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Seminário “Brasis – Territórios Dissonantes” discute a construção da identidade brasileira

Sesc Pinheiros, unidade que receberá o seminário Brasis – Territórios Dissonantes
Sesc Pinheiros, unidade onde ocorrerá o seminário "Brasis – Territórios Dissonantes". Foto: Creative Commons

“Urge discutir publicamente os problemas da crônica desigualdade socioeconômica, da captura do Estado por agendas corporativas, do racismo estrutural e, nas antípodas, da autodeterminação dos povos e comunidades, do reconhecimento e valorização das diferentes matrizes culturais e, também, da inadiável reparação histórica devida a povos preteridos pelo Brasil no singular”, declara o Diretor Regional do Sesc São Paulo Danilo Santos de Miranda. É neste sentido que se organiza o seminário Brasis – Territórios Dissonantes, que acontece nos dias 28, 29 e 30 de junho e 05, 06 e 07 de julho no Teatro Paulo Autran no Sesc Pinheiros, em São Paulo.

No ano do centenário da Semana de Arte Moderna e do bicentenário da Independência do Brasil, o evento reunirá intelectuais e artistas a fim de refletir sobre os cruzamentos históricos entre estes dois determinantes eventos do nosso passado com o Brasil dos dias de hoje.

Abordando temas como novas vozes na produção cultural, literatura indígena, conquistas sociais do último século e resistências da arte à violência colonial contemporânea, a programação é formada por mesas de debates, conferências e intervenções artísticas e integra a ação em rede Diversos 22: Projetos, Memórias, Conexões, desenvolvida pelo Sesc São Paulo. As inscrições podem ser realizadas para todo o programa ou cada dia do evento no site da unidade.

PROGRAMAÇÃO

28 de junho

18h – As aranhas, os guarani e alguns europeus: notas para descolonizar o inconsciente e livrá-lo da peste fascista
A pesquisadora Suely Rolnik propõe: “Impossível combater cenários distópicos (como este de agora, causado pela peste fascista) sem enfrentar o regime de inconsciente dominante. Para este enfrentamento micropolítico serão apresentadas sugestões baseadas em ressonâncias entre as aranhas, os Guarani e alguns europeus”.

20h – Abertura contextualizando o Seminário “Brasis: Territórios Dissonantes” no âmbito das ações do Diversos 22.

20h15 – Abertura-manifesto com DJ KL Jay.
O DJ dos Racionais MC’s apresenta uma narrativa em ritmo e poesia sobre o Brasil, mixando músicas, trechos de falas e sonoridades variadas para criar uma enunciação musical que represente um olhar negro e periférico sobre a história do país.

20h30 – Conferência de abertura: quem inventou o Brasil?
A conferência – guiada por Cida Bento e com provocação de Thiago Amparo – convida a refletir sobre os imperativos de descolonização do pensamento na contemporaneidade e como organizações político-culturais contra hegemônicas atuam na desconstrução de narrativas hierárquicas de gênero, raça, posição e orientação sexual, classe e origem.

29 de junho

18h – Defender os mortos e animar os vivos: Resistências da arte à violência colonial contemporânea
Conduzido pelo curador Moacir dos Anjos, o encontro propõe uma reinterpretação e reinvenção de imagens do Brasil do século XIX na produção de arte contemporânea.

20h – Abertura-manifesto: Sa(n)grado
Coletivo Há-Manas (Tânia Granussi, Branca Gonzaga e Esther Antunes), em parceria com as artistas Branca Gonzaga e Esther Antunes, realiza uma performance com o texto O mundo é o meu trauma de Jota Mombaça.

20h15 – MESA: Entre três Brasis (1822, 1922 e 2022)
Lilia Schwarcz e Gênese Andrade | Provocação: Jeferson Tenório
Quais os pontos de aproximação e divergência entre os Brasis da Independência, da Semana de Arte Moderna e da atualidade? Se por um lado, verifica-se a continuidade dos processos excludentes e violentos de nossa formação socioeconômica, como pensar as rupturas e conquistas sociais do último século?

30 de junho

18h – Brasis refletidos em cena
Conduzido por Jaqueline Elesbão, o encontro questiona: Entre antropofagia e brasilidade, história real e utopia, de que Brasis falam os encenadores de artes cênicas?

20h – Abertura-manifesto com Bia Ferreira
O desdobramento do afeto como ferramenta de comunicação é a aposta da artista, que parte de experiências cotidianas e próximas de seu íntimo para se aproximar, tocando em dimensõ es partilhadas de repressão e violência – especialmente contra a população negra e LGBTQIA+.

20h15 – MESA: Vozes resistentes narrram o Brasil
Com Tiago Torres (Chavoso da USP) e Katú Mirim | Provocação: Rita Von Hunty
O Brasil tematizado pelos românticos e modernos foi narrado por vozes específicas: masculinas, brancas, burguesas, donas de terras. A despeito de continuarmos sendo um país excludente e de produção cultural elitizada, o último século assistiu ao fortalecimento de novas vozes na literatura, na música, no cinema.

5 DE JULHO

19h – Praça (térreo) – BOCAAAAAAA
Inspirado na obra musical a Bachiana Brasileira n°7, o solo de Allysson Amaral invoca o princípio dinâmico de Exú, Exú Enugbarijo – a boca coletiva (boca do mundo) que engole de um jeito para cuspir de forma transformada de outro.

20h – Corpo-terra e contracolonialidade
A multiplicidade dos corpos, dos territórios e seus modos de existir e combater a colonialidade será ponto de partida para reflexões do mestre quilombola Nego Bispo.

6 DE JULHO

19h – Praça (térreo) – Tudo de novo
O solo de Beatriz Sano integra o projeto Solos Brasileiros: Danças para Villa-Lobos a convite da Oficina Oswald de Andrade de São Paulo, em comemoração ao centenário da Semana de Arte Moderna.

20h – Livros-povos: a literatura indígena Macuxi e Taurepang
Por meio da literatura indígena, Julie Dorrico apresentará sua obra que invoca Makunaima; a poesia de Sony Ferseck, também escritora Macuxi; e Clemente Flores (Taurepang) e Devair Fiorotti (não indígena).

7 DE JULHO

20h – Palavra viva: uma complexa dramaturgia dos afetos | Lançamento do livro Palavra Viva
Com Dione Carlos, Leda Maria Martins, Valmir Santos | Mediação: Rosane Borges
A complexa dramaturgia de afetos na obra de Dione Carlos e o aquilombamento como tecnologia para publicação literária. Lançamento do livro Palavra Viva.

Movimento dos Artistas Huni Kuin abre exposição na Casa de Cultura do Parque

Artistas do MAHKU em produção de suas obras para a mostra MAHKU - Cantos de imagens na Casa de Cultura do Parque
Artistas do MAHKU em produção de suas obras. Foto: Daniel Dinato

Condutores dos rituais com ayahuasca entre os indígenas Huni Kuin, os cantos huni meka são compreendidos como instrumentos de mediação entre os mundos do visível e invisível. A partir do dia 2 de julho, alguns deles ecoam pela Casa de Cultura do Parque como parte de MAHKU – Cantos de imagens. A exposição é um desdobramento das pesquisas do Movimento dos Artistas Huni Kuin (MAHKU) e apresenta uma série de trabalhos que transpõe esse importante marco cultural às artes visuais. A seleção reúne 11 pinturas e a uma grande instalação da artista Kássia Borges, que será montada junto ao público durante a abertura.

