Detalhe da obra Sem “Sem Título”, da série “Torção” (2015), de Sonia Gomes, presente na 56ª Bienal de Veneza
Por Ligia Braslauskas
“Edição histórica”, “genial”, “corajosa”. A curadora Solange Farkas não mede elogios para All the World’s Futures (Todos os Futuros do Mundo), a 56a edição da Bienal de Arte de Veneza, sob a direção do curador nigeriano Okwui Enwezor.
Não é para menos. Grande parte dos artistas e projetos apresentados por Okwui coincide com a pesquisa que Farkas desenvolve na Associação Cultural Videobrasil. Desde 1996, com a 11a edição do Festival Internacional de Arte Contemporânea SESC_Videobrasil, a criadora e diretora se dedica a apresentar obras produzidas fora do eixo tradicional formado pelos EUA e pela Europa. América do Sul, Oriente Médio e África, seus destinos constantes, e, segundo ela, “o mundo tem uma urgência desse reposicionamento geopolítico” e Enwezor “foi corajoso ao fazer isso justo na Bienal de Veneza”.
Na 19a edição do Festival, que começa no dia 5 de outubro, dois artistas coincidem com a mostra italiana: a brasileira Sonia Gomes, convidada especial, e o sueco radicado em São Paulo, Runo Lagomarsino. Ele apresenta, a propósito, a mesma obra em cartaz em Veneza, Seguindo a Luz do Sol eu Apenas Descobri a Causa, uma história verídica sobre a dificuldade de destino para um monumento em homenagem a Cristóvão Colombo.
Leia, a seguir, por que Farkas considera “histórica” a edição em cartaz da Bienal de Veneza.
ARTE!Brasileiros — A Bienal de Veneza tem uma maioria de artistas de regiões como África e Oriente Médio, até agora com pouca visibilidade, mas com as quais você trabalha há pelo menos duas décadas. Você esperava isso de Enwezor? Solange Farkas – Eu esperava, claro. Se tem alguém que poderia reposicionar o cenário das artes com essa perspectiva de olhar o mundo com a sua abrangência, e não apenas pela ótica ocidental, da Europa e dos EUA, esse cara é Enwezor. Isso a gente sabe pela pesquisa dele, que já foi vista na Documenta de Kassel (2002), na Bienal de Joanesburgo (1997), na Bienal de Gwanjiu (2008). Afinal, ele vem desse lugar do mundo, é um nigeriano que transita muito na África e nesses outros lugares. O fato de ele já ter realizado as mostras mais importantes em artes visuais fez com que essa fosse uma síntese da pesquisa dele e será seu legado, porque ele assumiu que não vai mais fazer grandes mostras. Agora, o mundo tem uma urgência desse reposicionamento geopolítico e isso está ocorrendo de forma evidente, então ele foi corajoso ao fazer isso justo na Bienal de Veneza, que é das mais tradicionais.
Mas ele também aborda a história da própria Bienal na mostra… Isso é genial. Por ser a Bienal mais antiga, ela atravessou todos os eventos importantes do século XX. Eu não sabia, por exemplo, que a Bienal se manifestou contra o Golpe do Pinochet, no Chile, em 1974, como ele aborda na exposição atual. De certa forma, com isso, Veneza se redimiu por ter passado por duas guerras mundiais sem tomar posição, diferentemente da Documenta de Kassel, que nasce com uma perspectiva de revalorizar a arte moderna após o colapso do nazismo. Isso se insere ainda dentro dessas outras narrativas que o Enwezor apresenta. Nós vivemos em um momento histórico crítico, como ele mesmo fala, que é de crise financeira e social. Usar O Capital como fio condutor da Bienal é, sem dúvida, de uma coragem extraordinária e não foi aleatório. Acho que essa Bienal tem várias questões importantes e uma delas é mostrar o mundo nessa dimensão crítica, dando voz a artistas que tratam disso. Mas também não se trata de uma oposição ao mainstream, porque muitos artistas desse circuito participam com obras muito boas. Acho importante também ele ter encomendado trabalhos, há muita obra produzida para a Bienal, o que é sensacional.
Mas a recepção a essa Bienal no circuito das artes é bem negativa. Você acha que é preconceito? Tenho certeza de que é preconceito. É aquela coisa simplista de quem olha e não sabe lidar porque não tem repertório, e a reação é negativa. Isso é tosco. Eu nunca vi uma Bienal com tanta gente desconhecida do circuito, mas que me é familiar porque eu transito na África e no Oriente Médio, por exemplo. São artistas que conheço em seu lugar de origem e nunca os vi em Veneza e nem vi Veneza com uma vibração tão incrível com as pessoas percebendo a importância desse gesto. E o que me chama a atenção é que muitos desses artistas abordam o silêncio em seus trabalhos, como a forma de comentar a rejeição.
Obra de Steve McQueen na Bienal de Veneza. Foto: Divulgação
Sonia Gomes se insere nesse tipo de pensamento? Totalmente. Se você pensar quem é ela no contexto da arte brasileira, que ninguém conhece, que é sem voz, e que as pessoas estão começando a descobrir. Eu me surpreendi com o trabalho dela lá, esperava algo maior, e ela fez algo discreto, que foi entrando nas frestas das colunas, onde ela achava espaço, contaminando aquele espaço de forma linda e com uma organicidade impressionante. Tem muito trabalho assim, em especial o da senegalesa Fatou Kandé Senghor. É um documentário, até bastante convencional, de uma artesã que mora em aldeia e esculpe corpos de mulher. O nome dela é Seni Awa Camara. Ver isso em Veneza, em um local por onde todo mundo tem de passar, é incrível. Vi o filme inteiro e quase chorei. É dar voz para aquele lugar, é um deslocamento de tempo muito grande. Com isso, ele chancela algo que ainda não foi colonizado.
É interessante ver como o Enwezor não só alterou quem costuma estar ali representado, como de que forma apresentar, mudando radicalmente tanto o Pavilhão Central como o Arsenale. Totalmente. Eu não me reconhecia naquele lugar. Frequento a Bienal há décadas e desta vez me perdi. É genial, e creio ser uma conquista ver essas mudanças.
No catálogo, ele afirma que a arte não precisa ser política, mas uma exposição nesse momento em Veneza precisa. É claro. É óbvio. Existe uma urgência e os artistas vivem esse contexto e os trabalhos deles são contaminados por esse contexto, não tem como não chegar ali. Mesmo que não seja um trabalho claramente militante, e muitos não são, o mundo está de ponta-cabeça, é impossível não comentar.
O trabalho do Steve McQueen vai nesse sentido, não? Sim. Ele é lindo e poético. Para mim, é o trabalho mais lindo da Bienal. É um susto. Eu conhecia uma das partes, o menino balançando na ponta do barco, que vi em Londres. Mas a segunda parte, sobre a morte dele, quando a gente vê a sepultura sendo construída, é triste demais. Todo o ritual, não tem palavras. E tem muitos trabalhos ali também que são claramente militantes, como o Invisible Borders, um coletivo de fotógrafos, escritores e cineastas da Nigéria, altamente articulados, que apresentaram o The Trans-African Project, e que pouquíssima gente conhece. Eles são extremamente importantes, para mim um dos trabalhos de ponta da arte contemporânea. E outro coletivo, o Abounaddara, que foi o próprio Enwezor que me apresentou anos atrás, de cineastas na Síria, anônimos por questão de segurança, senão eles morrem. Eles dão câmeras para as pessoas e registram todo esse massacre que acontece na Síria, é bem um trabalho de mídia tática. São curtas disponíveis na rede e que documentam o que acontece hoje e as vítimas da guerra. Durante a Bienal, os filmes são exibidos na Arena. Eles inventaram um novo gênero no cinema que se chama filme de urgência.
Tem um diálogo bem grande com a Bienal de São Paulo passada, não é? Totalmente. O Charles Esche tem essa pesquisa, é verdade. Mas pela importância da Bienal de Veneza e por ela nunca ter transgredido de fato, esta é uma edição histórica.
As duas edições recentes da Bienal de São Paulo, tanto Como (…) Coisas que Não Existem, de 2014, quanto Incerteza Viva, que segue no pavilhão do Ibirapuera, possuem várias coincidências conceituais, entre elas o incentivo à criação de novas obras, realizadas especificamente no contexto das exposições.
O fomento à produção, portanto, parece ser uma característica fundamental que a Bienal de São Paulo passou a incorporar diante de uma situação de certa instabilidade no circuito das artes. Claramente, o setor mais organizado e com mais visibilidade é o mercado, com as galerias e feiras, que se tornaram locais de encontro ao mimetizarem, nos últimos tempos, algumas atividades que o próprio sistema de bienais criou como forma de repensar esse sistema.
Seminários, performances, ciclos de filmes e mostras com curadoria se tornaram comuns em feiras, como estratégia para dar consistência e glamour a um evento basicamente mercantil, que interessaria apenas a quem vende e compra. Foi com a Art Basel Miami Beach, em 2002, tendo à frente Samuel Keller, que feiras se renovaram e buscaram criar um novo perfil, não só com conteúdo, mas também em festas com celebridades, o que virou tendência nas feiras do mundo todo.
Em São Paulo, os museus não têm dado conta de fomentar a produção artística. O Museu de Arte Moderna de São Paulo, por exemplo, tem basicamente exposto seu acervo como estratégia de economizar em suas mostras, e algo semelhante vem ocorrendo no MAC-USP e na Pinacoteca do Estado, que raramente, aliás, exibem novos trabalhos de artistas. Muitas vezes, quando o fazem é graças a artistas que conseguem apoio em editais públicos independente das instituições.
Esse cenário torna-se mais lúgubre quando se recorda o papel que o MAC assumia nos anos 1970 e 1980, como local frequentado por jovens artistas, sob o estímulo de Walter Zanini, com as JACs (Jovem Arte Contemporânea), mostras organizadas anualmente no museu entre 1967 e 1974. A precariedade institucional da segunda metade do século XX, que garantia a muitos artistas ocuparem museus já que o faziam por iniciativa própria – Zanini chamava o MAC de museu-casa –, foi trocada por um significativo aporte de leis de incentivo que, contudo, não revertem a artistas, mas a produtores culturais, especialmente aqueles patrocinados por corporações financeiras.
“White Museum”, Rosa Barba. A instalação é uma é uma projeção de luz branca sobre a rampa de entrada do Pavilhão da Bienal, cujo enquadramento, comum à fotografia e ao cinema, se torna uma presença física.
Com isso, a Bienal acabou por se tornar um dos poucos espaços para a produção de novas obras que podem ser de fato consideradas experimentais. Afinal, raras são as galerias que não apresentam objetos decorativos que possam ir direto para as paredes de colecionadores.
Nesse sentido, é significativo constatar que essa estratégia de abertura para o experimental partiu de times curatoriais com profissionais vinculados a instituições museológicas sólidas: Jochen Volz, o curador da edição atual, nos últimos anos trabalhou na Serpentine Galleries, de Londres, além de manter-se ligado a Inhotim, enquanto Charles Esche, um dos curadores da edição passada, era diretor do Museu Van Abbe, na Holanda, ao qual segue filiado.
