Obra símbolo de Aguilar militante contra a devastação das florestas, Rio Amazonas foi pintada em 2015 e faz parte da série Rios Voadores. Foto: Karin Kahn
Delírio e afetos traduzidos em pinturas marcam a volta de José Roberto Aguilar ao circuito de arte, com a exposição Destinos, o Homem Inventa o Homem, em cartaz na Fiesp. A performidade de cada tela é parte de um voo ancestral proposto por ele na tentativa de desvendar o universo, o homem e a natureza, na mostra que marca seus 60 anos de arte.
Aguilar interpreta as superfícies brancas das 69 telas como pistas de pouso para exibir uma cosmologia cujo fio condutor perpassa pelos filósofos gregos, Revolução Francesa, Picasso, Van Gogh, Bispo do Rosário e a cidade de São Paulo. Seus desejos são espiralados como um tornado e evoluem com a liberdade costumeira, como na abordagem radical de Guernica de Picasso. Pintada este ano, a intervenção é uma alusão à bipolaridade política do mundo atual num conflito que desemboca no dilema: ou a guerra ou a paz. As telas de grandes dimensões, algumas inéditas, dispostas na boa montagem de Haron Cohen, são demonstrações inconclusas de uma arte de hipóteses que parecem nunca ter um ponto final. Em Mademoiselles d’Avignon de Picasso, que leva o título 1907, ele celebra o ano da invenção da arte moderna e a criação da teoria da relatividade restrita, de Einstein.
O trabalho de Aguilar é intenso e obsessivo como atesta Rio Amazonas, uma tela de grandes dimensões que traduz a sua ligação com o ativismo ambiental na defesa do planeta que, segundo ele, vem sendo destruído pela ganância e ignorância. “Essa tela está ligada à série Rios Voadores, alusão aos cursos de água atmosféricos que se deslocam, passam por cima de nossas cabeças carregando umidade da Bacia Amazônica para o Centro-Oeste, Sudeste e Sul do Brasil”. Desde 2004, Aguilar se divide entre São Paulo e Alter do Chão, no Pará, onde mantém casa/ateliê e uma forte relação com a floresta amazônica e a comunidade ribeirinha local, envolvendo-a em suas obras coletivas. A imensa tela é uma ode à natureza e um grito de alerta, o mais potente e emblemático trabalho da mostra.
“Guerra ou Paz”, de Aguilar, é uma acrílica e esmalte sobre tela de 2019, e faz alusão à polarização política que atualmente toma conta do mundo. Foto: Karim Kahn
Aguilar mantém uma narrativa livre, sem filtros e traz a multiplicidade de interesses que gravitam em torno de suas reflexões sobre raciocínio, livre arbítrio, destino, meio ambiente. Dez de suas telas de grandes dimensões ensaiam um voo sobre a civilização ocidental, desde os filósofos gregos até uma possível ocupação de Marte em 2050. Em um segundo conjunto de 35 pinturas que podem ser lidas como tarôs, faz o caminho inverso, do objeto à ideia. Ele propõe ao visitante um jogo, uma viagem a locais imaginados. “Os destinos se transformam sempre, depende de você, como tudo na vida”. Cada quadro é identificado como a escolha de cada pessoa e se constitui em um campo cifrado com diálogos entre o que vemos e como compreendemos o que vemos. “A tela mais recente da exposição eu fiz há três semanas, como uma performance dentro da sala da exposição. No campo ampliado nascem gestos expandidos que formam uma grande onda”. Em outro trabalho, um emaranhado de fios com nomes de bairros emerge sob o título São Paulo, uma fricção da arte e urbanismo, com seus sapatos borrados de tinta pairando no ar.
A linha evolutiva dos 60 anos de arte revela Aguilar e seu intenso envolvimento com a arte contemporânea brasileira. “Tudo começou em meados dos anos 50, com meu colega de colégio Jorge Mautner. Aos 15 anos líamos tudo que caia nas mãos. Eu queria ser escritor, mas segui as artes plásticas e Mautner foi para a literatura”. Aos 22 anos Aguilar expõe na VII Bienal de São Paulo e Mautner, com 21, lança o livro Deus da chuva e da morte, que começou a maquinar aos 15.
Tentar categorizar a arte de Aguilar é correr atrás do vento. Até hoje ele vive a multiplicidade de suas transgressões na literatura, pintura, videoarte, música, cinema. Sua pintura ganha impulso em 1963 quando chama atenção de Mário Pedrosa e Clarival do Prado Valladares. Suas telas já traziam as cores e técnicas que lembram o grupo CoBrA. Dois anos depois ele participa da antológica exposição Opinião 65, com Hélio Oiticica, Rubens Gerchman, Antonio Dias, Carlos Vergara, considerada um marco na arte brasileira.
“Com o AI-5 o clima fica insuportável e mudo para Londres, onde já estavam Caetano, Gil e Mautner”. Na área das performances cria obras polêmicas como Ópera do Terceiro Mundo, com Lucila Meirelles, e apresentada na Journées interdisciplinaires sur l’art corporel et performances, no Beaubourg de Paris, e irrita os críticos. “Só não nos interromperam porque lá não há censura”. A década de 1980, foi marcada pela Casa Azul, seu ateliê na Joaquim Eugênio de Lima, por onde passavam intelectuais como Mário Schenberg, Haroldo e Augusto de Campos, o pintor Nuno Ramos e o compositor e músico Arnaldo Antunes, que logo cria a banda Titãs. Aguilar mistura Bukowski com ensinamentos indianos, expande seu circuito, expõe na Alemanha e Japão, ganha as páginas da Art in América.
Autorretrato de Aguilar, imagem emblemática da juventude do artista multimídia.
Em 1980 incendeia o átrio da Pinacoteca do Estado, antigo anfiteatro do museu, com a performance Concerto para Luvas de Box e Piano. “Esse evento deu início à Banda Performática com Arnaldo Antunes e outros amigos. Fizemos muitos shows e gravamos disco”. Em 86 surpreende com a intervenção no Museu da Imagem e do Som com Anticristo, “uma alusão ao artista búlgaro Christo que embrulhava monumentos, museus, pontes”. Aguilar desembrulha o MIS, que foi coberto por plástico preto durante IV Festival Videobrasil, quando o museu era na avenida Europa. “Fazíamos tudo com muita diversão.”
Todas as fases e linguagens de Aguilar se entrecruzam, dialogam entre si e são testemunhas de uma estranheza que muda o olhar do espectador sobre a realidade e a representação. Suas pinturas são performances de cores e gestos que trazem para o mesmo espaço a percepção de uma realidade ímpar, diferente daquela que move o homem convencional.
Minerais exportados pelo Brasil integram a obra
"A cruz do sul", em que Aline Baiana faz crítica ao extrativismo. Foto: Mathias Voelzke Völzke
Para Lisette Lagnado, uma das quatro curadoras da 11aBienal de Berlim, o novo coronavírus colocou ainda mais em evidência questões que o próprio evento, cuja abertura oficial aconteceu em 5 de setembro, com três meses de atraso, propusera-se a discutir em 2020. “Falávamos de necropolítica, fanatismo, patriarcado capitalista, extrativismo e devastação ecológica. A pandemia só veio aprofundar o fosso que separa os países do sul global do lugar onde a gente está”, ponderou Lisette em sua fala de abertura no VI Seminário Internacional Virtual ARTE!Brasileiros.
A conversa teve mediação do jornalista Fabio Cypriano, com a participação também do espanhol Agustín Pérez Rubio (da equipe curatorial da bienal berlinense, ao lado de Lisette, da chilena María Berríos e da argentina Renata Cervetto) e de dois dos artistas selecionados para a exposição, a brasileira Aline Baiana e o guatemalteco Edgar Calel.
