução de "O que vem depois da farsa?".
“Ubu Trump”, 2017, de Mr. Fish. Foto: Mr. Fish / Reprodução de “O que vem depois da farsa?”.

Esse descompasso entre dirigentes de instituições culturais e a realidade do país é abordado no quinto ensaio do livro, Pai Trump, onde, citando o sociólogo alemão Siegfried Kracauer (1889-1966), faz um paralelismo entre a República de Weimar e a atualidade: “Nunca houve uma época tão bem informada sobre si mesma (…) e nunca uma época foi tão pouco informada sobre si mesma”. Esse paradoxo da informação leva Foster a lembrar o conceito de “razão cínica”, desenvolvido por outro alemão, este mais contemporâneo, Peter Sloterdijk.

Essa ideia de razão cínica foi baseada na vista grossa que o povo alemão teve para com o nazismo, e um caso específico nesse sentido é Eichman, o funcionário responsável pelo transporte de judeus para os campos de concentração, que alegou ser um cumpridor de ordens. Ou seja, a razão cínica tem a ver com a incapacidade de juízos críticos, o que é muito semelhante tanto ao apoio às alegações infundadas de Trump, como analisa Foster, como o apoio pela turma da Faria Lima ao seu similar brasileiro. “Como menosprezar um líder que não sente vergonha? Como ‘desdadaizar’ o presidente Ubu?”, pergunta o autor. É preciso reagir, ele defende: “Converter a emergência disruptiva em mudança estrutural.” 

Para Foster, nesse sentido, três movimentos têm sido essenciais para se repensar o sistema das artes: #MeToo (surgido em 2017), contra o assédio do patriarcado, Black Lives Matter (2013), contra o racismo estrutural, Occupy Wall Street (de 2011), contra desigualdades econômicas e sociais e o poder excessivo das empresas. “À medida que os códigos de conduta são descartados em uma profissão após outra, cabe às instituições culturais insistir mais fortemente neles e ser exemplos nesse aspecto”, defende Foster. Assim, para se contrapor aos comportamentos cínicos, museus e demais instituições do circuito precisam criar práticas exemplares. 

Um exemplo que ele não cita, mas que merece ser lembrado é a ação da fotógrafa norte-americana Nan Goldin, que vem liderando um movimento contra a família de mecenas Sackler, que patrocinou salas e obras em importantes museus da Europa e Estados Unidos, e são proprietários da farmacêutica Purdue, que fabrica analgésicos altamente viciantes e mortais – cálculos apontam que, desde 1999, mais de 450 mil pessoas tenham morrido pelo uso de opioides. Graças aos protestos do grupo P.A.I.N. (Prescription Addiction Intervention Now), por ela criado, museus como a Tate, de Londres, ou o Louvre, em Paris, recusaram o patrocínio dos Sackler, ou chegaram mesmo a retirar o nome da família das salas, como no museu francês. Foster, contudo, trata da questão da origem dos financiamentos, apontando que, quando ele é sujo demais, se transforma em uma questão “urgente para os museus de arte na era trumpista”.

Ao longo dos ensaios, o autor cria alguns termos muito válidos para se pensar o momento atual, como a noção de “estética ética”, essa necessidade de que práticas artísticas e institucionais sejam baseadas em condutas responsáveis, evitando a cumplicidade de gestores das instituições culturais com a política da pós-verdade de líderes como Bolsonaro ou Trump. Contudo, essas ideias muitas vezes são pequenas pílulas que merecem aprofundamento.

Neste trabalho, o Forensic Architecture incorporou fotos e vídeos, reunidos principalmente de redes sociais e fontes online, no modelo 3D para reconstruir a história da batalha da "Sexta-feira Negra", ocorrida em 1º de agosto, durante a guerra de Gaza de 2014, na qual muitos civis palestinos foram mortos por bombardeios israelenses. Foto: Reprodução.
Neste trabalho, o Forensic Architecture incorporou fotos e vídeos, reunidos principalmente de redes sociais e fontes online, no modelo 3D para reconstruir a história da batalha da “Sexta-feira Negra”, ocorrida em 1º de agosto, durante a guerra de Gaza de 2014, na qual muitos civis palestinos foram mortos por bombardeios israelenses. Foto: Reprodução.

Outra delas é a ideia da reconstrução pela arte, baseada em práticas artísticas como a do grupo inglês Forensic Architecture, um coletivo de pesquisa multidisciplinar criado pelo arquiteto Eyal Weizman, na Universidade de Londres. “Muitos artistas passaram de uma postura de desconstrução a uma de reconstrução – isto é, ao uso do artifício para reabilitar o modo documental como um sistema, se não descritivamente adequado, ao menos criticamente eficiente”, descreve Foster no ensaio Ficções Reais. Foster cita, então, Weizman para exemplificar alguns desses procedimentos das práticas forenses: a política da testemunha fundada no depoimento individual e volta à “empatia com as vítimas” e uma política de defesa dos direitos humanos levada a cabo como “um processo de materialização e mediatização”. Além de Forensic Architecture, o autor aponta Harun Farocki (1944-2014) e Hito Steyerl como atuando no mesmo sentido. 

Assim, voltando à pergunta do título do livro, Foster não se furta em dar muitas pistas para apontar saídas possíveis para a farsa. Mas a conclusão que ele mesmo já aponta na introdução é muito clara: “Nada está garantido; tudo é luta”. 

A força da empatia

Dzi Croquettes: Benê Lacerda, 1974
Dzi Croquettes: Benê Lacerda, 1974. Foto: Madalena Schwartz, acervo IMS.

“Eu sempre tive família, eu cresci protegida pelas minhas avós”, contou no programa Roda Vida a vereadora trans por São Paulo, Erika Hilton, em fevereiro passado. “Nunca tive problemas com minha identidade, em ser uma criança viada”, enfatizou em sua fala cheia de críticas certeiras à chamada “ideologia de gênero”. Essa noção de família ampliada e acolhedora foi tematizada pela fotógrafa Madalena Schwartz, em uma série que adianta as imagens transgressoras de Nan Goldin dos anos 1980, que a tornaram um ícone do submundo trans.

