É tudo muito irônico e lúdico, mas sério. Alexandre da Cunha só promove a mudança de status de um objeto qualquer para discutir a condição humana e seus desdobramentos. Vale lembrar que o mundano e o popular sempre estiveram na raiz da obra desse artista carioca, que passou por São Paulo e saiu da Fundação Armando Alvares Penteado para estudar na Royal College of Art, em Londres, onde se radicou. E é exatamente assim, na base da apropriação de objetos do cotidiano (re)destinados, a exposição Fair Trade, que está em cartaz na Galeria Luisa Strina, de São Paulo: são muitas as questões que o artista debate com uma “simples” série de bordados feitos pela própria galerista durante um bom par de anos.
Primeiro, a expressão que dá título à mostra significa “comércio justo”. Ela vem cunhada em selos de países desenvolvidos para designar produtos adquiridos de países emergentes a preços sustentáveis, e tentar corrigir a recorrente exploração do comércio internacional. A reflexão está lançada. Se não bastasse, ao convocar a colaboração de uma empreendedora, ele também teve o intuito de gerar certa confusão entre os vários papéis ao fundir dois mundos que, em princípio, não se mesclam: o da vida de trabalhos manuais descompromissados e o da mulher inserida profissionalmente num mercado global. Há, ainda, outro aspecto: aquele que incorpora e reflete sobre o feminino no fazer artístico, fazendo referências a figuras como Mira Schendel, Eva Hesse e Louise Bourgeois, com seus trabalhos de tecido. Em contraposição, mas dentro do espírito artesanal, na mesma mostra estão esculturas de concreto, que são feitas de peças industriais, porém dispostas manualmente, umas sobre as outras, no chão, na forma de estruturas rígidas, em contraste com a maciez de outras matérias envolvidas na obra.
Na verdade, Alexandre da Cunha já usou de tudo em suas obras. Não faz muito tempo, empregou manilhas de concreto para se referir ao universo dos monumentos; a panos de prato, agregou logotipos de marcas famosas para brincar com a ideia de público e privado. Enfim, os objetos que emprega são remanejados em sua destinação original para levantar as questões que lhe interessam. Essas experimentações criativas já são conhecidas no mundo todo – de Londres, onde mora, a Alemanha, e também Veneza, onde ele participou da 50ª Bienal.
* Ana Cândida Vespucci é jornalista de cultura e assistente de redação da revista Nossa América, do Memorial da América Latina
Desenhos das animações da performance Delusion Drawing from animation in Delusion performance, 2010. Foto: Divulgação
Ao encontrar o artista Guto Lacaz na exposição I in U – Eu em Tu, de Laurie Anderson, no Centro Cultural Banco do Brasil (CCBB), em São Paulo, ele me contou – em frente à obra O Arco de Neon, que olhávamos para seu primeiro contato com Laurie – que no disco Big Science a contracapa do LP trazia a autora tocando um violino com o referido arco. Os trabalhos da norte-americana, no início dos anos 1980, foram embriões da arte experimental, ao mesclar o corpo, a tecnologia e a música, colocando-os em contato com elementos do cotidiano. Permaneceram também suas reflexões sobre a tecnologia – transformando, por exemplo, um aspirador de pó em arma.
A exposição fez um apanhado da produção de Laurie. Há desde ótimos vídeos de suas performances até uma grande mesa de madeira, no centro da cúpula do CCBB, em que, colocando um punho na superfície e a outra mão no ouvido, o som reverbera pelos ossos do visitante, e estórias são transmitidas, tendo o próprio corpo como meio da mensagem. Essa obra foi feita, segundo Laurie, para se contrapor ao barulhento ambiente do entorno do museu.
Marcello Dantas assinou a curadoria da exposição, dando continuidade ao seu incansável trabalho de expansão da arte para toda a população. Responsável também pela direção artística do Museu da Língua Portuguesa, o mais visitado do Brasil, Dantas começou sua carreira como videomaker para em seguida expandir sua atuação a todas as etapas do processo artístico. “Em meu grupo, o Coletivo BijaRi, levo a arte para as ruas, afasto-a do elemento comum museu.” Dantas, porém, subverte esse espaço museu, sua linearidade, para fundir elementos da cultura pop com o erudito e torná-lo um lugar mais atraente. Usa as técnicas do espetáculo sem com isso ser espetacular. Consegue com a marca muitas vezes desagregadora de nosso tempo, a tecnologia, inverter sua lógica e aproximar a criação do cotidiano das pessoas.
A crítica comum ao trabalho de Dantas é a superficialização, causada pelo impacto das tecnologias, que deixa de lado a reflexão. Seria o que o teórico Marshall McLuhan chamaria de um “meio quente” – alta concentração de informações e vivências sensoriais, que causariam grande impacto, mas pouca interação com a obra. Dantas consegue esfriar, com os elementos tranquilizadores da arte, esse calor da tecnologia. Ele esquenta, requenta, remexe e consegue ao final o sabor da comida caseira preparada em antigas panelas de barro, mas com temperos frescos. Todos se deliciam e tentam adivinhar cada ingrediente que compôs o prato.
O trabalho de curadoria e produção artística pode muitas vezes deixar esquecido o Marcello criador. Mas ele é um educador artístico, faz o diálogo da arte com o dia a dia, e a torna acessível a todos. Hoje as pessoas discutem o direito, as decisões do Superior Tribunal Federal (STF) são debatidas e caiu o velho chavão de que as leis devem apenas ser analisadas por juízes, advogados e “doutores”. Esse movimento está acontecendo também na arte, tornando-a tão presente quanto a média com pão na chapa na padaria.
