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Individual de Xadalu em Porto Alegre aborda o apagamento da cultura indígena

Obra de Xadalu exposta na Fundação Iberê Camargo
Vista da exposição "Antes que se apague: territórios flutuantes" na Fundação Iberê Camargo. Foto: José Antonio Kalil / Reprodução

“Área Indígena”, lê-se nos lembretes espalhados pelas ruas da capital gaúcha. Os lambes, cartazes, pinturas e bandeiras em que essa frase se grafa são de autoria de Xadalu Tupã Jekupé, artista mestiço de origem Guarani Mbyá. Frente a um silenciamento da presença indígena na região oeste do Rio Grande do Sul, onde diversas etnias foram dizimadas, os trabalhos reivindicam o direito ao território e o reocupam simbolicamente. No próximo dia 14 de maio, essa reflexão chega à Fundação Iberê Camargo com Antes que se apague: territórios flutuantes, individual de Xadalu. Reunindo 19 obras – dentre as quais 14 inéditas -, a mostra retoma as memórias da infância do artista, bem como de sua mãe, de sua avó e de sua bisavó, na antiga Terra Indígena Ararenguá, na beira do Rio Ibirapuitã, em Alegrete.

“O trabalho de Xadalu nos abre uma perspectiva da história a partir da visão dos que perderam as batalhas. Não apenas a Guerra Guaranítica, mas também as pequenas batalhas cotidianas, aquelas que silenciosamente vão sendo travadas e talvez nem sejam percebidas como uma batalha por quem venceu”, destaca o curador. Para ele, os trabalhos contribuem para que outro modo de vida ganhe visibilidade e possa se tornar possível.

E se a mostra busca trazer essas outras cosmovisões e cosmologias (frequentemente apagadas), também é nelas que buscou se construir. Em bate-papo organizado pelo Instituto Ling em parceria com a Fundação Iberê, artista e curador compartilharam um pouco sobre o processo de Antes que se apague: territórios flutuantes e destacaram a participação da comunidade guarani na feitura dos trabalhos. Contaram ainda que durante o processo de elaboração da mostra, Xadalu levou Cauê à aldeia guarani em Porto Alegre, “foi muito mágico aquelas tardes que a gente ficou juntos e a gente foi lá na aldeia, e em volta do fogo pode conversar da vida como arte – e não da arte como vida”, explica o artista.

SERVIÇO

Antes que se apague: territórios flutuantes
Fundação Iberê Camargo: Av. Padre Cacique, 2000 – Bairro Cristal, Porto Alegre (RS)
Visitação: 14 de maio a 31 de julho de 2022
Horário: Quinta a domingo, das 14h às 18h

“Muleta” burocrática para censura no Masp é metástase do autoritarismo

Fotografia de Edgar Kanaykõ Xakriabá que integraria a exposição coletiva da série
Fotografia de Edgar Kanaykõ Xakriabá que integraria a exposição coletiva da série "Histórias Brasileiras", cancelada pelo Masp. Foto: Cortesia do artista

*Alguns dias após a publicação deste artigo, Sandra Benites, curadora adjunta do Masp e primeira profissional indígena na curadoria de um museu brasileiro, pediu demissão. “Não faz sentido que eu continue sem poder ampliar o debate”, declarou Sandra à Folha de São Paulo. Leia a seguir o artigo de Jotabê Medeiros.

O Museu de Arte de São Paulo. Foto: Marcelo Valente.
O Museu de Arte de São Paulo. Foto: Marcelo Valente.

O que é fundamental na concepção de um museu moderno? A preservação dos cânones burocráticos e administrativos ou a criação de novas instâncias ágeis o suficiente para o acompanhamento da realidade, do tempo presente, das demandas urgentes? O Museu de Arte de São Paulo (Masp) parece viver aguda e esquizofrenicamente essa questão.