Com isso, pode-se perceber como os responsáveis pelo sistema institucional deram conta de que o local de risco de fato é a Bienal, e parte das críticas atribuídas a essa edição se deve à constatação desse tipo de estratégia. No caso de Incerteza Viva, em que a maioria das obras foi feita por comissionamento dos curadores, não há como garantir um resultado totalmente de sucesso. Mas deve se cobrar isso em arte contemporânea? Erika Verzutti nunca havia feito trabalhos murais de grandes dimensões, assim como Lais Myrrha nunca havia construído estruturas monumentais, e nem Cristiano Lenhardt havia realizado uma performance de grande escala. Só a possibilidade de experimentação desses artistas já vale sua participação, uma vez que não é pelo critério de satisfação de uma ou outra personalidade ou de atenção do público que uma obra contemporânea deve ser avaliada.
A dificuldade, contudo, seria em como conciliar a vontade de um público amplo, portanto não acostumado à arte contemporânea, que a Fundação Bienal almeja, com ênfase em uma produção que poderia ser menos acessível. Quem visita a mostra agora percebe que não há uma má vontade aparente do público. Quem de fato tem reclamado são figuras com acesso aos meios de comunicação, que parecem querer na Bienal o mesmo tipo de arte comportada das feiras.
Se fosse assim, a cidade só teria um tipo de produção e a monotonia seria a tônica dominante. Em sua edição de 1910, o organizador da Bienal de Veneza retirou a única obra de Picasso do pavilhão espanhol com medo de que seu arrojo chocasse o público e, só em 1948, Picasso foi visto de fato na mãe das Bienais. Três anos depois, em 1951, Picasso seria visto na primeira edição da Bienal de São Paulo, que em sua segunda edição apresentou não só sua obra-prima, Guernica, como um conjunto de 74 obras do artista espanhol.
O arrojo é marca da Bienal de São Paulo, e o que as atuais edições estão apresentando segue apenas a tradição da mostra em se ocupar do presente acima de tudo. Se certas obras questionam a figura do artista e do próprio curador em detrimento de produções culturais mais complexas, é preciso buscar compreender o que isso significa em vez de ficar buscando fórmulas simples que determinem o que é arte e que se baseiem em gostos meramente pessoais.
Viva Arte Viva, a mostra central da 57ª edição da Bienal de Veneza, é uma exposição politicamente correta ao limite. Ela reúne 120 artistas de todos os continentes, com obras representativas, desde grandes nomes, como Philippe Parreno, Olafur Eliasson, Ernesto Neto e Gabriel Orozco, até apostas jovens como a chinesa Guan Xiao, de 33 anos, e o marroquino Achraf Toulob, de 30 anos.
Há muitos artistas que nunca participaram da mostra, o que faz a seleção dar a impressão de correção na historiografia da arte vista a partir de Veneza, como ao incluir o holandês Bas Jan Ader (1942 – 1975), o brasileiro Paulo Bruscky e o chileno Juan Downey.
Contudo, o resultado do conjunto não é potente, possivelmente porque a mostra tem uma temperatura mais museológica, o que pode ter a ver com a curadoria estar a cargo da francesa Christine Macel, do Centro Pompidou, em Paris. A edição passada, a cargo de Okwui Enwezor, tinha uma voltagem muito mais alta, com o Manifesto Comunista no centro da exposição e obras que se relacionavam com leituras críticas da sociedade contemporânea.
O que motivaria essa atual frieza justamente durante os meses mais quentes da icônica cidade italiana? Por um lado, é patente que a mostra se constrói com poucos trabalhos comissionados, portanto ela parte de uma perspectiva mais histórica – mesmo que alguns trabalhos sejam recentes.
Por outro lado, é muito recorrente a apresentação de artistas com trabalhos significativos dos anos 1960 e 1970, quando tinha início a performance. Várias obras da mostra estão conectadas com esse momento. É caso da italiana Maria Lai (1919 – 2013), do húngaro Tibor Hajas, do holandês Ader, e do brasileiro Bruscky, entre tantos outros. Contudo, são artistas com produções que carregam o sentimento de déjà vu, apesar da originalidade de cada um em seu lugar.
As diversas caixas de madeira que Bruscky espalhou à frente do Pavilhão Central, por exemplo, fruto de uma performance, é uma obra com marca de datada, já que a referência à arte postal, com a ironia do que significa o transporte de uma obra de arte, perde um tanto o sentido com a falta de importância do correio na sociedade atual.
Aliás, Viva Arte Viva dá mesmo a impressão de que pior que cair nas radicalizações polarizadas que o mundo vive hoje é buscar agradar a todos com um consenso inclusivo. A exposição se divide em nove capítulos, dois deles no Pavilhão Central e outros nove no Arsenale. Cada capítulo ou pavilhão, o nome que acaba se contrapondo aos tradicionais pavilhões nacionais da mostra, é visto em um tema amplo e genérico, que vai desde questões específicas da arte, como o Pavilhão das Cores e o Pavilhão dos Artistas e Livros, passando por outros de temática social, como o Pavilhão do Comum e o da Terra, até temas exotéricos, como dos Xamãs, e do Tempo e do Infinito.
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“Green Light”, Olafur Eliasson. Foto: Divulgação
“Scalata al di là dei terreni cromatici”, Sheila Hicks. Foto: Divulgação
“Cantico del descenso”, Cinthia Gutiérrez. Foto: Divulgação
O Pavilhão do Comum, por exemplo, reúne artistas como a italiana Maria Lai, figura até o momento bastante à margem do sistema de arte, mas resgatada em 2017 em duas grandes mostras, já que além de Veneza, ela participa da Documenta de Kassel e Atenas. Na Bienal, Lai é vista de forma ampla, em obras de vários períodos de sua carreira, das intervenções performáticas em sua cidade natal, Ulassai, nos anos 1970, à esplêndida série Lenzuolo, de 1991, composta por textos costurados em tecidos, um trabalho manual impressionante.
Se há um eixo a ser notado na seleção de Macel, é o que trata de obras, com pouquíssimas exceções, que evitam qualquer sofisticação tecnológica e são constituídas por uma fatura manual, como na produção de Lai. Em certo sentido, com o excesso de conectividade do mundo contemporâneo e dependência absoluta das telas digitais, isso até representa um certo alívio, uma espécie de fuga para o essencial.
Nesse contexto, a instalação de Ernesto Neto se sobressai. Primeiro pela magnitude que suas obras vêm assumindo nos últimos anos, mas especialmente pelas relações que o artista vem desenvolvendo com os Huni Kuin, do Acre, e que acabam vinculando ao seu trabalho um caráter político, em defesa da dignidade dos povos indígenas.
A instalação de Neto chegou a ser muito criticada em jornais estrangeiros por apresentar uma faceta exótica do Brasil, como se a performance com os índios na abertura da exposição fosse semelhante aos índios expostos em jaulas no século XIX. De fato, foi um tanto chocante ver a elite globalizada do circuito da arte dançando ao lado dos Huni Kuin, como se estivessem no Carnaval. Contudo, isso não desautoriza a relação constante que Neto vem desenvolvendo com os índios, e como seu trabalho vem crescendo com essa parceria, especialmente em um momento que, no Brasil, se tornou política governamental o genocídio das populações indígenas.
Esse caráter quase artesanal da mostra é visto também nas obras da mexicana Cynthia Gutierrez, nos desenhos enlouquecidos e deslumbrantes do checo Lubos Plny, uma das revelações da Bienal, na produção de Sheila Hicks, com seus grandes novelos de lá, a obra mais fotografada desta edição, e em Abdoulaye Konaté, com seu painel Guarani, criado para o Festival Sesc_Videobrasil, em 2015. São alguns exemplos entre muitos possíveis de um procedimento que de fato se repete ao longo da mostra.
No entanto, a impressão final é que Macel olhou muito para trás, mas não deu conta de falar do agora. Com tantas tensões explodindo e crescendo por toda parte, evitar as crises atuais soa descabido.
Pavilhões Nacionais retratam presente obscuro
Se a mostra central evita os conflitos, os Pavilhões Nacionais trazem um retrato mais sombrio do mundo atual, a começar pelo norte-americano, a cargo de Mark Bradford. Tomorrow is another Day, o título de sua participação na mostra, apresenta um pavilhão sombrio, onde a parte exterior do edifício parece em ruínas e a primeira sala do circuito tem o teto praticamente no chão, uma alusão clara ao declínio dos EUA na era Trump.
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“Tomorrow is another Day”, obra de Mark Bradford que ocupa o pavilhão norte-americano. Foto: Divulgação
“Folly”, obra de Phyllida Barlow que ocupa o pavilhão inglês. Foto: Divulgação
“Chão de caça”, obra de Cinthia Marcelle que ocupa o pavilhão brasileiro. Foto: Divulgação
Também o pavilhão da Inglaterra, a cargo de Phyllida Barlow, ganha uma atmosfera surreal, que mescla abandono e decadência, na arquitetura destruída do prédio, com bolas de concreto coloridas, uma espécie de delírio enlouquecido em tempos de Brexit.
Contudo, impacto mesmo consegue Cinthia Marcelle que, no pavilhão brasileiro, faz uma crítica contundente da situação do País. O acerto da escolha de apenas um artista para ocupar o espaço merece crédito a Jochen Volz. O curador se contrapôs às edições recentes que reuniram artistas e obras um tanto díspares.
Sozinha, Marcelle pode não só ocupar o espaço, como transformá-lo de maneira impressionante, ao mesmo tempo que simples. No chão, ela instalou grades, mimetizando as que existem no jardim da Bienal, mas alterando o nível, fazendo com que haja uma certa situação de irregularidade. Pedras estão encaixadas nessas grades, criando uma visão minimalista e de aparente estabilidade, mas que escondem ovos negros em uma lata, os ovos de uma serpente que sai das profundezas do pavilhão brasileiro e prevê obscuridade em alta intensidade. No vídeo realizado com Tiago Mata Machado, vê-se ainda uma situação de presidiários em motim. O caos é aqui e agora.
Já pensou em ver o acervo de arte brasileira do Sesc reunido em um só lugar? As obras que ficam permanentemente expostas nas unidades do Sesc em todo o estado de São Paulo foram são reunidas, com curadoria de Valquiria Prates, na mostra Sala de Estar, que acontece desde janeiro no Sesc São Caetano. São três momentos da mostra.
Devido à pandemia do novo coronavírus, as unidades do Sesc permanecem fechadas até que as autoridades de saúde responsáveis indiquem que há segurança o suficiente para as atividades serem continuadas. Fique de olho nas redes sociais do Sesc São Paulo para se informar sobre datas.
Assista ao vídeo acima.
Aproveite para conferir todos os registros de exposições do Sesc São Paulo que a ARTE!Brasileiros realiza desde 2018. Veja em nosso canal do Youtube.
“Nem doença, nem faca, nem bala … Entre quarta e sexta-feira nenhum de nós morre”, confiam alguns dos devotos acompanhados pelo fotógrafo belenense Guy Veloso na Semana Santa. Esses, em específico, são vindos de Oriximiná, cidade no coração da Amazônia. Ao longo de 17 anos, Veloso registrou 203 grupos como esse, também chamados de confrarias, em 13 estados, nas cinco regiões do país. Parte de sua vasta pesquisa, composta por dados e fotos, é lançada agora em formato de livro, intitulado Penitentes – dos ritos de sangue à fascinação do fim do mundo, sendo esse o primeiro volume brasileiro de fotografias que aborda o tema dos penitentes com abrangência nacional. A publicação foi contemplada pelo Rumos Itaú Cultural de 2017-2018 e está disponível online. A curadoria do fotolivro é de Rosely Nakagawa, com epílogo escrito por ela, pelo filósofo Guilherme Ghisoni Da Silva, e pelo próprio Guy Veloso.