Ainda na abertura, Lisette manifestou certo incômodo com o subtítulo do seminário, A arte do possível. “Nosso trabalho como produtores e agentes de cultura é sempre lidar com o impossível”, disse. “É muito difícil colocar o conceito de solidariedade quando uma bienal internacional, europeia, anuncia suas datas de realização, a despeito de os artistas ainda estarem em lockdown nos países do sul global. Queria chamar a atenção para a violência intrínseca para a decisão inicial de fazer a bienal acontecer em 2020”.
Para a curadora, o “capítulo mais substancial da bienal” – cujo epílogo, intitulado The crack begins within (a ruptura começa por dentro), será exibido até 1o de novembro na capital alemã – havia sido aberto em setembro de 2019, com oficinas, pequenas exposições e performances, no bairro berlinense Wedding, num espaço que propunha escuta e troca com os moradores do lugar, na maioria imigrantes.
“Havia toda uma dinâmica de estarmos juntos e de repente fomos interrompidos nesta maneira de trabalhar”. Foi necessário, continuou a curadora, criar o que ela chama de protocolo ético: “Dizer que não cederíamos nenhum centímetro em nossa posição e, nesse sentido, a palavra possível é perigosa porque ela pode parecer oportunista. Rosa Luxemburgo dizia que o oportunismo é a arte do possível. E quero insistir que, ao fazer bienal nessas condições, temos que nos preocupar com nossos próprios princípios. E não nos dobrar àqueles ditados por uma situação de exceção.”
Artista ativista
No seminário virtual, Lisette exemplificou o peso político da mostra apresentando, inicialmente, a americana Marwa Arsanios e sua trilogia Quem tem medo da ideologia?. A obra reflete, contou a curadora, um feminismo ecológico q
ue desde 2017 marca o trabalho de Marwa, junto a mulheres que participam de movimentos de luta pela terra, em lugares como o norte da Síria e a Colômbia.
“[É algo que] recontextualiza um feminismo dos anos 1990, que escamoteou a análise ideológica afirmando que a igualdade de gênero já era uma etapa vencida”, disse. “Com esta crítica, Marwa foi buscar um feminismo para além de um tipo de vida liberal da classe média, que ela encontrou na militância ecológica. Neste filme, a área rural é o território onde se dá a luta pela terra e onde estas mulheres são também guardiãs das sementes, das fontes de água e da biodiversidade. Nós vemos aí um exemplo da figura de artista cuidadora e ativista.”
Cena da obra “Quem tem medo de ideologia?”, de Marwa Arsanios. Foto: Reprodução
O ativismo de Marwa acaba encontrando ecos na esfera da arte contemporânea, também regulada pela lógica do extrativismo, assinalou a curadora. “Trago, como ela, a preocupação de evitar a transformação dessas vidas precarizadas em mercadorias cultuadas nas bienais internacionais. Como evitar que a apropriação destes saberes genuínos se transformem em outra coisa a partir da exploração de mazelas alheias”.
A cruz do colonialismo
Aline Baiana começou sua participação questionando a dificuldade, por parte da ciência, de perceber o conhecimento afrobrasileiro ou indígena como tal, relegando-se à essas perspectivas um caráter fabular, muitas vezes em livros infantis.
“O que tento fazer com meu trabalho é compartilhar estes entendimentos de mundo e tensioná-los com o entendimento ocidental, hegemônico […] uma forma de colaborar para a luta anticolonial”, explica Aline, que apresenta em Berlim a instalação A cruz do sul.
“Este trabalho começou, enquanto ideia, quando aconteceu o crime ambiental em Mariana [o rompimento da barragem de Brumadinho, em janeiro de 2019]. Fiquei chocada e perturbada vendo aquelas imagens do rio morto por uma empresa que já levou seu nome [Vale do Rio Doce], que me fizeram pensar neste lugar de exploração infinita que o Brasil e outros países do sul ocupam. E como os riscos da mineração são obliterados do produto final, ficam para as populações.”
A escolha do nome da obra também continha uma crítica: a constelação, símbolo do Mercosul e presente em bandeiras de muitos países do hemisfério, representada como cruz, a partir de uma perspectiva cristã, num ato colonizador.
Aline também explicou porque a ideia de “arte do possível” a incomodou, lembrando-se de duas frases: “É mais fácil imaginar o fim do mundo do que o fim do capitalismo”, do britânico Mark Fisher, no livro Realismo capitalista. E “Vivemos no capitalismo, seu poder parece inescapável – mas até aí, o direito divino dos reis também parecia. Qualquer poder humano pode ser resistido e mudado por seres humanos. A resistência e a mudança começam frequentemente na arte”, da americana Ursula K. Le Guin. “O que eu penso como artista é o que o papel da arte seja talvez o de provocar reconexões, a imaginar outras possibilidades”, concluiu Aline.
Ancestralidade e resistência
Em sua fala, Edgar Calel ponderou inicialmente que somos produto da natureza e das culturas antigas do mundo, como aquela em que nasceu e cresceu na Guatemala. O artista leu então o trecho de um relato sobre a criação do universo segundo o Popol Vuh, registro documental maia do século 16.
“Sob este panorama de literatura indígena ancestral, me parece interessante como, por meio da arte, as pessoas, conseguem atravessar diferentes espaços físicos e de tempo, e com isso unimos as situações antigas e as contemporâneas, com a necessidade de escutar o passado para projetar o futuro. Parte do meu trabalho é fazer estes percursos físicos e temporais também”, disse Edgar.
Acima, a performance decolonizadora de Edgar Calel, que veste pele de onça em ritual ancestral no prédio da Bienal (SP)
O artista levou à mostra berlinense o vídeo Sueño de obsidiana, feito em colaboração com o paulista Fernando Pereira Santos. Nele, Edgar representa um ritual indígena ligado à terra, tendo como cenário um dos ícones da arquitetura modernista brasileira, o prédio da Bienal, em São Paulo. Com a pele de uma onça, seu espírito animal segundo a tradição guatemalteca, ou um suéter azul, que está exposto na daadgalerie, e em que costurou os nomes de idiomas indígenas de seu país, o artista fala de resistência anticolonial por meio da reconexão com a ancestralidade.
“Fazer esta caminhada naquele edifício de concreto, sendo um indígena de ascendência maia, é uma afirmação sobre a destruição dos limites, das fronteiras impostas entre países como Brasil, Paraguai, Bolívia etc. Somos todos um. Isso, para mim, é algo fundamental, que devemos contribuir para este outro mundo possível”, argumentou.
Deus e o diabo
“Esta é uma bienal de capital sensível, de capital de relações”, ressaltou Agustín Pérez Rubio, ao começar sua participação. “E também o que talvez a pandemia tenha nos feito valorizá-la mais, uma ideia de cura, de curador, não somente de se sanar nada, mas acompanhar, cuidar”, disse.
Agustín recorreu à imagem de Edgar vestido com a pele de onça, no prédio da Bienal, para falar de outro recorte da mostra berlinense: o fanatismo e o deus do capitalismo, da internet e, no caso da obra do artista guatemalteco, uma ideia de igreja da arte contemporânea, incorporada pela construção modernista. Segundo ele, é importante abrir frestas em instituições como a bienal e os museus, para estas questões: “Para que artistas como Edgar nos mostre como, num ícone da modernidade brasileira, está implícita a negação de um conhecimento, que foi segregado durante anos”, argumenta Agustín.