Em poucos dias, o museu foi denunciado em público por dois casos de “censura burocrática”, expressão que talvez seja um eufemismo mal ajambrado para descrever o que de fato se passou. Há alguns dias, o museu decretou a suspensão de uma exposição coletiva da série Histórias Brasileiras, que abriria em julho, por conta da declarada impossibilidade (para não dizer a real: a falta de vontade) de exibir uma série de fotos sobre o Movimento Sem Terra (MST). Antes disso, em fevereiro, o museu foi denunciado por cancelar quase de véspera o lançamento de um livro de Guilherme Boulos, liderança do MTST (Movimento dos Trabalhadores Sem Teto).

A exposição cancelada tinha a curadoria de duas profissionais experientes e com alto nível de consciência política: Sandra Benites, a primeira indígena a se tornar curadora-adjunta  do museu, e a crítica e ensaísta Clarissa Diniz, que foi assistente de Paulo Herkenhoff. O argumento para o cancelamento foi a falta de tempo hábil para a contratação e cessão do material fotográfico a ser exibido (curiosamente, justo o recorte mais incômodo para os atuais ocupantes do poder).

Avisadas da suspensão de parte do seu núcleo por “problemas de cronograma”, as curadoras resolveram cancelar toda a exposição. Elas dizem não ter sido avisadas, nem pela produção nem pela curadoria do museu, sobre o suposto prazo que teriam descumprido (leia o esclarecimento oficial publicado pelas curadoras). O Masp, por seu lado, informou que os prazos constavam em contrato. Conforme nota oficial do museu, a instituição afirma que buscou flexibilizar os prazos para solicitação de empréstimo de obras bem como seus licenciamentos, limitados a seis meses (para instituições nacionais) e quatro meses (para galerias e coleções particulares nacionais), e aceitou um pedido de inclusão de cartazes e documentos do acervo do MST, “o que descarta a hipótese de censura”.

Mas não é assim que as curadoras enxergam a decisão. “Impedidas de levar adiante nosso acordo com o Movimento Sem Terra, seus fotógrafos (João Zinclar e André Vilaron) e Edgar Kanaykõ como sanção a um erro que sabemos não ter cometido, sentimo-nos desrespeitadas, injustiçadas e instadas, em consequência de tal decisão, a trair a confiança deste que não é só o maior movimento social do Brasil, como também é a coluna vertebral do Retomadas“, escreveram as curadoras em um comunicado privado (endereçado primordialmente a artistas, ativistas, cineastas, fotógrafos, movimentos sociais, carnavalescos, escritores, atrizes, linguistas, colecionadores, instituições e universidades que integraram ou se juntaram de algum modo ao projeto).

“Aceitar a exclusão das imagens das retomadas em nome da permanência do núcleo nos levaria a ser desleais com os sujeitos e movimentos envolvidos na nossa curadoria – contradição que não estamos dispostas a negociar por não concordar com tamanha irresponsabilidade”, prosseguiram. Indagada na semana passada pela reportagem da arte!brasileiros sobre se a decisão do Masp não configura censura, a curadora Clarissa Diniz declarou: “Eu acho que impedir a representação completa das Retomadas é, em si, uma posição política”.

Ato contínuo, o Museu de Arte de São Paulo retirou de seu site oficial os nomes de Sandra Benites e Clarissa Diniz da sinopse da série Histórias Brasileiras, alertando que prossegue o programa com outros sete núcleos. O segmento é definido da seguinte forma: “A perspectiva privilegiada não é tanto a da história da arte, mas a das histórias sociais ou políticas, íntimas ou privadas, dos costumes e do cotidiano, a partir da cultura visual. Nesse sentido, a mostra tem também um caráter mais polifônico e fragmentado, fugindo de uma decisão definitiva, canônica ou totalizante”.

Ou seja: a decisão do cancelamento parece ser a negação de todo esse princípio. A sequência desses fatos no Masp é indicativa de um surto perigoso. Asfixiados pela burocracia do governo federal (que por sua vez tem um propósito único e assumido: o da perseguição política e ideológica), os museus brasileiros parecem não atentar para o fato de que não são propriedade de um establishment político, mas abrigam o próprio conceito de Nação.