Juntar essas três mulheres em um parágrafo não seria tão óbvio antes da mostra Madalena Schwartz: as Metamorfoses – Travestis e transformistas na SP dos anos 1970, em cartaz até setembro no Instituto Moreira Salles, mas é impossível não perceber como todas defendem uma humanização do universo trans. A surpresa aqui é que enquanto Goldin, bissexual assumida, se tornou mundialmente conhecida ao retratar basicamente seu círculo de amizades na noite, Schwartz (1921–1993) era uma senhora marcada por um perfil recatado.

Nascida na Hungria, migrou aos 12 anos para a Argentina. Nos anos 1960, com o marido e dois filhos, foi viver em São Paulo, onde a família administrava uma lavanderia no centro da cidade. Quase aos 50 anos, quando seu filho ganhou uma câmera fotográfica, ela passou a frequentar o Foto Cine Clube Bandeirante, o que permitiu desenvolver uma nova carreira, tornando-se “a grande dama do retrato em nosso país”, como definiu Pedro Karp Vasquez, citação que se lê em uma das paredes da mostra.

Madalena Schwartz, meados de 1969. Acervo Pedro Luis Szigeti.
Madalena Schwartz, meados de 1969. Acervo Pedro Luis Szigeti.

Um depoimento em vídeo de Madalena, logo no início da exposição, confirma como amigos e familiares costumam descrevê-la: uma senhora tímida e elegante, sempre com roupas clássicas. Sua discrição, no entanto, não foi empecilho para seu reconhecimento. Fotografou para revistas importantes no mundo todo e, em 1974, fez sua primeira individual no Masp, o Museu de Arte de São Paulo, a convite de seu então diretor, o italiano Pietro Maria Bardi.

A exposição agora em cartaz politiza a obra de Madalena ao tematizar o universo trans, uma questão urgente no Brasil, marcada por perseguições e assassinatos, ao mesmo tempo em que a visibilidade delas se torna inédita, caso de Erika Hilton, a mulher mais votada na cidade de São Paulo nas eleições do ano passado. 

Essa politização segue a linha de A luta Yanomami, que há três anos tratou da questão indígena através da obra da fotógrafa Claudia Andujar, húngara como Madalena. Contudo, as duas têm características muito distintas, apesar de em comum serem fotógrafas brilhantes e a fotografia ser uma estratégia essencial de ambas na comunicação com o mundo: enquanto Claudia era uma militante da causa indígena, Madalena jamais caracterizou sua obra como uma atitude engajada. Trata-se muito mais de uma grande retratista que, por conta de amigos artistas e vizinhos no Copan, onde morava, acabou também olhando para essa cena.

A exposição, com curadoria de Samuel Titan Jr. e do argentino Gonzalo Aguilar, contextualiza essas relações da fotógrafa, ao apresentar um imenso mapa do centro de São Paulo em uma das paredes da mostra, onde são vistos os principais espaços por onde Madalena Schwartz transitava: sua residência no Copan, a lavanderia na rua Nestor Pestana, a sede do Clube Bandeirante, os teatros da cidade, entre alguns pontos.

O Copan, aliás, inspira a arquitetura no próprio espaço, já que os painéis em cor lilás da exposição seguem discretamente a forma sinuosa do edifício, ao mesmo tempo em que ele é retratado em uma série de imagens noturnas e bastante impactantes no fundo da sala.

Nos painéis estão mais de cem imagens, a maioria de travestis, mas também artistas performáticos como Ney Matogrosso, Patrício Bisso e Elke Maravilha.

E o painel divide outras duas contextualizações: de um lado uma documentação audiovisual sobre São Paulo nos anos 1970, marcado pela ditadura militar e a transgressão ao mesmo tempo; enquanto de outro lado, imagens da cultura travesti e transformista em outros países da América Latina, também nos anos 1970 e 1980, reforçando o caráter politizado da mostra. Aliás, os nove conjuntos, que são trabalhos efetivamente militantes, basicamente atestam a grandiosidade de Schwartz.

Danton e pessoa não identificada, anos 1970. Foto: Madalena Schwartz, Acervo IMS.
Danton e pessoa não identificada, anos 1970. Foto: Madalena Schwartz, Acervo IMS.

Frente às questões do movimento Me Too, é de se perguntar se uma mostra de uma mulher tão arrojada como Madalena não deveria ter também uma curadora mulher, como aconteceu na mostra de Diane Arbus (1923–1971), no Metropolitan Museum de Nova York, em 2016. Afinal, em uma época de debates sobre representatividade, o IMS poderia buscar entender o contexto, o que também faltou na abertura da mostra, novamente só com homens: os curadores e João Silvério Trevisan, que aliás teve uma fala que tratou pouco da artista.

Isso não compromete, contudo, a merecida visibilidade que o trabalho precursor de Schwartz recebe. As imagens no painel, acertadamente distribuídas em distintos formatos, apontam como além de dominar o uso de claros e escuros na fotografia, uma questão técnica relevante, ela conseguia revelar uma intimidade com seus retratados, que mescla cumplicidade e empatia, especialmente as realizadas nos bastidores ou em sua própria casa.

As fotos de Meise, por exemplo, revelam a fragilidade da modelo enquanto se transforma, usando ainda de espelhos na criação de duplos, uma composição muito semelhante ao que Nan Goldin faria na década seguinte. Esse tipo de imagem sobrecarregada de simbologias também se vê na série com Danton, seu maquiador de um salão na rua Augusta, especialmente na que ele está nu com o rosto caracterizado como mulher, sentado em um banquinho enquanto outro rapaz atrás dele se movimenta, novamente gerando um duplo. Danton aparece em outras imagens sem maquiagem, quando é visto de forma mais delicada e vulnerável, o que só se consegue em um retrato quando de fato há uma espécie de solidariedade entre quem é retratado e quem retrata, muito semelhante à cumplicidade dos indígenas retratados por Andujar.

Mais do que falar do universo travesti, transformista e transgressor dos anos 1970, Madalena Schwartz trata da humanidade de forma mais ampla e, por isso, de seu caráter inclusivo: trata-se de uma mesma família com individualidades distintas. 

Lives, um tormento necessário

Vídeo com o Sino de Ouro Preto na mostra Vento, parte da 34ª Bienal de SP. Foto: Levi Fanan/ Fundação Bienal de São Paulo

Desde o início da pandemia e da necessidade de isolamento social, o mundo como um todo se viu obrigado a criar estratégias de comunicação no universo virtual, online, lançando mão de variadas ferramentas. Plataformas de reuniões, contas de Instagram, sites, Facebook e newsletters implodiram as redes, tornando até mais lentos os canais de rede. A maioria dos setores não estava preparada para esta reviravolta, e muito menos seus investimentos em equipamentos ou profissionais da área.