O curador em seguida mencionou o trabalho de Antonio Pichillá, também da Guatemala, apresentado na mostra berlinense: o vídeo Ação de um personagem árvore, em exibição no Gropius Bau, que abriga o segmento O museu invertido da bienal, uma tentativa de “contra-narrativa” à perspectiva eurocêntrica sobre a arte. “Para entender como esta visão colonial é perpetuada pelas instituições”, disse Agustín, citando o Humboldt Forum, espaço museológico que será aberto ainda este ano em Berlim.
Agustín também criticou a recepção das obras por parte de jornalistas alemães: “Eles só podem ver a etnografia destes trabalhos e não conseguem considerá-los a partir de uma raiz filosófica, estética e artística como trabalhos contemporâneos. Ou, para eles, são obras com algo de esotérico. É muito interessante ver que todos estes críticos e a cultura alemã deixaram que este racismo e esta maneira de ver a alteridade fossem perpetuados, a partir de sua etnografia eurocêntrica”, afirmou. “E como na Alemanha o esoterismo está muito próximo da extrema direita, preferem quase não falar destes trabalhos”.
Demolição, retribuição
Como evitar, então, o extrativismo de bienais e outros eventos culturais? Como o quarteto curatorial da mostra de Berlim lidou com a questão? “O patriarcado, as mazelas coloniais, estão nos sufocando, e temos que reagir mesmo com violência. Por outro lado, há uma questão do cuidado. Então, como ser violento e, ao mesmo tempo, acolher outras vozes e estas vidas mais vulneráveis? O que sempre me guia é um misto de intuição com ética. E nesse sentido escutar tem sido nossa bússola”. Para Agustín, além da escuta, uma maneira não extrativista seria entender que você toma algo, mas também retribui. “A ideia derestituição, com os artistas, as comunidades, os museus vulneráveis”, concluiu.
Estratégias do possível
Em videoconferência do Goethe-Institut, o argentino Osías Yanov e a brasileira Castiel Vitorino falaram sobre as obras que exibiram em Berlim
Para complementar o seminário aberto, o Goethe-Institut Rio realizou também uma videoconferência especialmente organizada para um grupo de convidados que não conseguiram viajar na ocasião da abertura da 11a Bienal de Berlim, em setembro. Dentre eles, curadores, artistas e gestores de diferentes museus e das diferentes unidades do Goethe-Institut da América latina. Neste dia participaram, além dos curadores, os artistas Osías Yanov (Argentina) e Castiel Vitorino (Brasil).
Em Berlim, Osías participou do espaço dedicado a experimentações da mostra, o ExRotaprint. Parte de seu projeto foi comprometido pelas restrições sanitárias da pandemia, entre eles seus exercícios grupais, que já fizera na Argentina, numa reflexão sobre a repressão dos corpos, entre outras questões.
Trabalho de Osías Yanov apresentado no seminário. Foto: Divulgação
O artista buscou manter o necessário contato à distância com seu grupo de performers, que faziam desenhos e liam contos. Os resultados foram apresentados na bienal, junto a elementos caros à sua pesquisa artística: colheres – cucharitas – que remetem ao ato de dormir abraçado com alguém, e apareceram em formas escultóricas, e o sal – substância ligada à noção de purificação e cura. Por meio de alto-falantes, o registro sonoro das leituras fazia vibrar mesas de acrílicos no chão, criando desenhos no sal em contato com elas.
Lisette Lagnado ressaltou a importância da escuta no trabalho de Osías e mencionou outra experimentação feita em ExRotaprint com o coletivo feminista FCNN, que discutiu o espaço institucional que a arte deixa para jovens artistas mães, que não têm onde deixar seus filhos. A presença da mulher na bienal, em luta contra o patriarcado, também é um dos temas importantes da exposição. Em Berlim, a curadora teve a oportunidade de ler um livro sobre maternidade, da egípcia Iman Mersal, que trazia a ideia de uma criança destruir os possíveis devires da mãe, com a pressa de alcançar o novo mundo. “Era algo que estávamos sentindo em relação à bienal, diante da pandemia, e tomamos emprestado esta noção de rachadura, fissura, para o título.”
Trabalho de Castiel Vitorino apresentado no seminário. Foto: Divulgação
Já Castiel levou a Berlim uma série de fotografias em que aparece usando máscaras compradas num antiquário de Santos (SP), vendidas como sendo africanas, mas, na verdade, feitas por um amigo do dono da loja. Com a obra, a artista expõe a exotização do discurso colonizador sobre as culturas do continente. “Com a fotografia, tento criar imagens para me fazer lembrar da possibilidade de viver não circunscrita e ordenada pela mitologia racial”, disse.
O líder indígena e ambientalista Ailton Krenak. Foto: Reprodução
Choveu. E a chuva trouxe alegria para Ailton Krenak em um momento que sintetizou as falas da primeira mesa do VI Seminário Internacional ARTE!Brasileiros, que também contou com Naiara Tukano e Antonio Donato Nobre.
Naiara abriu o evento com um canto de seu povo Yepá Mahsã, do alto do Rio Negro, na Amazônia, e um manifesto breve e contundente. “Nós, povos indígenas, somos a memória viva de milhares de anos, nossas visões e cosmovisões são a nossa ciência, onde aprendemos a nos comunicar e a viver junto com a terra. Por isso defendemos a vida e a diversidade”, disse em um trecho da mensagem inicial.
O líder indígena e ambientalista Ailton Krenak. Foto: Reprodução
Após as falas de aberturas institucionais de Patricia Rousseaux, pela arte!brasileiros, e de Julian Fuchs, pelo Goethe-Institut, Krenak seria o primeiro a falar, mas um problema de conexão adiou seu depoimento, para sorte de quem acompanhou o seminário.
Graças ao problema de conexão, acabamos sendo testemunhas da primeira chuva após meses de seca na Aldeia Krenak, às margens do Rio Doce, em Minas Gerais, que foi saudada pela alegria e o canto do líder indígena e ex-deputado constituinte. Assim que a chuva teve início, ele virou seu computador para compartilhar a cena com quem assistia ao seminário. “A mais bela arte é essa chuva que cai do céu agora, em cima dessas colinas, fazendo a terra respirar, caindo sobre a terra seca, fazendo subir um mormaço do chão”, disse empolgado.
Nada mais afinado com esse momento do que o raciocínio que ele desenvolvia sobre “esse escândalo de afirmar que existe natureza e cultura, separando alguma coisa indivisível”.
Os caminhos do coração
Essa visão inclusiva já havia sido defendida por Antonio Donato Nobre em sua fala inicial: “Os indígenas são os verdadeiros sábios da natureza, eles têm uma conexão direta com a natureza e têm preservado essa conexão, o que a sociedade global perdeu. Quero vir aqui dar uma mensagem como cientista, mas de um cientista que está descobrindo os caminhos do coração”.
Algo em comum nessas três falas inaugurais foi a necessidade de afeto e respeito com o planeta, o que Nobre apontou em um paralelismo entre o filósofo Sócrates e os astronautas. “Há 2500 anos, Sócrates teria dito que quando o ser humano olhar o mundo de fora vai reconhecer sua grandiosidade. Os povos que vivem em contato com a natureza têm a percepção do que significa estar na Terra”, disse.
Em seguida, relatou como os astronautas ganham a mesma percepção após retornar do espaço: “Quando eles veem a Terra de fora, eles são instantaneamente transformados, eles têm o overview effect, que é o efeito panorama sugerido por Sócrates.”
