Início Site Página 60

Feiras de arte no mundo: como ficam após um ano de pandemia?

Por pouco mais de um ano, negociantes de arte, galeristas e colecionadores incapazes de viajar pelo circuito de feiras de arte ocuparam os espaços de exibição online que Art Basel, Frieze e outras feiras disponibilizaram. Para aquelas que não migraram – mesmo que temporariamente – para o formato digital integral, o modelo híbrido de negócios entre o ambiente da web e o presencial pareceu uma boa saída, uma que talvez se solidifique e permaneça até mesmo depois da quarentena. Esta é a opinião de Iwan Wirth, um dos fundadores da mega galeria Hauser & Wirth.

Contra a maior desvantagem sendo a falta da experiência presencial, podem ser listados alguns pontos positivos citados pelos galeristas nos OVRs (Online Viewing Rooms). “Nas feiras, o preço do estande, as viagens, hospedagens, o transporte de obras e os seguros, tudo é um orçamento muito alto. E mesmo as exposições virtuais da galeria foram mais baratas de fazer. O que aconteceu, no final do ano, é que a gente conseguiu manter o faturamento, mas a despesa caiu”, afirma Alexandre Roesler, da galeria Nara Roesler, em reportagem publicada na edição #53 de arte!brasileiros. Já a transparência de preços nos OVRs é o grande atrativo para colecionadores.

O colecionador francês François Blanc lamenta a questão da sociabilidade, que ajuda a distanciar as feiras bem sucedidas das que fracassam, em sua opinião. No entanto, Blanc explica que esta é a oportunidade das galerias para retomar o controle de seu mercado: “Interagir com colecionadores, entender suas expectativas, identificar artistas e promovê-los”. “As mega feiras não estão mais em posição de impor seu plano comercial no período de dinheiro escasso e transporte limitado que estamos enfrentando. O mercado tem a oportunidade de voltar ao nível do que é realmente necessário em termos de criação artística”, relata à Forbes.

Em um editorial opinativo para o portal Artnet, Jonathan Schwartz vai ao encontro da fala de Blanc e pontua: “Eu dirijo o Atelier 4, um complexo negócio de logística de belas artes que, de repente, em março do ano passado, se tornou basicamente uma empresa de armazenamento”. Aos poucos o Atelier 4 foi revivendo seus departamentos e foi encontrando trabalho com galerias e casas de leilão que haviam mudado para plataformas online. “Começamos a trabalhar em colaboração direta com nossos clientes – que estavam olhando para as paredes em suas casas e desejando algo novo para pendurar; indivíduos com patrimônio alto estão ficando em casa e comprando arte. Indo ao encontro da fala de Schwartz, Roesler explica que “este novo modo de vida criou uma outra relação com o próprio espaço da casa, uma convivência intensa que fez com que muitas pessoas começassem a pensar em mudar as coisas. Ele afirma inclusive que alguns de seus clientes decidiram morar períodos em suas segundas casas (fora da cidade) e passaram a adquirir obras para estes locais.

“No final do ano, parecia que poderíamos gerenciar esse desastre sem uma única feira de arte – e conseguimos”, conta Schwartz, por fim, e propõe uma importante questão em relação às feiras: “Já chegamos até aqui sem feiras. Por que arriscar nossa saúde agora quando há luz no fim do túnel? Quanto mais tempo ficarmos em nossos cantos, mais rápido chegaremos à linha de chegada”.

Mudanças de agenda nas feiras internacionais

O perigo das viagens internacionais e a – ainda presente – ameaça do vírus não são desconsiderados pelas organizações das feiras, no entanto. Um dos fenômenos possíveis e resultantes disso é sua fragmentação em eventos menores e locais, em vez de fazer com que todos se aglomerem em um centro de convenções. A Frieze New York, por exemplo, reduziu sua lista de expositores em dois terços para a edição de 2021, sendo que a feira acontecerá no espaço de artes The Shed, em Hudson Yards, em maio. “Nova York é uma das poucas cidades onde você pode realizar uma feira para 60 galerias internacionais sem ter que contar com uma grande participação internacional”, Victoria Siddall, a diretora da Frieze, disse ao New York Times. “É uma feira muito menor, mas parecia certa para o primeiro semestre do ano”. A Art Basel Hong Kong aderiu à alternativa de um planejamento com foco local e manteve sua ocorrência presencial para o final de maio, nos dias 21 a 23.

Feiras de arte em 2021: Espaço de artes The Shed, onde a Frieze New York acontecerá em 2021. Foto: Ajay Suresh.
Espaço de artes The Shed, onde a Frieze New York acontecerá em 2021. Foto: Ajay Suresh.

Já a Art Basel na Suíça – considerada a feira mais importante do circuito moderno e contemporâneo – adiou novamente sua 51ª edição, de junho para setembro (dias 23 a 26). “A decisão foi tomada partindo do pressuposto de que as pessoas em risco e os profissionais de saúde serão vacinados no início do verão, então o bloqueio e as restrições de viagens devem ser amenizados, com um pouco de proteção”, disse Marc Spiegler, diretor das feiras Art Basel. Liste, a feira conterrânea para arte emergente, foi movida para se juntar ao evento principal da cidade.

Por enquanto, a Tefaf Maastricht não planeja uma alternativa online e segue o movimento de Art Basel ao mudar sua 34ª edição para 11 a 19 de setembro, já tendo alterado anteriormente seu itinerário usual, de março para o final de maio. Segundo o presidente Hidde van Seggelen, setembro parece ser mais confiável para o comunidade frequentadora da feira. Se juntando ao mês de setembro está também a Photo London, que agora será exibida na Somerset House a partir do 9.

Como as mídias sociais se comportaram nesse cenário?

De acordo com uma pesquisa com 1.758 entrevistados em todo o mundo, conduzida pela empresa de mercado online Artsy, a mídia social ultrapassou as feiras de arte em um ranking dos principais canais de vendas para galerias em 2020. Enquanto em 2019, 16% das galerias pesquisadas disseram que sua principal fonte de vendas eram as feiras de arte (depois do contato direto com clientes e visitas pessoais às galerias), em 2020 isso havia caído para apenas 5%. Considerando o ano passado, o alcance aos clientes ainda ocupa o primeiro lugar (28%), seguido pelas vendas através do próprio site da galeria (de 10% para 17%, de 2019 para 2020). Dustyn Kim, CRO da Artsy, observa que uma grande parte dessas galerias não tinha presença online significativa e que neste período houve uma correlação direta entre fazer vendas e tornar os preços disponíveis ao público.

Calendário de feiras

Art Paris Art Fair: 8 a 11 de abril.