Projeção com a imagem de Tereza de Benguela na Igreja do Rosário dos Homens Pretos da Penha, no Dia Internacional da Mulher Negra Latino Americana e Caribenha. Foto: Helio Menezes.
Entre os dias 24 de julho e 24 de agosto, a Secretaria Municipal de Cultura de São Paulo (SMC), em parceria com a Secretaria Municipal de Direitos Humanos e Cidadania, e a Coordenadoria de Promoção da Igualdade Racial, lança o Vozes Contra o Racismo. O projeto tem curadoria feita por Amarilis Costa, Helio Menezes, Ligia Rocha e Thamires Cordeiro, e conta com uma série de intervenções artísticas – de grafitti e lambes a projeções e até um webnário – visando valorizar o trabalho de artistas negros e indígenas.
O projeto surgiu a partir da inquietação desses quatro curadores que o apresentaram à SMC. A Secretaria abraçou a iniciativa e – em articulação com as outras entidades – foi dando corpo à ideia. Vozes saiu do papel no intervalo de um mês desde seu pleito. “O fato de estarmos em grande maioria trabalhando remotamente tem suas limitações, mas também tem suas potencialidades, e uma delas é de acelerar esse tempo, dos processos de conversa com os artistas, de elaboração dos projetos, de mapeamento dos locais, das visitas técnicas”, conta o curador Helio Menezes.
A princípio, o que seria uma mostra espalhada pela cidade também ganhou a dimensão de um seminário online, o Diálogos Cultura Presente, que pode ampliar os temas tratados pela exposição trazendo intelectuais, artistas, pensadores, ativistas. A série de debates acontece ao vivo, com finalização no dia 31 de julho, para quem não conseguir assistir na hora, as conversas serão disponibilizadas no canal do YouTube da SMC.
Programação
Vozes Contra o Racismo começa com uma projeção de Denilson Baniwa (capa da edição #50 da arte!brasileiros) que traz um trabalho inédito chamado Brasil Terra Indígena. A obra será realizada durante uma semana (até 30 de julho), à noite, no Monumento às Bandeiras com as luzes apagadas, justamente para dar espaço à projeção realizada pelo Coletivo Coletores.
O vídeo começa com uma caravela portuguesa que é naufragada pela ação dos ventos, da chuva, do fogo, do mar e por isso nunca chega ao porto. A partir desse afundamento surgem bichos, plantas, seres espirituais da cosmologia Baniwa pintados com neon em meio a frases como “Brasil Terra Indígena” e “SP Terra Indígena”. “O artista vai como que re-demarcando, nos relembrando que o local onde aquele monumento do Brecheret está instalado, a cidade de São Paulo e o Brasil são terra indígena. Muda bastante a paisagem que nós estamos acostumados, e nos convida a refletir: o que seria se imaginássemos a cidade de São Paulo sem aquele monumento?”, pondera Menezes.
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Projeção de Brasil Terra Indígena no Monumento às Bandeiras. Foto: Divulgação.
Projeção de "Brasil Terra Indígena", de Denilson Baniwa, no Monumento às Bandeiras. Foto: Francio de Holanda.
Projeção de Brasil Terra Indígena no Monumento às Bandeiras. Foto: Divulgação.
Projeção de Brasil Terra Indígena no Monumento às Bandeiras. Foto: Divulgação.
A equipe do Coletivo Coletores junto dos curadores Helio Menezes e Ligia Rocha.
Não só essa, mas as outras projeções da ação ficam a cargo do Coletores. O coletivo foi formado em 2008 na periferia da Zona Leste da cidade de São Paulo pelos artistas Toni William e Flávio Camargo. Sua produção é realizada “em trânsito”, passando por espaços públicos que vão de áreas em comunidades, ocupações, escolas, universidades, assim como, espaços institucionais voltados para arte e cultura. Suas ações pensam a cidade, as pessoas e as relações entre arte, urbe, tecnologia e o público. A proposta do coletivo é trabalhar a cidade como meio e suporte para suas ações, o que vai ao encontro do que os curadores do Vozes tinham em mente.
Uma intervenção não anunciada
“Os formatos com os quais estamos trabalhando, o grafitti, a videoprojeção, videomapping e os lambes, tem uma dimensão bastante pública, eles se realizam fora dos espaços museais previstos, fora das galerias especializadas, e com isso tem um potencial muito grande de atingir novos públicos” comenta Menezes, somando à proposta de descentralização do Coletores. O curador aponta ainda que esses formatos permitem que tais trabalhos sejam vistos com outros olhares e outras posturas. “Muitas vezes é o tempo da passagem, o tempo que você está no carro, no transporte público, um caminho diário para casa, que você vê a obra de arte e ela talvez te convide a retornar àquela rua”, ele complementa.
O aspecto transitorial e disperso da exposição não foi ao acaso. Para a equipe por trás do Vozes Contra o Racismo um ponto de grande importância era fazer uma mostra que não gerasse aglomerações, uma “intervenção não anunciada” que tivesse o cuidado de não convidar as pessoas a estar fisicamente presente em grupos para vê-la. Menezes nota que esses suportes permitem que as obras sejam vistas à distância, de passagem, e com isso torna-se possível tomar o cuidado devido para por em prática um processo curatorial expositivo em tempos de pandemia.