Parte do povo indígena Huni Kuin – que conta com cerca de 14 mil pessoas no estado do Acre e no Peru – o MAHKU é composto atualmente por Ibã, Kássia Borges, Pedro Maná, Cleiber Bane e Acelino Tuin. Fundado em 2012, no município de Jordão, no estado do Acre, o grupo dá continuidade às pesquisas de seu fundador, Ibã Huni Kuin e de seu filho Bane – que, em 2009, começou a transformar os cantos huni meka em imagens, a fim de decorá-los e compreendê-los. O método de aprendizagem foi posteriormente coletivizado, gerando o coletivo artístico.

Curador da mostra ao lado de Ibã Huni Kuin, o antropólogo Daniel Dinato compartilha que nesta exposição buscaram ressaltar a qualidade pessoal das manifestações artísticas, apresentando diferentes versões dos cantos. “Ainda que o fundo mítico e ritual das obras seja coletivo, cada artista transforma o canto huni meka de uma forma específica e, assim, o coletivo mantém também uma certa autonomia e independência interna. Como os integrantes do MAHKU costumam dizer, mesmo que pintado mil vezes o mesmo canto, ele nunca sairá igual. Sempre diverso, sempre único”, explica.

Quem visita a Casa de Cultura do Parque pode ainda conferir as outras exposições do II Ciclo Expositivo 2022. A individual de Rodrigo Bivar, Breve, reúne trabalhos que se constroem a partir da ideia de efemeridade, já Feltragens traz uma seleção de obras em feltro de lã de carneiro tingida feitas por Teresa Viana. Saiba mais acessando o site da instituição.

SERVIÇO

MAHKU – Cantos de imagens 

Local: Casa de Cultura do Parque – Av. Prof. Fonseca Rodrigues, 1300 – Alto de Pinheiros
Período expositivo: 2 de julho a 18 de setembro
Horário de funcionamento: quarta a domingo, das 11h às 18h
Realização Casa de Cultura do Parque e Carmo Johnson Project

Entrada gratuita mediante apresentação de comprovante de vacina

Laura Vinci traduz a transitoriedade, elemento caro à sua produção, em esculturas cinéticas

A artista plástica paulistana Laura Vinci e seu novo objeto de interesse: as plantas. Foto: Jennifer Glass / cortesia da artista e da Galeria Nara Roesler

Efemeridade e transitoriedade são vocábulos essenciais à poética da artista plástica Laura Vinci. Ambos são traduzidos em trabalhos site specific e instalações, ou ainda intervenções e esculturas de dimensões menos monumentais das que costuma conceber, como as obras cinéticas de sua mais recente mostra, Maquinamata, em cartaz até o dia 8 de agosto na filial carioca da galeria Nara Roesler. Ali, natureza e equipamentos diversos, elementos recorrentes em suas criações, dialogam no que a artista chama de uma busca por “novos paradigmas de como lidar, pensar e se relacionar com o mundo das plantas”.

“Tenho estudado muito sobre elas, é um assunto que vem sendo discutido atualmente por áreas diversas, como a antropologia, a arqueologia e a filosofia. Ao conceber Maquinamata, eu me perguntei se o maquinário poderia nos ajudar a pensar sobre elas, o movimento que fazem, a sensibilidade delas. Se as máquinas, algo que nós humanos criamos, poderiam nos sensibilizar para pensá-las de outra forma”, conta Laura. Entre as obras ali presentes, estão, por exemplo, folhas douradas, rodopiantes, “que surgem como joias, relíquias para o futuro”. Para a artista, a transitoriedade das folhas, que “vão para outro estado quando caem das árvores”, e a própria troca sazonal das plantas refletem algo que igualmente temos. “Também somos sazonais ao longo de nossas vidas”.

Paulistana, Laura Vinci lidava com artes visuais desde “menininha”: aos 15, diz ela, tinha um pequeno ateliê em casa. Ainda na adolescência teve, no entanto, uma formação como musicista, em conservatório. Laura foi instrumentista da Orquestra Jovem do Theatro Municipal, depois fez parte de seu Quinteto de Sopros. Tocava primeiramente flauta transversal, e então se dedicou ao oboé.

“Depois resolvi estudar artes plásticas. Entrei para a faculdade um pouco mais tarde, com 20 anos”, conta Laura, que se formou na Fundação Armando Alvares Penteado (Faap), no fim dos anos 1980. “Terminei os estudos como pintora, mas na década seguinte fiz minha primeira mostra individual já como escultora, em 1991, no Centro Cultural São Paulo, num programa concebido por Sônia Salzstein, para jovens artistas. Foi uma porta de entrada importante para a minha geração”. A exposição, diz a artista, marcou o início oficial de sua carreira, que no ano passado completou 30 anos.

A transição do plano da pintura para a tridimensionalidade, explica Laura, sempre ecoou suas reflexões “sobre nossa existência, o que são nossos corpos e a relação deles com o espaço”. Mas foi no fim dos anos 1990, quando participou da terceira edição do projeto Arte/Cidade, do curador Nelson Brissac Peixoto, que Laura afirma ter tido a grande virada de sua carreira, ao criar um trabalho para um edifício em ruína, de uma fábrica que foi, com o desenvolvimento de São Paulo, aos poucos sendo posta para fora da metrópole.

“Ali, comecei a considerar a arquitetura como estruturante das minhas criações, o que se tornou fundamental na minha produção”, afirma. “A obra também lidava com a questão do tempo, com que venho trabalhando até hoje. E aí já veio a ideia da mudança dos estados da matéria: coloquei 50 toneladas de areia sobre um piso de um dos andares do prédio, fiz um furo na laje, e esta montanha foi escoando para o pavimento de baixo durante o tempo da mostra, que queria falar das condições em que estava a cidade e de sua história”.

A artista diz que aprofundou a ideia de mudanças da matéria em 2002, quando levou ao Centro Cultural Banco do Brasil de São Paulo uma exposição em que experimentou com os estados da água. “Do vapor ao congelamento, a mesma matéria era vista de um jeito diferente, de um andar para o outro”, lembra. Dois anos depois, levou a mesma obra para a galeria Nara Roesler, que passou a representá-la.

Ainda no fim da década de 90, Laura iniciou suas colaborações com o Teatro Oficina, de José Celso Martinez Corrêa. Lá, fazia a direção artística, novamente em diálogo com o espaço construído, desta vez a potente arquitetura de Lina Bo Bardi. A primeira peça de que participou foi Cacilda!, sobre a atriz Cacilda Becker (1921-1969). Também trabalhou na adaptação audiovisual que Zé Celso fez de Bacantes e, na década seguinte, participou de uma das montagens de Os Sertões. 