Expo Chicago: 8 a 11 de abril.

Art Beijing Art Fair: 30 de abril a 3 de maio.

Frieze New York: 7 a 9 de maio.

Art Basel Hong Kong: 21 a 23 de maio.

SP Arte: 16 a 20 de junho.

Masterpiece Art Fair: 24 a 29 de junho.

ARCO Madrid: 7 a 11 de julho.

SP Arte Foto: 25 a 29 de agosto.

ArtRio: 8 a 12 de setembro.

The Armory Show: 9 a 12 de setembro.

Photo London: 9 a 12 de setembro.

Tefaf Maastricht: 11 a 19 de setembro.

Liste Art Fair: 20 a 21 de setembro.

Art Basel: 23 a 26 de setembro.

Frieze London: 13 a 17 de outubro.

Frieze Masters: 13 a 17 de outubro.

Art Taipei: 22 a 25 de outubro.

Paris Photo: 11 a 14 de novembro.

Art Miami: 30 de novembro a 5 de dezembro.

Art Basel Miami: 2 a 5 de dezembro.

 

Lina Bo Bardi recebe o Leão de Ouro em Veneza

lina bo bardi
A arquiteta Lina Bo Bardi. Foto: Divulgação
lina bo bardi
A arquiteta Lina Bo Bardi. Foto: Divulgação

Autora de projetos célebres como o Museu de Arte de São Paulo (MASP), o Sesc Pompeia, o Teatro Oficina (ao lado de Edson Elito) e a Casa de Vidro em São Paulo, a reforma do Solar do Unhão (atual MAM-BA), a Casa do Benin e o restaurante do Coaty em Salvador, Lina Bo Bardi (1914-1992) acaba de ser anunciada a grande vencedora do Leão de Ouro da 17a Bienal de Arquitetura de Veneza. O prêmio vem coroar o crescente reconhecimento da obra de Lina, que se deu de modo mais intenso após a sua morte do que em seus anos de atuação.

Lina foi também designer (criou peças clássicas como a Bardi’s Bowl, a cadeira tripé e a cadeira Girafinha), curadora de mostras, ótima desenhista e criadora de projetos expográficos inovadores (são seus os cavaletes de vidro do MASP). Mais do que isso, foi uma pensadora original e radical, que fundou revistas e escreveu textos ao longo de toda a vida. O prêmio em Veneza foi recomendado pelo curador Hashim Sarkis e posteriormente aprovado pelo Conselho de Administração.

lina bo bardi
Sesc Pompeia, São Paulo. Arquiteta Lina Bo Bardi. Foto: Divulgação [Acervo Marcelo Ferraz]

Em texto divulgado pela Bienal, Sarkis afirma: “Se há uma arquiteta que incorpora da forma mais adequada o tema da Biennale Architettura 2021, esta arquiteta é Lina Bo Bardi. Sua carreira como designer, editora, curadora e ativista nos lembra o papel do arquiteto como organizador e, mais importante, como construtor de visões coletivas. Lina Bo Bardi também exemplifica a perseverança da arquiteta em tempos difíceis, sejam guerras, conflitos políticos ou migração, e sua capacidade de permanecer criativa, generosa e otimista durante todo o processo. […] Acima de tudo, são seus pujantes edifícios que se destacam em termos de projeto e na forma como unem arquitetura, natureza, vida e comunidade. Em suas mãos, a arquitetura se torna verdadeiramente uma arte social que convoca as pessoas”.

Apesar de ter nascido em Roma (Itália) e desembarcado no Brasil apenas em 1946, a arquiteta escolheu o país sul-americano como sua pátria. Como ela mesma escreveu: “Naturalizei-me brasileira. Quando a gente nasce, não escolhe nada, nasce por acaso. Eu não nasci aqui, escolhi este lugar para viver. Por isso, o Brasil é meu país duas vezes, e eu me sinto cidadã de todas as cidades, desde o Cariri ao Triângulo Mineiro, às cidades do interior e da fronteira”. Apesar desta paixão e entrega, não deixou de viver uma série de adversidades e derrotas em sua trajetória brasileira, ao contrário do que se imagina hoje, em tempos de glorificação de seu trabalho e figura.

lina bo bardi
O MASP em desenho de Lina. Foto: Reprodução

Em matéria publicada na página Outras Palavras por este repórter que aqui escreve, em 2014 (centenário de Lina), alguns dos motivos desses embates foram levantados: “E, se é difícil explicar com precisão os motivos de tantas adversidades – que passam pelos fatos mais óbvios de ser mulher em uma sociedade machista, ser “estrangeira” em tempos de nacionalismo ou, ainda, ser casada com um sujeito polêmico, como Pietro Maria Bardi –, há algo notável sobre a arquiteta que se relaciona à maioria de seus fracassos e sucessos: Lina não seguiu padrões, modelos prontos e modismos, nunca escolheu os caminhos fáceis e não hesitou em experimentar, subverter e ir contra os discursos hegemônicos na política ou na cultura. Sem se enquadrar – mesmo dentro do modernismo ou da esquerda –, ela fez da arquitetura sua arma para a transformação do mundo em um lugar mais igualitário e ‘humano’. Incomodou e por isso pagou preços, mas deixou, ao fim, um valioso legado para a arquitetura e para o país”.

Lina construía sem regras formais pré-definidas, e por isso nunca se encaixou em alguma escola arquitetônica como a paulista ou a carioca. Isso não era algo gratuito, mas parte de uma concepção de que o arquiteto deve entender os contextos sociais e humanos de cada local para poder projetar. Para Lina, cada caso era um caso, e a arquitetura deveria ter como protagonista o ser humano, não o espaço, como ela mesma disse certa vez.

Outros dois trechos da matéria do Outras Palavras ajudam a exemplificar seu pensamento. Nas palavras do arquiteto André Vainer, seu colaborador por muitos anos, “Lina representa um tipo de arquitetura que tem um respaldo com a realidade muito grande, o que é raro hoje em dia. Ela sempre trabalhava a partir de ideias que não eram de arquitetura, mas de relacionamento humano, de sociedade, de justiça entre os homens e de comportamento”. Para Zeuler Lima, professor da Washington University em Saint Louis (EUA) e autor de livro sobre a arquiteta: “Lina tinha um grande idealismo. E isso é diferente de utopia, pois era um idealismo de pensar não o impossível, mas o possível. Pensar um futuro melhor não abstratamente, mas no que existe, no aqui e no agora. Ela era uma pessoa extremamente generosa com a arquitetura, com a ideia de que a arquitetura tem um propósito e que ele tem que ser social, humano”, conclui.