Para negar a cessão de seu auditório a quatro dias do lançamento do livro Sem Medo do Futuro (Editora Contracorrrente), de autoria de Guilherme Boulos (PSOL-SP), que é pré-candidato a deputado federal, o Masp alegou que seu estatuto proíbe a realização de “manifestações de caráter político e/ou religioso”. Ora, toda a arte de seu acervo (adquirido, diga-se, com recursos públicos, no momento em que foi salvo de sequestro judicial por intervenção do então presidente Juscelino Kubitscheck) é de algum modo política, social ou religiosa, desde A Tentação de Santo Antão, de Hieronymus Bosch, do século 15, passando por Renoir, Toulouse-Lautrec, Modigliani e Manet. Embora ressalte que não há ligação entre a suspensão da exposição Retomadas com o veto ao lançamento de Boulos, é impossível não relacioná-los.

Essa metástase de uma censura escorada em argumentos burocráticos, de frágil argumentação teórica e legal, se espalha rápida e preocupantemente desde o poder central do Brasil. Em dezembro, o Museu da República mandou interromper o trabalho de catalogação e preparação da Coleção Nosso Sagrado, um acervo secular composto por 519 peças de arte afrobrasileira que ficou mais de um século sob a guarda da polícia do Rio de Janeiro (criminalizado devido à intolerância religiosa e racial). A ordem de interromper o trabalho e “engavetar” todo o material veio do Instituto Brasileiro de Museus (Ibram), órgão do governo federal, e partiu de um extremista religioso que ocupa cargo de relevo na alta burocracia dos museus.

É preciso lembrar a essas instituições que o alinhamento circunstancial e oportunista de um museu a um ideário de plantão, mesmo que seja por motivos de saúde financeira, tem custos definitivos. A presença do museu na sociedade é estruturante, tem repercussões de natureza formativa, educativa, emancipadora.

SAIBA MAIS: leia nota assinada pelo Acervo João Zinclar, o Coletivo de Arquivo e Memória do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST) e pela Direção Nacional do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST) Clique aqui

National Gallery e Guggenheim buscam se desvincular do nome Sackler

A National Gallery de Londres. Foto: Diego Delso/Wikimedia Commons.
A National Gallery de Londres. Foto: Diego Delso/Wikimedia Commons.

Em anúncio feito nesta segunda-feira, 9 de maio, a National Gallery de Londres anunciou a retirada do nome da família Sackler de seus salões. Em comunicado conjunto com a Dr Mortimer and Theresa Sackler Foundation – a instituição de caridade da família no Reino Unido –, a instituição afirma que ambas as partes “concordaram que, após 30 anos, a nomeação da Sala 34 como a Galeria Sackler deveria chegar ao fim”. O movimento do museu segue a crescente demanda para que as instituições se desvinculem dos magnatas farmacêuticos, associados à Purdue Pharma, fabricante do analgésico Oxicodona. Nos últimos anos, os EUA têm vivido uma crise de saúde pública graças ao uso indiscriminado dos opiáceos (família de medicamentos derivados da papoula, dos quais a Oxicodona faz parte). Há, ainda, alegações de que a Purdue Pharma teria ocultado deliberadamente seu potencial de dependência.

Concomitantemente, em Nova York, decisão parecida foi tomada pelo Guggenheim Museum, de forma silenciosa, porém. Durante décadas o museu foi beneficiado com generosas doações dos oligarcas e chegou a honrá-los ao dar seu nome para o Centro de Educação Artística. O site do museu, no entanto, não exibe relação qualquer com os donos da Purdue Pharma.

Antes dos recentes episódios, o grupo Tate, as Serpentine Galleries, o British Museum – todos ingleses -, o Metropolitan Museum of Art de Nova York e o Musée du Louvre, em Paris, já haviam removido a menção ao nome Sackler de suas galerias e edifícios.

Na Inglaterra, a última medida da National Gallery pode aumentar a pressão sobre o Victoria and Albert Museum, que abriu um pátio com o nome dos Sackler em 2017 após uma doação de US$ 9,9 milhões.