Assim, astronautas e indígenas não padecem do distanciamento com o planeta, ou uma divisão que se replica na separação entre mente e corpo. Para o cientista, “existe um desastre cognitivo na sociedade ocidental, que ocorreu principalmente na Europa, do divórcio entre a chamada mente racional, onde reside o intelecto, e a cognição ampla, intuitiva, holística, integrativa”.
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A animação apresentada por Nobre, feita com imagens de satélite, mostra o tamanho dos pixels proporcional à importância que cada ecossistema tem em relação à produtividade biológica total do planeta em cada momento
A animação apresentada por Nobre, feita com imagens de satélite, mostra o tamanho dos pixels proporcional à importância que cada ecossistema tem em relação à produtividade biológica total do planeta em cada momento
A animação apresentada por Nobre, feita com imagens de satélite, mostra o tamanho dos pixels proporcional à importância que cada ecossistema tem em relação à produtividade biológica total do planeta em cada momento
Então, de acordo com Nobre, é preciso deixar de pensar apenas com a razão: “É o coração que une todo o corpo e ele pensa também, pois a neurociência descobriu que ele possui tecidos neurológicos. Assim, quando estamos com o coração aberto, a gente capta coisas. Sem coração, o intelecto é frio, ele pode fazer coisas aberrantes”. Em sua fala, ele citou os cientistas que contribuíram com o nazismo como exemplo, mas não faltam, no Brasil atual, casos no governo que confirmem a teoria.
Não deixe de assistir a fala completa (clicando aqui) para ver o curto vídeo compartilhado por Donato, desenvolvido por uma década, que aponta como a Amazônia é o coração do planeta.
Transformação
Já Naiara Tukano iniciou sua fala contando sobre a cosmologia de seu povo, que veio da grande canoa de transformação, a Cobra-Canoa. Foi no ventre de uma Cobra-Canoa que os primeiros ancestrais dos povos Tukano partiram em uma viagem subaquática pelos rios Amazonas, Negro e Uaupés, no noroeste amazônico, e assim chegaram à região onde atualmente vivem, no Alto Rio Negro. A canoa foi parando ao longo desse percurso e, a cada parada, esses ancestrais adquiriram poderes e conhecimentos que até hoje fazem parte da herança cultural das etnias da família Tukano.
Naiara contou como, milhares de anos antes dessa viagem, “nós fomos gente peixe, até nos transformarmos em animais que vivem nas florestas, como lontras, macacos; aí o criador veio e cortou o rabo dos animais e trouxe o homem para a terra, sendo esse o terceiro tempo da humanidade, quando o homem surgiu”.
O significado dessa ancestralidade animal e desse processo de transformação ao longo do tempo tem um reflexo importante no pensamento Tukano: “Devemos entender que outros seres visíveis e invisíveis que vivem na Terra são nossos parentes, eles nos contam como devemos agir sem causar mal e nem receber o mal. Assim, nunca esquecemos do nosso lugar”, disse Naiara.
A ativista indígena e artista Naiara Tukano. Foto: Reprodução
Decorre daí, então, a percepção da importância do cuidado com o planeta de forma global, como ela afirma: “Quando a gente rompe os fluxos da Terra, a gente a prejudica, porque ela é um todo, tem uma consciência própria e a gente não pode recortá-la como um mosaico, como estamos fazendo. Há centenas de anos nossos pajés alertam para cuidar da natureza, nós somos natureza.”
E conclui sobre a importância de rever atitudes em tempos de pandemia: “É preciso que a gente se reconecte com nossa essência, e através da arte, da espiritualidade, dos cantos, que a gente se conecte novamente com a terra. Plantar, diminuir o lixo, buscar uma forma de vida mais simples, buscar outras formas de troca baseadas em outras sabedorias. É pela reconexão com a terra que podemos buscar um caminho de cura. O sopro da vida existe em cada um de nós”.
Natureza-morta
Um pouco depois do que havia sido programado, Ailton Krenak entrou no seminário problematizando um dos gêneros da pintura. “Todos os grandes mestres da pintura do ocidente deixaram algum rastro de natureza-morta atrás de si”, contou. E prosseguiu: “Será que eles estavam prenunciando um tempo em que a natureza ia se erguer, sair daquelas telas e invadir as nossas vidas na forma de vírus, na forma de afeto, no sentido de nos virar pelo avesso, de nos pôr em questão, e denunciar que não existe uma fronteira entre cultura e natureza, a não ser nas nossas mentalidades, convocando a uma mudança de mentalidade”.
Mais tarde, ele explicaria que “como poetas, esses artistas estavam prenunciando o que ocorre no século 21; não é uma reclamação, uma acusação, mas uma revelação do que a gente ia viver muito tempo depois”.
Mas ele fez um alerta ao mundo da arte: “É como se a ideia das nossas bienais de arte, das nossas galerias, estivessem todas ficado no passado, vencidas pelo tempo, pela urgência de uma nova mentalidade, de nós humanos aprendermos a pisar com cuidado, a pisar suavemente na Terra, profundamente marcada pelas nossas pegadas, que nos puseram no limiar desse Antropoceno”.
É mais ou menos nesse momento que começa a chuva e o momento mais poético do seminário. Enquanto ele afirmava que “o céu sempre vai nos dar a arte do possível”, passa um caminhão de água, como a lembrar da destruição do Rio Doce pela Samarco, há cinco anos, e que tornou necessário o abastecimento por veículos que percorrem de 200 km a 300 km para abastecer a aldeia com 130 famílias.
E Krenak concluiu como Naiara: “Quando pus em questão a divisão que nós fazemos entre natureza e cultura é uma convocação para que a gente viva mais imerso na natureza e na nossa própria experiência do corpo sendo natureza”.
O diagnóstico do filósofo Franco Berardi sobre a atualidade é ácido e certeiro: vivemos a morte do sistema capitalista, habitamos um cadáver putrefato, mas que ainda se mantém de pé e dita as regras do jogo. Mesmo definindo de maneira tão cética a sociedade na fase terminal do capitalismo, o pensador propõe uma alentadora imagem de luta e transformação desse cenário sombrio, convocando a juventude, os poetas e os artistas como agentes estratégicos de transformação, vendo sobressair no caos as forças de luta necessárias para a superação dos graves problemas que assolam a humanidade e a colocam em sério risco de extinção. Contra o sentimento de que vivemos momentos inexoráveis, o desespero em relação à ascensão dos movimentos fascistas em todo o mundo e os graves desequilíbrios ambientais que o planeta enfrenta, Bifo – como é conhecido desde a infância – se posiciona claramente ao lado daqueles que não se conformam com os limites de um cotidiano opressor e ousam combater em defesa de uma sociedade mais justa, solidária e igualitária.
Responde assim com ousadia à referência à “arte do possível”, termo adotado como subtítulo do seminário “Em Defesa da Natureza e da Cultura”, do qual participou no último dia 8 de outubro. E enfatiza que não devemos considerar o “possível” como um limite que nos é imposto por uma naturalização das barbáries cometidas pelo capitalismo, mas sim a busca de um caminho novo, o fortalecimento de nossa capacidade para desafiar a marcha que, se não for contida, nos conduz à extinção. “Contra a miséria social, o caos geopolítico, a debacle econômica, temos uma saída: solidariedade e frugalidade também. Precisamos desenvolver a habilidade em focar naquilo que é útil para a nossa vida, para o nosso prazer, e esquecer o dinheiro, a competição, a abstração monetária”, defende o filósofo.