Quem são os penitentes
Os penitentes são grupos espontâneos, místicos, muitas vezes secretos, que saem noite adentro rezando pelos “espíritos sofredores”. Sua origem data do período medieval na Itália, quando os homens faziam um voto para expurgar os pecados individuais e coletivos. Para isso eles se açoitavam, recebendo o nome de “flagelantes”. No século 13, o voto propagou-se pelo Velho Mundo, particularmente durante a peste negra, perpassando séculos e encontrando campo fértil na Península Ibérica. Interpretando o texto “A Vontade de Saber”, de Michel Foucault, Rosely Nakagawa aponta que “muito além da confissão, o penitente deve ‘produzir a verdade’ concretamente, deixando marcas, provas deste flagelo”.
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Penitente veste manto totalmente manchado de sangue. Ritual de autoflagelação, Quinta-feira Santa, cemitério do povoado Lagoa, distrito do Salitre, zona rural de Juazeiro-BA, 2016. Digital. Legenda do livro.
Joaquim Mulato de Souza, agricultor e “santeiro” (escultor de imagens católicas), então com 84 anos, foi desde 1944
até seu falecimento em 2009 “decurião” (chefe) da Ordem dos Penitentes da Santa Cruz. Mulato exibe o “silício”, cordão de ferro com pontas agudas usado na barriga ou nas coxas para autoimolação. Contou ele que o objeto foi presenteado ao líder anterior do grupo pelo próprio Padre Cícero. Legenda do livro.
"Não será aqui o vosso descanso", em Juazeiro, 2019
Irmandade em cerimônia de autoflagelação pela primeira vez documentada. Sexta-feira Santa, cemitério do povoado Lagoa, distrito do Salitre, zona rural de Juazeiro-BA, 2014. Digital. Legenda do livro.
Cleber Cristiano Ribeiro, então com 24 anos, largou a penitência ao tornar-se evangélico, mostra cicatrizes nas costas das cerimônias de autoflagelação de anos anteriores. Bairro Santo Antônio, distrito Salitre, Juazeiro-BA, 2005. Diapositivo. Legenda do livro.
Sr. Valmir Joaquim dos Santos, então com 59 anos, 24 de penitência, veste sua anágua ritual e mostra a “disciplina”, cordão de couro de veado com um cacho de três lâminas afiadas de ferro na extremidade, usado nas cerimônias de autoflagelação. Bairro Santo Antônio, distrito do Salitre, Juazeiro-BA, 2003. Diapositivo. Legenda do livro.
Hoje, a flagelação acontece apenas em 4% das congregações, em casos raros e dramáticos nas sociedades estritamente masculinas da Bahia, Ceará e Sergipe, praticantes do autoflagelo em formato semelhante ao de séculos atrás na Europa. São chamados aqui de Rito de Sangue, uma forma dos devotos de imitarem a Jesus. O voto é acompanhado de certas cobranças que precisam ser respeitadas rigorosamente, caso contrário, danos podem ser provocados à saúde pelos espíritos, crêem. Entre as obrigações estão abstinência de álcool, dança, jogatina e sexo; a este último, acreditam que o desrespeito possa levar ao sangramento excessivo durante a penitência e possivelmente à morte. O voto perdura um período de sete anos e a cerimônia do Rito de Sangue termina somente quando o capuz e a túnica vestidos estão completamente tingidos de rubro.
De forma geral, a penitência é praticada durante a Quaresma e a Semana Santa, com homens e mulheres realizando desfiles noturnos começando à meia noite: “Eles num momento morrem; e até à meia-noite os povos são perturbados, e passam, e os poderosos serão tomados não por mão humana” (Jó, 34:20). Os rituais, embora vestidos de teatralidade e mistério, são reservados, por vezes até sigilosos, algo justificado pelo preconceito sofrido pelos Recomendadores de Almas (como também são chamados) por parte da população local, além da discriminação da igreja e das perseguições policiais. Nesse sentido, o trabalho de Veloso funciona para validar esses ritos que fazem parte da nossa cultura imaterial. Como afirma Guilherme Ghisoni da Silva no epílogo do livro: “Não devemos negar a cultura que temos, mas olhá-la nos olhos, como faz o fotógrafo, e compreender que o que lá é visível somos nós mesmos.”
Nas influências europeia e africana, Veloso procura o sincretismo brasileiro que o leva a aprofundar a questão da penitência. Ela é inserida no Brasil pela colonização e passa por transformações à medida que entra em contato com um país multicultural, multiétnico, com fé diversa – demonstrada em múltiplas religiões como espiritismo, umbanda, pajelança -, e costumes, superstições e crenças locais coexistentes. Tanto que são organizações de base familiar que possuem autoridade; não existem lideranças centrais, nem dogmas, a penitência em si não se trata de uma religião, embora a maioria de seus praticantes se mostre católico, segundo Veloso. O sincretismo, que molda essas diferentes práticas, também acaba por fundir a cultura contemporânea regional brasileira ao culto de origem medieval europeia de maneira única. Algumas das imagens contidas no livro – como uma penitente com um celular na mão e a presença de carros e motocicletas – parecem um lembrete da contemporaneidade das imagens, nos tirando de uma paisagem que invoca tempos medievais e encarando algo que subsiste nos rincões do Brasil atual.
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Na foto, um garota montado em uma motocicleta em meio à procissão dos penitentes olha para a câmera. Legenda do livro: População dos bairros centrais de Juazeiro-BA já se acostumou aos préstitos dos penitentes. 2013. Diapositivo.
Irmandade “Atrás da Banca” em procissão na Semana Santa de 2019. Pela primeira vez apenas um grupo de “Alimentadeiras das Almas” desfilou na zona urbana de Juazeiro-BA em mais de um século de tradição, dada a descontinuidade das outras sociedades.
Uma das devotas checa seu celular, um lembrete que os registros de Veloso nos são contemporâneos. Legenda do livro: Na foto ela já está com a roupa ritualística que é aqui uma anágua e um cordão de São Francisco alvos na cintura, além de um lençol branco que, através de intricadas dobras no tecido e ligaduras de alfinetes. Os panos de algodão e morim jamais são usados fora da liturgia.
De nada pedem
De nada pedem os Encomendadores de Almas, pelo menos não para si mesmos. As cerimônias da penitência são imbuídas por forte altruísmo: são solicitados favores para as almas necessitadas, em outro plano; no nosso, as famílias que se encontram em luto são consoladas enquanto assistem seus entes queridos serem recordados. Quando saem noite adentro, os penitentes estão cobertos por vestuário incomum, não raro escondendo todo o corpo em tecidos brancos com cruzes bordadas. Sua chegada é anunciada pelo som soturno dos benditos, jaculatórias e ladainhas. Nunca devem eles olhar para trás, as comitivas marcham em fila indiana justamente por conta disso, pois a pena de quem se voltar para o caminho já andado é vislumbrar as almas que os acompanham nas procissões, pelo menos é o que reside na crença dos Irmãos de Almas. Uma regra com um núcleo quase filosófico.
Documentando os Encomendadores de Almas
Várias dessas confrarias jamais tinham sido documentadas antes desse projeto. Veloso começou a pensá-lo ainda em 1998, quando viu na romaria de Juazeiro do Norte (CE) 15 pessoas com mantos azuis e cruzes bordadas nas costas. Aquele foi o primeiro grupo penitente que o fotógrafo teve contato, os chamados Aves de Jesus, embora tenha sido apenas em 2002 que esse “penitente iniciado” estruturou seu projeto de pesquisa e buscou organizações similares em outros estados do nordeste, expandindo para o território nacional a partir de 2009.
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Prece que antecede a saída em peregrinação pelas ruas de Juazeiro-BA. Residência de Dona Emília Nogueira Nunes, então com 85 anos, chefa do “Cordão da Rua Perpétua”, 2006. Diapositivo. Legenda do livro.
Retrato da Sra. Maria dos Santos em Frei Paulo-SE, 2005.
“Verônica”. Ana Paula Batista Cruz, então com 24 anos, técnica em nutrição. Quinta-feira Santa, Laranjeiras-SE, 2002. Diapositivo.
Algumas organizações admitem crianças, via de regra, filhos de membros. Ana Clara da Silva Oliveira, então com 7 anos, mira a câmera durante peregrinação da irmandade comandada por sua bisavó, Sra. Rosa Maria de Jesus. Juazeiro-BA, 2003. Diapositivo.
Grupo “Atrás da Banca” reza de joelhos debaixo de chuva torrencial no cemitério. Quarta-feira Santa, Juazeiro-BA, 2019. Digital. Legenda do livro.
Sr. José Carneiro de Aquino, trabalhador rural, então com 83 anos, penitente desde 1947, lidera a Irmandade da Santa Cruz há 56 anos. Embora a autoflagelação tenha sido proibida por um padre local em 1950, alguns confrades desta comitiva exclusivamente masculina seguem opcionalmente praticando por voto ou promessa, porém, sendo obrigatória para os noviços do grupo. Sítio Malhada Funda, zona rural de Aurora-CE, 2018. Digital. Legenda do livro.
Sr. Juvenal Pereira de Andrade, então com 76 anos, agricultor, penitente há 56 anos, deixa-se retratar com indumentária frente à capela construída por ele ao lado da casa. Frei Paulo-SE, 2002. Diapositivo. Legenda do livro.
As chamadas “beatas” da “Procissão do Madeiro” adentram à Igreja Matriz para uma sequência de orações, onde são aguardadas pela comunidade. Nossa Senhora das Dores-SE, 2018. Digital. Legenda do livro.
Uma das ordens visitadas por ele, a dos penitentes de Juazeiro, na Bahia, o reconheceu como um de seus membros, permitindo sua participação nos cultos fechados. No livro, Veloso se refere a eles como “o meu grupo”, e é à líder dos De Trás da Banca, Dona Nenezinha, que ele dedica seu trabalho. Ao ser aceito e chegar mais perto em sua fotografia, física e metaforicamente, o belenense salvaguarda uma parte dessa tradição com a proeza de registrar tanto de algo tão escondido e tão passageiro.
Junto com a arte e a religiosidade, há em sua obra um forte valorantropológico. Para Ghisoni da Silva: “A descoberta do fotógrafo, de que há Recomendadores das Almas nas cinco regiões do país, é uma prova de importante valor acadêmico”. Uma fascinante parcela desse mundo teria sido levada pelo vento caso Veloso não tivesse abordado a questão de tal maneira, colecionando entrevistas em vídeo e registros sonoros, peças originais dos votos, matracas e mantos – talvez o maior acervo do tema no Brasil. Esse aspecto é encontrado nos registros visuais pelo caráter documental que se firma em sua obra e coexiste com a forte expressão artística da qual as imagens são dotadas. Há a intimidade e o comprometimento com os fotografados, e o olhar de um pesquisador que se dedica há anos a documentar suas histórias. Um observador disposto a nos ceder o benefício de não ser despossuído de julgamento diante da imagem, mas de estender o convite a uma reflexão mais aprofundada.