Atuou também como cenógrafa para a companhia mundana, uma “cria” do Oficina, em espetáculos como O Duelo, com direção de Georgette Fadel e Camila Pitanga no elenco, e Máquinas do Mundo. Segundo ela, essa montagem foi uma encenação em que os elementos visuais eram os protagonistas e tinham relação, por sua vez, com seu trabalho Máquina do Mundo, que faz parte do acervo do Instituto Inhotim, em Brumadinho (MG), desde meados dos anos 2000.

Para Laura, no entanto, Cacilda! foi sua incursão mais importante no teatro. “Eu pude realizar algumas passagens que hoje são antológicas, como a cena em que Cacilda tem o derrame cerebral, enquanto fazia Esperando Godot, uma parte central na dramaturgia do Zé Celso”, conta. “Na cena, o sangue da cirurgia que ela viria a fazer caía num plástico transparente, que percorria toda a pista do teatro e terminava num baldezinho, e isso exigia a ajuda, a manipulação dos atores. Foi minha primeira experiência e uma coisa muita intensa, e como resultado estético foi uma peça muito bem-sucedida também”.

Da experiência com o teatro, alguns elementos migraram para o trabalho como artista plástica. As marcações em x, para os atores em cena no palco do Oficina, viraram litogravuras e um objeto de pedra rosso fiorentina, da série Múltiplos, que também estão em Inhotim. O x voltou a aparecer, por sua vez, na exposição Morro Mundo, apresentada em 2018 na Nara Roesler, em São Paulo. Outro exemplo é a peça Duelo, que pedia uma cena de tempestade em que papéis voassem ao abrir uma janela, entre outros elementos cênicos. Posteriormente, a artista criou um trabalho similar, chamado Papéis Avulsos, para a exposição Made By… Feito por Brasileiros, realizada em 2014, no antigo Hospital Matarazzo.

Na linha do tempo de sua carreira, Laura considera que sua trajetória segue um caminho harmonioso em seus desdobramentos. “Embora eu flutue, navegue por vários tipos de materiais e situações físicas, com a sorte de realizar trabalhos em espaços públicos, o fluxo é mais tranquilo”, diz a artista, que pondera, no entanto, que houve uma “virada interessante” em 2014, numa exposição sobre os 70 anos de uma joalheria, com curadoria de Marcelo Dantas, no CCBB do Rio:

“Fiz uma chuva de ouro, de papéis douradinhos”, lembra. “Criei algo como uma bateia gigante, botei na abóboda e havia um ventilador que de vez em quando soprava essas folhinhas. Elas caíam pelos 15 metros do vão do hall e isso causava uma comoção que eu não havia imaginado. As pessoas simplesmente se jogavam nelas, gritavam, aconteceu uma entrega muito linda do público. Isso modificou a relação de meu trabalho com o público, com o estímulo a uma interação, numa emoção em que o corpo ia antes de pensar. O trabalho pedia uma reação muito espontânea. Acho que tem um pouco a ver com minha experiência no teatro. Em No Ar, que fiz no Museu Brasileiro da Escultura e Ecologia (Mube), em 2017, também teve esta característica de a obra chamar o corpo do espectador”.

Nas obras de Laura Vinci, outro elemento recorrente são os dispositivos diversos. “Quase sempre existe um equipamento em minhas criações, às vezes não estão aparentes, mas nos bastidores. Em Estados, no CCBB, tinha todo um maquinário sofisticado, para refrigeração de supermercados. Acho que isso vem de um desejo de, para observar a natureza e os acontecimentos naturais, usar o artifício das máquinas, que conseguem repetir estes movimentos”, explica. “Já em Máquina do Mundo é diferente, o trabalho traz um equipamento da alta indústria, da mineração. Tinha a lógica da máquina no conceito da obra, e ela estava lá, explícita”.

A instalação Máquina do Mundo (2005), inspirada em trecho de poema homônimo de Carlos Drummond de Andrade, e parte do acervo do Instituto Inhotim

A música, um interesse iniciado na adolescência, continua ainda hoje a informar a poética da artista, assim como as letras – Máquina do Mundo, vale lembrar, teve como inspiração um trecho do poema homônimo de Carlos Drummond de Andrade. Casada com o escritor e músico José Miguel Wisnik, “o assunto literatura está presente em casa o tempo todo”, segundo ela. “Mas sou leitora desde sempre, sobretudo de autores brasileiros. A literatura é uma companheira e uma disparadora de reflexão e estímulos para a criação”, afirma. Em sua cabeceira, no momento, estão Revolução das Plantas, do botanista italiano Stefano Mancuso, e A Trama da Vida, do biólogo inglês Merlin Sheldrake.

A artista considera que seu trabalho, de modo geral, tem uma característica não muito mercadológica. São estruturas muito grandes, do ponto de vista comercial “muito inviáveis” por natureza. “Tanto que sempre fiz mais exposições em espaços públicos, onde é possível apresentá-las. Tenho também uma produção mais viável para compra, em paralelo, mas vou muito no meu ritmo, não acompanho o do mercado”, reflete.

A propósito do mercado, Laura comemora o fato de que ele e as instituições tenham se fortalecido no Brasil nos últimos anos. “Há um ambiente que não havia quando comecei. Hoje um jovem artista consegue viver de seu trabalho, se ele consegue se inserir no mercado. É algo muito positivo”, diz a artista que, no entanto, pondera a necessidade de se “estar sempre com os olhos bem abertos, para não perder a oportunidade de se fazer uma contestação imediata, quando necessário”, como Cildo Meirelles recentemente fez, ao retirar as obras cedidas à coletiva Histórias Brasileiras, no Masp, após a recusa da instituição em incluir um conjunto de fotos relacionadas ao MST (Movimento Sem Terra).

Segundo Laura, estamos vivendo uma “verdadeira tragédia” nestes anos de governo Bolsonaro. E as instituições também vêm sofrendo com isso, por exemplo, com a perseguição à Lei Rouanet, que afeta a realização de exposições. Isso, no entanto, não deve ser obstáculo ou salvo-conduto à crítica.

“Vai ser necessário muito tempo para reconstruir, é verdade. É muito violento o que estamos passando. Mas acho que o artista precisa se posicionar e confrontar as contradições das instituições. Isso faz parte do amadurecimento da arte no País como um todo. Este governo deixará um legado negativo, que vai durar ainda. Ao mesmo tempo, a cultura brasileira tem uma potência enorme, e continuaremos lutando contra isso, com nossas ferramentas”, conclui.

documenta quinze dá início ao programa de exposições

"Generosity, Regeneration, Transparency, Independence, Sufficiency, Local Anchor and most of all Humor", feita por Dan Perjovschi no Fridericianum. Foto: Nicolas Wefers
"Generosity, Regeneration, Transparency, Independence, Sufficiency, Local Anchor and most of all Humor", feita por Dan Perjovschi no Fridericianum. Foto: Nicolas Wefers

‘Lumbung’. A palavra que pode nos parecer incomum é o termo indonésio para definir um celeiro de arroz comunitário e se articula como eixo conceitual da documenta quinze. Sob direção artística do ruangrupa, coletivo de artistas de Jacarta, a edição 2022 da mostra internacional acontece de 18 de junho a 25 de setembro na cidade de Kassel, na Alemanha. Mas o que significa lumbung enquanto conceito? Como um modelo artístico e econômico, o termo está enraizado em princípios de coletividade, compartilhamento de recursos comunitários e alocação igualitária; e essa é a prática adotada pela equipe artística.