Bifo introduz um elemento fundamental de sua reflexão ao iniciar sua fala citando os protestos que sacudiram o Chile no ano passado e saudando a realização (em 25 de outubro) do referendo para derrubar a constituição que continua vigente desde o regime militar de Pinochet, o que segundo ele perpetua a ditadura – militar e neoliberal – imposta pelo regime autoritário inaugurado com o golpe de 1973. Assim, reforça a importância dos movimentos espontâneos, solidários, combativos, como aquele em defesa do meio-ambiente capitaneado pela resistência de Gretta Thunberg, as diversas manifestações que eclodiram em 2019 ao longo de todo o planeta e a explosão do movimento antirracismo nos Estados Unidos.
O tema adotado pelos protestos norte-americanos, “não consigo respirar” (em referência aos assassinatos de Eric Garder e George Floyd pela polícia), tornou-se peça estratégica na reflexão de Berardi, servindo inclusive de título para Asfixia: Capitalismo Financeiro e Insurreição da Linguagem, uma das três obras de sua autoria publicadas no Brasil pela editora UBU. Se o trabalho já apontava e refletia sobre o sufocamento, literal e metafórico, da sociedade contemporânea, a questão acabou adquirindo novos desdobramentos com a eclosão da pandemia do novo coronavirus, doença que debilita profundamente o sistema respiratório. Vivemos, segundo Bifo, “a convulsão de um corpo sufocado”.
O tema adotado pelos protestos norte-americanos, “não consigo respirar”, tornou-se peça estratégica na reflexão de Berardi. Foto: Fusebox Radio Photography
Os efeitos da pandemia, comparada por ele a uma tempestade avassaladora, que vem matando milhares e torna mais próxima a ideia de que a sobrevivência humana está em risco, de certa forma contiveram a potência transformadora dos movimentos sociais, dificultando ou tornando quase impossível a solidariedade. “É preciso reativar o corpo erótico da sociedade”, afirma o filósofo, que se revela extremamente preocupado com os efeitos devastadores dessa doença, não apenas no plano físico mas no plano psíquico. “A proximidade da pele se tornou uma espécie de perigo metafísico”, diagnostica ele, dizendo temer os efeitos dessa sensibilização fóbica em relação ao corpo, ao beijo. Mas alerta que é preciso ter consciência de que, apesar do perigo representado pelo vírus, ele não é a causa de nossos males. O filósofo, que desde a juventude se alinha com movimentos libertários como Maio de 1968 e o movimento autonomista italiano, ousa dizer que vivemos um momento apocalíptico. Afinal, em seu sentido etimológico, “apocalipse quer dizer revelação, uma repentina compreensão de que algo deu horrivelmente errado”.
“A real origem do desastre atual é a agressão capitalista contra a liberdade das pessoas, do meio ambiente, a aceleração do ritmo de exploração, o extrativismo. Tudo isso deixou a democracia esvaziada. Estamos sem poder”. E não adianta mais pensarmos em termos nacionais, já que os efeitos desse esvaziamento da política se espalham, como o vírus, pelo mundo todo. A epidemia de certa forma evidenciao impasse diante do qual estamos. Torna mais intenso e palpável o colapso.
“A Covid-19 não é a catástrofe em si”, afirma Berardi, que no calor da hora, durante o confinamento da quarentena, escreveu uma espécie de diário. Extremo – Crônicas da Psicodeflação mergulha no significado dessa pandemia, procura analisar os efeitos dela no inconsciente coletivo e reaviva as esperanças de uma mudança profunda, norteada pelo prazer e não pela política destrutiva de “gente que odeia o mundo, porque odeia a própria vida”. “A razão política não consegue lidar com esse tipo de contração, de sofrimento. A psicanálise, a música, a poesia é que são as línguas políticas do futuro.”
Em dias assombrosos como os atuais, Rivane Neuenschwander coloca o dedo na ferida ao lidar, de forma arguta e persistente, com alguns dos fantasmas que assolam a nossa época. São três os eixos centrais que conduzem sua exposição Trópicos Malditos, Gozosos e Devotos, que ficou em cartaz até 24 de outubro na galeria nova-iorquina Tanya Bonakdar: o medo, a violência sexual e a guerra. Em quatro séries de trabalhos aparentemente independentes, a artista resgata temas que fazem parte de seu repertório pessoal há algum tempo, promovendo uma conexão ora sutil, ora explícita entre os aspectos íntimos, construtivos e poéticos dos trabalhos com a crise social e política da atualidade. “O medo é uma construção também social. Ele é importante para mim porque a gente vê essa conexão da coisa cíclica, histórica, voltando”, afirma ela ao comentar a presença frequente de elementos ligados à sensação de impotência, angústia e temor em sua produção.
O medo é um afeto associado à infância. E é na investigação dos temores infantis que tem início a pesquisa que Rivane vem desenvolvendo há pelo menos quatro anos. Em uma série de workshops, realizados em instituições como o Parque Lage (Rio) e a White Chapel (Londres), a artista pediu que as crianças revelassem seus medos e ao mesmo tempo exorcizassem essas vulnerabilidades idealizando capas de proteção, como forma de abrigar ou afugentar seus receios. Realizou um processo semelhante, de depuração de imagens assustadoras, com seus filhos pequenos por meio de jogos de nomeação e descrição de fantasmas que supostamente rondavam a casa e as mentes, até que o sentimento vago de assombração se transformou em um terreno seguro e livre de ameaça. Esse processo de troca e investigação acabou fornecendo-lhe um amplo repertório de imagens e referências que vêm assumindo diferentes corpos e formas, ecoando aqui e ali em sua poética. “Às vezes ficam latências de um trabalho para o outro, algo que te incomoda e que você só vai resolver anos depois. Talvez através de outra obra”, explica.
Dois dos trabalhos em exposição em Nova York dialogam diretamente com esse processo de coleção e reelaboração: a série À Espreita, um conjunto de desenhos feitos a partir de material coletado com as crianças e retrabalhados como se fossem teatros de sombras, e Fear of, uma assemblage na qual se nomeiam e entrelaçam medos potentes e paralisantes da sociedade contemporânea. “A gente que viveu, foi criança durante a ditadura militar, e hoje tem filhos, vê o ciclo, o retorno do recalcado, percebe uma unidade e também que o fascismo não está do lado de fora. Ele está do lado de dentro”, afirma ela, reivindicando sempre essa ênfase no medo como fenômeno social, de necessidade de conectar qualquer mergulho pessoal com aspectos mais totalizantes. Os casos particulares também são iluminadores de como esse afeto fundamental é manipulado dentro do campo social, de como ele é usado calculadamente para a manutenção das forças autoritárias dentro da sociedade.
Detalhe de "Fear of" (2020), Rivane Neuenschwander. Foto: Divulgação.
Detalhe de "Fear of" (2020), Rivane Neuenschwander. Foto: Divulgação.
Detalhe de "Fear of" (2020), Rivane Neuenschwander. Foto: Divulgação.
Detalhe de "Fear of" (2020), Rivane Neuenschwander. Foto: Divulgação.
Partindo de referências como Vladimir Safatle e de uma apropriação permanente de referências do campo da psicanálise – “tem alguns conceitos psicanalíticos que eu pego emprestado sem maiores compromissos conceituais, acadêmicos; um vocábulo rico que me permite fazer essas derivas, essas brincadeiras” –, Rivane alerta para a necessidade de nomear, corporificar e enfrentar os medos, em suas dimensões íntimas ou coletivas. “A gente acorda todo dia, inclusive lutando contra esse medo. Então, temos que lutar contra essa melancolia, mas é difícil porque a destruição é muito grande. A gente fica muito tocado, porque a coisa é suicidária. A destruição é em todos os sentidos. Ela é física, ela é simbólica, acontece para todo lado. As atrocidades imorais que eles cometem em nome de uma falsa moralidade é algo estarrecedor”, acrescenta.