Dupla religiosidade
Em certo ponto do livro, Ghisoni da Silva questiona: “É a ascese espiritual do indivíduo retratado que dá força expressiva às imagens ou é a ascese espiritual do próprio fotógrafo?”. Ao que ele mesmo responde, afirmando que “é na união dessa dupla religiosidade, do que é visto e de que vê, que a documentação dos rituais religiosos alcança o estatuto de arte em Guy Veloso. É por vermos o mundo através de um olhar genuinamente espiritual que vultos na noite, encobertos em tecidos translúcidos, se tornam a porta de entrada para a dimensão inefável do divino”. Desde criança, quando assistia à passagem do Círio de Nazaré em frente à casa de sua avó, Veloso tem a busca pelo sagrado como parte de sua vida.
O olhar espiritual referido acima é notável nas fotografias através dos borrões – vindos da baixa velocidade do diafragma para fotografar à noite sem flash e pouquíssima iluminação -, das distorções nas cores, nos fotogramas expostos mais de uma vez, pelas luzes “vazadas” no dispositivo e até pelos problemas na revelação, mantidos por Veloso da mesma forma como uma de sua fotos “resolvidas”. Tal estética foi tomando corpo no projeto e criou uma assinatura para Veloso. Afinal, a sua obra também é fotografia-expressão em que a maneira, o estilo, produz sentido, há o elogio da forma e a necessidade de um formato assumido pelo autor, como conceitua o teórico André Rouillé. Há muitos níveis de percepção nas imagens de Veloso, de um lado o da informação explícita e de outro lado o que é implícito, o indizível que toma forma e é subscrito na atmosfera criada pelo fotógrafo dentro de sua narrativa junto aos penitentes. Elas, as imagens, fascinam seja pelo desconforto que nos causam, pelo medo, excitação, curiosidade ou aflição, cumprindo a função da fotografia como um detonador de emoções.
Quarto de hotel, Carmópolis-SE, 2018. Digital. Legenda do livro.
No começo do epílogo, o observador é indagado com algo que é cerne desse projeto e lhe é respondido ao ponto em que os registros se findam e começam as palavras: “Qual sentido a religiosidade pode ainda ter em um mundo no qual os filósofos já declararam a superação de Deus como o fundamento da realidade e os psicólogos, as patologias que acometem as superstições?”.
Deana Lawson, "Mama Goma", 2014. Foto: Cortesia da artista
Em decorrência da pandemia do coronavírus que assola o Brasil e o mundo, a 34a Bienal de São Paulo divulgou hoje uma série de alterações em seu calendário oficial. “Com o objetivo de garantir a segurança de seus visitantes, artistas e colaboradores”, segundo comunicado assinado por José Olympio da Veiga Pereira (presidente da Fundação Bienal), a abertura da exposição coletiva passa do dia 5 de setembro para o dia 3 de outubro de 2020. A visitação será estendida até 13 de dezembro.
Além disso, as exposições de Clara Ianni e Deana Lawson, assim como as performances de autoria de León Ferrari e Hélio Oiticica, que aconteceriam entre abril e agosto, serão incorporadas à mostra coletiva. Em uma edição que propõe se espalhar por diversos espaços da cidade, “a diretoria da Fundação Bienal e a curadoria estão em diálogo com as instituições parceiras, a fim de tentar manter ao máximo a rede de exposições paralelas planejadas em conjunto com esses espaços”.
Clara Ianni, “Do Figurativismo ao Abstracionismo”. Foto: Coretesia da artista
O comunicado salienta, ainda, que mais informações sobre o calendário serão divulgadas nos momentos oportunos. “As atividades de programação pública, em curso desde o final do ano passado, serão retomadas assim que possível. Enquanto isso, conteúdos da 34ª Bienal serão compartilhados no site da instituição, em suas redes sociais e por meio de newsletters.”
Leia em nosso site, a partir da próxima semana, entrevista realizada por Maria Hirszman com os curadores Jacopo Crivelli Visconti e Paulo Miyada.
Em decorrência da pandemia do coronavírus, medidas de prevenção têm sido tomadas em todo o território nacional, como campanhas de higiene, fechamento de estabelecimentos de comércio não essencial, recomendações para evitar grandes aglomerações e, com o decreto de quarentena, o isolamento social.
“Cada pessoa, tomando cuidado com si própria, permitirá que os outros não se infectem”, é o que afirma o professor Paulo Lotufo, do Departamento de Clínica Médica da Faculdade de Medicina da USP, diretor do Centro de Pesquisa Clínica e Epidemiológica da USP.
No meio desse rebuliço, a arte é panaceia e fundamental para manter nossa sanidade. Tendo isso em vista, as seguintes instituições culturais e galerias estão contornando a pandemia de diferentes formas utilizando a interface virtual. Confira:
A Galeria Jaqueline Martins iniciou no dia 22 de abril, o projeto Four Flags 2020 São Paulo. Duas vezes por semana, bandeiras concebidas por artistas convidados serão hasteadas na fachada da galeria paulistana. Todas as bandeiras são produzidas em edição de 4 + 1 P.A e o valor de venda (R$ 800) será integralmente destinado aos artistas participantes. Saiba mais clicando neste link.
Série Homenagem a Dionísio Del Santo por Rick Rodrigues em exposição pela OÁ Solidária
A Galeria OÁ junto com alguns dos artistas que representam reuniram obras para fazer uma campanha solidária. A iniciativa tem como objetivo arrecadar fundos que serão repassados ao SECRI – Serviço de Engajamento Comunitário de São Benedito (Vitória-ES). 100% do valor de venda das obras será destinado à instituição. O SECRI existe há 31 anos e seu trabalho junto às famílias do bairro São Benedito contempla por volta de 270 jovens de 6 a 20 anos em situação de vulnerabilidade social. Para adquirir uma das obras basta entrar em contato através do perfil OÁ Solidária, no Instagram.
A Almeida e Dale Galeria deu início a uma série de lives chamada “Diálogos Instigantes”; de maneira informal, como um bate-papo, a curadora Denise Mattar recebe a cada encontro um amante das artes, não necessariamente críticos, mas também colecionadores, filhos e amigos de artistas. A live gira em torno de um artista já exposto na galeria, não deixando de fora outros artistas e temas relacionados.
Com o projeto Antessala, a Galeria Verve convida seus artistas a propor projetos temporários para ocupar a primeira sala da galeria, no intuito de ativar uma “janela para a cidade” em tempos de quarentena – tendo em vista que a Verve é uma das poucas galerias com uma “vitrine” voltada para a rua. O primeiro artista a participar do projeto Antessala é João GG, com a instalação “Hiperobjeto” que pode ser vista todos os dias, das 17:30 às 23:00.
Regina Silveira, CASCATA, 2020 instalação. Impressão digital sobre vinil adesivo. Foto: Divulgação Paço das Artes
Seguindo a proposta Cultura em Casa, da Secretaria de Cultura e Economia Criativa do Estado de São Paulo, o Paço das Artes lançou a campanha #PaçoEmTodoLugar apresentando uma programação nas redes sociais com conteúdos sobre a história da instituição, ações artísticas, educativas e interativas que envolvem projetos de artistas e exposições que já passaram pelo Paço das Artes.
A história da instituição – com memórias e depoimentos de quem fez parte da construção do Paço – e Limiares, exposição inédita da artista multifacetada Regina Silveira, foram os temas das postagens nas duas primeiras semanas do projeto. Até o dia 26 de abril, a temática é pensada a partir de ISSOÉOSSODISSO, da poeta e artista visual Lenora de Barros. Depois, dando continuidade, seguem as propostas O ciclo da intensidade de Charly Nijensohn (26/04 a 10/05), e Paradoxo(s) da Arte Contemporanêa: diálogos entre os acervos do Paço das Artes e do MAC USP (10/05 a 24/05).
No perfil do MAM no Google Arts & Culture é possível visitar algumas exposições online que foram exibidas no museu ao longo dos anos. Fora isso, com a iniciativa #MAMOnline, o museu tem criado diversas ações para promover conteúdo à distância. Com Histórias do Acervo, a equipe do MAM aborda obras que o museu possui trazendo um pouco da sua trajetória na legenda do registro; em Artista da Semana, a proposta é parecida, mas o foco são os criadores; também têm playlists com o MAM Para Ouvir, e oficinas, contação de histórias e brincadeiras no MAM Educativo, que acontece todas as quartas-feiras. A série Histórias do MAM convida uma pessoa da própria equipe da instituição para escolher e destrinchar uma obra pertencente ao museu ou que fez parte de alguma exposição temporária. No mês de março os trabalhos escolhidos seguem a linha do Mês da Mulher.
A partir do dia 14 de abril, sempre às terças-feiras, às 18h, o museu passou a promover lives em libras no Instagram sobre mediação cultural, educação, culturas e artes surdas na instituição.
Por último, o MAM também dá continuidade aos seus cursos funcionando agora por video conferência. O curso Filosofia e arte contemporânea com a crítica de arte Magnólia Costa teve início no dia dois de abril e segue até nove de julho. A primeira aula, sobre Lucian Freud, foi liberada pelo MAM em seu canal no YouTube, a partir da segunda lição, no dia nove de abril, as aulas são pagas, sendo essa uma das vias do museu conseguir se sustentar durante o período de isolamento.
Apartamentos. Fotografia de German Lorca, 1952. Cortesia do MAM SP
O Inhotim está fisicamente fechado desde 18 de março, por conta disso para os próximos dois meses o museu e jardim botânico amplia suas possibilidade de contato virtual. A instituição disponibilizou uma série de vídeos, talks e exposições virtuais inéditas. Em 22 de abril, o Inhotim inaugura a exposição Visão Geral – com Laura Vinci, Iran do Espírito Santo e Marcius Galan – no Google Arts and Culture, que já conta com outras três mostras on-line. Visão Geral fez parte das exposições do museu em novembro de 2019, sua versão digital é acompanhada de uma visita mediada por Douglas de Freitas, curador-associado do Inhotim, vídeos com artistas e depoimentos de Allan Schwartzman, curador e diretor artístico da instituição. Para as redes sociais do Inhotim, foram criadas as séries Bastidores; Diálogos; e Retratos. A primeira traz ao público os processos artísticos, de montagem e restauro das obras de arte, entre os artistas participantes estão Laura Vinci, Marcius Galan, Sandra Cinto e Robert Irwin. Já Diálogos virá em maio, contando não só com as pessoas ligadas ao mundo das artes como também botânicos. Por fim, Retratos dá largada com Adriana Varejão.
Já eram conhecidos o MASP Aúdios e a parceria do MASP com o Google Arts & Culture, que resultou na exibição online de 1.000 dos 8.000 ítens do acervo permanente do museu. Como forma de contornar o isolamento, a instituição começou o MASP em casa que revisita esse acervo e traz o perfil das obras em postagens nas suas redes sociais. A primeira publicação trouxe a história das quatro estações pintadas por Delacroix e adquiridas pelo museu em 1958.