De forma a concretizar essa proposta, a documenta buscou uma não centralização de sua curadoria, proporcionando espaço para reunir e explorar ideias com uma interação entre formalidades e informalidades, de forma a alcançar uma tomada de decisão coletiva. Para isso, convidou coletivos, organizações e iniciativas que – em seus métodos, raízes artísticas e abordagens organizacionais e econômicas – compartilham os valores da mostra. De diferentes localidades do mundo, esses parceiros (denominados membros lumbung) são Britto Arts Trust, FAFSWAG, Fondation Festival Sur Le Niger, Gudskul, INLAND,  Instituto de Artivismo Hannah Arendt, Jatiwangi art Factory, Más Arte Más Acción, OFF-Biennale Budapest, Project Art Works, The Question of Funding, Trampoline House, Wajukuu Art Project e ZK/U – Center for Art and Urbanistics. 

“Era nossa intenção começar compartilhando papéis, autoria, trabalho e ideias. Consideramos essa diversidade como abundância, um excedente com o qual podemos começar”, explica o ruangrupa. Assim, cada um dos membros lumbung trouxe recursos diferentes para ‘o celeiro de arroz coletivo’. Juntos, buscam construir um discurso de longo prazo para além da documenta quinze, “aumentando assim o bem-estar de suas respectivas instituições locais, bem como de todo o seu ecossistema por meio de conhecimento compartilhado”, explica a comunicação oficial da documenta quinze. “Queremos criar uma plataforma de arte e cultura globalmente orientada, colaborativa e interdisciplinar que permanecerá efetiva além dos 100 dias da documenta quinze. Nossa abordagem curatorial busca um tipo diferente de modelo colaborativo de uso de recursos – em termos econômicos, mas também no que diz respeito a ideias, conhecimento, programas e inovações”, completa o ruangrupa.

Workshop do ruangrupa com a equipe artística da documenta quinze. Foto: Nicolas Wefers
Workshop do ruangrupa com a equipe artística. Foto: Nicolas Wefers

A mesma postura foi tomada frente aos artistas participantes, convidados a se encontrarem em pequenos grupos de trabalho, nos quais puderam se conhecer antes da abertura e apresentar suas práticas e projetos para a documenta quinze, discutindo questões ou aconselhando uns aos outros sobre os processos artísticos. Esses grupos de trabalho, chamados de mini-majelis, são também voltados para trocas de longo prazo e conexões sustentáveis ​​além da documenta quinze. “Sua composição é moldada pelos diferentes fusos horários em que os artistas e coletivos vivem e se comunicam. Além disso, em intervalos irregulares, todos os envolvidos na documenta quinze se reúnem em um grande majelis akbar.”

A explicação nos traz um outro ponto importante da documenta: a polifonia adotada no vocabulário da curadoria, composto por termos de diferentes idiomas, bem como termos familiares usados em novos contextos. “Construir relações sociais e questionar dinâmicas de poder é essencial para a prática lumbung. Isso também inclui expandir a maneira como a linguagem é usada e entendê-la como uma ferramenta para desenvolver novas ideias e perspectivas”, explica a comunicação oficial. 

No âmbito físico, essa polifonia se explicita na forma como Kassel abriga a mostra. Ao invés de servir como ‘local’, a cidade é entendida como um ecossistema, como uma malha de contextos sociais em que a documenta quinze emerge e cresce. Assim, a exposição ocorre em 32 espaços espalhados por quatro áreas de Kassel: Mitte, Fulda, Nordstadt e Bettenhausen. A partir do Mitte de Kassel, com seus muitos prédios de museus, documenta quinze se estende ao redor do Rio Fulda, a hidrovia arterial historicamente importante da cidade. A partir daí, a exposição abre para Nordstadt e, pela primeira vez na história da documenta, vai ao distrito industrial de Bettenhausen. 

Ingressos

Ingresso diário: 27 euros / 19 euros reduzidos
Ingresso de 2 dias: 45 euros / 32 euros reduzidos
Ingresso de temporada (imprima em casa): 125 euros / redução de 100 euros
Ingresso de temporada: 129 euros / reduzido 104 euros
Ingresso noturno (17h às 20h): 12 euros / 8 euros reduzidos
Ingresso familiar: 60 euros
Ingresso diurno para grupo escolar: 7 euros por pessoa
Ingresso solidário, pode ser resgatado por outra pessoa como bilhete gratuito: 27 euros

Cada compra de ingressos apoia projetos de sustentabilidade na Alemanha e Indonésia com 1 euro

Reserva de ingressos no site da documenta.

Acesse nosso Especial documenta quinze clicando aqui.  

Art Basel 2022

Art Basel Sonia Gomes - Sem título, 2004. Foto: divulgação/Mendes Wood DM
Sonia Gomes - Sem título, 2004. Foto: divulgação/Mendes Wood DM

Art Basel 2022 volta a acontecer no mês de junho, dos dias 16 a 19, na cidade suíça da Basileia. Seis galerias brasileiras se encontram entre os mais de 200 participantes internacionais da feira deste ano, sendo elas: A Gentil Carioca, Fortes D’Aloia & Gabriel, Galeria Luisa Strina, Gomide & Co, Mendes Wood DM e Nara Roesler.

A galeria A Gentil Carioca apresenta uma seleção de obras inéditas de seus artistas sob o conceito de flutuação. Os trabalhos suspensos convidam os espectadores a contemplar o estande em oposição à gravidade. Entre os artistas presentes estão Agrade Camíz, Aleta Valente, Ana Linnemann, Arjan Martins, Cabelo, Jarbas Lopes, João Modé, José Bento, Laura Lima, Marcela Cantuária, Maria Laet, Maria Nepomuceno, Maxwell Alexandre, Novíssimo Edgar, OPAVIVARÁ!, Renata Lucas, Rodrigo Torres, Vinicius Gerheim and Vivian Caccuri.

Já a Fortes D’Aloia & Gabriel exibe uma seleção de obras históricas inéditas de alguns de seus artistas representados, incluindo nomes conhecidos como Adriana Varejão, Beatriz Milhazes, Ernesto Neto, Erika Verzutti, Iran do Espírito Santo, Janaina Tschäpe, Jac Leirner, Lucia Laguna, Marcia Falcão, Marina Rheingantz, Nuno Ramos, Rivane Neuenschwander, Sheroanawe Hakihiiwe, Valeska Soares e Yuli Yamagata.