Para ouvir mais alto
Embora Vozes tenha objetivo de ser uma grande ação cultural de sensibilização e combate ao racismo, isso não significa que os trabalhos apresentados devam ser explicitamente políticos
“Eu penso que a arte tem vários papéis e pode exercer várias funções, a partir dos caminhos e pesquisas que os artistas elaboram e materializam em seus trabalhos, uma dessas possibilidades é de uma arte mais deliberadamente politizada que conclame, que convide à reflexão, à mudança de postura. Embora a produção artística de autoria negra e/ou indígena não necessariamente versem sempre sobre temas mais evidentemente políticos.”, explica Menezes
Na mostra, o debate também é criado através do trabalho artístico que utiliza-se de uma poética voltada aos afetos, voltada à normalização da vida negra representada fora da esfera de violência, de hiperssexualizacao ou de traumas e reencenações da escravidão. “Combater o racismo também é disputar um outro imaginário visual da representação de corpos negros, oferecer um outro repertório visual, histórico e político sobre as vidas das pessoas negras”.
"Monalisa Indígena", de Denilson Baniwa, último vencedor do Prêmio PIPA Online. Foto: Divulgação.
O Prêmio PIPA Online deu início à sua primeira fase de votações no último domingo, 26 de julho. O PIPA Online é a categoria do prêmio que acontece inteiramente na internet, e a única na qual todos os artistas da edição vigente podem participar. Este ano, 56 dos 67 artistas fazem parte da votação. O PIPA Online acontece em dois turnos: o primeiro acontece até 2 de agosto. Os artistas que conquistarem mais de 500 votos nessa primeira etapa serão classificados para a próxima e última, que vai de 16 de agosto a 23 de agosto – os votos são zerados na transição dos turnos. O vencedor receberá R$ 15.000,00 e deverá doar uma obra para o Instituto PIPA, a ser escolhida entre o artista e a coordenação do instituto. No ano passado, Denilson Baniwa (capa da edição #50 de arte!brasileiros) foi o vencedor do PIPA Online. Saiba como votar neste link.
Confira o cronograma do PIPA Online abaixo:
26 de julho – Início do 1º turno do PIPA Online
2 de agosto – Término do 1º turno do PIPA Online
16 de agosto – Início do 2º turno do PIPA Online
23 de agosto – Término do 2º turno do PIPA Online
24 de agosto – Anúncio do vencedor do PIPA Online
Prêmio principal
Já para o prêmio principal do instituto, foram divulgados os quatro finalistas: Gê Viana; Maxwell Alexandre; Randolpho Lamonier; e Renata Felinto. Para esta modalidade, os finalistas recebem cada um R$ 30 mil reais e também doam uma obra para o Instituto PIPA, na sequência, o grande vencedor recebe mais R$ 30 mil para o desenvolvimento de um projeto.
O processo de escolha dos indicados e vencedores passa por diferentes etapas e júris: o Conselho – com os representantes do prêmio Roberto Vinhaes (sócio fundador do Instituto PIPA) Lucrécia Vinhaes (coordenadora do Instituto PIPA) e Luiz Camillo Osorio (diretor do Departamento de Filosofia da PUC-Rio e curador do Instituto PIPA). Os convidados Kiki Mazzucchelli (curadora independente), Marcelo Mattos Araújo (Presidente Japan House, São Paulo), Moacir dos Anjos (coordenador de Artes Plásticas da Fundação Joaquim Nabuco), Luís Antônio Almeida Braga (colecionador) e Tadeu Chiarelli (Diretor da Pinacoteca do Estado de São Paulo de 2015 a 2017 e professor do curso de Artes Visuais da USP). O Comitê de indicação, com 30 críticos, artistas e curadores, e o Júri de Premiação, ainda não divulgado.
Por enquanto o andamento desta categoria do prêmio está sendo estudado, já que as datas anteriores do cronograma tiveram que ser alteradas em virtude da pandemia do Covid-19; por enquanto, as novas datas ainda não foram definidas. Entre as atividades suspensas pela pandemia está a abertura da Exposição do PIPA 2020 no Paço Imperial, no Rio de Janeiro, que faz parte do processo de escolha do vencedor.
O prêmio tem como missão, segundo sua página oficial: “Divulgar a arte e artistas brasileiros; estimular a produção nacional de arte contemporânea, motivando e apoiando novos artistas brasileiros (não necessariamente jovens); além de servir como uma alternativa de modelo para o terceiro setor”. De 2010 para cá os vencedores foram, respectivamente, Renata Lucas, Tatiana Blass, Marcius Galan, Cadu, Alice Miceli, Virginia de Medeiros, Paulo Nazareth, Bárbara Wagner, Arjan Martins e Guerreiro do Divino Amor.
Registro do processo do artista Alfredo Nicolaiewsky.
“A Arte verdadeira tem a capacidade de nos deixar nervosos”, Susan Sontag.
A frase que serve de epígrafe para este texto foi retirada do ensaio Contra a interpretação, publicado no livro homônimo da pensadora norte-americana Susan Sontag. Desde que, em meados dos anos 1980, a li pela primeira vez, dela me apropriei porque traduzia bem uma sensação que já havia vivenciado algumas vezes e que, no futuro, voltaria a experimentar.