E ela também tem suas raízes na história. A série Trópicos Malditos, Gozosos e Devotos, referência à obra com título similar de Hilda Hilst e que nomeia toda a exposição de Rivane, propõe um interessante amálgama de referências, sexuais, simbólicas e históricas, que remetem tanto à nossa situação periférica como à relação predatória e violenta da nossa colonização. Inspiradas nas Shungas, gravuras eróticas japonesas do período Edo (1603-1867) e também tributárias da simplificação gráfica da literatura de cordel, essas pinturas e tapeçarias são representações de intensos embates que remetem, segundo à artista, ao estupro como ato inaugural da sociedade brasileira.
"Trópicos Malditos, Gozosos e Devotos" (2020), Rivane Neuenschwander. Foto: Divulgação.
Esses trabalhos, sobretudo as tapeçarias, reforçam também a importância das referências e do trabalho coletivo na trajetória de Rivane. Decidida a transpor essas imagens – situadas em uma tênue fronteira entre erotismo e agressão, desejo e violência – para outra linguagem que não apenas a pintura, a artista optou por incorporar o trabalho de outros artesãos na feitura da obra. Convidou três artistas que dominam a técnica desenvolvida por um tapeceiro uruguaio, Ernesto Aroztegui, para que participassem do projeto: Elke Hülse, Magalí Sánchez Vera e Jorge Soto. Num processo lento e cuidadoso eles transferiram por meio do tear as imagens cuidadosamente planejadas por Rivane, com um desafio pela frente: propor uma leitura pessoal para os campos em vermelho, que corporificam o sangue e testemunham de forma mais explícita a violência contida nas imagens.
O caráter catártico das cenas representadas entra de certa maneira em choque com o rigor técnico da trama da tapeçaria e agrega um novo elemento ao trabalho, remetendo de forma bastante direta à tradição de narrativas ligadas ao ato de tecer como forma de iludir o tempo e postergar a consumação de um ato de violência e posse sexual, protagonizadas por figuras míticas como Penélope e Sherazade.
Se há algo em comum em todos os trabalhos reunidos em Trópicos é a importância hegemônica do papel da representação como forma de figurar uma vulnerabilidade, fazendo, assim, com que ela se torne menos ameaçadora, mesmo tendo consciência de que o medo, na vida e na teoria freudiana, é extremamente mutante. Os soldados do filme Les Carabiniers (Tempo de Guerra), de Jean-Luc Godard, que servem de fio condutor para a instalação A Ordem e o Método, por exemplo, lançam mão das imagens coletadas por meio de cartões postais para enfrentar seu medo da guerra e da morte. Parece tornar-se evidente que, figurar ou nomear aquilo que nos amedronta, nos permitiria torná-lo menos paralisante.
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"A ordem e o método" (2020), Rivane Neuenschwander. Foto: Divulgação.
Detalhe de "A ordem e o método" (2020), Rivane Neuenschwander. Foto: Divulgação.
Detalhe de "A ordem e o método" (2020), Rivane Neuenschwander. Foto: Divulgação.
Em exposição recente, no espaço paulistano Auroras, Rivane segue o mesmo empenho, tenta dar corpo à fantasia e, através desse processo complexo, repleto de desvios e enganos, mostrar o efeito potente e muitas vezes tranquilizador de enfrentar nossos temores. No caso específico deste trabalho, que infelizmente foi pouco visto em função da pandemia (a exposição de Nova York também exige que o espectador interessado faça um agendamento prévio para poder visitar a mostra), as obras nasceram de um workshop realizado paralelamente à exposição Histórias da Infância, no Masp (2016). A artista pediu então que as crianças participantes situassem fisicamente, num determinado espaço arquitetônico, seus fantasmas. E a partir desses desenhos criou uma série de mapas, recobertos de tinta branca, a ser raspada numa espécie de caça ao tesouro (ou ao medo), figurando assim um conjunto amplo de caminhos possíveis.
Rivane Neunschwander, detalhe da obra "Trópicos malditos, gozosos e devotos 7", 2020
Desde março de 2020, ao mesmo tempo que nos isolávamos como forma de segurança perante uma epidemia sem precedentes na nossa geração, acompanhávamos o fechamento dos nossos espaços cotidianos de encontro: padarias, bares, restaurantes, cinemas, teatros, museus, galerias, livrarias, cabeleireiros. Assim, cada um de nós organizava seu fazer buscando soluções para uma realidade completamente inesperada.
Ao mesmo tempo, no mundo e no Brasil especificamente, acirravam-se crimes de omissão e ataques à vida: dos rios, dos manguezais, das florestas, dos animais, das mulheres, dos negros, dos imigrantes, das instituições culturais, enfim, de tudo aquilo que não representasse uma imediata retribuição socioeconômica ou que gerasse algum tipo de lucro imediato. Soluções para a saúde e a ciência começaram a ser questionadas em detrimento de supostos ganhos fiscais e financeiros.
Tivemos a sensação de que abriram-se as comportas de uma represa recheada de atraso e ódio e, quase como num filme de ficção, saíram em debandada monstros de todas as espécies capazes de atualizar as atrocidades que já formaram parte da nossa história colonial.
A capa desta edição, um detalhe da obra Trópicos malditos, gozosos e devotos 7, 2020, da artista Rivane Neuenschwander, é quase que uma síntese do que o inconsciente e a arte podem vir a expressar, contra o medo e a violência.
Quando iniciamos as discussões sobre a realização do nosso VI Seminário Internacional em maio deste ano, junto aos diretores do Goethe-Institut, nossos parceiros no projeto, a urgência da defesa da natureza e do homem ficaram prementes. Sentimos a necessidade da arte fazer parte da reflexão sobre a noção do mundo que queremos habitar.
Nesse sentido conseguimos viabilizar um encontro virtual, onde o elenco de convidados – artistas, filósofos, cientistas, líderes ambientais e curadores -, que vêm trabalhando neste cenário complexo já há muito tempo, tivesse a oportunidade de falar de suas atividades em seus diferentes países e lugares de atuação.
“Quando rompemos os fluxos da Terra, a gente a prejudica, porque ela é um todo, tem uma consciência própria e não podemos recortá-la como um mosaico, como estamos fazendo. Há centenas de anos nossos pajés alertam para cuidar da natureza, nós somos a natureza”, disse com sabedoria a jovem ativista e artista indígena Naiara Tukano.
Assim, fizemos do encontro um lugar desde onde conseguimos nos sentir menos sós, como um método de defesa. A palavra e a arte tem sido armas fundamentais para reflexão, conforto e ataque.
Andrea Giunta, pesquisadora e curadora da Bienal do Mercosul 12, que precisou mergulhar na adaptação do evento junto aos curadores do projeto, disse no Seminário: “A arte tem a capacidade de ser um arquivo, um arquivo de experiências que foram criadas em diferentes momentos. E com este arquivo podemos fazer as perguntas do presente.”
Esta edição está povoada de matérias que mostram ideias e produções de artistas e curadores que trabalham em diálogo com seu entorno; obras que refletem uma atitude de imersão em seu tempo; obras que expressam a necessidade de abandonar o sujeito autocentrado, de pensar a importância de aprender com o outro, de apreender do outro.
PS: Ficamos muito felizes em saber, no encerramento desta edição que arte!brasileiros tinha sido reconhecida pela ABCA, com o Prêmio Antônio Bento 2019, como melhor veículo de difusão na mídia de arte e cultura. Seguiremos empenhados na qualidade e coerência do nosso trabalho.