A Galeria Luisa Strina leva para a seção principal da feira uma coleção de obras de artistas latino-americanos e europeus, com destaque para os brasileiros Tonico Lemos Auad, Panmela Castro, Alexandre da Cunha, Marcius Galan, Fernanda Gomes, Laura Lima, Renata Lucas, Cinthia Marcelle, Marepe, Cildo Meireles, Lygia Pape, Clarissa Tossin e uma apresentação solo da artista Anna Maria Maiolino no setor Unlimited.

Enquanto isso, a galeria Gomide & Co expõe trabalhos de diferentes épocas e contextos da arte brasileira, incluindo os artistas Luciano Lorenzato, Chico da Silva, Francisco Brennand, Hercules Barsotti, Jaider Esbell, Lenora de Barros, Lygia Clark, Maria Lira Marques, Max Bill, Mira Schendel, Norberto Nicola, entre outros.

A Mendes Wood DM inclui uma seleção de destaques do seu programa, seguindo a intenção de expor artistas internacionais e brasileiros em um contexto propício ao diálogo. Entre eles estão Lucas Arruda, Sonia Gomes, Heidi Bucher, Neïl Beloufa, Paloma Bosquê, Paulo Monteiro, Nina Canell, Michael Dean, Varda Caivano, Mariana Castillo Deball, Guglielmo Castelli, Eleonore Koch, Patricia Leite, Paulo Nazareth, Rosana Paulino, Solange Pessoa, Paulo Nimer Pjota, Maaike Schoorel, Luiz Roque & Erika Verzutti, Amadeo Luciano Lorenzato, Paula Siebra, Marina Perez Simão, Kishio Suga, Rubem Valentim e Alma Allen.

Por fim, a galeria Nara Roesler exibe uma apresentação solo de Carlito Carvalhosa, artista que atuou no Brasil desde o início dos anos 1980, e cujo trabalho está atualmente em exposição no local da galeria em Nova York. A apresentação centra-se na utilização contínua da Carvalhosa de superfícies reflexivas e materiais brancos opacos – de cera a cerâmica e gesso.

Inhotim: instituto recebe doação de mais de 300 obras de arte

Cildo Meireles, 'Desvio Para o Vermelho', 1967-1984, Inhotim
Cildo Meireles, 'Desvio Para o Vermelho', 1967-1984

O Instituto Inhotim, em Minas Gerais, anunciou que seu fundador, o colecionador de arte e ex-magnata da mineração Bernardo Paz, vai transferir cerca de 330 obras de sua coleção para a instituição privada. O parque de esculturas e jardim botânico, que se estende por mais de 5.000 acres, foi fundado por Paz como um centro sem fins lucrativos em 2006, e já contém uma coleção que abrange mais de 1.000 obras. Em 2008, foi reconhecido como organização da sociedade civil de interesse público (Oscip) pelo governo mineiro. O Inhotim compreende 23 galerias, incluindo quatro galerias rotativas, e 19 grandes instalações permanentes de Cildo Meireles, Rivane Neuenschwander, Hélio Oiticica, Lygia Pape, William Kentridge, Tunga e outros, que foram incluídas na doação.

“A coleção foi doada e incorporada ao acervo do Instituto. A partir dessa nova governança foi criado um comitê consultivo com membros do Conselho, da Direção Artística e o Allan Schwartzman para opinar sobre a incorporação de obras ao acervo e mobilizar recursos para novas doações, mantendo o Inhotim com um colecionismo ativo fundamental à sua tipologia de museu de arte contemporânea”, afirma Lucas Pessôa, diretor presidente do instituto. Deste conselho, Bernardo Paz será o presidente e o empresário mineiro Eugênio Mattar o vice. Fazem parte dele outras 18 pessoas, entre executivos de diversos setores e agentes culturais.

O grupo ainda será ampliado com mais 10 integrantes, responsáveis por deliberações administrativas e financeiras do Inhotim, mas não terá papel decisório na programação cultural do museu. “A intenção é que esse comitê possa desenvolver no futuro uma política de aquisições que organize esse processo a partir de eixos programáticos, observando eventuais lacunas na coleção, e incorporando trabalhos que possibilitem a ampliação das visadas críticas com o acervo existente”, complementa Pessôa.

Já a diretora artística Julieta González coloca que: “No caso das inaugurações atuais, trabalhamos muito para dar uma forma mais específica ao projeto de Abdias Nascimento e convertê-lo no eixo norteador do programa até o final de 2023, quando finaliza esta parceria com IPEAFRO, que realmente inaugura uma virada epistêmica no pensamento, programa e coleção do Inhotim, e uma relação mais permanente e estável com diversas comunidades, entre elas, a Afro-brasileira”.

No dia 28 de maio foram inauguradas no Inhotim novas obras e exposições temporárias, incluindo Isaac Julien, importante nome nos campos da instalação e do cinema, convidado a expor um de seus trabalhos mais emblemáticos na Galeria Praça. Já o Acervo em Movimento, programa criado para compartilhar com o público as obras recém-integradas à coleção, inaugurou a nova temporada com trabalhos dos artistas brasileiros Arjan Martins e Laura Belém, ambos instalados em áreas externas do Instituto. Jaime Lauriano também integrou a lista dos artistas participantes da programação, abrindo o projeto Inhotim Biblioteca e mantendo relação direta com o Segundo Ato do projeto Abdias Nascimento e o Museu de Arte Negra (MAN), ao propor a curadoria de uma nova bibliografia que contempla autores negros para integrar o acervo da biblioteca do Inhotim. Por último, o Segundo Ato do MAN ocupa a Galeria da Mata e é realizado em curadoria conjunta entre Inhotim e IPEAFRO para abordar o Teatro Experimental do Negro, movimento encabeçado por Abdias Nascimento, e que está nas origens do Museu de Arte Negra.

As inaugurações são parte do Território Específico, eixo de pesquisa que norteia a programação do Instituto no biênio de 2021 e 2022 (saiba mais aqui).

As novidades marcam uma nova trajetória esperada do Inhotim que passou por períodos de instabilidade há cinco anos quando problemas judiciais da Itaminas, conglomerado formado por 29 empresas da qual Paz foi dono até ser vendida em 2010. Em 2021, a Itaminas assinou acordo com a Procuradoria-geral da Fazenda Nacional em torno de seu passivo tributário, cerca de R$ 1,6 bilhão. A União pediu o empenho de todos os imóveis do grupo, incluindo Inhotim. O museu acabou ficando livre da penhora, embora um acordo anterior incluísse 20 obras do museu como pagamento da dívida. Em 2020, o mesmo acordo foi tido como ilegal na Primeira Vara de Feitos Tributários do Tribunal de Justiça de Minas Gerais.

Bienal de Berlim busca estratégias decoloniais para o futuro

The School of Mutants, "All Fragments of the Word Will Come Back Here to Mend Each Other", exposta na Akademie der Künste em Pariser Platz como parte da 12ª Bienal de Berlim. Foto: dotgain.info
The School of Mutants, "All Fragments of the Word Will Come Back Here to Mend Each Other", exposta na Akademie der Künste em Pariser Platz como parte da 12ª Bienal de Berlim. Foto: dotgain.info

Cerca de 70 artistas e coletivos de diferentes países compõem o programa de exposições da 12ª Bienal de Berlim, que abre as portas para o público neste sábado, 11 de junho. Apresentando projetos artísticos e programas de mediação em diversos locais da capital alemã, o evento busca contribuir com novas perspectivas para o discurso cultural contemporâneo. Neste ano, a curadoria de Kader Attia – feita em colaboração com a equipe artística – enfoca os impactos da herança colonial e imperialista e as possibilidades de resistência e reparação a partir da decolonialidade.