Em certa medida, para a autora e para mim não interessa – pelo menos não em um primeiro momento – o que a obra de arte de verdade “quer dizer”; não interessa o que ela “significa”; não interessa seu “conteúdo”. O que na verdade importa é como ela é capaz de mexer com nossa consciência e nossas sensações, transformando a mente em nosso sexto sentido. Quando isso ocorre, também não interessa quem é ou quem foi o artista, onde nasceu, onde viveu, seu “contexto” etc.
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A primeira obra que me deixou nervoso desse jeito foi uma pintura de Leonello Berti, um artista italiano que morou em Ribeirão Preto, onde nasci. Eu era um adolescente e fui visitar uma exposição de artistas da cidade, antes que ela fosse enviada para exibição na Europa. Não me recordo qual o título da pintura e muito menos onde ela foi parar [1]. Sei apenas que, frente a ela, tive a certeza de que via uma obra de arte verdadeira. Pelos eriçados, uma extrema excitação e a mais absoluta certeza de que tinha valido a pena ter vivido a vida toda só para estar ali, a contemplá-la.
Sem título, Leonello Berti. Acervo do Museu de Arte de Ribeirão Preto.
Depois de alguns anos, em 1977, já em São Paulo e estudante de artes na ECA USP, fui até a antiga Galeria Arte Global visitar uma instalação de Julio Plaza, As Meninas (ou Os Meninos): no meio da instalação me vi atingido por uma espécie de raio. Assustado no meio daquela instalação tão simples e, ao mesmo tempo, tão poderosa, repentinamente me dei conta de todo meu corpo e, sem saber direito o que fazer, sai apressado da sala, da galeria, e só fui parar para pensar o que tinha ocorrido quando já estava do outro lado da rua (a galeria ficava na Alameda Santos). Lembro que, na sequência, respirei fundo e voltei para a galeria. A partir daquela experiência, a arte nunca mais foi a mesma para mim, e eu nunca mais fui o mesmo para a arte [2].
“As Meninas”, 1977. Arquivo Inês Raphaelian.
Anos depois, em 1988, num final de tarde, passando pela rua Estados Unidos, entrei na Galeria São Paulo. Ao me aproximar de uma das pinturas penduradas na parede, percebi que a tela prosseguia como desenho na parede! O que era aquilo, meu Deus do céu? Então eu tinha vivido também todos aqueles anos para me deparar com aquela espécie de revelação que me transformava à medida que observava cada uma das obras ali expostas? (na verdade a mostra era uma grande instalação).
Quando consegui me recuperar, resolvi que tinha que saber a autoria daquelas peças. Finalmente alguém da Galeria apareceu e me disse que aqueles trabalhos eram de Carmela Gross. A artista abriria a mostra dali a alguns dias e só faltavam as etiquetas para terminarem a montagem.
Sem título, 1987. Carmela Gross.
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(Não creio que um fato que me ocorre agora tenha influenciado essas três experiências tão poderosas: embora tenha sido aluno apenas de Carmela Gross no Departamento de Artes Plásticas da ECA USP, Julio Plaza e Leonello Berti também tiveram alguma ligação com a minha formação: Julio, na época, ensinava no mesmo Departamento em que eu era aluno e Berti tinha sido professor da Escola de Artes Plásticas de Ribeirão Preto, quando fui aluno do curso infantil daquela Escola.
Por outro lado, e para aplacar qualquer possibilidade de endogenia, se essas foram minhas primeiras três experiências com a arte verdadeira, elas não foram as únicas. Obras de Vuillard, Giambologna, Mike Kelly, Andy Warhol, Caravaggio, Sophie Taeuber-Arp, Iran do Espírito Santo e Mira Schendel, entre poucos outros, também já me deixaram nervoso).
Acredito que muitos tiveram experiências semelhantes a essas que descrevi; muitos, com certeza, já sentiram corpos e mentes mobilizados num tipo de experiência impossível de ser descrita em palavras – lembrando do próprio Julio Plaza, no catálogo da mostra de 1977: “A arte é importante demais para deixá-la na mão do… verbo”. Mas o que gostaria de acrescentar aqui é que experiências assim tão fortes não se dão, ou não se dão apenas, quando você, de chofre, se depara com uma obra de arte já finalizada. Outra experiência que também pode nos deixar nervosos – e por períodos renovados – é quando acompanhamos a produção de uma obra que, desde seu início, dá sinais de sua potência transformadora.
Há anos sigo o percurso profissional de Alfredo Nicolaiewsky, artista de Porto Alegre, que, além de suas atividades docentes junto ao Instituto de Artes da UFRGS, desenvolve pinturas, desenhos e apropriação de imagens. O que sempre me interessou em seus trabalhos é seu domínio técnico/formal, aliado a um humor peculiar que dá o tom de grande parte de sua produção. Esse humor, no entanto, não quer dizer que suas produções sejam engraçadas. O humor em sua produção se demonstra em como o artista consegue introduzir nas articulações dos campos cromáticos que inventa, certas anotações ou conjunções inesperadas, repletas de ironia, que tiram nosso olhar da mesmice, embora o artista lide justamente com ela.
Pois bem: nesses meses de pandemia, Alfredo convidou alguns amigos (eu, entre eles) a acompanhar a produção de algumas de suas pinturas. Promoveu encontros em seu ateliê de Porto Alegre? Claro que não. Mesmo que alguns dos convidados residam naquela cidade, a maioria (como Alfredo) pertence ao grupo de risco e, assim sendo, respeitam o “novo normal”, que é o distanciamento social. Por isso o acompanhamento do seu processo de produção tem se dado via WhatsApp, na sala “Alfredo em processo”.