Já nos Estados Unidos, um acordo entre os Sackler e o Estado americano – que garantiria à família Sackler imunidade em processos relacionados ao opiáceo – enfrentava oposição de nove procuradores gerais. No começo de março suas objeções foram abandonadas, possibilitando a decisão. Em troca, os Sackler deverão pagar US$ 6 bilhões ao Estado. Alguns críticos ao acordo apontam que, segundo documentos judiciais, a família teria recebido US$ 10 bilhões ao longo dos anos em lucros relativos à Oxicodona, outros apontam que o aporte acordado será logo recuperado pela família e fica aquém do montante de US$ 1 trilhão gasto anualmente pelos EUA com a crise de opiáceos.

“Cartas ao mundo”, exposição-manifesto de Bia Lessa, repensa o mundo a partir de Glauber Rocha

Registro de performance na exposição
Registro de performance na exposição "Cartas ao Mundo" no Sesc Av. Paulista. Foto: Alisson Sbrana

Quem visita o Sesc Avenida Paulista num sábado às 10h, verá uma exposição completamente diferente de alguém que visita o mesmo espaço às 18h. Ambos, porém, estão diantes de Cartas ao Mundo, exposição-manifesto com criação e curadoria da artista Bia Lessa. Calcada na obra do cineasta Glauber Rocha, e no contraste entre distopia e utopia, doença e cura, a mostra se modifica aos olhos dos visitantes, transformando-se a cada hora e criando diferentes ambientes.

Construída como uma instalação, Cartas ao Mundo se estrutura a partir três filmes: Asfixia, Mercadoria O Comum. Em diferentes momentos, cada um dos segmentos videográficos preenche o espaço, com suportes e obras diversas e sendo permeado por performances sequenciais, realizadas por uma dezena de artistas. Nesse processo, temos a experiência de uma miríade de obras de 80 artistas, reunidas com a contribuição especial de Vitor Garcez, Flora Süssekind, Ailton Krenak e Guilherme Wisnik. Aos domingos, o trabalho chega às ruas da Avenida Paulista. “‘Quis/mudar/tudo’: como no poema de Augusto de Campos, esse foi o mote desse projeto. Essa é a meta desse trabalho – o desejo de tomada de consciência e de mudança”, diz Bia Lessa.

arte!brasileiros visitou a mostra e conversou com a curadora Bia Lessa. Assista ao vídeo:

Cartas ao Mundo fica em cartaz no Sesc Avenida Paulista até 29 de maio de 2022 e pode ser visitada gratuitamente mediante apresentação de comprovante vacinal, de terça a sexta, das 12h às 21h, sábados e domingos, das 10h às 18h30. As performances acontecem de terça a sexta, às 19h e 20h30, sábados, domingos e feriados, às 10h, 11h15, 12h30, 14h, 15h30 e 17h15.

5 livros para se aprofundar na trajetória de artistas brasileiros

Obra de Lorenzato, parte do livro homônimo publicado pela Ubu Editora. Foto: Reprodução

As artes visuais são uma área ampla e que se estende muito além dos grandes nomes historicamente legitimados. Entre figuras antes reduzidas a ingênuas, pintores que se debruçam sobre cenários cotidianos e pessoas de Brasis ainda pouco vistos, estão trajetórias e obras que alguns críticos e pesquisadores buscaram ouvir e documentar nos últimos tempos. A arte!brasileiros preparou uma lista com livros lançados recentemente que enfocam a carreira e vida de cinco diferentes artistas do país.