O curador Kader Attia junto à equipe artística da da 12ª Bienal de Berlim; da esq. para a dir., Ana Teixeira Pinto, Noam Segal, Kader Attia, Đỗ Tường Linh, Rasha Salti, Marie Helene Pereira. Foto: Silke Briel

“A sociedade distópica que herdamos produz caos, mas nega a responsabilidade por isso. Na verdade, o mundo atual é da forma que é porque carrega todas as feridas acumuladas ao longo da história da modernidade ocidental. Não reparadas, elas continuam a assombrar sociedades”, afirma Kader Attia em seu texto curatorial.

Frente a isso, a Bienal de Berlim apresenta artistas de todo o mundo que se envolveram com os legados da modernidade e seu resultante estado de emergência planetário para desenvolver seus trabalhos, e traz documentos históricos, incluindo publicações políticas e ativistas do Archiv der Avantgarden – Egidio Marzona. As contribuições revelam conexões entre colonialismo, fascismo e imperialismo, propondo estratégias para o futuro e levantando uma série de questões que orientam o evento: “Como pode ser moldada uma ecologia decolonial? Quais papéis os movimentos feministas não ocidentais assumem na reapropriação de narrativas históricas? Como o debate da restituição pode ser reinventado para além da devolução de bens saqueados? Pode o campo da emoção ser recuperado através da arte?”, explicita o texto oficial da mostra.

Como pensar a reparação no capitalismo?

O relatório de 2018 de Bénédicte Savoy e Felwine Sarr sobre a restituição do patrimônio cultural africano desencadeou uma conversa ampla sobre o colonialismo na Europa. Instituições começaram a se envolver com sua herança colonial e rever os objetos saqueados presentes em suas coleções; os governos se comprometeram com a restituição. “Estes são os primeiros passos para a reapropriação do patrimônio cultural e a descolonização. Mas como essa disposição de enfrentar o passado colonial pode ser usada para intervir em um presente que está firmemente nas garras do que Cedric J. Robinson chamou de capitalismo racial – descrevendo o capitalismo como um sistema baseado na exploração de um Outro racialmente construído?”, compartilha a equipe da bienal..

A fim de se aprofundar nessa discussão, as visitas guiadas, oficinas, performances, exibições de filmes e conferências que acontecem paralelamente à mostra tomam o debate convocam estudiosos, ativistas e artistas para explorar como o colonialismo e o imperialismo continuam a operar no presente. Nessas atividades, os participantes abordam o impacto da expansão imperial da Europa nos ecossistemas da Terra, discutem lutas e estratégias contemporâneas em torno dos feminismos do Sul Global e analisam como o racismo é apoiado pelas tecnologias culturais. Veja a programação completa no site da bienal alemã (clique aqui).

A escolha dos espaços expositivos para as mostras também buscou ecoar essas reflexões. A arte!brasileiros preparou uma lista com informações importantes das seis instituições que sediam a bienal alemã. Confira:

KW Institute for Contemporary Art

Foi neste espaço que, em 1998, a Bienal de Berlim foi inaugurada. Desde então, a instituição – que visa abordar as questões prementes dos nossos tempos através da produção, exibição e mediação da arte contemporânea – tem sediado a exposição principal da mostra.

Onde: Auguststraße 69, 10117 – Berlim, Alemanha
Quando: Quarta a segunda, das 11h às 19h

Akademie der Künste

Pela primeira vez, a Bienal de Berlim ocupa as duas sedes da Akademie der Künste, na Pariser Platz e em Hanseatenweg. Fundada em 1696, a instituição passou por uma cisão após a Segunda Guerra Mundial, ao que se estabeleceu uma unidade no Oriente e outra no Ocidente, que voltaram a atuar conjuntamente após a queda do Muro de Berlim. Na 12ª edição da mostra alemã, cada espaço recebe uma exposição coletiva.

Sede de Hanseatenweg
Onde: Hanseatenweg 10, 10557 – Berlim, Alemanha
Quando: Quarta a segunda, das 11h às 19h

Sede de Pariser Platz
Onde: Pariser Platz 4, 10117 – Berlim, Alemanha
Quando: Quarta a segunda, das 11h às 19h

Dekoloniale Memory Culture in the City

A individual do artista Nil Yalter ocupa a sede do projeto piloto Dekoloniale Memory Culture in the City, que busca identificar efeitos pós-coloniais presentes na metrópole. O espaço está localizado entre os antigos prédios da Chancelaria do Reich e do Ministério das Relações Exteriores, onde enviados das potências europeias, dos Estados Unidos e do Império Otomano se reuniram para a Conferência de Berlim (1884) e firmaram acordo sobre as regras para a partilha colonial da África, criando as condições necessárias para a sua exploração.

Onde: Wilhelmstraße 92, 10117 – Berlim, Alemanha
Quando: Pode ser visitado a qualquer momento (vitrine da fachada)
Entrada franca

Quartel General Stasi. Campus da Democracia

A antiga sede do Ministério da Segurança do Estado (Stasi) de Berlim foi o espaço onde funcionários do estado organizaram a vigilância e perseguição de cidadãos da República Democrática Alemã e conduziram as operações de espionagem estrangeira – ambas para sustentar o governo do Partido Comunista da Alemanha Oriental. Em janeiro de 1990, os manifestantes invadiram o espaço ocasionando no fim da Stasi e na destruição de seus arquivos. Hoje, este antigo bastião da polícia secreta é um centro educacional sobre ditadura, resistência e democracia e recebe uma das exposições coletivas da bienal.

Onde: Ruschestraße 103, Haus 7 and 22, 10365 – Berlim, Alemanha
Quando: Quarta a segunda, das 11h às 18h
Entrada franca

Hamburger Bahnhof – Museum für Gegenwart

Atualmente, a instituição abriga uma das maiores e mais significativas coleções de arte contemporânea do mundo. Os cerca 10 mil metros quadrados de edifício contam com trabalhos da Galeria Nacional e de outras importantes coleções internacionais, além de receberem exposições temáticas eventuais, como é o caso da coletiva da bienal.

Onde: Invalidenstraße 50–51, 10557 – Berlim, Alemanha
Quando: terça, quarta e sexta, das 10h às 18h; quinta, das 10h às 20h; sábado e domingo, das 11h às 18h

Podendo ser adiquiridos online ou presencialmente (no KW Institute for Contemporary Art, na Akademie der Künste – Pariser Platz, ou no Hamburger Bahnhof – Museum für Gegenwart – Berlin), os ingressos permitem entrada individual nos diferentes espaços expositivos e são válidos durante toda a duração da bienal.