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Registro do processo do artista Alfredo Nicolaiewsky.
Registro do processo do artista Alfredo Nicolaiewsky.
Registro do processo do artista Alfredo Nicolaiewsky.
Registro do processo do artista Alfredo Nicolaiewsky.
Registro do processo do artista Alfredo Nicolaiewsky.
Somos de Porto Alegre, Rio de Janeiro e São Paulo e nos dividimos entre críticos, artistas e historiadores que se encontram virtualmente nessa sala, desde abril. Alfredo apresenta a fotografia de uma pintura apenas iniciada, fala o que pretende ou o que não pretende fazer dali para a frente, e os amigos vão emitindo suas opiniões ou meros palpites, não importa. Às vezes me pergunto quando, numa situação “normal”, e sem o auxílio da tecnologia, seria possível desenvolver um trabalho de encontros quase diários, reunindo profissionais de várias cidades.
Um dos interesses dessa sala é que nem sempre (ou quase nunca) todos os participantes estão online ao mesmo tempo. Às vezes ocorre que, além de Alfredo, estejam ali apenas mais um ou dois amigos entretidos numa conversa que tende a ser rápida, com as observações sempre respondidas com presteza por Alfredo. Nessas ocasiões é que se percebe que o humor não é um elemento presente apenas em sua produção e sim um dado estrutural de sua personalidade, demonstrando o quanto é difícil, muitas vezes, separar o criador da criatura. Porém essas opiniões emitidas e discutidas no calor da hora não se perdem ao término das discussões mais ou menos acaloradas. Pelo contrário, elas ficam ali registradas e passíveis, portanto, de serem respondidas/desenvolvidas mais tarde por outros participantes, suscitando outra etapa de discussão.
Se formos reler os registros daquelas mensagens – sempre ao lado das imagens que as suscitaram –, veremos que as opiniões dos diversos membros sobre a produção de Nicolaiewisky (ao lado das respostas do artista) vão sendo depositadas e, em alguns casos, devidamente soterradas pela falta de interesse ou importância; em outros casos, no entanto, elas são retiradas do interior dos registros, recuperadas e retrabalhadas a partir de novos significados que lhes são conferidos.
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Desde o início tenho sido um entusiasmado participante de “Alfredo em processo”. Fico mobilizado para discutir as idas e vindas da produção dessas pinturas de Alfredo porque renovadamente me surpreendo com sua capacidade em articular os campos visuais que cria e estrutura para além, tanto do sentido tradicional da pintura como “composição”, e mesmo como “preenchimento de campo”. Alfredo, pelo menos em parte dessa sua produção mais recente, parece reinventar a dimensão modular da pintura e é exatamente essa sua capacidade que me excita, que me faz querer acompanhar seu processo para poder entende-lo melhor e melhor me entender frente às suas várias etapas de realização.
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Saio desses encontros sempre com um sorriso nos lábios (porque a turma se diverte muito durante as trocas de mensagens). E fico pensando como esse horror que estamos vivendo com a pandemia – agravado por esse governo que é uma vergonha –, tem proporcionado situações gratificantes que jamais teriam ocorrido se estivéssemos vivendo na antiga “normalidade”. Ou alguém acredita que antes da pandemia teríamos tempo de nos reunirmos tantas vezes para discutirmos a produção de um artista, trocarmos impressões sobre arte, pensarmos não o “ato de criação” – uma ficção romântica, diga-se –, mas o processo de criação?
Essa experiência com Alfredo Nicolaiewsky e os outros colegas gaúchos e cariocas me fez atentar para algumas questões. A começar, me ensinou que o nervosismo que a arte de verdade provoca pode ser experimentado também enquanto ela se processa (isso quando ela for boa de verdade, quando diz a que veio desde os primeiros elementos que irão constitui-la). Por outro lado, como no caso de Berti, Julio e Carmela, a produção artística é boa quando, acima e antes de tudo, diz respeito a si mesma. O resto é literatura – questão fundamental a não se esquecer nesses tempos em que a retórica impera sobre a forma.
[1] – Por desconhecer o paradeiro da obra mencionada, optei por apresentar aqui a imagem de uma pintura de Leonello Berti pertencente ao acervo do Museu de Arte de Ribeirão Preto, cedida por seu diretor Nilton Campos, a quem agradeço.
[2] – O diagrama da instalação de Julio Plaza pertence ao Arquivo de Inês Raphaelian, São Paulo.
Cena de "Chuva é cantoria na aldeia dos mortos". Foto: Divulgação.
*publicado originalmente na Revista Esquinas
“Filho, entra na água que vou pegar um peixe para você”. Encantado e em conflito, o jovem índio krahô encara a água movimentada perto da cachoeira, mas não entra na dança do morto que o chama. Caso fizesse entraria em chamas como o galho que arremessa nas águas para testá-las. Iluminado em tons de prata pela lua, volta floresta adentro. É assim que Chuva é Cantoria na Aldeia dos Mortos começa, com uma introdução poética e um pouco tímida de um tema gigantesco escondido na “jornada do herói” de Ihjãc. Tema esse a morte do pai? Nossa relação com os mortos?