Assista ao vídeo sobre “Transbordar: transgressões do bordado na arte”, no Sesc Pinheiros

Se durante a Idade Média “as artes têxteis gozavam de um importante lugar no panteon artístico”, foi na Renascença que elas passaram a ser vistas como práticas inferiores a outras formas de expressão – as então ditas belas artes. Na Revolução Industrial, essa narrativa se intensifica, ao incutir a essas práticas as ideias de feminilidade e reprodutibilidade. Seja pelas trabalhadoras da indústria têxtil ou as mulheres que bordam em casa, a prática é vista cada vez mais longe da genialidade de um artista e mais próxima a características de submissão. Como explica a curadora Ana Paula Simioni, que nos traz essa contextualização, é a essa imagem construída historicamente que Transbordar: transgressões do bordado na arte busca se opor.

“Justamente o maior desejo da mostra é o de provocar interrogações sobre essas noções atreladas ao bordado, a saber, as noções de que é uma prática feminina, dócil e doméstica”, explica Simioni. A mostra, em cartaz no Sesc Pinheiros até o dia 8 de maio reúne mais de 100 obras de 39 artistas, entre homens e mulheres, que revisitam os discursos de passividade, domesticidade e feminilidade atribuídos ao bordado – transgredindo-os -, e nos convidam a repensar o papel simbólico da prática e sua potência como expressão artística.

Obra da série "Bastidores", de Rosana Paulino, parte da exposição "Transbordar: transgressões do bordado na arte". Fotografia de uma mulher negra impressa em preto e branco sobre um bastidor redondo de bordado. Sobre a boca da personagem, cobrindo-a por completo, há um bordado agressivo em linha preta. Fim da descrição.
Obra da série “Bastidores”, de Rosana Paulino. Foto: Cortesia da artista

Sobre a fotografia de uma mulher negra, um bordado agressivo cobre sua boca, silenciando-a. A obra de Rosana Paulino, parte da série Bastidores, comunica a violência racial brasileira, especialmente sobre as mulheres. “A gente pode dizer que esse bordado é dócil, é passivo?”, questiona Ana Paula Simioni. No meio de uma das salas da exposição, nos deparamos com um lindo e delicado vestido, feito por Nazareth Pacheco. Porém, é ao nos aproximar da peça que vemos que o vestido é composto majoritariamente de giletes. “A ideia do vestido como aquilo que adorna a mulher, que é feminino e passivo, na obra dela é completamente revirada. É uma peça que se você vestir, terá o corpo inteiramente cortado.” A indumentária feminina clássica aparece diversas vezes na mostra, com diferentes conotações. Outro exemplo é o trabalho Zuzu Angel, que transformou o vestido em protesto sobre o desaparecimento de seu filho em meio a ditadura militar.

Para a curadora, essas obras explicitam bem uma característica comum à maioria dos trabalhos expostos em Transbordar: transgressões do bordado na arte. “São produções capazes de ao mesmo tempo encantar e incomodar. Encantar porque no geral são bonitas, trazem elementos plasticamente sedutores, mas ao mesmo tempo – seja por meio dos temas que abordam, seja da própria fatura – nos fazem pensar nos diversos modos de violência que nos rondam em nossas sociedades.”

Porém, não é de hoje que o bordado assume um papel crítico e essa visão sobre a prática não se atém apenas aos exemplos citados. “No século XX há uma retomada crítica desse tipo de produção. Não por acaso são mulheres nas vanguardas que retomam as artes têxteis num sentido completamente diferente, num sentido de incomodar e transgredir de fato essas hierarquias”, conta Simioni. Assim, em meio a obras que trazem narrativas sobre as ditaduras latino-americanas, as lutas raciais, LGBTQ+, de classe e de gênero, e nomes como Bispo do Rosário, Leonilson, Anna Bella Geiger, Regina Gomide Graz e tantos outros, a mostra propõe transbordarmos os limites que dividem o bordado da arte.

Para entender o assunto mais a fundo, a arte!brasileiros visitou a exposição ao lado da curadora Ana Paula Simioni. Assista ao vídeo:

Transbordar: transgressões do bordado na arte fica em cartaz até 8 de maio de 2021. Para a segurança de todos frente à pandemia de coronavírus, a temperatura corporal de todos é aferida na entrada e o uso de máscaras é obrigatório durante toda a visitação.

Reserve seu ingresso no site do Sesc Pinheiros.

Assista ao vídeo sobre a mostra “Irreparáveis Reparos – Kader Attia”, no Sesc Pompeia

Kader Attia - irreparáveis reparos
Esculturas de Kader Attia expostas na mostra Irreparáveis Reparos. Foto: Gui Gomes/ Divulgação

Filho de pai argelino e mãe berbere, Kader Attia é um dos artistas franceses mais reconhecidos da sua geração. Ele cresceu na Argélia e nos subúrbios de Paris e usa essa experiência de viver entre duas culturas como ponto de partida para desenvolver sua prática artística, com a qual podemos entrar em contato em Irreparáveis Reparos, mostra individual do artista em cartaz no Sesc Pompeia até 30 de janeiro.

Em sua obra, Kader tem demonstrado interesse especial na noção de reparação, conceito entendido por ele como um processo de aperfeiçoamento e cicatrização, seja das instituições ou das tradições, dos sujeitos ou dos objetos; algo que pode estar ligado às perdas ou às feridas, à recuperação ou à reapropriação. Em Irreparáveis Reparos, sua reflexão principal ocorre no período posterior ao conflito – no que resta e na ausência –, utilizando também do vazio para indicar a antiga presença de algo. 

Assista ao vídeo e saiba mais:

Quer saber mais sobre a mostra? A arte!brasileiros visitou a exposição e o colunista Fabio Cypriano conta um pouco de sua experiência pessoal em texto para a edição #53 da revista. Leia aqui.

Irreparáveis reparos – Kader Attia fica em cartaz até 30 de janeiro de 2021. Para a segurança de todos frente à pandemia de coronavírus, a temperatura corporal é aferida na entrada e o uso de máscaras é obrigatório durante toda a visitação. Reserve seu ingresso no site do Sesc Pompeia clicando aqui.

 

 

Coletivo estreia 1ª Exposição do Prêmio Vozes Agudas para Mulheres Artistas

"Cena de crime IV", de Laís Matias, é uma das obras a compor a Exposição do Prêmio Vozes Agudas para Mulheres Artistas. Foto: Cortesia Vozes Agudas

Voltado exclusivamente para mulheres, o Prêmio Vozes Agudas recebeu mais de 800 inscrições em sua primeira edição. Com objetivo de construir plataformas de visibilidade para o trabalho de artistas mulheres ainda não absorvidas pelo circuito tradicional das artes, o edital selecionou três vencedoras, concedeu duas menções honrosas e no próximo dia 22 de março abre sua primeira exposição coletiva, unindo essas artistas a um grupo de doze convidadas na Galeria Jaqueline Martins, em São Paulo.