Na cultura, começaram a ser produzidas transmissões ao vivo de shows e espetáculos, além de debates, palestras e cursos. Um dos formatos a que se recorreu de forma massiva foram justamente essas lives, encontros ao vivo transmitidos pelo Instagram ou Youtube, com especialistas ou comentaristas de diversas áreas. Em uma noite qualquer, um usuário do Instagram entraria em sua conta e encontraria dezenas de ofertas de transmissões ocorrendo simultaneamente, tornando difícil inclusive selecionar o que valeria ou não à pena ser assistido. Para cada apresentação interessante – por mais subjetiva que seja essa avaliação – pareciam pipocar milhares de outras mal planejadas, com conteúdos aleatórios ou mesmo com falhas técnicas (de áudio, imagem ou conexão). O importante era não ficar parado.

No campo das artes visuais, mais especificamente, museus, instituições culturais, galerias, curadores e artistas promoveram centenas de apresentações, debates e os chamados webnários sobre os mais diversos temas. Além disso, intensificaram as postagens em suas redes sociais, com vídeos, imagens e textos, em um esforço para não se afastar totalmente do público no momento em que todos – ao menos boa parte do público de artes visuais – estavam fechados em suas casas. Houve também a alternativa dos viewing rooms, exposições montadas especialmente para o universo virtual, e as feiras precisaram se readaptar ao meio digital.

Como era de se esperar, não demorou para surgirem críticas justamente ao modo como foi feita esta migração para o virtual, especialmente ao excesso de lives de todos os tipos. Já em abril do ano passado, a artista e pesquisadora Giselle Beiguelman escreveu em artigo na Folha de S.Paulo: “O coronavírus ressuscitou a internet dos anos 1990. Entre videochamadas, lives e visitas virtuais, descobrimos o que já sabíamos – viver no universo paralelo é muito chato. (…) E descobrimos outra coisa – museus, galerias de arte e instituições culturais estão na idade da pedra da internet. Atropelados pela pandemia e sem conteúdo artístico e cultural criado para a web, aderiram aos únicos campos da vida online que conhecem, as redes sociais, e-commerce e saídas de emergência apontadas para o Google Arts & Culture”.

Ainda assim, gravações em vídeo ou entrevistas de boa qualidade também se sobressaíram com o passar do tempo e atraíram milhares de visualizações e interações. Em entrevistas realizadas pela arte!brasileiros ao longo do ano, diversos gestores, apesar de concordarem que o virtual jamais substituirá a experiência presencial, destacaram como ponto positivo a possibilidade de dialogar ao vivo com pessoas de todos os cantos do mundo, o que não ocorria em uma palestra na sala de um museu ou galeria. Diretores e galeristas se disseram também satisfeitos com a velocidade com que conseguiram melhorar sua atuação virtual.

Dentre algumas destas lives e apresentações, nossos colaboradores escolheram aqui iniciativas que trouxeram valor agregado e, no meio de uma situação tão dramática, conseguiram encontrar soluções diferenciadas. Leia a seguir.

A importância do contexto

Em live no Festival ZUM, no final do ano passado, o artista chileno Alfredo Jaar tratou da política da imagem

Por Fabio Cypriano

Alfredo Jaar (abaixo na imagem) conversou com Thyago Nogueira na live. Foto: Reprodução

Desde que vi a performance de Alfredo Jaar na Trienal de San Juan, em 2015, e no ano seguinte no Seminário Internacional da arte!brasileiros, em São Paulo, sempre busco acompanhar as sensacionais falas do artista chileno. Em 2020, como as lives substituíram boa parte dos eventos presenciais, Jaar participou do Festival ZUM, por ocasião do lançamento da 19ª edição, em uma fala notável. Alguns destes eventos continuaram disponíveis online.

Destaco três trechos de sua fala de uma hora e meia que considero muito significativos no contexto atual da arte. O primeiro é quando Jaar revela como se dá sua metodologia de criação, o que inclui a leitura diária de jornais de diversos países, já que ele se exilou no Estados Unidos nos anos 1970 e lá reside até hoje: “Eu só posso me dedicar a falar do mundo se conseguir compreendê-lo”.

Pode parecer uma frase óbvia, mas são poucos os artistas que dão conta de transformar questões diárias do cotidiano, seja individual seja coletivo, em trabalhos artísticos potentes como os que ele apresenta ao longo da fala, naquilo que Hal Foster chama de “brilho utópico da ficção”, parafraseando Ben Lerner.

O segundo trecho é a constatação de que “o mundo da arte é o único que tem ainda um espaço de liberdade”, algo muito semelhante ao que defendeu Grada Kilomba há dois anos, na Pinacoteca do Estado, quando contou porque preferiu deixar a carreira acadêmica para seguir a produção artística. De fato, não por acaso, artistas vêm sendo perseguidos de forma veemente pelos governos de extrema direita, como o que se instalou por aqui.
Finalmente, o terceiro trecho, diretamente voltado ao tema de sua mesa, se divide em duas partes. A primeira quando ele trata da banalização das cenas violentas, seja nas redes, seja nos veículos de comunicação: “A imagem de dor se perde porque é descontextualizada em um mar de consumo”. E isso se completa com: “E a falta de contexto se junta à falta de uma alfabetização visual”. Aí para mim se sintetiza um dos dramas cruciais do momento atual, isto é, a necessidade urgente de fazer com que fatos ou imagens sejam vistos de forma ampla, em toda complexidade que estão imbricados e não apenas na superfície.

Assista a “A política da imagem” – Alfredo Jaar – Festival ZUM 2020 clicando aqui.

Mundo em disputa

A artista Rosana Paulino e o ambientalista e líder indígena Ailton Krenak discutiram os limites profundos da visão de mundo vinculada a um suposto projeto civilizatório, que só aceita os iguais e que relega o “outro” à margem

Por Maria Hirszman

Rosana Paulino, Ailton Krenak e João Souza (abaixo) na live. Foto: Reprodução

Ailton Krenak e Rosana Paulino estão entre os pensadores de maior destaque na cena brasileira, sobretudo nestes tempos pandêmicos de tantos encontros virtuais. Se isoladamente suas contribuições já são fundamentais acerca dos imensos desafios enfrentados pelas comunidades indígena e afro-brasileira, quando abordam em conjunto aspectos fundamentais da vida contemporânea, como a preservação ambiental, a desigualdade social e a permanente exclusão a que vem sendo submetidos há séculos, adquirem ainda maior densidade e agudez quando somadas num diálogo fértil de ideias.