Cena de “Chuva é cantoria na aldeia dos mortos”. Foto: Divulgação.
Nosso herói é só um menino de 15 anos, casado com Kôtô, pai de um bêbê, Tepto. Ele precisa organizar o ritual funerário daquele que tenta seduzí-lo a entrar no rio, o seu pai. Uma vez que a cerimônia é completa, no entanto, o elo do filho com o pai precisa ser rompido, e Ihjãc não está preparado para isso, nem tanto para se tornar pajé. Mesmo assim os “mecarõ” viriam por ele caso não aceitasse seu destino, como avisa Crate, o pajé ancião. Na esperança que os espíritos o esquecessem Ihjãc vai para a cidade para retornar quando a chuva já estivesse caindo na sua aldeia da Pedra Branca.
Chuva fez sua estreia no Festival de Cannes – onde ganhou o prêmio Un Certain Regard – em 2018, mesmo ano em que foi selecionado para competição nos festivais de São Paulo e Rio de Janeiro. O longa é uma produção luso-brasileiro devido à sua dupla de diretores, Renée Nader Messora e o lisbonense João Salaviza, e classificado como ficção, embora possamos alargar a realidade dessa definição mantendo em vista uma notável preocupação documental no filme, dualidade que segundo Messora “permite uma aproximação diferente a cada sequência”.
Cena de “Chuva é cantoria na aldeia dos mortos”. Foto: Divulgação.
A direção intercala uma abordagem mais etnográfica (embora os cineastas reforcem que não tenham a pretensão de retratar os povos indígenas na sua totalidade, nem mesmo os krahô como um todo), menos intrusiva – que lembra a estética do documentário – com cenas mais poéticas. A câmera em algumas cenas acompanha de perto os personagens, os segue de costas (como um dos espíritos que perseguem Ihjãc), retrata perfis na umbra da fogueira em um ritual, rostos brilhantes à luz da hora dourada, ou crianças dançantes com folhas de árvores em chamas.
Mais que um enriquecimento na experiência sensorial, o som na obra é sempre um alferes de algo que está por vir – as araras, o fogo, a ruptura pelos anúncios de venda na cidade ou pelo ritmo do forró, a chuva, a caminhonete na estrada. Funciona como um lembrete que mesmo sem a imagem fotográfica algo está presente naquele cenário, naquele momento; um terceiro olho para sua dupla de diretores. A captação sonora foi feita por Vitor Aratanha, que junto com sua companheira Amxykwyj, também cuidava da tradução da língua krahô para o português durante as filmagens. Os cânticos cerimoniais são as únicas passagens não traduzidas. Segundo Salaviza, a linguagem deles é uma língua ritual, um dialeto antigo do qual é possível entender partes e temas, mas não sua completude, como o latim.
“E depois que chorarmos, acabou”. Na coda do filme, Ihjãc precisa voltar para a Pedra Branca, a tora de seu pai ainda espera para ser decorada e um ritual fúnebre precisa ser performado. Após um mergulho intenso na cultura dos krahô, uma crítica sucinta ao agronegócio que ameaça os povos indígenas há décadas, Messora e Salaviza retornam ao tópico cardíaco da obra: a relação dos krahô com a morte e a saudade. “Não namore com seu viúvo nem em sonhos. Em seus sonhos recusem a comida dos mecarõ”. Para eles, o morto é visto como uma ameaça aos vivos, por isso a pressa para realizar a cerimônia final, um marco do fim do lamento pelo ente querido e início do oblívio.
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Arábia (2017), de Affonso Uchôa e João Dumans. Foto: Divulgação.
Inferninho (Guto Parente e Pedro Diógenes, 2018). Foto: Divulgação.
Chuva é Cantoria na Aldeia dos Mortos faz parte da Mostra Brasil Cinema Agora! promovida pelo Itaú Cultural em seu site. Até 1º de agosto, ela apresenta quatro filmes que simbolizam a atualidade e a potência do audiovisual brasileiro. A seleção conta com a curadoria de Francesca Azzi, da Zeta Filmes. Além de Chuva, estão disponíveis gratuitamente os filmes Arábia (Affonso Uchôa e João Dumans, 2017); Azougue Nazaré (Tiago Melo, 2018); e Inferninho (Guto Parente e Pedro Diógenes, 2018).
Leia também: Olhares indígenas apontam para outro futuro possível, matéria publicada na edição #50 de arte!brasileiros que trata uma mudança de olhar pelos museus e grandes instituições de arte do país em direção à produção contemporânea indígena, para sua programações, em um momento que aumentam os ataques aos povos originários no Brasil.
Satélite é o novo projeto online da associação cultural Pivô. Lançado no dia 24 de julho, ele é uma plataforma de comissionamento online que irá apresentar projetos de caráter experimental especialmente pensados para a internet.
Funcionando como uma espécie de sala de projetos dentro do site do Pivô, Satélite apresenta programa concebido por artistas e curadores convidados pela instituição e compreende propostas artísticas em formatos variados – sem restrições quanto ao tipo de mídia ou tema.
Com Os dias antes da quebra, artista baiana Rebeca Cerapiá inaugura o projeto. Além de Cerapiá, os artistas biarritzzz, Diego Araúja e Raylander Mártis dos Anjos também foram selecionados pela curadora Diane Lima para a primeira etapa do Satélite. Como curadora, seu trabalho consiste em experimentar práticas curatoriais contemporâneas em perspectiva decolonial. Atualmente, Lima integra a equipe curatorial da 3ª edição de Frestas – Trienal de Artes do SESC-SP, tendo antes idealizado o programa de arte-educação AfroTranscendence.