Com entrada gratuita, a mostra fica em cartaz até o dia 01 de abril e a visitação pode ser agendada com a própria galeria. Pensando em permitir o acesso àqueles que seguem em isolamento ou moram em outras cidades e estados, o coletivo também disponibilizou as obras em seu site (clique aqui). Nos próximos meses, a exposição terá ainda um outro recorte em Brasília, na Galeria Karla Osório, reunindo artistas do Centro-Oeste; e uma última versão em Recife, em local a ser definido, buscando apresentar trabalhos das regiões Norte e Nordeste.

Em todas as ocasiões, participam das mostras as vencedoras do prêmio: a fotógrafa gaúcha afro-futurista Laryssa Machada; a mineira Massuelen Cristina, que transita por mídias tecnológicas para construir narrativas subjetivas de percepção, em que aspectos raciais e de gênero dialogam com as contradições da vida; e a paulista Monica Coster, com seu trabalho escultórico e performático com uma perspectiva poético-biológica dos processos digestivos; bem como, o coletivo Terroristas del Amor (CE) e a artista Vulcânica PokaRopa (SP), menções honrosas no edital.

Na edição paulista, especificamente, integram a exposição as convidadas Alice Yura (MS), Ana Elisa Gonçalves (MG), Bella PPK do Mal (SP), Bruxas de Blergh (MG), Érica Magalhães, Érica Storer (PR), Laís Matías (SP), Lília Malheiros (SP), Maria Livman (SP), May Agontinme (SP), Mirla Fernandes (SP) e Vanessa Ximenez (RJ).

Adentrando o circuito artístico

Situado em São Paulo, o Vozes Agudas é um coletivo feminista de estudos e intervenções. Ligado ao Ateliê397 (leia nossa matéria sobre o espaço independente), ele é formado por artistas, pesquisadoras, curadoras e gestoras culturais. O Prêmio foi uma das iniciativas de 2020, visando dar espaço a mulheres que seguiam à margem do circuito das artes, seja por questões de linguagem ou contingência social.

Por isso, além da participação nas exposições, cada uma das vencedoras ganhou um prêmio no valor de R$1.000,00 e um conjunto de atividades para impulsionar a divulgação de seus trabalhos. Devido à boa repercussão, o Coletivo Vozes Agudas já planeja uma segunda edição a ser lançado ainda em 2021.

Serviço

Galeria Jaqueline Martins – Rua Cesário da Mota Junior 443 – Vila Buarque
06 de março a 01 de abril.
Segunda a sexta, das 10 às 19h.
Sábado das 12h às 17h.
Entrada gratuita
Para saber mais, acompanhe a nossa agenda. 

Converse City Forests une arte urbana e sustentabilidade

"Ofrenda" [Oferenda], mural feito em ocasião do Converse City Forests em Lima, Peru. Foto: Divulgação.

A poluição do ar é um dos principais problemas das grandes metrópoles. Mas como seria se uma arte de rua conseguisse agir para minimizar esse impacto ambiental? É isso que propõe o projeto Converse City Forests. A ação global pretende espalhar em diversos países murais feitos com tinta fotocatalítica, um material que usa a energia da luz para decompor os poluentes atmosféricos nocivos. 

Segundo a Converse, empresa responsável pelo projeto, “qualquer superfície revestida com esta tinta torna-se uma superfície purificadora de ar ativa, que ajuda a proteger as pessoas de gases nocivos. A tinta faz o papel de árvores em lugares que elas não podem crescer”. Pesquisas de instituições brasileiras e internacionais[1] também apontam as propriedades deste material e explicam que é a presença de nanopartículas de elementos como o dióxido de titânio que confere à tinta, a partir do fenômeno da fotocatálise, novas propriedades: a autolimpeza das superfícies e a purificação do ar.

Em 2020, o Brasil recebeu pela primeira vez um mural ecológico deste tipo. Em uma empena vizinha à Via Elevada Presidente João Goulart (o famoso Minhocão), em São Paulo, Rimon Guimarães criou Pindorama. A estimativa é que o grafite tenha um efeito equivalente a 750 árvores. Ao lado de outros murais ecológicos da América Latina – feitos em Santiago (Chile), Lima (Peru) e Cidade do México -, a obra segue a temática “orgulho, ancestralidade e raízes locais”, baseada em referências e pesquisas dos povos originários brasileiros.

Além disso, o Converse City Forests teve atuação em outros continentes. Na África, realizaram um mural em Joanesburgo (África do Sul), já a Oceania conta com um grafite em Sidney (Austrália). Na Europa, Varsóvia (Polônia) e Belgrado (Sérvia) receberam obras ecológicas, enquanto a Ásia foi o continente mais impactado, com produções em Ho Chi Minh City (Vietnã), Manila (Filipinas), Jakarta (Indonésia), Bangkok, Ratchaburi e Chiang Mai (Tailândia).

Em todas ações do projeto há uma atuação intensa da comunidade criativa da Converse, os All Stars. Parte de uma comunidade global da empresa, eles são aproximadamente 3 mil membros ao redor do mundo em 30 países. O grupo de São Paulo conta com cerca 120 jovens entre 18 a 23 anos, todos ligados ao universo da arte de alguma forma. 

Descentralizando lutas e artes

Porém, para a equipe, as florestas urbanas pareciam ainda muito centralizadas. Pensando em pulverizar a ação do projeto em São Paulo e levar a tecnologia da tinta para mais pontos da cidade, criaram o City Attack, eixo do Converse City Forests responsável pela criação de 60 murais distribuídos pelas diferentes regiões da capital.

Essa etapa foi destinada ao artista Pina e baseia-se em obras feitas com estêncil, buscando replicar as artes de forma mais rápida. Em colaboração com a Converse, o artista escolheu três All Stars que tivessem linhas de pesquisa e militâncias distintas, para que pudesse expressar as lutas de cada um através da sua arte. Os selecionados foram Lucas Fidelis representando a luta anti-racista; Vitória Leona, que retrata os povos originários, e Lucy Eclipsa, simbolizando a luta de pessoas trans não binárias.