“No planeta, 80% ou 90% são excluídos, estão disputando uma outra narrativa sobre o mundo”, afirmou Krenak no encontro promovido entre eles em junho do ano passado pela Organização Ashoka. São dados que explicitam a perversidade de uma via cada vez mais excludente, de radicalização da lógica neoliberal que vem se impondo sobre o mundo e, em particular, sobre o Brasil, onde o chefe de Estado reage às milhares de mortes com um lamentável “e daí?!”. A desumanidade contida nessa reação serve de síntese para as análises de ambos, tornando evidentes as constatações tanto de Krenak como de Paulino sobre os limites profundos da visão de mundo vinculada a um suposto projeto civilizatório, que só aceita os iguais e que relega o “outro” à margem.

Há anos debruçando-se sobre a intersecção entre arte e ciência, trabalhando em cima das construções promovidas pelo racismo científico, Rosana Paulino deixa evidente – tanto no discurso como eu seu trabalho artístico – como esse modelo de ordenação das cidades, da natureza, do conhecimento é destrutivo e excludente. É preciso incorporar novos saberes: “os grupos que ficaram à margem têm tecnologias que não foram reconhecidas por essa ordenação de mundo”, denuncia, revelando a urgente necessidade de rever essa lógica supostamente humanista. “Quando alguém afirma o princípio de urbanidade, de colonização de mundo, ele destrói meu mundo. Não me inclui. Só me integro não sendo mais eu mesmo”, reitera Krenak, mostrando de forma cristalina os limites de discursos que no fundo oferecem apenas soluções ilusórias e estéreis, como as paliativas ideias de superação, integração, empreendimento, aculturação e mérito, sempre baseadas na figura do indivíduo e que atendem aos desejos de manutenção do status quo para poucos.

Remando contra essa postura conformista, Krenak e Paulino pregam a necessidade real e urgente de entender os campos de disputa e de persistir no esforço de imaginar e construir novos mundos possíveis, sem se render à tendência globalizante do capital financeiro. Não há tempo a perder nem espaço para a acomodação. “Não posso acreditar que não há mais o que fazer. Meus ancestrais chegaram num porão de navio”, rebate Rosana.

Assista a “Dimensões da humanidade: de quem falamos? – Série de Lives Um Mundo de Pessoas que Transformam” clicando aqui.

Pontes históricas

Jota Mombaça, Ana Adamović, Nina Beier e Vincent Meessen falam sobre seus trabalhos que reforçam o foco da 34ª Bienal nas persistências históricas

Por Maria Hirszman

Vídeo com o Sino de Ouro Preto na mostra Vento, parte da 34ª Bienal de SP. Foto: Levi Fanan/ Fundação Bienal de São Paulo

Em seu terceiro encontro da série “As vozes dos artistas”, a 34ª edição da Bienal de São Paulo aprofundou as relações entre as obras de quatro dos convidados a participarem da mostra com um objeto impregnado de significados metafóricos e simbólicos: o sino de Ouro Preto. Instalado desde o século XVIII na Capela do Padre Faria, na então cidade de Vila Rica, esse instrumento condensa em si uma série de histórias. Está imbuído de vivências e significados que estabelecem uma relação direta com a proposta mais geral da mostra, Faz escuro mas eu canto, e torna-se um de seus principais enunciados, ao estabelecer pontes entre dois momentos históricos distintos, de grande intensidade na história do país. O primeiro deles é a noite em que Tiradentes foi executado, em 1792. Num gesto de rebeldia e resistência, o sino foi tocado na madrugada, apesar da proibição real. Esse desafio é ressignificado séculos depois quando o instrumento é levado de Minas Gerais para Brasília com o intuito de consagrar com seu som a nova capital, inaugurada em 1960 e num momento de reafirmação de Tiradentes como herói nacional, no mesmo 21 de abril. “Ele funciona como uma espécie de diapasão que nos ajuda a afinar um instrumento”, explica o curador Jacopo Crivelli Visconti na introdução da live.

A persistência histórica, as repetições, reiterações e questionamentos de momentos potentes do passado em releituras do presente estão entre as linhas de maior força dentro do projeto da Bienal e está presente no trabalho de vários dos artistas selecionados, dentre os quais se destacam Jota Mombaça, Ana Adamović, Nina Beier e Vincent Meessen, todos presentes na apresentação online realizada no último dia 25 de fevereiro e que será disponibilizada no canal do Youtube da instituição. Mombaça serviu como uma espécie de fio condutor do programa, comentando aspectos centrais de sua reflexão como o papel fundamental da imaginação como forma de nos levar “para além do realismo dentro do qual estamos confinados”, o desejo de romper com a representação, de extrapolar, rasurar as imagens de forma a permitir experiências mais radicais com a realidade. Esta questão, segundo ela, é central no trabalho 2021, que deve apresentar em parceria com Musa Michelle Mattiuzzi na 34ª Bienal.

Os outros artistas presentes na live, por meio de vídeos gravados antecipadamente, também se debruçam, com intensidades e abordagens diferentes, porém complementares, sobre questões como apagamento histórico, manipulação de imagens e símbolos, revisitando pontos nevrálgicos da história que podem inicialmente ser mais restritos a uma determinada cultura ou momento, mas que acabam por reverberar com grande intensidade e brilho. É interessante notar também que a maioria desses trabalhos não se atém ao universo restrito das artes visuais, mas lida de forma intensa com a performance, o vídeo e a música. Dois Corais, da sérvia Ana Adamović, parte de uma fotografia antiga, presente em um álbum dedicado a Tito (líder da ex-Iugoslávia), na qual se vêem crianças surdas cantando. Algo paradoxal, que remete à violência ou desejo de forçar a vocalização em busca de uma certa normalidade, que Adamović problematiza ao recriar a cena, desta vez pedindo aos participantes do coro que cantem por meio de linguagem de sinais. Surpreende a musicalidade e diversidade no gesto desses voluntários.