A artista Rebeca Cerapiá e a curadora Diane Lima. Foto: Divulgação.
Nos próximos meses a plataforma apresentará trabalhos de 12 artistas selecionados por três jovens curadores brasileiros. Cada curador indicará quatro artistas com propostas individuais para ocupar a sala virtual de exposição por um mês.
“Os dias antes da quebra é uma exposição que sugere um movimento de retorno para o que estava sendo previsto, especulado e denunciado antes da pandemia, por um grupo de artistas com vasta experiência em adiar a iminência das suas próprias quebras”, afirma a curadora.
O objetivo do Pivô Satélite é contribuir para a criação de uma rede de apoio à comunidade artística brasileira em um momento adverso. Para isso, os 12 artistas contarão com a estrutura das equipes de produção e comunicação do Pivô, a interlocução dos curadores convidados e receberão uma bolsa de auxílio à produção.
Hélio Oiticica desfilando com a Escola de Samba Estação Primeira de Mangueira. Foto: Divulgação.
No dia 23 de julho, o MASP inaugura exposição virtual Hélio Oiticica: a dança na minha experiência, primeira individual do artista – um dos nomes mais importantes da arte brasileira – no museu. Com atenção à produção de caráter experimental e inovador de Oiticica, a mostra conta com 126 trabalhos relacionados ao ritmo, à música e à cultura popular. Sua abertura presencial seria realizada na segunda metade do mês de março deste ano, logo que as recomendações de isolamento social foram emitidas. Sua ocorrência física não foi cancelada, mas postergada até que seja seguro novamente frequentar os museus.
P15 Parangolé Capa 11 “Incorporo a revolta” (1967). Foto por Claudio Oiticica. Coleção Projeto Hélio Oiticica.
Enquanto isso, o MASP transferiu parte desta retrospectiva para o ambiente virtual e realiza sua abertura digital no dia 23 de julho, marcada por uma live, às 18h, com Vivian Crockett e Tomás Toledo. Junto ao diretor artístico do MASP, Adriano Pedrosa, Toledo foi responsável pela curadoria da individual de Oiticica, já Crockett é curadora e pesquisadora especializada em arte moderna e contemporânea, e escreveu um texto inédito para o catálogo da mostra. No encontro, eles conversam sobre a exposição e a trajetória do artista. Além da live, um tour virtual com Toledo e algumas vistas da mostra serão disponibilizadas no site do museu no mesmo dia.
“Meu interesse pela dança, pelo ritmo, no meu caso particular pelo samba, me veio de uma necessidade vital de desintelectualização, de desinibição intelectual, da necessidade de uma livre expressão”, escreve Oiticica em um texto de 1965 que inspirou o nome da exposição.
A dança na minha experiência é uma parceria com o Museu de Arte Moderna do Rio de Janeiro – MAM Rio. No MASP, ela inaugura o ciclo Histórias da dança, que norteia a programação da instituição em 2020.
“Seja marginal seja herói” (1968). Foto: Divulgação.
Seu catálogo já está disponível na loja do MASP, a publicação ilustrada foi editada pelos curadores e tem ensaios de Adrian Anagnost, André Lepecki, Cristina Ricupero, Evan Moffitt, Fernanda Lopes, Fernando Cocchiarale, Sergio Delgado Moya, Tania Rivera e Vivian Crockett. O catálogo inclui ainda nota biográfica de Fernanda Lopes e um extenso material documental, entre fotografias e escritos do artista.
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Performance "Refino 2" de Tiago Sant'Ana. Foto: Reprodução.
O brasileiro Tiago Sant’Ana, de 29 anos, foi um dos artistas contemplados pelo programa de bolsas para as artes da Open Society Foundation, organização filantrópica criada pelo bilionário George Soros. Ele é o primeiro brasileiro a ser escolhido para esta bolsa. O programa está em seu terceiro ano e anunciou na última terça-feira, 14 de julho, os dez recipientes para as bolsas de 2020. São artistas, curadores, organizadores culturais e pesquisadores que trabalham na interseção de migração, espaço público e artes. Do Brasil, Botsuana, Jamaica, Nigéria, Palestina, St. Croix, Síria, Tlingít Aaní, Estados Unidos. Os bolsistas selecionados recebem um subsídio de US $ 80.000 – equivalente a R$ 431 mil – para realizar um projeto ambicioso nos próximos 18 meses.
Para Rashida Bumbray, diretora do programa de Cultura e Arte da Open Society: “A pandemia do Covid-19 e o atual cenário global com injustiça sistêmica ampliam as desigualdades em nossas sociedades que as comunidades marginalizadas enfrentam há gerações. É por isso que o trabalho de nossos colegas é tão urgente, pois eles trabalham na linha de frente da cultura para promover narrativas autodeterminadas e inspirar mudanças coletivas “.
Entre as propostas para os projetos a serem desenvolvidos estão: uma colaboração entre artistas performáticos e ativistas sociais para documentar uma história alternativa da migração síria; esculturas sustentáveis no Cockpit Country da Jamaica, uma área de resistência histórica do povo Maroon agora ameaçada por políticas ambientalmente destrutivas.