A land art do italiano Michelangelo Pistoletto, agora finalizada, com 20 toneladas de pedras, encontra lugar permanente no Festival Arte Serrinha, em Bragança Paulista.
A arte pode redirecionar o mundo e propor novas maneiras de viver? Michelangelo Pistoletto há quase dez anos se dedica ao ambicioso projeto Terzo Paradiso (Terceiro Paraíso), apoiado em um repertório crítico de terminologias matemáticas para desenvolver uma ação de respeito à natureza, aos espaços urbanos e ao homem, colocando a arte no centro de uma transformação social responsável.
Seria um engano imaginar que a proposta gira em torno dela mesma. Ao contrário, contamina outros circuitos, abre o campo das reflexões e narrativas por meio de atividades artísticas e educacionais envolvendo a população do local onde ela é instalada, provocando consequências sociais.
O conceito do projeto começa com o gesto de Pìstoletto de tomar o signo matemático do infinito como ponto de partida. O Terzo Paradiso é a fusão do primeiro círculo do símbolo, que ele diz ser integrado à natureza, com o segundo, imerso nas necessidades artificiais, para ambos formarem o terceiro que representa a nova humanidade.
De fácil identificação visual e teoricamente complexo, como ele mesmo define, Terzo Paradiso já foi desenhado, dançado, tocado, plantado, em diversas topografias: mares, rios, praças, projetado e até impresso em uma nave espacial italiana. Agora, em grande dimensão, chega à paisagem bucólica e montanhosa do 19º Festival Arte Serrinha, idealizado por Fabio Delduque em Bragança Paulista, que ocorre virtualmente até novembro, com o tema Arte e Ciência. A instalação reforça a ideia de Pistoletto de que a terra é a paisagem para um novo nível de civilização. A curadoria é de Marcello Dantas e Catarina Duncan, e a instalação foi feita sob a orientação do Pistoletto. “Não pudemos envolver a população nem os estudantes por conta da Covid-19. Mas agora o público poderá conhecer a obra feita com rochas da região durante todo o ano, porque já integra o acervo permanente do festival.”
Conversa em Havana
Há projetos que enfeitiçam e agem como substâncias alucinógenas nos seus autores. Converso com Pistoletto no hotel Raquel, em Havana, em 2015, acompanhado de sua mulher, Maria, um farol de sua vida. Tranquilo, animado, ele dá sinais de que faria o Terzo Paradiso no interior de São Paulo, então guardo a entrevista para esta ocasião. Na capital cubana seu trabalho ganha outros contornos por trazer à tona um mecanismo de controle. Ele acabava de fazer a performance sem a autorização do governo, envolvendo dezenas de barcos de pesca, sob a coordenação do artista Kcho, da curadora Laura Salas, ambos cubanos, e de Lorenzo Fiaschi, da galeria italiana Continua, com filial em Havana.
Terzo Paradiso montada na Baía de Havana, em 2015, como uma grande performance realizada ao lado de pescadores locais. Foto: Divulgação
Sem consultar a burocracia cubana, ele convence os pescadores a fazerem o signo do Terzo Paradiso flutuar na Baía de Havana. Sabendo da complexidade da situação, pergunto como conseguiu intervir dentro de uma área da chamada “água costeira”, território soberano do Estado, lei vigente em qualquer país. “Os pescadores devem ter o direito, como qualquer cidadão, de se manifestar. Terzo Paradiso é uma obra de processo aberto, comunitário, de ação planetária em que todos são autores e protagonistas independente de seu país, raça, política ou religião”. De qualquer forma Pistoletto executou a obra e testou um modelo de como exibir eventos performáticos em zona proibida. Havana é uma das embaixadas do Terzo Paradiso, assim como San Gimignano, Pequim e Quebec.
O novo milênio alerta que o planeta está sob risco. Terzo Paradiso pratica duas questões recorrentes, a reciclagem e a sustentabilidade ambiental. A função reprodutora do projeto está nos subprodutos gerados em seminários, debates, workshops, residências, festivais, na defesa de um futuro no qual natureza e sociedade coexistam de forma sustentável e garantam vida à terra. Terzo Paradiso significa a passagem de um novo nível de civilidade planetária.
“O termo ‘Paraíso’ foi apropriado pela religião como doutrina, mas pertence à língua persa que significa jardim protegido. Naquela cultura, Paradiso se refere à agricultura, ao modo de produzir vegetais no deserto, construindo dois muros paralelos de pedras, com espaço suficiente entre eles para deter a umidade e permitir que floresça a plantação. Do ponto de vista da religião, se configura como o jardim que se pode alcançar depois da morte”, explica. Mas os homens querem um jardim em sua vida terrestre, daí o artista criou um símbolo a partir da trinâmica, elemento tomado do sinal matemático do infinito. “Quero falar de nossa vida finita na sociedade, fazer nascer um terceiro espaço que representa o início e o fim de nossa existência. Afinal, tudo o que existe tem uma duração e depois acaba”.
Nessa perspectiva Terzo Paradiso é participativo, espacial e, sobretudo, político. “A arte não pode ser separada da política. Arte é política e a política tem que ser arte. A arte tem a liberdade de ser livre e responsável”. A Cittadellarte, seu centro de arte em Biella, onde nasceu, é a sede do Terzo Paradiso. Lá ele fez a exposição A Crítica não é Suficiente, uma espécie de resposta aos artistas que criticam o status quo sem propor nada de novo em troca. “Crítica é utopia e se for simplesmente bloqueada em uma situação não provoca o novo. Não basta um artista criticar o sistema, é preciso que ele tenha uma proposta de mudança”.
Considerado um dos artistas fundamentais da arte contemporânea, Pistoletto, aos 86 anos, testou positivo para Covid-19, passou um mês no hospital, se recuperou, segue trabalhando e assumiu uma nova identidade, como ele diz, passando de sujeito individual ao sujeito coletivo da criação artística. “A arte deve ser colocada no centro de uma transformação, introduzindo uma atenção à ecologia e à pesquisa prática, acompanhada de um processo mental que permita que as pessoas comecem a conviver com novas motivações. Arte é enzima de fermentação social, equilíbrio da efetiva realidade do mundo”, finaliza.
Palestrantes do VI Seminário Internacional Virtual: em defesa da natureza e da cultura - a arte do possível
Realizados em diferentes cidades e instituições, os seminários internacionais e debates organizados pela arte!brasileiros tornaram-se importantes espaços de reflexão, discussão e difusão do pensamento crítico contemporâneo, relativo não só ao mundo da arte, mas à sociedade como um todo. Desde “O Colecionismo no Brasil no séc. XXI”, em 2012, até “Gestão Cultural: Desafios Contemporâneos”, em 2019, uma grande quantidade de pensadores de diversos países e áreas puderam dialogar entre si e com o público sobre uma ampla variedade de temas.
Dando sequência a esta caminhada, nos dias 8 e 9 de outubro de 2020 a arte!brasileiros realizou, em parceria com o Goethe-Institut, o “VI Seminário Internacional Virtual ARTE!Brasileiros: Em defesa da natureza e da cultura – a arte do possível”. Dessa vez, não no Auditório Ibirapuera, no Itaú Cultural, no MAM-SP ou no CCBB Rio – locais que já abrigaram estes eventos -, mas sim na web, na plataforma do YouTube.
A impossibilidade do encontro presencial, decorrente da pandemia de Covid-19 e da necessidade de isolamento social, trouxe vários novos desafios e algumas dificuldades, mas resultou também em uma grande “vantagem colateral” – por assim dizer -, um alcance de público bastante superior ao visto nos eventos anteriores. Foram cerca de 5 mil acessos durante os dois dias de seminário, com números que seguem subindo nas plataformas, já que o evento está disponível em nosso canal.