Lorenzato

Entre três e cinco mil pinturas: este é o corpo de obras estimado de Amadeo Luciano Lorenzato. Apesar dos temas e iconografias diversos, o diálogo com a biografia do mineiro e sua relação com a paisagem de Belo Horizonte percorrem toda a trajetória do artista. Organizada pelo curador e crítico de arte Rodrigo Moura, a nova publicação bilíngue da Ubu Editora reúne os principais trabalhos de Lorenzato e ressalta como sua experiência como pintor-decorador o levou a criar uma técnica pictórica original. Isso é perceptível ao lermos como os instrumentos de decoração de paredes eram adaptados e utilizados em seus quadros; ou ao sabermos que a sensação de movimento presente em suas obras é fruto da fusão de cores e texturas obtida ao raspar a tinta sobre a tela repetidas vezes com um pente. No livro, mergulhamos na trajetória de um artista que durante muitos anos esteve limitado a um círculo pequeno de admiradores e foi considerado primitivo e ingênuo, mas que vem conquistando novas audiências nos últimos vinte anos, consolidando seu lugar entre os artistas modernos brasileiros. Saiba mais sobre no site da Ubu Editora.

Silva: um gênio na Coleção Orandi Momesso

Silva também faz parte dos artistas frequentemente categorizados como ingênuos. Pintor, escultor, escritor e repentista autodidata, nasceu em uma fazenda em Sales Oliveira, interior de São Paulo. Em São José do Rio Preto, foi responsável pela fundação do Museu Municipal de Arte Contemporânea (1966), junto com a biblioteca daquela cidade, e, posteriormente, ajudou na criação do Museu de Arte Primitivista “José Antônio da Silva” (1980). Tornou-se uma importante referência na produção artística brasileira, chamando atenção para questões que continuam atuais, como as queimadas, a relação com a natureza e o meio ambiente. Organizado a partir da coleção de Orandi Momesso – que há cerca de 50 anos tem cultivado um olhar sobre a produção artística brasileira – o livro da Via Impressa Edições de Artes apresenta 70 obras da extensa produção de José Antônio da Silva e um amplo trabalho de pesquisa, que inclui documentação inédita disponibilizada pela família do artista. Integram o livro textos da historiadora de arte Ana Paula Nascimento, do poeta Augusto de Campos, de Olívio Tavares de Araújo – responsável pela curadoria da maior exposição de Silva, realizada na Pinacoteca de São Paulo em 1998 -, do artista Paulo Pasta, do crítico de arte Paulo Venancio Filho e do colecionador Orandi Momesso.

Capa do livro ARTE POR UM FIO: ARTHUR BISPO DO ROSARIO
“Arte por um fio: Arthur Bispo do Rosario”, de Solange de Oliveira. Estação Liberdade, 2022 (384p.). Foto: Divulgação
Arte por um fio: Arthur Bispo do Rosário

Arthur Bispo do Rosário sofreu diversas ordens de exclusão: etnia, origem, quadro clínico e posição social. Neste volume, a artista e Doutora em Psicologia Social Solange de Oliveira apresenta um novo estudo sobre o artista sergipano que permaneceu recluso em asilo psiquiátrico cerca de 50 anos de sua vida. “A experiência intramundos de Arthur Bispo do Rosário se desdobrou entre as tradições de sua
localidade natal e a sociabilidade improvisada do Rio de Janeiro, respectivamente, a memória
da origem e a memória do destino”, escreve a autora. O livro busca circunscrever as instâncias de intuição, memória, condição existencial e a forma como se constitui a produção de Bispo do Rosário – criador iletrado artisticamente – e proporcionar um mergulho na história do artista, que “professa uma prece bordada em memória da sua Japaratuba natal, do catolicismo rústico, das tradições artesanais e folguedos populares sergipanos, de um Brasil abolicionista”, como propõe a editora Estação Liberdade no texto de apresentação.