No Brasil, Sant’Ana desenvolverá performances explorando conexões no Brasil entre colonização, escravidão e comércio de cana-de-açúcar e as lutas atuais pela justiça racial.
O artista é nascido em Santo Antônio de Jesus, cidade do recôncavo da Bahia. Sant’Ana é formado em Comunicação na Universidade Federal do Recôncavo da Bahia (UFRB), tem mestrado em Cultura e Sociedade e finaliza o doutorado também em Cultura e Sociedade na Universidade Federal da Bahia. Seu trabalho perpassa diversas linguagens, da performance ao vídeo, da fotografia à pintura. Ele começou a se envolver com as artes há dez anos quando ainda estava na faculdade. Em 2018, o baiano realizou a primeira exposição individual, no Museu de Arte da Bahia (MAB). Foi a partir dessa individual que Sant’Ana elaborou seu projeto submetido e selecionado pela Open Society. Ele também já expôs no Paço Imperial, no Rio de Janeiro, e no Senac Lapa Scipião, em São Paulo.
Obra “Refino”, por Tiago Sant’Ana. Foto: Divulgação.
“Foi um processo que começou em julho do ano passado, em outubro eu já sabia da notícia, mas em decorrência de uma série de questões, o cronograma foi adiado, sobretudo, por causa do coronavírus”, contou o artista ao G1. Sant’Ana, sendo do Nordeste, reconhece na sua seleção uma importância de pensar a arte no Brasil fora do eixo Rio-São Paulo.
Na entrevista para o portal de notícias, ele também afirma: “Meu projeto é realizar uma série de ações, performances, vídeos e fotografias nesses lugares [os engenhos], tentando trazer à tona essas memórias ligadas à questão da escravidão. Pensando nisso também, um olhar contemporâneo. Pensar, por exemplo, como as consequências desse processo de escravização em decorrência do ciclo do açúcar reverbera na atualidade”. Sant’Ana pretende visitar ao menos uma dezena de outros engenhos na região onde nasceu, além disso seu plano prevê a interação com comunidades vizinhas aos engenhos – cujas histórias foram esquecidas à medida que se tornaram ruínas.
O resultado de seu projeto deve ser apresentado em uma exposição em Salvador no próximo ano, embora as barreiras impostas pela pandemia dificultem uma previsão mais exata, tanto da data quanto do local.
A escultura de resina preta de Jen Reid foi erguida na quarta-feira, 15 de julho, mas removida pela prefeitura da cidade de Bristol, no sudoeste da Inglaterra, ainda na madrugada desta quinta-feira, 16. O prefeito Marvin Rees disse que cabe ao povo de Bristol decidir o que substituirá a estátua de Colston.
Chamada A Surge of Power, a obra foi criada pelo artista Marc Quinn e projetada para ser uma instalação temporária para continuar o debate sobre racismo reacendido pelo assassinato de George Floyd nos Estados Unidos. O artista disse que ficou inspirado a criá-la depois de ver uma imagem de Jen Reid em pé no pedestal vazio onde se encontrava a estátua de Edward Colston. A estátua de Colston foi derrubada e jogada em um rio no início de junho durante uma manifestação antirracista, ato em que Reid estava presente. Colston foi um traficante de escravos e membro do Parlamento britânico que viveu no século XVII. Estima-se que ele esteve envolvido nas mortes de cerca de 19 mil negros escravizados nas Américas e no Caribe naquele mesmo século. Em Bristol, uma rua e vários edifícios recebem o nome dele.
Uma declaração liberada pelo artista explica que a nova estátua não foi planejada como uma solução permanente, e sim como uma forma de atrair atenção contínua ao movimento antirracista. Em seu texto, Quinn também afirma que a escultura não tem fins lucrativos e, se for vendida, o lucro será doado para duas instituições escolhidas por Jen Reid: a Cargo Classroom, programa de história negra criado para adolescentes de Bristol, e a The Black Curriculum, empresa social fundada em 2019 por jovens para preencher a lacuna de história britânica negra no Reino Unido. Também há a possibilidade da obra ser doada à coleção municipal de arte de Bristol.
“Queremos continuar destacando o problema inaceitável do racismo institucionalizado e sistêmico que todos têm o dever de enfrentar”, disse o artista no comunicado. “Essa escultura tinha que ser colocada em domínio público agora: essa não é uma questão nova, mas parece que houve um ponto de inflexão global. É hora de ação direta agora”, ele complementa.
Sobre a retirada, a prefeitura de Bristol explicou que a escultura foi instalada como decisão do artista, sem solicitação ou permissão para tal. No momento, a cidade está montando um processo para determinar o que será feito com o pedestal que suportava a estátua de Colston. “O povo decidirá seu futuro”, afirmou o prefeito Marvin Rees, no Twitter.
Leia também: na edição virtual #51 de arte!brasileiros, a advogada e ativista indígena Naiara Tukano escreve sobre os monumentos e sua relação com os povos indígenas. “Toda essa loucura que vemos dia e noite em nosso país, está refletindo a grande fake news que os livros de história, monumentos, nomes de ruas contam, silenciando as tragédias que cometeram para perpetuarem no poder”, ela coloca. O crítico Fabio Cypriano também aborda a questão e propõe a reflexão: “O que fazer com os monumentos de exaltação aos bandeirantes?”. Já o colunista da arte!brasileiros Tadeu Chiraelli elaborou uma série de pensatas cercando o assunto, elas podem ser acessadas aqui.