O tema da pandemia, que não surge desconectado da destruição da natureza e dos ataques à cultura vividos no mundo – e destacadamente no Brasil -, permeou as falas dos ambientalistas, filósofos, cientistas, artistas e curadores que participaram do seminário. Nas próximas páginas, em cinco textos, o leitor terá a cobertura completa das apresentações que reuniram, no dia 8, a artista e militante indígena Naiara Tukano, o líder indígena e ambientalista Ailton Krenak, o cientista Antônio Donato Nobre, a curadora Andrea Giunta (12ª Bienal do Mercosul), os artistas Bárbara Wagner e Benjamin de Burca e o filósofo Franco “Bifo” Berardi; e, no dia 9, os curadores Beatriz Lemos, Diane Lima e Thiago de Paula Souza (3ª edição da Frestas – Trienal de Artes), os artistas Edgar Calel e Aline Baiana e os curadores Agustín Pérez Rubio e Lisette Lagnado (11ª Bienal de Berlim).
Poucos dias após a realização do evento recebemos, com grande alegria, a notícia de que a nossa editora Patricia Rousseaux e a arte!brasileiros foram vencedores do Prêmio ABCA – Associação Brasileira de Críticos de Arte – 2019, na categoria Prêmio Antônio Bento (difusão das artes visuais na mídia). Este reconhecimento valida o nosso trabalho e nos dá forças para continuar.
"Parade", Yuko Mohri, obra que está na exposição "Vento". Foto: Divulgação
Em 14 de novembro, a Bienal de São Paulo volta a abrir as portas para o público, acompanhando o movimento de reabertura iniciado pelo circuito cultural, com a exposição Vento, um recorte sugestivo do que será a 34ª edição do evento, adiada para setembro do ano que vem por causa da pandemia. A instituição também apresentou à imprensa nos últimos dias os detalhes de um novo conjunto de iniciativas planejadas para o mundo virtual, confirmando que ainda vamos conviver por muito tempo com estratégias de comunicação e troca que nos permitam limitar os encontros presenciais.
A mostra coletiva, que reúne trabalhos de 21 artistas (dentre os cerca de 100 que participarão da mostra final), vem de encontro a alguns elementos fundamentais do projeto original da 34ª Bienal – intitulada Faz escuro mas eu canto. É uma espécie de atualização de um de seus pilares básicos: a proposta de estender o evento no tempo, apresentando em mostras individuais sucessivas parte das obras selecionadas, dando ao espectador a possibilidade de interagir com elas em diferentes contextos, ampliando assim a possibilidade de leituras. “Queríamos um índice do que virá ano que vem”, sintetiza Jacoppo Crivelli Visconti, curador da Bienal. Trata-se de uma seleção propositalmente diversa, que reverbera os efeitos da pandemia e do isolamento. “Procuramos fazer uma reflexão sobre o próprio processo de construir a exposição, não fingimos que nada disso nos afetou”, afirma o curador-adjunto Paulo Miyada, destacando a importância de não aferrar-se a um projeto fechado, incapaz de “sentir o tremor dos tempos”.
Além da heterogeneidade de poéticas, uma representação propositalmente ampla de gerações e culturas, a mostra traz como grande índice inovador uma ocupação completamente experimental do espaço. As obras ocuparão os três andares do Pavilhão do Ibirapuera numa configuração no mínimo provocativa. Foram abolidos qualquer tipo de suporte expográfico, com os trabalhos convivendo apenas com as paredes, janelas e colunas existentes no projeto original. “São 30 mil metros quadrados e cerca de 20 artistas, o que cria uma escala muito rara, que reorganiza os planos originais do pavilhão e remete ao contexto específico da pandemia”, descreve Miyada, sublinhando a importância das noções de aproximação e afastamento nessa montagem.
Vento funciona como uma espécie de ensaio aberto. Coloca em fricção obras mais clássicas, como as pinturas evocativas de Eleonore Koch, e experiências que extrapolam o campo da visualidade, como as esculturas musicais de Yuko Mohri. A escolha do título, que segundo Crivelli evoca “aquela sensação de sentir na pele o que não consegue ver”, também ecoa em determinados trabalhos, como o vídeo Wind, de Joan Jonas, que alude ao desejo de reconectar diferentes elementos da natureza.
No campo das atividades virtuais, a 34ª Bienal de São Paulo também traz novidades. Atividades como “Visitas aos ateliês” e “Encontros com os Artistas” vem se somar à outras iniciativas reforçadas durante a quarentena, como as correspondências curatoriais (programação completa pode ser vista em aqui). A série de encontros entre os artistas, por exemplo, terá ao todo seis encontros. O segundo deles está programado para o dia 26 de novembro e deve colocar em sintonia artistas indígenas (Jaider Esbell, Jaune Quick-to-see, Sebastián Calfuqueo Aliste e Sung Tieu), tendo os cantos tikmũ’ũn por tema.
As visitas aos ateliês mantém um ritmo mais intenso. Serão divulgados um encontro por mês até a abertura da grande exposição geral, no segundo semestre de 2021. Por meio deles,é possível entender melhor a conexão entre as poéticas selecionadas e a estrutura geral da mostra. Eles também funcionam como uma espécie de alerta em relação aos impasses éticos, políticos e estéticos que se tornaram ainda mais agudos neste momento. Na primeira dessas conversas, divulgada na última quarta-feira, o artista baiano Juraci Dorea deixa claro a importância de traçar caminhos originais, que fogem do circuito da arte tradicional, mas ao mesmo tempo sua fala soa como um alarme de defesa e resistência: “A Bienal de São Paulo acontece, apesar de tudo”, conclui.
Exposição "Entre Bordas - Sons que Escapam" do Sesc Santo André. Foto: Letícia Gouveia.
Quais são os sons que escapam das bordas? É dessa pergunta que parte Entre Bordas – Sons que Escapam, a nova exposição presencial do Sesc Santo André. Com curadoria de Paula Braga, a mostra traz o conceito do som em potencial em homenagem ao músico e performer John Cage.
É a partir de obras de Bruno Kurru, Marília Coelho, Paulo Nenflídio, Renan Marcondes, Sandra Cinto e Thomaz Rosa que a exposição trata da sutileza sonora, da quietude e do poder enunciativo do que é esse som em potencial. A mostra coletiva é parte da série Entre Bordas, organizada pelo Sesc SP. A sequência de exposições convida artistas e curadores que se relacionam de alguma forma com o ABC paulista, essa região “que fica na borda do campo”, como explica Paula Braga.
Assista ao vídeo e saiba mais sobre Entre Bordas – Sons que Escapam:
A exposição fica em cartaz até março de 2021. Para a segurança de todos frente à pandemia de coronavírus, as visitas acontecem em grupos de 10 pessoas com intervalos a cada 30 minutos. A temperatura corporal de todos é aferida na entrada e o uso de máscaras é obrigatório.
Reserve seu ingresso no site do Sesc Santo André clicando aqui.
Entre Bordas – Sons que escapam teria início em março, mas foi adiada presencialmente em função da pandemia do novo coronavírus. “Se a exposição propunha o silêncio, nós ficamos vivendo em casa esse tipo de silêncio que foi causado pela pausa no cotidiano. Nós tivemos que entrar em contato com nossos ruídos interiores, que muitas vezes não deixamos escapar de uma certa borda do cotidiano. Tudo isso fez a exposição adquirir um outro significado”, conta Paula. Nesse período, o Sesc produziu vídeos e conteúdos que permitissem o contato virtual com a exposição (assista clicando aqui).