Individual: 18 €
Grupos de 10 ou mais pessoas: 16 € por pessoa
Ingresso com valor reduzido*: 9 €
Ingresso com valor reduzido* (grupos): 7 € por pessoa
Entrada gratuita para menores de 18 anos, pessoas com berlinpass, membros de Freunde of KW e Berlin Biennale, e no primeiro domingo de todo mês.

*Valor reduzido é válido para estudantes, pessoas em serviço voluntário federal, membros BBK, pessoas desempregadas e pessoas com deficiência (especificações sobre PcDs no site do evento) mediante apresentação de identificação válida.

Dani Tranchesi percorre o país em novo projeto

Dani Tranchesi
Em ação, a fotógrafa Dani Tranchesi, que está viajando o país para fazer registros de religiosidade e brasilidade. Foto: Cortesia da artista

Entre o fim de 2019 e o início de 2020, a fotógrafa Dani Tranchesi havia iniciado um novo projeto, sobre festas religiosas no Brasil. Chegara a registrar as comemorações em torno de Santa Bárbara, em 4 de dezembro de 2019, em Salvador, onde o sincretismo também comemora, nesse dia, a orixá Iansã. E, em 2 de fevereiro, fotografara as homenagens a Iemanjá, também na capital baiana. Já havia programado, entre outras, uma viagem a Nova Jerusalém, em Pernambuco. Veio a pandemia, e os planos foram interrompidos.

A quarentena imposta pela crise sanitária acabou fazendo com que Dani e o curador Diógenes Moura, colaborador recorrente dela, repensassem parcialmente os planos. “Eu me perguntei se o foco deste novo livro deveriam mesmo ser as festas, ou se a religiosidade no Brasil é muito maior e vai além delas. Será que minha fotografia de rua e estas pessoas que registro não têm também a ver com o tema?”, questiona a fotógrafa que, no entanto, não abriu mão das festividades religiosas, agora que a pandemia permite viajar, ao menos.

“Ampliamos o projeto. Obviamente vou para algumas festas, como o São João no interior do Maranhão, aonde irei acompanhada do Márcio Vasconcelos, um fotógrafo maranhense, que por sua vez convidou um antropólogo local para nos ajudar. Em setembro, também vou a uma procissão de caminhões enfeitados que acontece em Juazeiro do Norte, no Ceará. O trabalho passará a incluir registros do interior do Brasil, seus costumes, suas casas, retratos das pessoas. E Diógenes Moura, que também é escritor, fará crônicas sobre os lugares”, conta Dani.

Batizado de Seja o Que Deus Quiser, o livro em gestação será lançado no primeiro semestre de 2023. O título, afirma Dani, reflete um pouco de seu processo de criação na fotografia. “Não há uma programação rígida, ninguém sabe o que vai acontecer ao longo do caminho”.

Um dos registros que deve constar de “Seja o Que Deus Quiser”: a estátua de Padre Cícero, em Juazeiro do Norte. Foto: Cortesia da artista

Nascida em Concórdia (SC), Dani Tranchesi se mudou ainda criança para São Paulo, em 1974. Quando estava por completar 15 anos, em vez de uma festa de debutante, pediu à mãe dois presentes: passagens para Curitiba, onde havia estudado e mantinha amigos de infância e adolescência, e uma câmera. “Olhando para trás, vejo que estavam ali as minhas duas grandes paixões: as viagens – tanto faz se pelo Brasil ou pelo mundo, para conhecer pessoas e outras culturas – e a fotografia. Ela, então, sempre esteve presente”, afirma.

A primeira câmera de Dani Tranchesi foi uma Canon, marca que se tornou sua preferida ao longo dos anos. Hoje, ela tem duas grandes – “uma delas tem 50 megapixels, algo muito importante, porque faço impressões grandes” -, mas mantém também à mão uma pequena. “É muito boa para a rua. Traz agilidade e sobretudo discrição. Se eu estou num lugar que imagino ser mais perigoso, prefiro levá-la, porque aí ninguém percebe muito. Quando eu sinto tranquilidade, pego uma das maiores”.

Depois de ganhar a primeira Canon, Dani fez cursos livres de fotografia e levava uma câmera sempre consigo. Formou-se em Comunicação na Escola Superior de Propaganda e Marketing, mas não desistiu de sua vocação artística. “Eu sabia que me faltavam técnica e conhecimento. Daí fui para a Escola Panamericana, onde aprendi a fazer projetos. Eu era obrigada a sair de casa, conceber e executar um projeto, em São Paulo mesmo. E o último trabalho que fiz para o curso foi justamente sobre as feiras livres, uma ideia que acabei recuperando no livro e na exposição 3 é 5 [apresentada na Galeria Nara Roesler do Rio, entre fevereiro e março deste ano]”.

Em 3 é 5, Dani mostrou registros do dia a dia das feiras públicas em São Paulo. Também foi um projeto afetado pela pandemia, até o momento em que a fotógrafa descobriu que justamente as feiras haviam recebido a permissão de continuarem abertas. A primeira que registrou foi no bairro de Campos Elíseos, e que ocorre sempre aos sábados. Depois vieram as de Santa Cecília e do Bexiga.

“Fiquei encantada com aquele mundo, o colorido, aquelas pessoas, eu ia nas madrugadas acompanhar as montagens, voltava à tarde para ver a limpeza e fui me relacionando com as pessoas, porque muitos daqueles trabalhadores estão nas mesmas feiras. Ter essa relação me permitiu chamá-los para fazer os retratos que mostro também no livro. Eu levava painéis, punha tecidos, era algo bem mambembe, parecido com algo que fotógrafos africanos faziam maravilhosamente bem”, conta.

Entre fevereiro e março de 2020, Dani havia levado à Galeria Estação, que a representou de 2016 a 2021, sua primeira colaboração com Diógenes Moura: o livro e a exposição Lindo Sonho Delirante, com imagens produzidas entre 2018 e 2019. “Eram como dípticos, paralelos entre o centro de São Paulo, do morador de rua aos viadutos, e o interior das casas da Ilha de Marajó. O lado cinzento da cidade em contraste com a beleza, do colorido dos tecidos, das panelas brilhantes daquelas moradas”, explica.

Após sair da Estação, Dani se viu diante de uma oportunidade: uma sala contígua a seu espaço de trabalho, no Itaim Bibi, ficou vaga, e ela criou ali o Estúdio 41, onde voltou a apresentar a mostra 3 é 5, entre agosto e setembro do ano passado. Em 31 de maio, ela abriu no espaço a exposição Lugares, do fotógrafo piauiense Luiz Fernando Dantas e com curadoria de Rosely Nakagawa. A mostra fica em cartaz até 16 de julho e Dani faz questão de ressaltar que o lugar não se trata de uma galeria convencional.

“Eu jamais quis ter uma galeria e lidar com artistas permanentemente, representá-los, cuidar de acervos, apresentar sua produção a instituições etc. Mas queria poder fazer trocas, especialmente com pessoas que não têm galeria. Algo mais leve, que trouxesse a oportunidade de mostrar coisas novas para as pessoas”, conta. “Então achamos este modelo, em que o Diógenes faz a direção artística, tudo passa pelo crivo dele. E abrigamos mostras por um período de dois meses”.