Assista à live da Bienal de São Paulo clicando aqui. 

Mostra em Buenos Aires apresenta reflexões sobre o feminismo e a arte na pós pandemia

Cuando cambia el mundo
"Autorretrato en el tiempo". 65 fotografias (1981-2019). Esther Ferrer. Foto: Reprodução/Centro Cultural Kirchner

Há pouco mais de um ano, a Covid-19 começava uma grande transformação da realidade que conhecíamos. Com o decorrer da pandemia, “as ficções futuristas, extremas e distópicas das cidades vazias se tornaram formas possíveis, inclusive comuns”, pontua Andrea Giunta. Na visão da curadora, algumas importantes perguntas nos são lançadas pela crise sanitária e por este mundo em que nos encontramos: Qual será a arte da pós-pandemia? E que mundo é esse para o qual queremos retornar? Com curadoria de Giunta, a exposição Cuando cambia el mundo. Perguntas sobre arte y feminismo coloca em foco a construção dessa nova sociabilidade, a partir de uma perspectiva particular.

Reunindo a obra de cinco artistas internacionais, a mostra aborda o estado das coisas e leva investigações sobre identidade, femininos e as construções de novas realidades possíveis ao Centro Cultural Kirchner, em Buenos Aires (Argentina). “O feminismo reúne uma matriz crítica que se propõe a repensar as formas como conhecemos o mundo, instrumentos para compreender a contemporaneidade, imaginários de futuro”, escreve Giunta em seu texto curatorial.

Em Cuando cambia el mundo, a brasileira Aline Motta, a espanhola Esther Ferrer, a americana-dominicana Joiri Minaya, a uruguaia Pau Delgado Iglesias e chilene Sebastián Calfuqueo propõem reflexões diversas, ligadas as agendas do feminismo contemporâneo. As discussões cruzam disciplinas, ao abordar as questões de gênero e a violência contra mulheres atreladas a reflexões sobre a relação do humano com a natureza, os legados da escravidão na América Latina, nas diásporas e os massacres (coloniais e contemporâneos), coletando tradições e expandindo conceitos.

“Embora tenham sido realizados antes da pandemia, os trabalhos desta exposição propõem estratégias éticas, estéticas, conceituais e políticas a partir das quais podemos repensar. Como expressão do pensamento paralelo, desnormativizado e alternativo, a arte amplia as formas de compreensão do mundo”, conclui Andrea Giunta.

Serviço
Cuando cambia el mundo. Perguntas sobre arte y feminismo
Centro Cultural Kirchner – Sarmiento 151, C1041 Buenos Aires, Argentina.
O ingresso é gratuito e a visita é feita mediante agendamento prévio no site da instituição (clique aqui)

Feiras de arte no mundo: como ficam após um ano de pandemia?

Por pouco mais de um ano, negociantes de arte, galeristas e colecionadores incapazes de viajar pelo circuito de feiras de arte ocuparam os espaços de exibição online que Art Basel, Frieze e outras feiras disponibilizaram. Para aquelas que não migraram – mesmo que temporariamente – para o formato digital integral, o modelo híbrido de negócios entre o ambiente da web e o presencial pareceu uma boa saída, uma que talvez se solidifique e permaneça até mesmo depois da quarentena. Esta é a opinião de Iwan Wirth, um dos fundadores da mega galeria Hauser & Wirth.

Contra a maior desvantagem sendo a falta da experiência presencial, podem ser listados alguns pontos positivos citados pelos galeristas nos OVRs (Online Viewing Rooms). “Nas feiras, o preço do estande, as viagens, hospedagens, o transporte de obras e os seguros, tudo é um orçamento muito alto. E mesmo as exposições virtuais da galeria foram mais baratas de fazer. O que aconteceu, no final do ano, é que a gente conseguiu manter o faturamento, mas a despesa caiu”, afirma Alexandre Roesler, da galeria Nara Roesler, em reportagem publicada na edição #53 de arte!brasileiros. Já a transparência de preços nos OVRs é o grande atrativo para colecionadores.

O colecionador francês François Blanc lamenta a questão da sociabilidade, que ajuda a distanciar as feiras bem sucedidas das que fracassam, em sua opinião. No entanto, Blanc explica que esta é a oportunidade das galerias para retomar o controle de seu mercado: “Interagir com colecionadores, entender suas expectativas, identificar artistas e promovê-los”. “As mega feiras não estão mais em posição de impor seu plano comercial no período de dinheiro escasso e transporte limitado que estamos enfrentando. O mercado tem a oportunidade de voltar ao nível do que é realmente necessário em termos de criação artística”, relata à Forbes.

Em um editorial opinativo para o portal Artnet, Jonathan Schwartz vai ao encontro da fala de Blanc e pontua: “Eu dirijo o Atelier 4, um complexo negócio de logística de belas artes que, de repente, em março do ano passado, se tornou basicamente uma empresa de armazenamento”. Aos poucos o Atelier 4 foi revivendo seus departamentos e foi encontrando trabalho com galerias e casas de leilão que haviam mudado para plataformas online. “Começamos a trabalhar em colaboração direta com nossos clientes – que estavam olhando para as paredes em suas casas e desejando algo novo para pendurar; indivíduos com patrimônio alto estão ficando em casa e comprando arte. Indo ao encontro da fala de Schwartz, Roesler explica que “este novo modo de vida criou uma outra relação com o próprio espaço da casa, uma convivência intensa que fez com que muitas pessoas começassem a pensar em mudar as coisas. Ele afirma inclusive que alguns de seus clientes decidiram morar períodos em suas segundas casas (fora da cidade) e passaram a adquirir obras para estes locais.

“No final do ano, parecia que poderíamos gerenciar esse desastre sem uma única feira de arte – e conseguimos”, conta Schwartz, por fim, e propõe uma importante questão em relação às feiras: “Já chegamos até aqui sem feiras. Por que arriscar nossa saúde agora quando há luz no fim do túnel? Quanto mais tempo ficarmos em nossos cantos, mais rápido chegaremos à linha de chegada”.

