monica nador
Mônica Nador fala à Arte!Brasileiros FOTO: Luiza Sigulem

Um retrato estilizado do subcomandante Marcos, o porta-voz do movimento zapatista no México, estampava um dos tecidos expostos na mostra Mônica Nador + JAMAC + Paço Comunidade, exibida em 2015 no Paço das Artes.

O semblante do líder revolucionário acompanha a artista Mônica Nador há quase uma década, sendo uma das imagens recorrentes que ela usa em paredes da periferia de São Paulo ou em algum outro suporte pelo mundo afora, como Japão, França ou Estados Unidos. “Quando cheguei ao Jardim Miriam, em 2003, percebi que a molecada cultuava o Che Guevara e resolvi atualizar o mito”, conta, em um tom entre o sério e o irônico, uma marca que sempre deixa dúvidas em suas sentenças.

O Jardim Miriam, um bairro periférico na Zona Sul paulistana, é o lar de Nador, ou Conca, como os mais próximos a chamam, desde 2003. Foi nesse ano que ela criou o JAMAC (Jardim Miriam Arte Clube) com um grupo que incluía outros artistas, como Lucia Koch, paisagistas e universitários além de moradores do bairro. De sua configuração inicial restam poucos, mas o JAMAC se tornou referência internacional em uma ação que mescla arte e ativismo social. “Eu não acho que a arte é tudo. Tudo são as pessoas e a gente vai contribuindo para a construção da escultura social como queria o Beuys”, diz, enfaticamente, a artista em um vídeo sobre seu trabalho no Paço.

Nesse trabalho recente, Nador de fato aponta para a possibilidade de transformação por meio da arte, como pregava o carismático Joseph Beuys (1921-1986). A mostra fez parte de um projeto maior desenvolvido no Paço das Artes, desde 2013, que anualmente convida artistas para trabalhar com moradores da favela Jardim São Remo, ao lado da USP, denominado Paço Comunidade. Em 2014, durante um semestre, Nador e outros membros do JAMAC realizaram oficinas com moradoras da comunidade, ensinando-as a criar estampas em tecidos. Esse material foi usado para que, com o apoio do designer têxtil Renato Imbroisi, cada participante desfilasse na abertura da mostra, no dia 25 de janeiro daquelea ano, usando a réplica de uma roupa com as novas estampas. “Eu peço para cada uma buscar colocar sua identidade nessas imagens, suas cargas emotivas e elas saem daqui pintando de pano de prato a parede de museu”, explica Nador.

Em locais geralmente abandonados de políticas públicas, a inserção no sistema de produção do JAMAC acaba sendo uma ferramenta de autoestima exemplar, portanto, de dignidade. “Você vê a transformação ocorrendo na pessoa”, afirma Nador.

Assim como a defesa de Beuys estava em tirar o artista de um campo específico, o sistema da arte, Nador abandonou os museus com o mesmo impulso. “Eu percebi que se gastava muita tinta dentro de museu enquanto tinha muita parede precisando de cor por aí”, costuma dizer. A inspiração para isso veio do mestrado com orientação de Regina Silveira, na USP, e a leitura de O Fim da Pintura, de Douglas Crimp, autor que ela recebeu no JAMAC, em encontro fechado, em abril de 2015.

Motivada por um debate acadêmico, ela busca novas formas de expressão até chegar nas Paredes Pinturas, por conta de um convite para trabalhar no Programa Universidade Solidária, em 1998, em Nilo Peçanha, na Bahia. Foi lá que ela se deu conta de que não deveria ser como uma “estrangeira” a pintar murais na cidade: “Realizei uma oficina de desenho e pedi aos participantes que representassem sua cultura local. Fizemos uma votação e pintamos máscaras e tambores em nossa parede”.

Dois anos depois, Nador criou, em São José dos Campos, sua cidade natal, a primeira experiência coletiva permanente, o Vila Rhodia Arte Clube. A experiência não foi para frente, mas a ideia de montar um projeto com caráter duradouro permaneceu e, três anos depois, surgiu o JAMAC, que levou a artista a viver de vez na periferia. “Eu achei que tinha de morar porque esse formato de ir e voltar não era confortável para mim, pois o importante era o contato com as pessoas”, explica.

No JAMAC, Nador continuou a ensinar aos moradores das casas que visita e frequenta como utilizar técnicas como o estêncil (máscaras de papel que permitem pintura seriada), tendo como motivos temas simples, de objetos de cozinha a animais ou plantas, em geral escolhidos pelos próprios moradores. Contudo, ela não é a única a conduzir esse processo. Em dez anos, ela estimulou a formação de vários membros do JAMAC. Moradora do Jardim Miriam, Daniela Vidueiros, por exemplo, foi quem coordenou os workshops no projeto do Paço das Artes. “Nesse trabalho, eu me vejo como diretora de arte”, diz, novamente, com uma ponta irônica.

Em 2015, o JAMAC realizou outros dois projetos no exterior: em Porto Rico, na Trienal Poligráfica de San Juan, e em Toulouse, na França, no Festival Rio Loco, para onde foram Daniela Vidueiros e Paulo Meira. A sobrevivência do grupo é sempre uma questão. Ponto de Cultura desde 2010, mas com verbas repassadas de forma irregular, os R$ 60 mil recebidos anualmente são muito pouco para a manutenção da sede. Se por um lado o caráter coletivo do trabalho é fundamental, por outro a figura catalisadora de Nador torna sua presença essencial, o que, naturalmente, provoca desgastes. “Aqui, todo mundo briga, vai embora, mas eu toco o apito e todo mundo volta”, afirma, de um jeito que até poderia ter sido dito pelo subcomandante Marcos.

Com isso, a mostra exibida no Paço das Artes, que apresentou tanto tecidos com estampas, produzidas no Jardim São Remos, como outros que acompanharam o JAMAC há anos, como a do subcomandante Marcos, foi apenas uma espécie de documentação de um processo muito mais amplo, que tem na configuração de conexões entre pessoas, em sua maior parte de lugares marginalizados, sua essência. Era exatamente isso, afinal que pregava Beuys: “Todo homem é um artista. Isso não significa, bem entendido, que todo homem é um pintor ou escultor. Não, eu falo aqui da dimensão estética do trabalho humano, e da qualidade moral que aí se encontra, aquela da dignidade do homem”.

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