Uma “fotógrafa de rua” por excelência, como gosta de salientar, Dani carrega sempre consigo uma câmera e também faz eventuais registros com seu celular, esteja ela num carro ou andando. Os fotógrafos que a inspiram são muitos: do trabalho contundente do brasileiro Miguel Rio Branco às “coisas gigantes” produzidas pelo alemão Andreas Gursky. As viagens continuam ser uma grande fonte de inspiração também, claro, mas Dani está sempre atenta às mostras de artes visuais e fotografia, onde quer que esteja.

“Elas me trazem novas ideias. Eu adoraria, por exemplo, um dia pintar sobre minhas fotos. Já tentei fazer algumas intervenções com velas. Mas não tenho muito, ainda, habilidades manuais. Uma vez fui fazer um curso com a Pinky Wainer chamado ‘Aprendendo a Machucar Imagens’. Foi muito difícil para mim, porque eu não conseguia. E a Pinky falava para mim que eu precisava ser um pouco menos certinha, menos limpinha, menos elegante”, conta. “Pode ser que eu me volte um pouco para isso, para usar na fotografia”.

Testemunha Ocular: IMS lança site dedicado ao fotojornalismo

Gilberto Gil no III Festival de Música Popular - São Paulo, SP, 1967 Crédito: Walter Firmo / Acervo Instituto Moreira Salles
Gilberto Gil no III Festival de Música Popular - São Paulo, SP, 1967 Crédito: Walter Firmo / Acervo Instituto Moreira Salles

Novo site lançado pelo Instituto Moreira Salles, o Testemunha Ocular, procura ressaltar a importância do fotojornalismo na documentação da realidade brasileira e na construção da memória nacional. Projeto parte da forte presença do fotojornalismo no acervo do IMS, que reúne desde coleções autorais até o acervo fotográfico dos jornais dos Diários Associados do Rio de Janeiro, adquirido em 2016.

O portal recém-lançado é destinado tanto a pesquisadores quanto ao público em geral, que pode navegar pelas histórias, imagens e reflexões ali reunidas, por exemplo dossiês, ensaios críticos, depoimentos em vídeo. 

A concepção do projeto é do jornalista Flávio Pinheiro, que atuou como superintendente-executivo do IMS entre 2008 e 2020. O jornalista Mauro Ventura assina a edição do site, e o fotógrafo Leo Aversa, por sua vez, foi responsável pela edição de imagens durante a criação do projeto.

Testemunha Ocular está dividido em seis seções. A primeira apresenta a produção e trajetória de fotojornalistas cujos acervos estão sob a guarda do IMS. Inicialmente, estarão presentes seis nomes: José Medeiros, Luciano Carneiro e Henri Ballot, todos profissionais que pertenceram aos quadros da revista O Cruzeiro, Evandro Teixeira, Custodio Coimbra e Walter Firmo, cuja obra atualmente está em cartaz em exposição no IMS Paulista. Para cada um, há uma página no site, contendo sua biografia, uma amostra de 50 imagens e dossiês bibliográficos.

Já a seção seguinte, intitulada “Em Foco”, traz o trabalho de 44 fotojornalistas de diversas regiões do Brasil, com idades, trajetórias e perspectivas distintas, que não integram o acervo do IMS. A seleção inclui dois grandes nomes da imprensa brasileira que faleceram neste ano: Orlando Brito, que atuou por mais de cinco décadas registrando o cotidiano do poder em Brasília, e Erno Schneider, conhecido especialmente pela popular foto de Jânio Quadros com as pernas enroscadas. No conjunto, estão tanto tanto fotojornalistas veteranos, como Reginaldo Manente, Rosa Gauditano e Hélio Campos Mello, quanto jovens em ascensão, como Gabriela Biló, Júlio César, Felipe Dana e Victor Moriyama. Há também profissionais de diferentes estados, incluindo o gaúcho Ricardo Chaves, as pernambucanas Hélia Scheppa e Ana Araújo, a mineira Isis Medeiros e o baiano Renan Benedito, entre outros. Todos os contemplados têm uma página no site, com a biografia e uma seleção de 20 imagens.

Confira mais aqui.

Um encontro entre xilogravura e graffiti

Vista da exposição Xilograffiti, no Sesc Consolação. Foto: Evelson de Freitas
Vista da exposição Xilograffiti, no Sesc Consolação. Foto: Evelson de Freitas

De um lado, cordéis; do outro, zines. Enquanto acontece um duelo de repentistas em uma praça, na quebrada rola uma batalha de slam. Ao que a goiva sulca a madeira, o estilete corta a máscara do stencil. “Mais do que linguagens artísticas, a xilo e o graffiti transformaram-se em símbolos culturais que atraem artistas e públicos engajados na sua perpetuação”, explica Baixo Ribeiro, curador de Xilograffiti, exposição que busca mostrar como apesar de aparentemente distantes por seus contextos de origem, graffiti e xilogravura fazem parte de culturas que se conectam.

Organizada em seis núcleos temáticos – cordel raiz, cordel contemporâneo, xilo urbana, lambegrafia, tipograffiti e graffiti xilográfico – a seleção de obras contempla uma diversidade no que diz respeito a territorialidade, técnicas, dimensões e processos. Porém, os trabalhos apresentam muitos pontos convergentes, em especial pelo caráter colaborativo de suas criações.

A arte!brasileiros visitou a mostra, em cartaz no Sesc Consolação, e conversou com o curador. Confira:

Participam da exposição J. Borges (PE); Lira Nordestina (CE); Samuel Casal (RS); Atelier Piratininga (SP); Turenko (AM); Paulestinos (SP); Oficina Tipográfica (SP); Romildo Rocha (MA); Derlon (PE); Xicra convida soupixo; Andréa Sobreiro e Carol Piene (CE); 23ª edição do Projeto Armazém – Mulher Artista Resiste (SC) e Lau Guimarães (SP).

“Muitos desses artistas e coletivos ainda fazem trabalho com a colaboração de outros artistas. Então, na verdade, é uma exposição de redes. São vários coletivos que se intersectam e se ampliam. Então se você me perguntar quantos artistas têm na exposição, direi que são cerca de 150 e mais você – o público”, diz Baixo Ribeiro. Isso, porque Xilograffiti traz uma série de ações interativas, onde o visitante pode utilizar carimbos, matrizes, cartazes e outros materiais para criar suas próprias obras e integrá-las à mostra.

Conforme explica o curador, essa articulação em rede se deu não só nos trabalhos expostos, mas também na elaboração da própria mostra. “Não é a exposição de um curador, nem de um artista, mas de muitas redes reunidas. Fomos desde a base da criação fazendo esse processo de articulação de redes”, compartilha.

Xilograffiti fica em cartaz no Sesc Consolação até 31 de julho de 2022 e pode ser visitada gratuitamente de terça a sábado, das 10h às 21h, e aos domingos e feriados, das 10h às 18h.