Mudanças de agenda nas feiras internacionais

O perigo das viagens internacionais e a – ainda presente – ameaça do vírus não são desconsiderados pelas organizações das feiras, no entanto. Um dos fenômenos possíveis e resultantes disso é sua fragmentação em eventos menores e locais, em vez de fazer com que todos se aglomerem em um centro de convenções. A Frieze New York, por exemplo, reduziu sua lista de expositores em dois terços para a edição de 2021, sendo que a feira acontecerá no espaço de artes The Shed, em Hudson Yards, em maio. “Nova York é uma das poucas cidades onde você pode realizar uma feira para 60 galerias internacionais sem ter que contar com uma grande participação internacional”, Victoria Siddall, a diretora da Frieze, disse ao New York Times. “É uma feira muito menor, mas parecia certa para o primeiro semestre do ano”. A Art Basel Hong Kong aderiu à alternativa de um planejamento com foco local e manteve sua ocorrência presencial para o final de maio, nos dias 21 a 23.

Feiras de arte em 2021: Espaço de artes The Shed, onde a Frieze New York acontecerá em 2021. Foto: Ajay Suresh.
Espaço de artes The Shed, onde a Frieze New York acontecerá em 2021. Foto: Ajay Suresh.

Já a Art Basel na Suíça – considerada a feira mais importante do circuito moderno e contemporâneo – adiou novamente sua 51ª edição, de junho para setembro (dias 23 a 26). “A decisão foi tomada partindo do pressuposto de que as pessoas em risco e os profissionais de saúde serão vacinados no início do verão, então o bloqueio e as restrições de viagens devem ser amenizados, com um pouco de proteção”, disse Marc Spiegler, diretor das feiras Art Basel. Liste, a feira conterrânea para arte emergente, foi movida para se juntar ao evento principal da cidade.

Por enquanto, a Tefaf Maastricht não planeja uma alternativa online e segue o movimento de Art Basel ao mudar sua 34ª edição para 11 a 19 de setembro, já tendo alterado anteriormente seu itinerário usual, de março para o final de maio. Segundo o presidente Hidde van Seggelen, setembro parece ser mais confiável para o comunidade frequentadora da feira. Se juntando ao mês de setembro está também a Photo London, que agora será exibida na Somerset House a partir do 9.

Como as mídias sociais se comportaram nesse cenário?

De acordo com uma pesquisa com 1.758 entrevistados em todo o mundo, conduzida pela empresa de mercado online Artsy, a mídia social ultrapassou as feiras de arte em um ranking dos principais canais de vendas para galerias em 2020. Enquanto em 2019, 16% das galerias pesquisadas disseram que sua principal fonte de vendas eram as feiras de arte (depois do contato direto com clientes e visitas pessoais às galerias), em 2020 isso havia caído para apenas 5%. Considerando o ano passado, o alcance aos clientes ainda ocupa o primeiro lugar (28%), seguido pelas vendas através do próprio site da galeria (de 10% para 17%, de 2019 para 2020). Dustyn Kim, CRO da Artsy, observa que uma grande parte dessas galerias não tinha presença online significativa e que neste período houve uma correlação direta entre fazer vendas e tornar os preços disponíveis ao público.

Calendário de feiras

Art Paris Art Fair: 8 a 11 de abril.

Expo Chicago: 8 a 11 de abril.

Art Beijing Art Fair: 30 de abril a 3 de maio.

Frieze New York: 7 a 9 de maio.

Art Basel Hong Kong: 21 a 23 de maio.

SP Arte: 16 a 20 de junho.

Masterpiece Art Fair: 24 a 29 de junho.

ARCO Madrid: 7 a 11 de julho.

SP Arte Foto: 25 a 29 de agosto.

ArtRio: 8 a 12 de setembro.

The Armory Show: 9 a 12 de setembro.

Photo London: 9 a 12 de setembro.

Tefaf Maastricht: 11 a 19 de setembro.

Liste Art Fair: 20 a 21 de setembro.

Art Basel: 23 a 26 de setembro.

Frieze London: 13 a 17 de outubro.

Frieze Masters: 13 a 17 de outubro.

Art Taipei: 22 a 25 de outubro.

Paris Photo: 11 a 14 de novembro.

Art Miami: 30 de novembro a 5 de dezembro.

Art Basel Miami: 2 a 5 de dezembro.

 

Lina Bo Bardi recebe o Leão de Ouro em Veneza

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A arquiteta Lina Bo Bardi. Foto: Divulgação
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A arquiteta Lina Bo Bardi. Foto: Divulgação

Autora de projetos célebres como o Museu de Arte de São Paulo (MASP), o Sesc Pompeia, o Teatro Oficina (ao lado de Edson Elito) e a Casa de Vidro em São Paulo, a reforma do Solar do Unhão (atual MAM-BA), a Casa do Benin e o restaurante do Coaty em Salvador, Lina Bo Bardi (1914-1992) acaba de ser anunciada a grande vencedora do Leão de Ouro da 17a Bienal de Arquitetura de Veneza. O prêmio vem coroar o crescente reconhecimento da obra de Lina, que se deu de modo mais intenso após a sua morte do que em seus anos de atuação.

Lina foi também designer (criou peças clássicas como a Bardi’s Bowl, a cadeira tripé e a cadeira Girafinha), curadora de mostras, ótima desenhista e criadora de projetos expográficos inovadores (são seus os cavaletes de vidro do MASP). Mais do que isso, foi uma pensadora original e radical, que fundou revistas e escreveu textos ao longo de toda a vida. O prêmio em Veneza foi recomendado pelo curador Hashim Sarkis e posteriormente aprovado pelo Conselho de Administração.

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Sesc Pompeia, São Paulo. Arquiteta Lina Bo Bardi. Foto: Divulgação [Acervo Marcelo Ferraz]

Em texto divulgado pela Bienal, Sarkis afirma: “Se há uma arquiteta que incorpora da forma mais adequada o tema da Biennale Architettura 2021, esta arquiteta é Lina Bo Bardi. Sua carreira como designer, editora, curadora e ativista nos lembra o papel do arquiteto como organizador e, mais importante, como construtor de visões coletivas. Lina Bo Bardi também exemplifica a perseverança da arquiteta em tempos difíceis, sejam guerras, conflitos políticos ou migração, e sua capacidade de permanecer criativa, generosa e otimista durante todo o processo. […] Acima de tudo, são seus pujantes edifícios que se destacam em termos de projeto e na forma como unem arquitetura, natureza, vida e comunidade. Em suas mãos, a arquitetura se torna verdadeiramente uma arte social que convoca as pessoas”.