Lucia Laguna

Lucia Laguna pinta a partir do entorno do subúrbio onde mora – o bairro do Rocha, no Rio de Janeiro. A artista opera uma colagem de referências que passam pela história da arte, o jardim de seu ateliê e uma extensa vista da cidade. “Entre a figuração e a abstração, as pinturas reunidas neste livro sussurram a insistência desordenada da vida a partir de flores, folhas e galhos de encontro às linhas urbanas: a linha do trem, a linha do mar, a Linha Vermelha, a Linha Amarela, a Avenida Brasil’, explica o release. Publicado pela editora Cobogó em 2022, o livro Lucia Laguna traça um panorama da carreira da artista em edição bilíngue. Com organização do curador Marcelo Campos, a publicação conta com três textos inéditos: A artista de janelas abertas, no qual o escritor e historiador Luiz Antonio Simas discorre sobre o bairro do Rocha e a influência do subúrbio na obra de Laguna; Em busca do Jardim de Laguna, escrito pela curadora Diane Lima, se debruça sobre a relação da artista com os grandes mestres da pintura, assim como com seu próprio jardim; e A travessia de mundos banais, ensaio em que Marcelo Campos articula elementos fundamentais para compreender a obra da pintora, como a observação do cotidiano, a influência da geografia da cidade, o método, a disciplina e as referências à história da arte. Saiba mais.

Saboneteiras: Ana Elisa Egreja

As saboneteiras saíram da arquitetura e do imaginário afetivo de Ana Elisa Egreja, materializando-se nas telas da artista. Das telas, ganharam as páginas do livro bilíngue Saboneteiras, lançado pela Act. Editora, em parceria com a Galeria Leme. “Pintar banheiros e saboneteiras já fazia parte do meu trabalho. O que eu fiz foi dar um zoom num detalhe que já era presente na minha pintura de interior”, explica Egreja. Materiais e texturas são parte da identidade das obras que buscam, retratando elementos vistos como banais, transportar a memórias e lugares de afeto associados ao ambiente doméstico. “Encontrei nesse microcosmo uma capacidade tão potente quanto numa pintura mais ampla. Foi o que senti quando pintei a primeira saboneteira”, declara a artista. São 31 as saboneteiras estampadas nas páginas da publicação, que conta com quatro opções de capa, prefácio de Jac Leirner, poema de Carola Saavedra, texto crítico de Ann Gallagher, edição de Marina Dias Teixeira e organização de Fernando Ticoulat e João Paulo Siqueira Lopes.

Novo ataque do governo à cultura golpeia a própria economia

"Lute", de Rubens Gerchman, no Instituto Vladimir Herzog. Foto: Reprodução.

Os vetos do presidente Jair Bolsonaro à Lei Aldir Blanc 2 e à Lei Paulo Gustavo, as duas principais novidades no fomento à cultura no país, representam, além de um evidente esforço de perseguição ao setor artístico, uma demonstração de admirável burrice administrativa. E essa ignorância já pode ser demonstrada com números. Em vigor em 2020 e 2021 ainda como uma legislação de emergência cultural, a Lei Aldir Blanc injetou R$ 3 bilhões no setor e tornou-se uma das responsáveis pela criação de 855,5 mil postos de trabalho no segmento da cultura no ano passado – o crescimento do número de vagas, de 13% no ano (acima, portanto, dos 11% da economia em geral) foi detectado este mês pelo Painel de Dados do Observatório Itaú Cultural a partir de dados da PNAD Contínua.

O forte impulso à oferta de emprego na economia criativa no 4º trimestre de 2021 pode ser atribuído, parcialmente, ao arrefecimento da pandemia, mas isso só se consolidou mesmo em 2022 e não haveria um princípio de retomada no setor se ele já não estivesse sendo oxigenado durante os meses anteriores: uma peça, um show ou um filme não surgem do nada. A única fonte contínua e consistente de investimento público no setor veio da Lei Aldir Blanc, que criou nichos produtivos novos por todo o País – como o novo cinema da Amazônia.

Conforme o levantamento do Observatório Itaú Cultural, 2021 se encerrou com 7,5 milhões de trabalhadores empregados na economia criativa (que engloba atividades como cultura, design, moda, gastronomia, comunicação, arquitetura, entre outras), quase um milhão a mais do que em dezembro de 2020, quando eram 6,6 milhões de trabalhadores alocados.