“É importantíssimo que olhemos para a cidade como um território em disputa. Trazer mais camadas ao projeto e levá-lo para os mais variados lugares é democratizar o acesso à arte e informação nas ruas”, explica Lucy Eclipsa. Para a artista, isso tem especial importância pela missão do City Attack de colocar em pauta as lutas identitárias: “Não é de hoje que espaços culturais como museus e galerias não são convidativos e inclusivos para pessoas trans, negras, indígenas e periféricas, porque a maioria desses lugares é elitizado. Essas intervenções trazem pautas para que todos que passarem por ali tenham a experiência de pensar – mesmo que por pouco tempo – na importância das lutas dos corpos pretos, indígenas e trans, inspirando artistas e marcas a levarem essas responsabilidades nos seus trajetos”.

Vitória Leona faz coro e acredita que a ação também tenha um impacto direto em sua arte e militância. “Participar dessa ação me fez refletir sobre o que faço, o que represento e como isso me posiciona no mundo. Não é uma campanha para exaltar à minha imagem, e isso me faz entender como carrego uma mensagem comigo e sou representante da minha história”, compartilha.

Para Fidelis, é justamente a justaposição das pautas que torna o projeto ainda mais potente e atual, “a ambiguidade que essa tecnologia traz, entre a mesma tinta que emite arte e mensagem política, emite um ato ambiental, é bonita de acompanhar.” Ao que Lucy complementa: “Hoje em dia é necessário unir a luta pelos direitos humanos e meio ambiente, são lutas emergentes e que falam sobre a vida, a saúde e a ocupação dos espaços, colocando em xeque a raiz desses problemas atuais”.

____________________________________________________________________

[1] C.f.: AMORIM, S. M. Desenvolvimento de tintas fotocatalíticas com estabilidade aumentada utilizando fotocatalisadores à base de microesferas de dióxido de titânio. 2017. 126 p. Tese (Doutorado em Engenharia Química) – Universidade Federal de Santa Catarina, Florianópolis, 2017.
BALDISSARELLI, V. Z.; SAPATIERI, J.C; MOREIRA, R. F. Avaliação da atividade fotocatalítica e antifúngica de tintas inteligentes. In: Congresso Brasileiro de Engenharia Química em Iniciação Científica. São Carlos, 2017. Anais… São Carlos, 2017.
DIAMANTI, M. et al.  Long term self-cleaning and photocatalytic performance of anatase added mortars exposed to the urban environment. Construction and building materials, v. 96, p. 270-278, 15 out. 2015.
HAGHIGHAT, L.; FARIBORZ, Z. Photocatalytic air cleaners and materials technologies – Abilities and limitations. Building and Environment, v. 91, p. 191-203, set. 2015.

 

Pivô abre exposição coletiva que reflete sobre a divisão entre natureza e cultura

Still de "Mesa curandera", de Louidgi Beltrame, 2018. Foto: divulgação.
Still de "Mesa curandera", de Louidgi Beltrame, 2018. Foto: divulgação.

Com abertura no dia 22 de fevereiro, a coletiva Uma História Natural das Ruínas abre o programa de exposições do Pivô de 2021. A mostra propõe uma revisão crítica da distinção moderna entre cultura e natureza a partir da obra de um grupo singular de quinze artistas de diferentes contextos e gerações, alguns deles apresentando suas obras no Brasil pela primeira vez.

Participam da mostra: Denilson Baniwa (Brasil), Louidgi Beltrame (França), David Bestué (Espanha), Minia Biabiany (Guadalupe), Paloma Bosquê (Brasil), Elvira Espejo Ayca (Ayllu Qaqachaca), Sheroanawe Hakihiiwe (Sheroana, Alto Orinoco), Isuma (Nanavut), Cristiano Lenhardt (Brasil), Candice Lin (EUA), Lina Mazenett e David Quiroga (Colômbia), max wíllà morais (Brasil), Daniel Steegmann Mangrané (Brasil/Espanha) e Janaina Wagner (Brasil).

Por meio de uma série de processos históricos, humanos “se separaram” da natureza e os regimes coloniais propagam essa noção de exploração, normalizando a natureza como um “recurso” à disposição dos humanos, como explica a curadora Catalina Lozano. “É em grande parte por meio do conhecimento e das práticas ecológicas dos povos indígenas que essas categorias coloniais em funcionamento podem ser produtivamente desafiadas”, complementa Lozano no texto curatorial da mostra. Ela explica ainda que outra ideia que guia Uma História Natural das Ruínas é a de uma vida que reage à violência humana na paisagem arruinada do capitalismo.

Alguns destaques da mostra: em Mesa Curandera (2018) o artista francês Louidgi Beltrame registra cerimônias de cura com o cacto San Pedro promovidas por um xamã no Peru; Qapirangajuq: Inuit Knowledge and Climate Change (2009), do coletivo de arte e mídia inuit Isuma, que ocupou o pavilhão do Canadá da Bienal de Veneza em 2019, é o primeiro documentário feito em idioma inuktitut sobre o tema do aquecimento global; os desenhos do yanomami Sheroanawe Hakihiiwe descrevem as formas e marcas deixadas por animais e plantas que fazem parte do ambiente onde vive, no Alto Orinoco venezuelano; feita especialmente para o projeto pelo espanhol David Bestué, a série de novos trabalhos tem inspiração no Poema Sujo, de Ferreira Gullar.

Veja as informações sobre visitação neste link.

Almeida e Dale Galeria lança livro sobre a artista Miriam Inêz da Silva

Miriam Inêz da Silva. Título desconhecido, 1992. Cortesia Almeida e Dale Galeria de Arte.
Miriam Inêz da Silva. Título desconhecido, 1992. Cortesia Almeida e Dale Galeria de Arte.

Com o mesmo título da exposição realizada pela galeria Almeida e Dale, em cartaz até o fim de março, o livro As Impurezas Extraordinárias de Miriam Inêz da Silva será lançado no dia 27 de fevereiro. Na mostra foram reunidas mais de 110 pinturas e gravuras criadas pela artista entre 1962 e 1996, sendo a maior retrospectiva de Miriam na capital paulista. Agora, obras inéditas que não puderam estar expostas compõem as páginas do livro, que conta ainda com textos de Kiki Mazzucchelli, Sofia Cerqueira, Marcelo Campos e Bernardo Mosqueira, curador da mostra e organizador da publicação.