Apesar de ter nascido em Roma (Itália) e desembarcado no Brasil apenas em 1946, a arquiteta escolheu o país sul-americano como sua pátria. Como ela mesma escreveu: “Naturalizei-me brasileira. Quando a gente nasce, não escolhe nada, nasce por acaso. Eu não nasci aqui, escolhi este lugar para viver. Por isso, o Brasil é meu país duas vezes, e eu me sinto cidadã de todas as cidades, desde o Cariri ao Triângulo Mineiro, às cidades do interior e da fronteira”. Apesar desta paixão e entrega, não deixou de viver uma série de adversidades e derrotas em sua trajetória brasileira, ao contrário do que se imagina hoje, em tempos de glorificação de seu trabalho e figura.

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O MASP em desenho de Lina. Foto: Reprodução

Em matéria publicada na página Outras Palavras por este repórter que aqui escreve, em 2014 (centenário de Lina), alguns dos motivos desses embates foram levantados: “E, se é difícil explicar com precisão os motivos de tantas adversidades – que passam pelos fatos mais óbvios de ser mulher em uma sociedade machista, ser “estrangeira” em tempos de nacionalismo ou, ainda, ser casada com um sujeito polêmico, como Pietro Maria Bardi –, há algo notável sobre a arquiteta que se relaciona à maioria de seus fracassos e sucessos: Lina não seguiu padrões, modelos prontos e modismos, nunca escolheu os caminhos fáceis e não hesitou em experimentar, subverter e ir contra os discursos hegemônicos na política ou na cultura. Sem se enquadrar – mesmo dentro do modernismo ou da esquerda –, ela fez da arquitetura sua arma para a transformação do mundo em um lugar mais igualitário e ‘humano’. Incomodou e por isso pagou preços, mas deixou, ao fim, um valioso legado para a arquitetura e para o país”.

Lina construía sem regras formais pré-definidas, e por isso nunca se encaixou em alguma escola arquitetônica como a paulista ou a carioca. Isso não era algo gratuito, mas parte de uma concepção de que o arquiteto deve entender os contextos sociais e humanos de cada local para poder projetar. Para Lina, cada caso era um caso, e a arquitetura deveria ter como protagonista o ser humano, não o espaço, como ela mesma disse certa vez.

Outros dois trechos da matéria do Outras Palavras ajudam a exemplificar seu pensamento. Nas palavras do arquiteto André Vainer, seu colaborador por muitos anos, “Lina representa um tipo de arquitetura que tem um respaldo com a realidade muito grande, o que é raro hoje em dia. Ela sempre trabalhava a partir de ideias que não eram de arquitetura, mas de relacionamento humano, de sociedade, de justiça entre os homens e de comportamento”. Para Zeuler Lima, professor da Washington University em Saint Louis (EUA) e autor de livro sobre a arquiteta: “Lina tinha um grande idealismo. E isso é diferente de utopia, pois era um idealismo de pensar não o impossível, mas o possível. Pensar um futuro melhor não abstratamente, mas no que existe, no aqui e no agora. Ela era uma pessoa extremamente generosa com a arquitetura, com a ideia de que a arquitetura tem um propósito e que ele tem que ser social, humano”, conclui.

Assista ao vídeo sobre “Transbordar: transgressões do bordado na arte”, no Sesc Pinheiros

Se durante a Idade Média “as artes têxteis gozavam de um importante lugar no panteon artístico”, foi na Renascença que elas passaram a ser vistas como práticas inferiores a outras formas de expressão – as então ditas belas artes. Na Revolução Industrial, essa narrativa se intensifica, ao incutir a essas práticas as ideias de feminilidade e reprodutibilidade. Seja pelas trabalhadoras da indústria têxtil ou as mulheres que bordam em casa, a prática é vista cada vez mais longe da genialidade de um artista e mais próxima a características de submissão. Como explica a curadora Ana Paula Simioni, que nos traz essa contextualização, é a essa imagem construída historicamente que Transbordar: transgressões do bordado na arte busca se opor.

“Justamente o maior desejo da mostra é o de provocar interrogações sobre essas noções atreladas ao bordado, a saber, as noções de que é uma prática feminina, dócil e doméstica”, explica Simioni. A mostra, em cartaz no Sesc Pinheiros até o dia 8 de maio reúne mais de 100 obras de 39 artistas, entre homens e mulheres, que revisitam os discursos de passividade, domesticidade e feminilidade atribuídos ao bordado – transgredindo-os -, e nos convidam a repensar o papel simbólico da prática e sua potência como expressão artística.

Obra da série "Bastidores", de Rosana Paulino, parte da exposição "Transbordar: transgressões do bordado na arte". Fotografia de uma mulher negra impressa em preto e branco sobre um bastidor redondo de bordado. Sobre a boca da personagem, cobrindo-a por completo, há um bordado agressivo em linha preta. Fim da descrição.
Obra da série “Bastidores”, de Rosana Paulino. Foto: Cortesia da artista

Sobre a fotografia de uma mulher negra, um bordado agressivo cobre sua boca, silenciando-a. A obra de Rosana Paulino, parte da série Bastidores, comunica a violência racial brasileira, especialmente sobre as mulheres. “A gente pode dizer que esse bordado é dócil, é passivo?”, questiona Ana Paula Simioni. No meio de uma das salas da exposição, nos deparamos com um lindo e delicado vestido, feito por Nazareth Pacheco. Porém, é ao nos aproximar da peça que vemos que o vestido é composto majoritariamente de giletes. “A ideia do vestido como aquilo que adorna a mulher, que é feminino e passivo, na obra dela é completamente revirada. É uma peça que se você vestir, terá o corpo inteiramente cortado.” A indumentária feminina clássica aparece diversas vezes na mostra, com diferentes conotações. Outro exemplo é o trabalho Zuzu Angel, que transformou o vestido em protesto sobre o desaparecimento de seu filho em meio a ditadura militar.

Para a curadora, essas obras explicitam bem uma característica comum à maioria dos trabalhos expostos em Transbordar: transgressões do bordado na arte. “São produções capazes de ao mesmo tempo encantar e incomodar. Encantar porque no geral são bonitas, trazem elementos plasticamente sedutores, mas ao mesmo tempo – seja por meio dos temas que abordam, seja da própria fatura – nos fazem pensar nos diversos modos de violência que nos rondam em nossas sociedades.”