Continuando a investir em uma empreitada digital, o MASP lança também o [Curadoria] Em Casa e uma série de lives no Instagram. O primeiro convida a equipe curatorial do museu a escrever, a partir de uma perspectiva pessoal, sobre uma obra ou lembrança de alguma forma relacionada ao MASP. O segundo tem início em seis de abril, com a participação do diretor artístico do museu Adriano Pedrosa e a curadora-adjunta de histórias Lilia Schwarcz para falar sobre “histórias” e como elas são traduzidas de forma plural dentro do museu.
Édouard Vuillard, ‘A princesa Bibesco’, circa 1920. Acervo MASP
A Galeria Superfície iniciou em 24 de março o AO VIVO COM, projeto de bate-papos online que serão realizados durante terças e quintas-feiras às 18h00, durante três semanas; ao todo serão seis conversas. A proposta é reunir duas pessoas do mundo da arte para uma conversa descontraída e virtual – cada convidado participará pelo live de seu respectivo Instagram. Os temas são diversos, abordando desde processo criativo aos desafios paras as instituições culturais e, inevitavelmente, curadoria em tempos de coronavírus. Na página do Instagram da galeria já estão disponíveis os participantes e as respectivas datas.
Desde 19 de março, a Galeria Kogan Amaro faz uma série de takeovers com seus artistas: eles tomam o controle de suas redes sociais por alguns dias, divulgando registros de seus trabalhos, detalhes das obras e curiosidades sobre o processo de criação. Antes de entregar o controle aos artistas, a galeria faz a sua introdução. Já fizeram parte da empreitada Élle de Bernardini, Tangerina Bruno e Fernanda Figueiredo.
A partir de 9 de abril, a Galeria Millan começa uma série de lives em seu Instagram. O artista Paulo Pasta é o primeiro convidado, seguido do fotógrafo Bob Wolfenson e Regina Parra.
Em suas redes sociais, a Pinacoteca de São Paulo iniciou o projeto #PinadeCasa, no qual todos os dias pela manhã a instituição publica a foto de uma das obras de seu acervo com uma análise e curiosidades trazidas por um de seus curadores. Algumas revisitações também serão feitas em forma de stories.
Em conjunto, as duas galerias trazem em suas redes sociais uma série de conteúdos – em português e inglês – sob o chapéu Percursos da Arte, para trilhar as trajetórias dos seus artistas dentro da História da Arte, em especial no Brasil, desde o início do século XX. Entre os artistas já evidenciados estão Cícero Dias, Alfredo Volpi e José Pancetti. Os conteúdos também são adaptados para os stories das galerias.
O Instituto liberou acesso ao conteúdo completo da publicação educativa desenvolvida pelo seu Núcleo de Cultura e Participação para a individual de Murakami, cuja exposição física se encerrou há pouco. Nela estão disponíveis tanto os arquivos digitais da publicação quanto narrações em áudio de obras selecionadas. Também foi feito um vídeo em libras para contextualizar a exposição. Ademais, o Tomie Ohtake realizou uma visita virtual guiada por Mariana Palma, cujos trabalhos estariam expostos até o dia 5 de abril. Por último, vale conferir o podcast Amplitudes, que está disponível no site do instituto.
A Galeria Estação já vinha compartilhando em seu Instagram obras da exposição Mulheres na Arte Popular que conta com uma seleção de trabalhos de Conceição dos Bugres, Elza de Oliveira Souza, Izabel Mendes da Cunha, Madalena Santos Reinbolt, Maria Auxiliadora, Mirian Inês da Silva Cerqueira, Noemiza Batista dos Santos e Zica Bérgami. Agora, a galeria disponibiliza o catálogo da exposição na internet. Ele pode ser acessado através do Instagram da Estação.
Sem título, Mirian Inêz da Silva Cerqueira, 1938. Cortesia da Galeria Estação
A exposição Egito Antigo: do Cotidiano à Eternidade foi vista por mais de 1,4 milhão de pessoas no Rio de Janeiro e veio para o CCBB São Paulo há pouco. Ela ficaria exposta até o dia 11 de maio, por conta das recomendações de isolamento o Centro Cultural está fechado, logo resolveram disponibilizar na internet as principais obras presentes na mostra! É com o aplicativo Musea que você pode acessar a exposição que por inteiro conta com 140 peças emprestadas pelo Museu Egípcio de Turim (Itália), casa da segunda maior coleção egiptológica do mundo. Importante destacar que estão disponíveis recursos de audiodescrição, audioguia e Libras; nesse momento é ainda mais necessário falar de acessibilidade digital.
A Galeria Lume lançou um concurso em seu Instagram, o Quarentena com Lume incentiva os seguidores da rede social da galeria a tirar uma foto usando a hashtag #isoladosmasnuncasozinhos e marcar a Lume. São seis semanas do concurso e três etapas, cada uma delas terá um tema e um jurado diferente que era escolher os três melhores participantes. Ao final do período, os participantes selecionados serão premiados com uma obra da galeria e suas obras farão parte de uma exposição no Anexo da Galeria Lume. O regulamento e outros detalhes estão disponíveis no Instagram da galeria.
Nas redes, a galeria está colocando o holofote tanto em artistas quanto em obras, mas as literárias. A Fortes D’Aloia e Gabriel pediu para que artistas como Luiz Zerbini, Leda Catunda e Jac Leirner fizessem recomendações de leitura para a quarentena. Brecht, Haruki Murakami e Anthony Knivet já entraram para a lista.
No site da galeria é possível fazer uma visitação online das duas individuais expostas no momento: Museu de novidades, de Marcelo Tinoco, e Na raiz / Caminho / Pelos laços / Passarinho., de Vitor Mizael.
Em Cartão-postal (1929), de Tarsila do Amaral, já o título indica o quanto a artista estava imersa na cultura visual de sua época. No início do século XX, os cartões-postais eram uma mania, carregando em uma de suas faces, imagens fotográficas as mais variadas e, na outra, mensagens interpessoais. Foi tanta a força do cartão-postal naquela época, que se transformou em um elogio: quando alguém se deparava com uma bela imagem, a maneira de prestar-lhe reverência era compará-la a uma pintura ou a um cartão-postal.
Interessante o quanto a pintura de paisagem e o cartão-postal estão associados, mesmo sendo tão distintos, já que a primeira é única, enquanto o segundo é um múltiplo. O que os une, é que parte das fotos de paisagem impressas em cartões-postais replicam esquemas pictóricos prévios, seguindo as estruturas “clássicas” de composição: primeiro plano escuro – contando com elementos vegetais, animais e/ou humanos, que apresentam a cena principal; plano intermediário – normalmente uma superfície líquida (vazia ou com uma ou outra representação); ao fundo, uma cadeia de montanhas e, mais além, o céu.
Desde os pintores viajantes do século XVII, o litoral do Rio de Janeiro foi representado por gravuras, aquarelas ou pinturas a óleo. A partir da fotografia – e de suas possibilidades de reprodução –, o encanto por aquele local ganhou uma visibilidade maior, percorrendo o mundo por meio do serviço de postagem.
Assim, apesar das diferenças de suporte e de produção, o que teriam em comum essas pinturas e fotografias? Todas retratam trechos “pitorescos” do Rio – sendo “pitoresca” uma tradição das artes visuais, teorizada a partir do século XVIII, significando uma paisagem singular, digna de ser pintada. Porém, tal “singularidade” – notada no exotismo das texturas e das formas representadas – dificilmente foge das estruturas paisagísticas “clássicas”, citadas acima. Em Cartão-postal, a artista atualiza aquela estrutura, vista tanto nos mestres do século XVII em diante, quanto nas fotografias dos cartões-postais do Rio: o primeiro plano ocupado pela vegetação exótica, em que sobressaem, à esquerda, uma planta e, à direita, uma árvore, em que descansam um animal e seu filhote. Ambos observam o espectador, chamando sua atenção para o centro da imagem: uma área azul sublinhando o Pão de Açúcar – uma das referências do Rio; na sequência, uma linha de morros verdes e azuis e, enfim, o céu.
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Com Cartão-postal, Tarsila atualizava, mas mantinha a estrutura pictórica comentada, e a atualização se dava pela síntese das figuras, agregando àquela tradição um esforço de, ao mesmo tempo em que obedece à “verdade” da paisagem, inventa formas que pouco têm de verdadeiras (a vegetação e os animais). Por outro lado, essas formas foram produzidas de maneira a não deixar marcas explícitas da ação da artista sobre a tela. Pelo contrário: houve ali um esforço para banir qualquer índice de manualidade e, portanto, de autoria, como se a pintura à nossa frente fosse, de fato. um cartão-postal.
→ Leia aqui texto de Tadeu Chiarelli sobre os desenhos de Tarsila do Amaral
Esse procedimento assumido por Tarsila logo que chega a Paris, em 1923[1], é devido a seu contato com a pintura de Fernand Léger, que concebia um caráter impessoal para sua produção, para nela emular os produtos da sociedade de massa. Segundo o estudioso norte-americano Kirk Varnedoe, após 1920, Léger:
[…] desenvolveu um realismo geometricamente simplificado, com bordas bem marcadas e essa mudança, com os interesses socialistas que também o motivaram, tornaram o artista atento às formas efetivas dos meios de comunicação de massa. Um anúncio que falasse claramente ao povo parecia ter vindo do povo e era possuidor de uma franqueza que o tornava uma espécie de arte popular. [2]
Embora em 1929 Tarsila seguisse também outros parâmetros, é inegável como ela ainda obedecia aos ensinamentos de Léger, quer nos contornos das formas, quer na impessoalidade procurada, uma referência à cartazística dos anos 1920. No conjunto de pintores protagonistas da cena francesa, Léger era o mais fiel à figuração da realidade moderna, longe do “cubismo integral” e hermético de Gleizes (que Tarsila também contactou) e da poética então oscilante de Picasso (ora cubista, ora “clássico”). Léger era o artista comprometido em transpor para a pintura a modernidade da metrópole, apropriando-se, não apenas da estética do cartaz, como também da estética das vitrines dos magazines parisienses[3]. Outra lição que Tarsila manteve de Léger foi o entendimento da pintura de cavalete como um mecanismo equilibrado entre o real e o “imaginado”:
A obra plástica é o “estado equívoco” desses dois estados, o real e o imaginado. Encontrar o equilíbrio entre esses dois polos, esta é a dificuldade, mas cortar a dificuldade ao meio e considerar só um dos polos, fazer abstração pura ou imitação, é, na verdade, muito fácil, é evitar o problema na sua totalidade.[4]
Tarsila, apesar das outras referências, preservou esse equilíbrio buscado por Léger, constituindo uma iconografia moderna e, ao mesmo tempo, “brasileira”, como desejavam seus amigos modernistas. Mas não foi apenas esse aspecto que ela herdou do pintor francês. Como dito, muitas das estratégias do artista foram utilizadas por Tarsila, que promoveu um esforço de adaptação daqueles procedimentos à realidade da pintura que queria fazer no Brasil[5].
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Fernand Léger, "Composição com quatro chapéus", 1927.
Fernand Léger, "O sifão", 1924.