Nascida em 1937 na cidade de Trindade, em Goiás, Miriam Inêz da Silva estudou na Escola Goiana de Artes Plásticas, foi aluna de Ivan Serpa no MAM-RJ, participou de duas Bienais Internacionais de São Paulo (1963 e 1967) e sustentou uma trajetória artística de quatro décadas. Ao revisitar a obra de Miriam, Mosqueira, junto de Ana Clara Simões Lopes, pretende apresentar os seus trabalhos como frutos de uma mulher moderna e transgressora (confira aqui conversa entre os dois sobre a exposição). Essas são características ressaltadas pela mostra ao evidenciar ainda o fato da artista ter representado de maneira única as tensões relativas ao processo de modernização do Brasil no século 20. Tal representação se afasta da forma como a artista foi retratada por muito tempo; segundo Mosqueira, a partir do início dos anos 1970 quando grande parte dos críticos de arte no país passou a classificar a artista como “primitiva”, “naïf” e “popular”, seu trabalho passa a ser tratado como algo gerado de maneira intuitiva, ingênua e tradicional.

 “A inclusão (ou exclusão) de Miriam nestas categorias fez de sua obra objeto de um olhar atrofiado, informado por elitismo, incapaz de reconhecer as complexidades que constituem sua prática. Onde estes críticos vêm apontando intuição, inocência, pureza e tradição, na exposição ressaltamos intenção, malícia, impureza e transgressão”, afirma o curador.

Miriam Inêz da Silva. "Gato gatão. De dia é gato, e de noite assombração". Cortesia Almeida e Dale Galeria de Arte.
Miriam Inêz da Silva. “Gato gatão. De dia é gato, e de noite assombração”. Cortesia Almeida e Dale Galeria de Arte.

A mostra fica em cartaz até dia 27 de março com entrada gratuita. As visitas podem ser agendadas pelo telefone (11) 3882-7120 ou e-mail: recepcao@almeidaedale.com.br. Por conta da pandemia, a galeria produziu um viewing room no qual o público poderá conhecer a montagem virtualmente.

Rodrigo Naves fala sobre seu novo livro, “Van Gogh: A Salvação pela Pintura”

van gogh
"Os Comedores de Batata", 1885, Van Gogh. Foto: Reprodução

Gabriel San Martin*

No dia 5 de fevereiro, o escritor e crítico de arte Rodrigo Naves publicou o seu novo livro: Van Gogh: A Salvação pela Pintura (Editora Todavia). Apesar de o pintor holandês ser um artista muito discutido há mais de um século, Naves se mostra capaz de apresentar uma outra visão sobre a obra do pintor.

Se a qualidade das telas de Vincent Van Gogh (1853-1890) foi com recorrência atribuída às dificuldades e problemas psíquicos do artista, Naves se mostra convencido de uma interpretação distinta. Para o crítico, mais do que representar as dificuldades de sua vida ou se vitimizar, o pintor teve por motivo a criação de composições ligadas a uma tentativa de salvação através do trabalho. O holandês sempre foi muito ligado à religião calvinista – doutrina surgida a partir da Reforma Protestante no século XVI – e por isso, segundo Naves, o “destino de sua vida repousa num trabalho sem fim, uma condenação, portanto, que a alguém formado na moral calvinista seria simultaneamente esperança de salvação”.

Nesse sentido, essa entrevista tem por objetivo discutir alguns pontos interessantes de seu novo livro e sobre determinadas questões relacionadas à crítica de arte hoje. Leia abaixo:

Gabriel San Martin – O que te levou a escrever, nos dias de hoje, um livro sobre o Van Gogh?

Rodrigo Naves – Tem um lado, digamos, um pouco aleatório e um pouco mal entendido. Em 2017, o Luiz Schwarcz, da Companhia das Letras, me pediu para fazer livros que fossem baseados no meu curso de História da Arte. Eu avaliei mal, porque eu já tinha 63 anos, mais ou menos, e não tenho uma saúde das melhores. Mas aceitei. Aí fiz o texto do Van Gogh, porque ele não apenas é um dos artistas que mais gosto, como também o texto já estava mais trabalhado, embora tive que achar as notas. Deu um bom trabalho.

GSM – Parece-me que a tese central do livro consiste em estabelecer um vínculo direto entre a admiração que os calvinistas têm pelo trabalho e a obra do Van Gogh, não? De modo que ele buscasse criar uma possibilidade de salvação através da pintura. Então eu gostaria que você, nas suas palavras, desse uma breve explicação dessa tese que você apresenta no livro.

Eu penso o seguinte: essa questão, sim, é muito central e, digamos, eu consigo ver trabalho na superfície das telas do Van Gogh. Porque, geralmente, se eu pego uma garrafa de Coca-Cola, por exemplo, o trabalho fica oculto. Seja em qualquer objeto industrial, um cortador de unha, os seus óculos…  Quer dizer, é um trabalho industrial, em geral, por não ser rude e não revelar a existência da intervenção humana. E, no caso do Van Gogh, por esse uso muito espesso da tinta – o que se chama, no jargão, de impasto –, a pincelada é simultaneamente a tentativa de figuração de algo, seja um rosto, um monte de feno, um girassol… De modo que, por ser muito espesso, ela cria uma tensão entre figuração e ser uma matéria amarela, azul etc. Então tem a ver com essa noção calvinista do trabalho, do trabalho como uma espécie de louvação, de glorificação de Deus. Um trabalho que não supõe recompensa, riqueza ou prosperidade, mas, sim, uma certa educação dos próprios sentidos, uma concentração em aspectos do mundo sensível que não seriam mais pro lado do vício do que da virtude, uma disciplina que é muito decisiva para essa denominação protestante.

Acredito que no luteranismo, que é a primeira vertente protestante, as coisas não são tão radicais. Tanto que no livro do Max Weber, A Ética Protestante e o Espírito do Capitalismo, é o calvinismo. Ele [Van Gogh] vem de uma família muito ligada ao calvinismo, o pai era pastor e o avô, se não me engano, era um teólogo do calvinismo. Tanto em algumas cartas quanto nos temas que ele usa, essa questão do regime do trabalho é muito forte. Por exemplo, na última etapa, mais ou menos o momento em que ele realmente começa a pintar profissionalmente, no final de 1864, numa pequena aldeia, ele pinta os famosos comedores de batata. Então, os temas também são muito ligados aos trabalhos agrícola e camponês, o que mudou muito com as máquinas e a mecanização, mas que era o trabalho mais rústico, em que a relação com a terra é estreita. E ele vive, se não me engano, mais de uma semana com aquela família [de Os Comedores de Batata] para, enfim, incorporar melhor os gestos, o tipo de trabalho. Um indicador dessa questão também é que o grande amor da pintura para ele era Jean-François Millet, que é o pintor dos camponeses. E ele tem quatro ou cinco trabalhos que são cópias, cópias no estilo, em que ele toma por base temas semelhantes àqueles do Millet. Então, em vários aspectos, culturais e religiosos ou da própria formação dele, essa questão foi decisiva.

van gogh
A capa do livro. Foto: Editora Todavia

GSM – Ainda nesse sentido, você comenta bastante no decorrer do livro sobre como a obra do Van Gogh foi reduzida à situação dele enquanto uma pessoa que sofreu muito. Você acha que, não querendo estabelecer uma hierarquia, há uma força maior ainda nesse ímpeto do trabalho em detrimento desse ímpeto do sofrimento na obra dele?