Em 2019, cerca de 6% do total de ocupados no País (por volta de 5,5 milhões de pessoas) atuavam no setor cultural (segmento responsável, àquela altura, por 2,7% do PIB nacional). Segundo especialistas como Bruno Moretti e Marcos Souza, somente o período de vigência da Lei Aldir Blanc de emergência cultural, em um cenário de estagnação geral, é capaz de explicar essa bolha de virtude. 

É possível, caso Bolsonaro (felizmente) fracasse, projetar uma espécie de renascimento para o setor cultural nos próximos anos com a adoção das duas leis. Historicamente, os recursos para o setor sempre foram ínfimos, nunca passando de 1% do Orçamento da União. Com a derrubada dos vetos de Bolsonaro, a ação emergencial que já deu alento à área ganhará agora o escopo de permanente por meio da Lei Paulo Gustavo (que direciona R$ 3,86 bilhões do superávit financeiro do Fundo Nacional de Cultura a estados e municípios para fomento do setor) e da Lei Aldir Blanc 2 (que destina outros 3 bilhões para a cultura em uma política de caráter permanente). Nunca se viu nada parecido em termos de política de Estado no Brasil.

Os gastos diretos do governo federal com cultura, segundo o Portal da Transparência, vêm desabando progressivamente desde 2018, quando representaram cerca de R$ 1 bilhão. Caíram para aproximadamente R$ 600 milhões no ano passado. Este ano, 2022, estão até agora em R$ 109 milhões. É uma clara política de desarticulação de um setor produtivo e a base dessa política é simplesmente a da guerra ideológica, não há nenhum fundamento econômico ou estratégico nisso.

A blitz de guerra cultural do bolsonarismo levou os mais diferentes setores a um colapso quase completo. Mesmo as áreas mais organizadas, como era o setor audiovisual, estão em situação de calamidade, embora a publicidade tente fazer parecer o contrário, o cenário aponta para uma devastação. As pequenas iniciativas, abandonadas pelas políticas públicas, definham – por exemplo, o projeto Ponto Cine Guadalupe, na Estrada do Camboatá, no Rio de Janeiro, que está com as portas fechadas após 16 anos atuando como a primeira grande sala popular de cinema digital do Brasil exibindo apenas filmes brasileiros. O Ponto Cine chegou a exibir cerca de 550 filmes para 350 mil pessoas, mas a política de cabide da Ancine bolsonarista não o alcançou.

Nenhuma das duas leis, Paulo Gustavo e Aldir Blanc 2, aprovadas por ampla maioria nas casas legislativas, tira recursos de ou pressiona gastos com saúde, educação, Santas Casas, agronegócio ou investimentos públicos. Suas fontes de recursos já são pré-existentes, mas agora deverão ser recursos carimbados, com destinação correta. Esse é o grande temor de um Estado que trata de forma displicente aquela atividade que representa seu próprio espírito, sua alma, seu elã fundamental. 

“Anna Maria Maiolino – psssiiiuuu…” reúne cerca de 300 obras da artista no Instituto Tomie Ohtake

"Anna", Anna Maria Maiolino, 1967. Foto: Coleção da Artista

Psssiiiuuu… A onomatopeia – que pode ser assobio, chamado, flerte, pedido de silêncio, segredo, ou sinal – dá nome à nova mostra individual de Anna Maria Maiolino, em cartaz no Instituto Tomie Ohtake, em São Paulo. Uma seleção de cerca de 300 obras compõe a antologia curada por Paulo Miyada, e nos convida a uma caminhada pela ‘vida-obra’ de Maiolino – para utilizarmos um termo cunhado pela própria. A arte!brasileiros visitou a mostra e conversou com o curador. Confira:

Inaugurada em maio, mês em que a artista completou 80 anos, a mostra reúne pinturas, desenhos, xilogravuras, esculturas, fotografias, filmes, vídeos, peças de áudio e instalações de diferentes períodos de sua carreira. Para isso, a instituição reserva as três grandes salas do andar superior – raramente destinadas a uma mesma exposição, tendo sido antes dedicadas conjuntamente apenas às individuais de Yayoi Kusama e Louise Bourgeois.