A adesão de Léger à plástica dos meios de comunicação de massa é um fenômeno visível após o início da década de 1920. Antes, embora já interessado no ambiente das metrópoles, ele mantinha-se fiel a integrar à pintura elementos percebidos nessa nova paisagem, mantendo como protagonista sua subjetividade de espectador. Aquela subjetividade de quem, ainda que assustado, assiste ao turbilhão da metrópole, ao atropelo dos sinais que a regem. Nas pinturas dessa época são nítidas as bordas demarcadas das formas, mas subsiste ainda o interesse em relacioná-las entre si e entre elas e a cidade, da qual são uma representação. Este tipo de agenciamento já não é possível perceber em O sifão (1924), em que são raras as áreas em que se percebe uma relação de continuidade de uma forma quando interceptada por outra. Em Composição com quatro chapéus (1927), ocorre o mesmo: as formas se sobrepõem, sem estabelecer relação espacial, como se integrassem uma colagem, e não uma pintura: uma forma cobre a outra, não havendo interação entre elas, com exceção daquela que parece uma alusão a uma caixa – da qual se vê apenas uma de suas laterais e o topo.
Em Cartão-postal, de Tarsila, também as formas demarcadas se sobrepõem como em uma colagem, dificultando que se fale em planos – primeiro plano, plano intermediário, último plano etc. Nela, as formas estão recortadas e justapostas, quando não “coladas” umas sobre as outras. Essa estratégia, dispensável lembrar, reitera o caráter bidimensional não apenas dessa pintura, mas da maioria daquelas realizadas pela artista nos anos 1920.
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É de 1923 a pintura Rio de Janeiro[6]. A imagem assemelha-se a Cartão-postal, produzida cinco anos depois: a cidade é a mesma, o ponto de vista escolhido do mesmo modo privilegia o Pão de Açúcar. O esquema também é igual: primeiro plano mais escuro, plano central com água e o morro e, ao fundo, montanhas e o céu azul. A diferença está no tratamento. Rio de Janeiro, que poderia chamar-se “cartão-postal”, replica a tradição fotográfica ao repetir a tradição da pintura, e só se difere da obra de 1929 pela maneira como foi pintada: se em Cartão-postal as formas recortadas, justapostas e/ou sobrepostas, enfatizam o caráter planar do suporte, em Rio de Janeiro, o tonalismo que acentua a simulação da profundidade e o uso de pinceladas aparentes – que, por sua vez, registram a “subjetividade” da artista –, demonstram que a produção dessa tela antecede o contato de Tarsila com a obra de Léger, ainda em 1923.
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Segundo Aracy Amaral, 1923 foi um ano agitado para a artista[7]. Chegando em Paris no final de 1922, entre festas, concertos e banquetes, Tarsila passa janeiro e fevereiro entre Portugal e Espanha. Entre julho e final de setembro, ela e Oswald de Andrade viajam pela Itália e, em dezembro, ela retorna ao Brasil. Assim, dos doze meses, Tarsila conseguiu frequentar os ateliês de André Lhote, Léger e o de Albert Gleizes, durante mais ou menos seis meses[8]. A autora afirma que Tarsila teria frequentado o ateliê de Lhote durante três meses[9], portanto, acredita-se que essa experiência ocorreu entre março e maio de 1923, antes da viagem para a Itália, e após ida para Portugal e Espanha. Ainda segundo Amaral, Tarsila vai três vezes ao ateliê de Léger[10] e com Gleizes realiza “dezenas de esboços e exercícios de estrutura do quadro… em menos de um mês e meio…”[11].
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Se para Aracy Amaral, a dimensão teórica dos ensinamentos de Gleizes, seria “a que mais a marcaria no futuro”[12], é supõe-se que Léger e sua produção foram os mais relevantes para Tarsila naquele ano, e aqui surgem as pinturas A negra e Caipirinha, ambas de 1923. Independente de Tarsila ter sido ou não sua aluna[13], interessa é que Lèger, já em 1923, tornou-se um parâmetro para ela.
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Fernand Léger, "A xicara de chá", 1921.
Tarsila do Amaral, "Academia nº 1", 1923.
Brigitte Hedel-Samson, ao demonstrar a importância de Léger para a produção de Tarsila, lembra que ele “pedia a seus alunos que explorassem temas baseados em suas próprias pinturas”, e chama a atenção para duas obras de Tarsila: – Estudo (Academia n.1) – baseado na pintura A xicara de chá, de 1921, de Léger, e O pescador, 1925c., que lembraria, segundo a autora, a série Os almoços, do pintor francês.[14].
Além de Estudo (Academia n.1), seria possível atentar igualmente para outra obra de Tarsila, em que a presença de A xicara de chá se faz notar, Estudo (Academia n.2). É notável a semelhança entre as duas academias e a pintura de Léger: em um fundo geométrico e bidimensional – onde formas reconhecíveis são aplicadas como colagens – também é sobreposta uma sintética figura feminina, que apenas se destaca do fundo pela delimitação do contorno e pela cor que preenche a área que ocupa. No caso da obra do francês, a figura da mulher é fria, metálica; nas pinturas da brasileira, tons amarronzados cobrem as figuras femininas. Dentro do conjunto de suas obras dos anos 1920, A xicara de chá talvez seja um dos melhores exemplos de como Léger estava interessado na estética do cartaz, emulando seu caráter bidimensional, e seu apego a superfícies que remetiam aos produtos industrializados, lisos, impessoais.
Assim, interessam as transformações que Tarsila produziu naquele novo parâmetro que seguiria dali para a frente. Nota-se nas duas pinturas a obediência à bidimensionalidade e à estratégia do procedimento da colagem na organização do espaço. No entanto, se em Léger o uso de cores quentes é parcimonioso – para não quebrar o clima frio do todo –, em Tarsila nota-se o abuso das mesmas, tanto no espaço geometrizado que cria ao lado das figuras, quanto nelas próprias. Nessas últimas, sublinhe-se igualmente o quanto o uso de tons diversificados de marrons serve como alusão a um tipo determinado de figura feminina, uma mulher não europeia, negra.
Não é à toa que uma das pinturas mais emblemáticas produzidas por Tarsila do Amaral naquele ano de 1923, A negra, possa ser examinada tendo como pano de fundo as três pinturas acima comentadas. A negra deve ser entendida como saída diretamente do esforço de Tarsila em apreender a estética legeriana e, ao mesmo tempo, impregná-la de um sabor original, “brasileiro”: a mulher negra – caracterizada não apenas pela cor descritiva do corpo, mas também pelo traços de caricatura do rosto – está como que colada em um fundo geometrizado simulando uma paisagem. Afinal, além da forma que lembra uma folha de bananeira `a direita, a mulher parece sentada em uma praia, com uma faixa de mar também à direita. À sua esquerda, ao “fundo”, referências à terra e ao ar.
Esse esforço de Tarsila em abrasileirar a poética de Léger, trazendo para as suas pinturas a relação direta entre plano pictórico e a lógica da colagem, determinará todo o seu esforço em constituir uma arte moderna, mas com supostos índices de “brasilidade”.
Alguém poderia objetar, argumentando ser impossível essa “influência” de Léger em A Negra pelo fato de que Tarsila, em sua primeira ida ao ateliê do artista, já ter levado consigo a obra para mostrá-la ao artista. Ora, o fato de Tarsila ter frequentado por pouco tempo o ateliê de Léger, não significa que ela só tenha entrado em contato com sua produção após aquela visita. Pelo contrário: com uma visão pragmática sobre quem era quem naquela Paris tão sedutora, Tarsila com certeza procurou Léger (como a Lhote e Gleizes) porque ele era, naquele momento, um dos “ai, Jesus!” da cena parisiense. E mais: já ter conhecido Léger antes da primeira visita ao seu ateliê não significava ter sido a ele apresentada formalmente em algum banquete elegante, mas sim, e sobretudo, ter tido acesso à sua produção mais recente em salons e/ou exposições públicas, tê-la estudado a partir dessas visitas e – por que não? – ter plasmado a fatura pictórica do artista mais experiente às suas expectativas em produzir uma pintura moderna e “brasileira”. Daí Tarsila ter pintado A Negra em Paris e a ter levado consigo em sua primeira visita a Lèger. Daí, a melhor explicação para o fato de Léger ter gostado tanto dessa obra e desejado que seus alunos a admirassem. Afinal, A negra fora produzida à semelhança de suas obras mais atuais![15]
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Tarsila do Amaral, "A Caipirinha", 1923.
Tarsila do Amaral, "A Negra", 1923.
Dentre as estratégias usadas por Tarsila para inserir sua produção no âmbito parisiense, mantendo-a “brasileira”, integra-se também A caipirinha. Espécie de A negra, só que vestida, a figura se encontra em uma paisagem em que são mais evidentes do que na pintura anterior, os elementos do cenário onde ela está situada – pois menos abstraídos –, e também as tonalidades que naturalizam a composição. O lago, as paredes, a vegetação, o céu, assim como a moça que segura a folha, são tratados de maneira descritiva, não deixando dúvidas quanto ao que são. Porém, não menos importantes são seus procedimentos “modernos” e que, caso fossem outros, Caipirinha seria uma pintura naturalista: as formas que preenchem o campo parecem recortadas e justapostas como um trabalho de recorta e cola – o que enfatiza sua condição bidimensional. Tal procedimento, por outro lado, realça um certo humor lúdico, presente na pintura. Refiro-me à maneira como Tarsila trabalha a área centro esquerda da tela. Ao colocar formas retangulares sobre as representações da árvore, da casa e do gramado (formas que representariam janelas e uma cerca), a artista o faz como se as colasse de maneira “errada” (sobretudo o retângulo sobre a casa e a árvore), reforçando o caráter bidimensional do quadro e fazendo pendant com outra forma retangular – essa representando uma porta no canto direito.
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Desse seu período inicial, destacam-se ainda duas obras cujo assunto é a cidade de São Paulo. Refiro-me às pinturas São Paulo e São Paulo (Gazo), ambas de 1924. Como já chamou a atenção de muitos, nelas surpreende a ausência mais emblemática da modernidade: a multidão
A São Paulo de Tarsila é destituída de qualquer referência à figura humana (a não ser que se queira enxergar nas bombas de gasolina presentes nas duas obras alguma referência cifrada a seres humanos). Em São Paulo são observados o mesmo esquema das outras paisagens comentadas: um primeiro plano ocupado por árvore, gramado, chão e as bombas de gasolina; um plano intermediário, em que há um rio a se confundir com uma espécie de estrada, ultrapassados por uma ponte com estrutura de ferro e um fundo em que edifícios, vegetação e estrutura industrial se opõem ao céu azul. Ou seja, uma paisagem ligada às convenções tradicionais, porém concebida dentro do mesmo rigor legeriano que caracterizava suas outras pinturas.
Nota-se também que todas aquelas formas foram recortadas em áreas definidas e sobrepostas para reforçar o caráter bidimensional do suporte, sendo que as únicas exceções residem nas estruturas que sustentam a ponte, na bomba de gasolina e na torre de metal, à esquerda. Apenas essas formas se relacionam com o fundo, pois as demais – a ponte e o vagão entre elas – cortam o campo da pintura, transformando-se em áreas fechadas, sem comunicação.
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Tarsila do Amaral, "São Paulo (Gazo)", 1924.
Tarsila do Amaral, "São Paulo", 1924.