Que ele tenha tido sofrimentos psíquicos em um grau mais terrível ou menos terrível me parece indiscutível. Ele teve também problemas fortes com alcoolismo. Aí as pessoas vão fazendo diagnósticos no Van Gogh de acordo com o que a psiquiatria vai mudando. Então, já foi esquizofrenia, agora é transtorno bipolar, diz-se também que ele tinha epilepsia… E o grande responsável por essa visão um pouco mais sofrida e angustiada do Van Gogh, que não é mentirosa, é um livro chamado, se não me engano, Lust for Life, de um escritor chamado Irving Stone, que depois dá origem ao filme do Vincente Minnelli, Ânsia de Viver, em que o Van Gogh é o Kirk Douglas e o Gauguin é o Anthony Quinn. Ambos, o livro e o filme, foram bestseller e blockbuster. Assim, ficou muito popular essa lenda, porque tem uma série de indagações que, depois quando as investigações foram aprofundadas, colocaram em questão até o suicídio do Van Gogh. Dois pesquisadores alemães pesquisaram os arquivos policias de Arles (França), que falavam que quem cortou o pedaço da orelha do Van Gogh não foi ele, mas que foi o Gauguin. Então, acaba que, de certo, você tem as cartas e os trabalhos, que, enfim, só ganharam prestígio e reconhecimento com o passar dos anos.

Agora, o que talvez seja decisivo também para que o Van Gogh dê o pulo do gato é a ida dele para Paris. Ele já havia estado em Paris, quando ele trabalhava na galeria, meio de segunda, de uns parentes afastados. Quando ele volta, em 1886, ele era tímido, pouco sociável, mas se aproxima daquele Peter, comerciante de material artístico, e lá ele conhece o Toulouse-Lautrec, o Signac e o Pissarro. O Pissarro vai ser o cara mais importante, que já tinha sido para o Cézanne e o Gauguin, para a introdução do Van Gogh à pincelada descontínua do impressionismo e essa coisa toda.

Então, do ponto de vista dos vários modos de representação artística, de fato o impressionismo é questão decisiva para o Van Gogh, embora ele vá dar às pinceladas separadas e às cores mais luminosas do impressionismo uma destinação quase oposta. Ele mesmo diz que usa a cor como expressão. Então, é como se ele quisesse representar uma paisagem com a emoção que ele sentia diante desses temas. Não é à toa que ele foi uma das fontes mais influentes do chamado primeiro expressionismo alemão, em especial àquele grupo chamado A Ponte. Porque, pense aqui comigo, por mais que eu, ao representar você, procure representar o sentimento que tenho por você, evidentemente menos realista será essa representação. Portanto, quando você quer se aproximar desse mundo que você representa pela emoção, pela expressão, ele se afasta mais. Afinal, ele está tingido dessa expressão. E eu acho que essa relação, digamos, meio conflituosa com a realidade, com o meio social etc., nasce um pouco com ele.

Eu não consigo identificar no Millet e em mais ninguém essa relação difícil com a realidade, embora, para ser honesto intelectualmente, uma influência importante também aos expressionistas foi o Matisse. Sobretudo a primeira fase do Matisse, dos fauves (fauvistas), por causa dos contrastes de cor. Mas, o Matisse era uma pessoa angustiada, apesar da experiência que nós temos em várias obras do Matisse é de uma alegria incontida. É mais ou menos por aí que consigo equacionar esses elementos.

GSM – Passando para um assunto mais pessoal do seu trabalho, há um trecho no final do livro no qual você diz: “Todos envelhecemos. E talvez o mais patético desse movimento natural seja tentar evita-lo pela adesão histérica às últimas tendências”. Eu gostaria de entender se, de algum modo, essa fala tem algum vínculo com toda a discussão que houve a seu respeito há alguns anos referente à sua possível adesão ou preferência por uma arte moderna. Você diria, hoje, que definitivamente fez as pazes com a arte contemporânea?

Olha, eu realmente fui mais formado na arte moderna. Agora, grande parte dos artistas sobre os quais escrevi são contemporâneos, vivos. Então, eu não tenho nenhuma, digamos, prevenção à arte contemporânea. Agora, tenho, sim, em relação a alguns valores que passaram a mensurar a arte contemporânea: valor de mercado, uma capacidade de julgar positiva e fazer o próprio marketing do seu trabalho… E alguns cacoetes mais ou menos contemporâneos, como uma politização da arte contra a qual eu não tenho nada quando é bem feita. Eu acho um dos melhores artistas contemporâneos aquele William Kentridge, que é um desenhista sul-africano, que faz desenhos animados. Mas, aquilo eu acho que tem uma concepção do desenho, da autorrepresentação, que é de fato muito esclarecedora. Eu acredito que o Joseph Beuys também tem uma arte política mais ampla, mais ligada à arte ecológica, e eu adoro o trabalho do Beuys, é um dos trabalhos que mais me tocam.

van gogh
O escritor e crítico de arte Rodrigo Naves. Foto: Reprodução

Agora, em alguns casos, e não são poucos, essa politização parece que é muito superficial, que ela é quase uma contradição dos termos. Ou seja, você usa ou a tinta, ou a madeira, ou o bronze, ou o mármore, ou a instalação, ou o espaço quase como uma matéria-prima para expressar alguma coisa. E acredito que essa subjugação dos materiais, que foi de alguma maneira um ideal da arte humanista do Renascimento, isso perdeu o sentido na situação em que o mundo está. Então, você usar um elemento qualquer para, como se fosse um fantoche que fala, literal, é facilmente compreensível. Eu não sei, pode até ser que haja um ganho político. Mas, eu não consigo ver, porque acho que é uma contradição dos termos. Posso até estar falando uma asneira, mas existe um setor, por exemplo, do socialismo soviético que tem interesse, sabe. Que não são só aqueles operários musculosos, aquelas mulheres fortes e saudáveis. Eu fui uma vez para Rússia e vi quase tudo que pude ver, e tem ali as vanguardas soviéticas (Tatlin, Malevich, Olga Rosanova) que acreditavam estar fazendo arte política, junto com o movimento soviético, claro. Isso logo depois da morte do Lênin, em 1924. Mas, enfim, o Malevitch chega a ser preso. Vários deles, como o Chagall, Kandinsky, Gabo, eles vão embora. Agora, era uma arte avançada não só no sentido de que fez a arte internacional andar, como até no sentido de que não há nenhum momento na arte moderna que tenha tantas mulheres boas artistas como naquela época.