Porém, não é de hoje que o bordado assume um papel crítico e essa visão sobre a prática não se atém apenas aos exemplos citados. “No século XX há uma retomada crítica desse tipo de produção. Não por acaso são mulheres nas vanguardas que retomam as artes têxteis num sentido completamente diferente, num sentido de incomodar e transgredir de fato essas hierarquias”, conta Simioni. Assim, em meio a obras que trazem narrativas sobre as ditaduras latino-americanas, as lutas raciais, LGBTQ+, de classe e de gênero, e nomes como Bispo do Rosário, Leonilson, Anna Bella Geiger, Regina Gomide Graz e tantos outros, a mostra propõe transbordarmos os limites que dividem o bordado da arte.

Para entender o assunto mais a fundo, a arte!brasileiros visitou a exposição ao lado da curadora Ana Paula Simioni. Assista ao vídeo:

Transbordar: transgressões do bordado na arte fica em cartaz até 8 de maio de 2021. Para a segurança de todos frente à pandemia de coronavírus, a temperatura corporal de todos é aferida na entrada e o uso de máscaras é obrigatório durante toda a visitação.

Reserve seu ingresso no site do Sesc Pinheiros.

Assista ao vídeo sobre a mostra “Irreparáveis Reparos – Kader Attia”, no Sesc Pompeia

Kader Attia - irreparáveis reparos
Esculturas de Kader Attia expostas na mostra Irreparáveis Reparos. Foto: Gui Gomes/ Divulgação

Filho de pai argelino e mãe berbere, Kader Attia é um dos artistas franceses mais reconhecidos da sua geração. Ele cresceu na Argélia e nos subúrbios de Paris e usa essa experiência de viver entre duas culturas como ponto de partida para desenvolver sua prática artística, com a qual podemos entrar em contato em Irreparáveis Reparos, mostra individual do artista em cartaz no Sesc Pompeia até 30 de janeiro.

Em sua obra, Kader tem demonstrado interesse especial na noção de reparação, conceito entendido por ele como um processo de aperfeiçoamento e cicatrização, seja das instituições ou das tradições, dos sujeitos ou dos objetos; algo que pode estar ligado às perdas ou às feridas, à recuperação ou à reapropriação. Em Irreparáveis Reparos, sua reflexão principal ocorre no período posterior ao conflito – no que resta e na ausência –, utilizando também do vazio para indicar a antiga presença de algo. 

Assista ao vídeo e saiba mais:

Quer saber mais sobre a mostra? A arte!brasileiros visitou a exposição e o colunista Fabio Cypriano conta um pouco de sua experiência pessoal em texto para a edição #53 da revista. Leia aqui.

Irreparáveis reparos – Kader Attia fica em cartaz até 30 de janeiro de 2021. Para a segurança de todos frente à pandemia de coronavírus, a temperatura corporal é aferida na entrada e o uso de máscaras é obrigatório durante toda a visitação. Reserve seu ingresso no site do Sesc Pompeia clicando aqui.

 

 

Coletivo estreia 1ª Exposição do Prêmio Vozes Agudas para Mulheres Artistas

"Cena de crime IV", de Laís Matias, é uma das obras a compor a Exposição do Prêmio Vozes Agudas para Mulheres Artistas. Foto: Cortesia Vozes Agudas

Voltado exclusivamente para mulheres, o Prêmio Vozes Agudas recebeu mais de 800 inscrições em sua primeira edição. Com objetivo de construir plataformas de visibilidade para o trabalho de artistas mulheres ainda não absorvidas pelo circuito tradicional das artes, o edital selecionou três vencedoras, concedeu duas menções honrosas e no próximo dia 22 de março abre sua primeira exposição coletiva, unindo essas artistas a um grupo de doze convidadas na Galeria Jaqueline Martins, em São Paulo.

Com entrada gratuita, a mostra fica em cartaz até o dia 01 de abril e a visitação pode ser agendada com a própria galeria. Pensando em permitir o acesso àqueles que seguem em isolamento ou moram em outras cidades e estados, o coletivo também disponibilizou as obras em seu site (clique aqui). Nos próximos meses, a exposição terá ainda um outro recorte em Brasília, na Galeria Karla Osório, reunindo artistas do Centro-Oeste; e uma última versão em Recife, em local a ser definido, buscando apresentar trabalhos das regiões Norte e Nordeste.

Em todas as ocasiões, participam das mostras as vencedoras do prêmio: a fotógrafa gaúcha afro-futurista Laryssa Machada; a mineira Massuelen Cristina, que transita por mídias tecnológicas para construir narrativas subjetivas de percepção, em que aspectos raciais e de gênero dialogam com as contradições da vida; e a paulista Monica Coster, com seu trabalho escultórico e performático com uma perspectiva poético-biológica dos processos digestivos; bem como, o coletivo Terroristas del Amor (CE) e a artista Vulcânica PokaRopa (SP), menções honrosas no edital.

Na edição paulista, especificamente, integram a exposição as convidadas Alice Yura (MS), Ana Elisa Gonçalves (MG), Bella PPK do Mal (SP), Bruxas de Blergh (MG), Érica Magalhães, Érica Storer (PR), Laís Matías (SP), Lília Malheiros (SP), Maria Livman (SP), May Agontinme (SP), Mirla Fernandes (SP) e Vanessa Ximenez (RJ).

Adentrando o circuito artístico

Situado em São Paulo, o Vozes Agudas é um coletivo feminista de estudos e intervenções. Ligado ao Ateliê397 (leia nossa matéria sobre o espaço independente), ele é formado por artistas, pesquisadoras, curadoras e gestoras culturais. O Prêmio foi uma das iniciativas de 2020, visando dar espaço a mulheres que seguiam à margem do circuito das artes, seja por questões de linguagem ou contingência social.

Por isso, além da participação nas exposições, cada uma das vencedoras ganhou um prêmio no valor de R$1.000,00 e um conjunto de atividades para impulsionar a divulgação de seus trabalhos. Devido à boa repercussão, o Coletivo Vozes Agudas já planeja uma segunda edição a ser lançado ainda em 2021.

Serviço

Galeria Jaqueline Martins – Rua Cesário da Mota Junior 443 – Vila Buarque
06 de março a 01 de abril.
Segunda a sexta, das 10 às 19h.
Sábado das 12h às 17h.
Entrada gratuita
Para saber mais, acompanhe a nossa agenda.