Esse mesmo isolamento de formas caracteriza as justaposições que Tarsila usou em São Paulo (Gazo). Apenas as árvores e a casa (à esquerda), além da estrutura metálica, (à direita), se relacionam com os planos posteriores, replicando, por assim dizer, as letras garrafais da palavra “GAZO” – estranhamente os únicos elementos em que se percebe um titubear “autoral” na condução do pincel. A fumaça que sai da chaminé, ao fundo à esquerda, parece uma tentativa mal sucedida de buscar equilíbrio entre representação e apresentação.
Existe uma idealização de São Paulo nessas pinturas, uma nostalgia do antigo burgo e que, frente aos novos mobiliários urbanos que invadem a placidez anterior, resiste, mesclando-se a eles por meio de uma ordem que a todo tempo busca escapar à contradição, ao tempo e ao caos. Penso como deve ter sido dificultoso para Tarsila traduzir dos ensinamentos de Léger – focados numa produção pautada no imaginário moderno –, para esse entorno específico da cidade que se transforma de maneira implacável e que a artista parece querer desacelerar, parar, transformando a imagem da quase metrópole numa espécie de aldeia, em cartazes que não celebram a modernidade como mercadoria, uma espécie de ode ao tempo que se esvai e precisa ser detido.
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Mais uma modernista que “veio depois”, Tarsila, no processo de deglutição da modernidade de Léger, retira dela qualquer resquício de circunstância, de contingência, de história. E nos devolve uma poética ainda colada ao mito ancestral (a ex escravizada, como “a” negra, ou a “caipirinha” e São Paulo como a aldeia), que resiste ao embate com a realidade. Se suas pinturas trazem índices do aqui e do agora – o cartão-postal, a bomba de gasolina etc. – a eles estão fora do agitado do cotidiano, mais em busca da estabilidade mítica do que das incertezas do devir.
[1] – Sobre a permanência de Tarsila do Amaral em Paris, durante 1923, e seu contato com Fernand Léger, consultar: AMARAL, Aracy. Tarsila sua obra e seu tempo. São Paulo: Ed. Perspectiva/Edusp, 1975.
[2] – “Advertising”, Kirk Varnedoe, In VARNEDOE, Kirk/GOPNIK, Adam. High&Low. Modern Art: modern art and popular culture. New York: Museum of Modern Art, 1991. Pág. 286.
[3] – Para mais detalhes sobre as ideias de Fernand Lèger a partir da década de 20 ler, entre outros, – LÉGER, Fernand. Funções da pintura. São Paulo: Difusão Europeia do Livro, s.d.
[4] – LÉGER, Fernand. Funções da pintura. São Paulo: Difusão Europeia do Livro, s.d. Pág. 47.
[5] – Um exemplo também significativo da “presença” de Léger na pintura de Tarsila, e do esforço dessa em adaptar as posturas do artista à sua prática de pintora, pode ser percebida em AFeira I, 1924, e A Feira II, 1925. Sabemos o quanto encantava a Léger a disposição das mercadorias nas vitrines dos magazines parisienses. O artista chegou a refletir, inclusive, sobre uma “estética” das vitrines –, para ele, índice fundamental da modernidade urbana. Creio que o interesse de Tarsila em chamar a atenção do observador para a ordenação das mercadorias à venda nas suas duas “Feiras”, pode ser creditado a uma tentativa da pintora em adaptar aquele interesse de Léger à suposta realidade brasileira. É claro que, ao optar pelas barracas de frutas das feiras brasileiras, Tarsila deixou de lado a realidade das vitrines dos centros urbanos do país, reforçando um lado idealizado e “primitivo” do Brasil.
[6] Segundo Aracy Amaral (op.cit. p.95, nota 43), a artista teria produzido duas telas em 1923 com o título Rio de Janeiro. A reprodução aqui exibida, pertencente à Coleção da Fundação Cultural Ema Gordon Klabin, SP, antes teria pertencido à Coleção de Lasar Segall, também em São Paulo.
[7] – Sobre o assunto, consultar sobretudo o capítulo seis do livro (p.75 e segs.).
[8] – Levando-se em conta que ela pode ter ido para a Itália em meados de julho e voltado para São Paulo no início de dezembro, a tempo de passar as festas de final de ano junto à família,
[13] – Baseada em cartas e outros documentos da artista, Aracy Amaral, em seu livro, afirma que Tarsila do Amaral teria assistido a três aulas como aluna no ateliê de Fernand Léger, em 1923. No entanto, em depoimento à revista Veja, (ed.181) de 23 de fevereiro de 1972, a artista afirmou que não chegou a ser aluna do artista francês e sim apenas sua amiga e de sua esposa.
[14] – HEDEL-SAMSON, Brigitte. “Fernand Léger e os amigos brasileiros”.IN BARROS, Regina T. de (coord. Editorial). Fernand Léger. Relações e amizades brasileiras. São Paulo: Pinacoteca de São Paulo, 2009. Pág. 13 e segs.
[15] – Em nota de n. 47, a autora escreve: “Tarsila recorda-se de ter Léger em particular gostado de A Negra, mencionando que gostaria que seus alunos viessem a tela. AMARAL, Aracy. (op.cit.) p.97.
Ernesto Neto, "O Espírito dos Olhos Fricabra", 2019. No estande da Fortes D'aloia & Gabriel
Em fevereiro, quando a Art Basel Hong Kong (ABHK) teve que cancelar sua edição 2020, em meio a protestos devido ao surto inicial do novo Coronavírus (Covid-19) na China, foi anunciado que uma plataforma digital seria oferecida aos expositores que planejavam participar da feira. De 20 a 25 de março, a ABHK lançou ao público suas salas de visualização on-line (abertas aos VIPs no dia 18). As salas on-line estiveram acessíveis em artbasel.com/viewingrooms e no aplicativo Art Basel.
Entre as galerias participantes estiveram quatro casas brasileiras, apoiadas pelo Projeto Latitude (Platform for Brazilian Art Galleries Abroad). Foram elas Bergamin & Gomide, Fortes D’Aloia & Gabriel, Mendes Wood DM e Galeria Nara Roesler. Em declaração oficial, a feira afirmou que “com 235 galerias e mais de 2K obras, a nova iniciativa uniu a comunidade de arte durante um período desafiador; colecionadores se juntaram para fazer os tours virtuais e contemplarem as exposições online, inventando novas formas de curtir a feira”. A organização ainda anunciou que esta edição inaugural da Art Basel Viewing Rooms juntou 250 mil visitantes de todo o mundo. Ela funcionará, a partir de agora, como plataforma adicional para apresentar a feira ao mundo todo.
Embora alguns participantes não tenham aderido à iniciativa, a ABHK contou ainda com grande maioria das galerias programadas para participar da feira física, totalizando 231, cerca de 90% delas, incluindo casas de peso como Gagosian, Pace e David Zwirner. Foi calculado que as obras expostas totalizam mais de US$ 250 milhões.
A mudança de formato incentivou as galerias a mostrarem diferentes tipos de obra, melhor encaixados ao espaço virtual e às telas. Um ponto positivo é a possibilidade quase ilimitada de expor trabalhos audiovisuais que no espaço físico – por conta do som – poderiam interferir umas com as outras.
Em um comunicado, Adeline Ooi, diretora da Art Basel no continente asiático, afirmou estar satisfeita com a possibilidade de oferecer uma plataforma alternativa para mostrar as obras que eles estariam trabalhando tanto para trazer a Hong Kong, complementando que: “Embora nada possa substituir a experiência de ver a arte pessoalmente, esperamos que essa iniciativa traga algum apoio e visibilidade a todas as galerias e seus artistas afetados pelo cancelamento do show de março”.
Still da gravação da performance If I had the words to tell you we wouldn’t be here now, realizada por Victoria Sin na Galeria Chi-Wen. Foto: Divulgação
Com Just Kids!, a Galeria Chi-wen, de Taipei, mostrou uma seleção de obras de jovens fotógrafos de Taiwan, exibindo menos fotografias que o esperado, optando por publicar fotolivros e apresentar o trabalho completo no próximo ano. Também pela Galeria Chi-wen, foi apresentada a obra If I had the words to tell you we wouldn’t be here now(2019), uma performance ao vivo por Victoria Sin e documentada em vídeo.
Life Shines On, de Yayoi Kusama. Foto: Divulgação
Outros destaques foram Life Shines On (2019), de Yayoi Kusama, trazida pela Ota Fine Arts com imagens internas e externas da obra e uma descrição feita pela própria Kusama para fornecer uma compreensão mais extensa deste trabalho. Além desses 3 projetos, a Galeria Jessica Silverman, de São Francisco, apresentou uma individual de Woody de Othello, e a Fergus McCaffrey, de Nova Iorque, trouxe uma coletiva focada na relação entre Japão e EUA no pós-guerra através dos trabalhos de Jasper Johns, Miyako Ishiuchi, Natsuyuki Nakanishi, Ed Ruscha, Robert Rauschenberg e Toshio Yoshida, entre outros.
Por fim, My Room is Another Fishbowl (2016) – na foto em destaque – também ganhou os holofotes. A instalação de Philippe Parreno, concebida pelo Tate Modern para o seu Turbine Hall, é composta por 90 balões em filme mylar serigrafados para parecerem peixes reais.
Held on October 21, in São Paulo, the seminar Cultural Management: Contemporary Challenges discussed essential management issues in the present times, in a context of political and economic crises in the country. Divided into two tables, the event was presented and hosted by the editorial director of ARTE!Brasileiros, Patricia Rousseaux, who highlighted in her opening speech some of the themes that guided the debate.
“Theoretical, legal, economic and political issues have always been part of academic programs and debates. However, the precariousness of state investments, the acceleration of sociocultural changes, the discussion of environmental and migratory issues, the rise of the debate on our colonial history, gender issues and movements of censorship towards freedom of expression have made culture an almost primordial stage of demonstrations,” said Rousseaux. “This situation presents real challenges for managers and different agents of culture and contemporary art. It requires extraordinary flexibility, a broad, democratic and ethical vision capable of understanding the demands of debate in public and private institutions”, he added.
The first table, which was also attended by Fabio Szwarcwald, CEO of EAV Parque Lage, and Jochen Volz, director of Pinacoteca de São Paulo, began with the speech of Eduardo Saron, director of Itaú Cultural. “At such a destabilized moment of our national policy, such a conservative moment – not to use a harsher word – I tend not to want to debate where the mistake lies over there, but to think about what has allowed us to reach this moment.We stopped doing something so that society would see us in a not so meritorious way”, said Saron.
According to him, while society questions the need for public investment in culture and the government tries to criminalize artists, “the world of culture rarely crosses the street to empathize with the other field.” From this diagnosis, Saron proposed an analysis of what has happened in Brazil over the past 20 years, a period largely characterized by economic growth centered on the commodity boom and the strengthening of state-owned companies as sponsors of culture.
“And a policy that focused on the democratization of access predominated. That was the key idea when Lula takes over, for example”.From this point of view, “turning the turnstile” has become a major indicator of cultural relevance, with many projects based on what Saron called spectacularization. It was also the period of construction of many new cultural buildings, to the detriment of carelessness with historic buildings and existing spaces.