Então, voltando à sua questão, eu não tenho nenhum preconceito ou algo semelhante em relação à arte contemporânea. Eu gosto muito dos trabalhos, por exemplo, da Agnes Martin, do Richard Serra, alguma coisa dos minimalistas, de vários brasileiros, para dar só um pequeno exemplo. E escrevi sobre quase todos, ao menos todos que tive condição de escrever. Agora, eu sei que fiquei um pouco estigmatizado como um crítico formalista, “anti-contemporâneo”. Agora, tudo bem ser isso desde que se entenda por “formalismo” você privilegiar o trabalho. Agora, infelizmente, eu acho que essa deixa de “formalista” ou “anti-contemporâneo” colou em mim, e acredito que me prejudica. E, no sentido prático, pode afastar alunos também. Mas, enfim, eu tenho posições. Não acho que toda fotografia tem a força que acham que tem. Foi me incomodando um pouco esse fato de quase todo artista que, evidentemente, fazia instalação, pintura, escultura etc., começar a fazer foto. O problema é que se você não tiver uma certa intimidade ou familiaridade com o seu meio (no caso, é a câmera), a tendência é que você reitere determinados esquemas extremamente reprisados. Mas, enfim, esclareço que também não tenho nada contra a fotografia.

GSM – Há certo momento do livro em que você diz: “E ainda há quem considere Roger Fry um formalista”. Me pareceu que, nessa frase, você atribui um teor até um pouco pejorativo à palavra “formalismo”, coisa que não sinto…

Hoje em dia virou um palavrão. Eu tive, uma vez, uma reunião com uma artista e ela disse: “Eu não sou uma artista formalista”. Quer dizer, e não é mesmo. Porque o trabalho era de uma apreensibilidade, sabe, que você pega aquilo, põe na algibeira e não precisa nunca mais ver. Agora, há algum tempo, eu li uma entrevista do [Richard] Serra em que fazem essa mesma pergunta para ele, e ele diz: “Olha, isso para mim não faz o menor sentido. Porque, há muito pouco tempo, formalismo era um elogio e agora passou a ser uma ofensa, né?”. Porque, no caso do Clement Greenberg (no do Roger Fry acho menos), é explícito. Há uma frase em que ele diz: “Não me interessa o que um trabalho significa, interessa o que o trabalho faz”. Então, ele quer entender como as coisas funcionam, e o Roger Fry não. Enfim, o que ele quer fazer é mostrar como o impressionismo tem a ver com a nova sociabilidade das metrópoles etc. Agora, ele tem a mão muito leve, e ambos [Fry e Greenberg] criticam o Van Gogh. Eu tenho a impressão, à respeito do Greenberg, de ele ter lido muito o Roger Fry, e ambos dizem que o Van Gogh foi um artista “incompleto”. Incompleto porque, vamos dizer, ele era meio amalucado por não conseguir se controlar de modo a desenvolver a completude do seu estilo. O Meyer Schapiro também fala isso, dizendo que ele chega a parecer um naif. Enfim, eu acho que isso que você disse, que é de fato um formalismo (dos soviéticos, essa coisa toda), foi um avanço na crítica literária. Por exemplo, o Roberto Schwartz é um negócio meio assim, com o ganho de fazer uma relação muito rica com a realidade social. Agora, muita gente já acha o Roberto Schwartz formalista.


*Gabriel San Martin é estudante de graduação em Filosofia pela Unicamp e pesquisador em estética e teoria da arte

Fábrica de Arte Marcos Amaro reabre as portas do museu e inaugura nova instalação na FAMA Campo

A Fábrica de Arte Marcos Amaro. Foto: Divulgação

Com as portas do museu abertas em Itu e uma nova instalação na FAMA Campo (em Mairinque), a Fábrica de Arte Marcos Amaro encerra fevereiro com uma retomada de suas atividades. A partir do dia 24 deste mês, aqueles que visitam Itu podem apreciar Tarsila – Estudos e Anotações, exposição da artista modernista que reúne desenhos raros, esboços e estudos guardados da vista do público há mais de cinco décadas (leia a coluna de Tadeu Chiarelli sobre a exposição) e a coletiva Ontologias. Na mostra, Marcos Amaro, Cabral e Kandro investigam questões sobre a existência (assista nosso vídeo sobre as exposições em cartaz).

A reabertura do espaço físico da FAMA Museu, em Itu, segue orientações da prefeitura, além de medidas categóricas de proteção, saúde e higiene estabelecidas pela Organização Mundial de Saúde (OMS) e órgãos brasileiros de Saúde Pública.

A FAMA Campo, por sua vez, apresenta uma instalação inédita de Carlito Carvalhosa, mas mantém-se fechada para visitação presencial. Composta por uma cerca de mais de 8 metros de altura, com fio situado a cerca de 2,5 metros do chão, a obra Área de Propriedade ocupa 195 metros de extensão do museu a céu aberto e questiona a relação entre a imagem e a função daquilo que nos cerca. Para compreendê-la, assista à visita virtual no vídeo a seguir:

A obra divide visualmente o espaço do museu, mas não bloqueia a passagem, permitindo que pessoas e animais atravessem a cerca. Dessa forma, busca tornar visível o que passa despercebido aos olhos cotidianos e questionar a relação entre a imagem e a função daquilo que nos cerca. Foi durante uma viagem pelo pantanal mato-grossense que o artista deparou-se com as primeiras provocações que geraram a obra. Em meio às imensas áreas de inundação sem qualquer cerca que as delimitassem, Carlito Carvalhosa notou o quanto somos habituados a ver o campo definido pelas cercas que dividem pastos, propriedades e áreas em geral. Posteriormente, desenvolveu essa instalação site specific, feita especialmente para o espaço da FAMA Campo.

Serviço
Reabertura da FAMA Museu – Fábrica de Arte Marcos Amaro
24 de fevereiro, quarta-feira, a partir das 11h
Endereço: Rua Padre Bartolomeu Tadeu, 09 – Vila São Francisco – Itu/SP
Funcionamento: de quarta-feira à domingo, das 11h às 17h
Entrada gratuita

Exposição Estudos e Anotações, de Tarsila do Amaral
Inteira R$ 10,00
Estudantes/professores/educadores R$ 5,00 (necessário documento de comprovação)
Residentes em Itu R$ 5,00

Clique aqui para agendar sua visita.