Retirantes
"Retirantes", de Pedro Zagatto | Foto: Isabella Matheus

Entre obras que retratam festas e tradições populares, pinturas que expõem a violência policial, expressões de um feminismo crescente, cenas cotidianas e retratos da degradação ambiental brasileira, a Bienal Naïfs do Brasil 2020 abriu as portas de sua exposição presencial. A mostra teria início em agosto no Sesc Piracicaba, mas foi adiada por causa da pandemia, e agora segue em paralelo com a programação digital até julho de 2021. Buscando reunir as ideias de Ailton Krenak – com Ideias para adiar o fim do mundo – e Arthur Danto, a mostra leva o título Ideias para adiar o fim da arte e conta com curadoria de Ana Avelar e Renata Felinto.

“Eu diria que Ideias para adiar o fim da arte é na verdade ampliar para 360 graus a nossa possibilidade de olhar. Parar de mirar adiante, mas ter atenção à visão periférica, e se necessário, virar o corpo pra poder enxergar o que ficou pra trás”, diz Felinto. A curadora acredita que a quantidade de pessoas diferentes na exposição já anuncia a intenção de esgarçar os limites que categorizam as produções de artes visuais no hoje. “As obras apontam para discussões que atravessam inúmeras identidades, mas que tendem a escancarar as possibilidades de humanidades que precisam ser vistas também através da arte”, explica.

Pensando nisso, talvez fique claro que ao invés de adiar o fim da arte, o debate seja mais sobre expandir a nossa compreensão de arte e as narrativas que incluímos nessa história. Como coloca Ana Avelar: “Na contemporaneidade já não acreditamos mais em apogeu, acreditamos que as artes se desenvolvem ao longo da história, com suas especificidades e seus assuntos. Ou seja, pensar o fim da arte já não é mais possível, mas podemos pensar a transformação dela e dos sistemas nos quais ela opera, e nós buscamos oferecer entradas de compreensão para essas narrativas”.

Mas o que os artistas naïf têm a ver com isso? Talvez as suas narrativas sejam justamente algumas que estavam invisibilizadas até então. Para compreender, vale voltar um pouco no tempo. “Naïf é um termo de origem francesa e sugere algo natural e ingênuo”, explica Margarete Regina Chiarella, agente de cultura e lazer no Sesc Piracicaba. “Mas visitando a Bienal, vocês vão perceber que de ingênuo não há nada. Essa arte tem como característica a espontaneidade e a liberdade para que os artistas expressem, como se sentem, como percebem o mundo sem ficar presos às regras da academia ou aos modismos. São insubmissos, trabalham com regras próprias.”

Visando minimizar essa inivisibilização, o Sesc optou por dar foco ao artista, e na 15ª Bienal, além de mostrar uma pluralidade na arte naïf, criou espaços que simulam ateliês e trazem relatos em vídeo dos próprios criadores, contando ao público seus processos e suas pretensões artísticas, e permitindo que o visitante da bienal o veja para além de um generalismo, mas como pessoa artista. “Então para nós isso é importantíssimo, porque ainda que a crítica de arte e a curadoria sejam fundamentais para se organizar um discurso expositivo, não é mais admissível que desprezemos a fala da pessoa artista”.

Muito dessa proposta curatorial está baseada nas ideias das teóricas Ana Mae Barbosa e Lélia Coelho Frota. Como explica Ana Candida Avelar, esta edição da Bienal Naïfs também busca homenagear as mulheres. Por isso, parte de ambas as teóricas como referências na curadoria e convida Carmela Pereira, Leda Catunda, Raquel Trindade e Sonia Gomes para dialogar com a exposição. “Olhar para o trabalho delas nos faz perceber como saíram das realidades mais diversas para estar nos lugares onde estão, nos faz notar que esses e essas outras artistas estão percorrendo caminhos semelhantes e possuem esse espaço já aberto tanto por iniciativas como a do Sesc, quanto por figuras como essas artistas”, diz Ana Avelar.

Aliada à exposição presencial, uma série de iniciativas digitais foram e serão desenvolvidas. Dentre as atividades aconteceram oficinas voltadas aos artistas autodidatas, para que aprendessem a fotografar suas obras – e assim acessar outros espaços expositivos mais facilmente – e a elaborar portfólios – necessários às seleções de mostras nacionais e internacionais. Esse tipo de iniciativa visa uma ação maior do que a realização de um evento. Por isso, o trabalho com os artistas populares vai muito além do período da Bienal Naïfs e busca entender o evento não como um fim, mas um caminho, que permita a essas pessoas ampliar suas vozes e construir novas conexões e oportunidades.

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