The democratization discourse eventually legitimized culture as an “instrument and mechanism”, not as an end in itself. “And we didn’t know how to make the leap about the true role of the arts in transforming society.” For Saron, culture itself must be located as a field of transformation, and for that democratization is not enough. Enter the word “participation”, which by proposing “a field where we bring the individual to act, we stop putting ourselves as an instrument and broaden our understanding of the role of culture in the construction of humanistic thinking, from the perspective of democracy. cultural”.
“Then the referential becomes the enjoyment – the pleasure of the other in contact with art -, the fomentation – a policy for the arts in the country – and the formation – which is the core of our role as transformers of a society. Thus, art and culture can address many of society’s problems, such as education and public safety, with greater power and speed than other public policies, including lower costs, he concluded.
After Saron’s speech, Fabio Szwarcwald told a little about his work at the Parque Lage School of Visual Arts in Rio de Janeiro, where he has been since 2017. The economist and collector, who worked in banks for 22 years, took over the EAV board after a few years on its board, and in a period of deep crisis in the institution with the withdrawal of financial transfers from the state.
“EAV was founded during the Military Dictatorship, so it already has this DNA of a place of resistance, of struggle. It was created by Rubens Gerchman as a counterpoint to the existing academic schools. So we are a free school from the beginning and we understand that to be free the school must be able to afford itself, pay its own bills”, he said. “So all my work was to rescue this autonomy, this freedom of action so important these days.”
According to the economist, EAV focused on a rapprochement with the public, in addition to reinforcing the role of the association of friends responsible for the school’s financial administration. “And the idea was to open the school as much as possible because, as Saron said, many times we who work with art speak only to ourselves. And we had to open to the periphery. I mean, open to society because it will give us the strength of resistance, maintenance and even financial support”.
Through sponsorships; charity nights; the insertion of EAV in the ArtRio and SP-Arte fairs, with works provided by several artists; of an unprecedented partnership with Candido Mendes University, bringing the paid curator course; and the creation of two stores, EAV was able to rebuild itself. This year, the institution also approved an annual plan of R $ 8 million in the Culture Incentive Law. “This was all very important to redeem the free training program that is fundamental to our students’ development. And we increasingly want to bring these students who would not be able to afford a course”.
By accepting the Queermuseu exhibition – which ended after a defamatory campaign at Santander Cultural in Porto Alegre and censored by Marcelo Crivella in MAR – Parque Lage organized a crowdfunding campaign that raised over R $ 1 million to set up the show. “This also revealed the society’s revolt to see, in 2017, an exhibition with 250 artists being censored in Brazil,” said Szwarcwald.
The director also spoke about the training program for public school teachers, about Parquinho Lage, with classes for children, and the extramural partnerships, with classes in peripheral areas of Rio. “We started 2017 with 600 students and this year we have more than 6,000, 90% of which is free of charge”, he summarized of the EAV figures. “People were very homesick for the school in the 1980s, because of her role in the past, and now we have been seen, frequented, as a result of working to face the challenges, know the difficulties and set new goals,” he concluded. .
Finally, the curator and director of the Pinacoteca de São Paulo, Jochen Volz, began his presentation by quoting a curious fact for the present times, which shows that in the first six months of 2019, 30 Brazilian museums had a 30% increase in audience. “This is extremely interesting because it goes against what we might expect at this time of crisis. So for me, in a museum like Pinacoteca, we have to try to understand what kind of situation we are living in and how to react to it”.
According to him, in times of radicalization, in which everything is polar and dual, one can also perceive “something that is the opposite of this, something that William Wisnik described very beautifully in the book Inside the Fog. Which is that big fog where we realize that everything we knew might not be enough anymore”, said Volz. “And we are at the moment when the narratives we thought were linear are not enough, because there are many stories, not just one.”
For the curator, the current challenge goes beyond finance and management issues, and focuses especially on the relationship with the public. “It is the public who will protect us.” Based on these findings, Volz spoke about a specific exhibition presented this year at Pinacoteca, entitled Somos Muit + s: Experiments on collectivity, which started with the question of how to create ways to reflect with the public. – “even with those across the street who have turned their backs on culture.” “Because we believe that the place of art is to generate imagination about other ways of living together, other ways of imagining a democratic coexistence.”
The exhibition came from the work and thought of two key historical figures to think about participation in art: Joseph Beuys and Helio Oiticica. “Beyus already said in the 1970s that art is not a medium for something, it is the place of imagination. It has an economic value not for what it yields, but because creativity has an economic value in itself”, said the curator, stressing that the construction of a cultural life must go through a collective process of participation.
From the works of the two historical artists, the show brought together other contemporary works, including the one by Rirkrit Tiravanija – Untitled 2019 (demo station n.7) -, which occupied the Pinacoteca octagon with “an open stage, too high, dysfunctional , which from below you can not see anything. But for those on top, the view is wonderful”, commented Volz. “So there’s a role reversal, it’s a work that talks a lot more about power, about the relationships between ‘us together’.”
To perform on this stage, Pinacoteca drew artists and collectives such as Legitimate Defense, the Casa do Povo choir and JAMAC, among many others. “We had a total of 90 performances, with almost a thousand people actively participating. And it is not numbers that I am dealing with, but a proposal to think about who has the space to speak in this institution. The idea of thinking about who has the power, breaking the privileges, thinking about which voices need to conquer these spaces, Volz continued.
This means, he said, that institutions like Pinacoteca need to put themselves in this position of listening, listening, celebrating diversity and “understanding that perhaps our privilege is to be able to offer an open stage.” “If we cannot create this identification, how, if political or censorship situations tighten even further, will we believe that we will be defended by people, including those who are not usually interested in culture?” Concluded the curator.
Artists benefited by good management
Following the debate with the institution managers, the second table of the seminar brought together two artists, Gabriela Noujaim and Jonathas de Andrade, and two specialists in cultural management and creative solutions, Ana Carla Fonseca and Katia Araújo by Marco Scorzelli. First to speak, Noujaim, who has a degree in printmaking from the UFRJ School of Fine Arts, told about the importance of the free courses she took over the years at EAV Parque Lage, with teachers such as Dionísio del Santo, Evany Cardoso, Anna Bella Geiger. and Fernando Cocchiarale. “They were fundamental to my education as an artist. And if they weren’t free, I wouldn’t have been able to do it”, she said.
In addition to presenting her work, which deals with body, memory and ancestry and raises political questions about indigenous and environmental causes, Noujaim entered the theme of cultural management by talking about her ten-year experience with projects sponsored by Banco do Nordeste Cultural Center. Through the institution, the artist has done more than a dozen projects in the region. “It was fundamental to know the interior of the country and our culture”.
“These cultural centers, directly linked to the federal government, also support some points of culture in smaller cities. And currently they are facing many difficulties, they are at risk”, she said. “And I consider the permanence of these centers to be fundamental, because in these cities they are the only existing cultural movement that provides access to theater, cinema, contemporary art and free art workshops.”
The second to speak was the artist from Alagoas Jonathas de Andrade, who stressed the importance of scholarships, incentives and residences in his career. “I am quite clear that if I were starting at this current juncture, I would have much more difficulty developing myself as an artist”, he said, referring to what he called a “scrapping and cultural dismantling process that we live in Brazil today”.
Jonathas, who attended the 7th Mercosur Biennial, the 32nd São Paulo Biennial and resided in several countries, told about his career in the arts that began at the end of the Social Communication course at UFPE. His first exhibition of photographs, set up at the Joaquim Nabuco Foundation after a selection process for young artists, also resulted in a publication funded by Funcultura. “At that time, when I was trying to understand myself as an artist, all the incentives, scholarships and public possibilities were fundamental in the unfolding of things.”
Jonathas’ first show in São Paulo, in turn, took place at Itaú Cultural itself, and over the years the artist had the support of Banco Real, Funarte and biennials, among others. “And that makes me think that it is urgent that both institutions and companies that can afford to develop arts programs.” “At this critical moment we have ecological disasters, genocides and a number of very pressing issues. But to think of culture as an articulator of all this, to really give this country a breath, I think that supporting the arts is also urgent, because we are dealing with memories that persist”, he concluded.
Management Cases
The following presentation was by Ana Carla Fonseca, master of business administration and doctorate in urbanism from USP, adviser to the UN and the IDB on creative economy and cities. She spoke especially about her work with Garimpo de Soluções, a company that runs alongside Alejandro Castañé, focused on the creative economy, business solutions and city development.
Fonseca presented five examples of projects developed or monitored by the company, among them the competition held to select innovative visual identities for sardines in Lisbon. The process, which exemplifies how it is possible to work with the traditions and intangible heritage of a place in an original way, has in many ways reflected in the local economy. A former ceramics company, for example, started to produce stamped tableware with the illustrations selected in the competition, creating a new and profitable market segment.
Fonseca also spoke about the work of the Cuban company Habaguanex, which for over 20 years helped revitalize buildings in the historic Habana Vieja region through a careful project of heritage management; from a pizzeria in Mexico that created a hybrid business model, where every five pieces of pizza sold the company targets one for homeless people with drug problems; and from a Chilean company that, working simultaneously with ancestry and technology, created speakers made of clay structure using traditional techniques.
Last participant to speak, Katia de Marco briefly presented the work of the Brazilian Association of Cultural Management (ABGC) – which in addition to the focus on teaching assumes a role of militancy in cultural causes – of which she is founder and president, and raised questions about the contemporary challenges. Katia, who is also coordinator of the postgraduate studies in cultural and social studies at Candido Mendes University and director of the Antonio Parreiras Museum (Niterói), highlighted the striking differences between the first two decades of the 21st century regarding the cultural field in Brazil.
“We started the century in a very promising way, with high hopes, having this binomial culture and development in a very open and very free way”, she said. “Culture emerged at this time in its larger dimension, interacting with various layers of knowledge, instrumental life, exchanges with the economy, as a support for development policies, as a communication channel between various fields.”
In Brazil, according to her, this was reflected in the work of the Ministry of Culture, based on a humanistic and social vision. From there she drew an overview of some ideas, concepts and events that illustrated this period, in a context of bankruptcy of the neoliberal model in the late 20th century. With the holding of several meetings and the implementation of international agreements, concepts emerged that pass through ideas of sustainability, technology, management, citizenship, well-being and inclusion. In this transition also appears a need for action and empowerment of civil society, as explained the president of ABGC. “This is before the humanistic blackout we are experiencing in this second decade”, she said.
Considering the social, environmental, and political issues that spanned these two decades of the 21st century and ended in the current obscure picture, phenomena such as resource scarcity, chaotic city growth, terrorism, migratory flows, and the rise of the far right arise. “And in this scenario, to think about the future of the planet you need to create outputs, alternatives, new institutions, new business models and concepts,” said the professor. The answers often come from artists, “if we think that art is like a radar that foresees and at the same time reflects its tim”.
“One thing that seemed unthinkable, and one we’re living in, is this authoritarianism that appeals to censorship in art. And this is impacting the cultural environment so much because in Brazil about 70% of cultural facilities are tied to public management, governments. And then we think that maybe it is time to disengage a little from the state, create mechanisms of autonomy in the artistic institutions”, defended Katia. Solutions such as equity funds emerge, for example, among other alternatives to “this moment when we no longer have that atmosphere of the first decade of this century, of culture being expressed in inclusive cultural and socialization policies,” she concluded.