Apesar de seu caráter antológico, Anna Maria Maiolino – psssiiiuuu… não se organiza como retrospectiva linear. É concebida como uma espiral que circula entre todas as fases e suportes da carreira da artista. “Vai-se adiante para se reencontrar o princípio, consome-se energia para devolver as coisas ao que sempre foram”, destaca Miyada. Em entrevista à arte!brasileiros, completa: “como nós não estamos lidando com a cronologia do calendário, nós fomos traçando espirais que se refletem em cada sala, que não são exatamente fases, mas são ênfases recorrentes na obra da artista”. São esses, os núcleos ANNA, Não Não Não e Ações Matéricas.

O primeiro nos convida a compreender como vida, biografia, desejo e multiplicidade convergem no corpo de obras da artista. Maiolino sobrepôs múltiplos papéis – como filha, artista, mãe, cidadã, mulher, amante, escritora, latino-americana, europeia e imigrante -, e assim mapeou seus deslocamentos físico e psíquico durante a vida, construindo uma compreensão de identidade como constante fluxo que vai e vem entre um e o outro, entre o eu e a multidão. Em ANNA, ficamos diante desses gestos de uma mulher que pode ser uma ou muitas, que deseja e é desejada, que cuida, que desaparece e abruptamente emerge novamente.

“A trajetória da artista encontra problemas macropolíticos como a fome, a ditadura, a censura, a repressão e a violência de estado” em Não Não Não, explica Miyada. Assim, a seção abrange obras como a instalação O amor se faz revolucionário – baseada em um projeto de 1992 que homenageava as mulheres que se organizaram para perseguir a verdade e a justiça depois de terem perdido seus filhos durante a ditadura militar argentina – e a remontagem de Arroz e Feijão (1979), que trata da aparente normalização da pobreza e da fome numa escala global.

Pressionar, moldar, cortar, agarrar, escorrer e rolar. Talvez esses verbos sejam os mais latentes em Ações Matéricas. É a partir dessas ações que Maiolino lida com argila, tinta, vidro, concreto e outros materiais, resultando em uma prática visual e escultural fortemente ancorada na escala do corpo. A seção inclui obras feitas há mais de 50 anos ao lado de trabalhos recentes, compondo uma espécie de paisagem com múltiplas peças que se relacionam de modo táctil e visual.

Os três anos de contato intenso e longas conversas entre Miyada e Maiolino resultam na mostra que poderá ser visitada até 24 de julho, e em ensaio aprofundado do curador sobre a produção da artista, publicado no catálogo – juntamente a reproduções de todas as obras expostas e de uma seleção inédita de escritos da artista ao lado de documentos, projetos, fotografias e esboços. 

SERVIÇO

Anna Maria Maiolino – psssiiiuuu…
Instituto Tomie Ohtake | Av. Faria Lima, 201 – Pinheiros, São Paulo (SP)
7 de maio (inauguração das 12h às 15h) a 24 de julho de 2022
Terça a domingo, das 11h às 20h

Pensando em Letizia Battaglia

Rosaria Schifani no funeral do marido, 1993. Crédito: Letizia Battaglia.
Rosaria Schifani no funeral do marido, 1993. Crédito: Letizia Battaglia.

Sabe-se há muito que uma fotografia não transforma o mundo, mas ajuda sim a reflexão e a consequente transformação de uma situação. Especialmente quando falamos de fotojornalismo ou da fotografia documental. Perceber o que acontece ao nosso redor, deixar nosso olho passear livremente pelas imagens que escorregam diante de nós. Perceber na sua dureza, não um olhar privo de sensibilidade ou de poesia, mas um olhar que decidiu, intencionalmente, nos contar uma história. Como afirmava o filósofo norte-americano Nelson Goodman (1906-1998), “se a arte cria mundos para se conhecer e visitar, eles não são apenas mundos de formas e de símbolos, são também mundos de emoções e de sensações misturadas”. Emoções ligadas à percepção de mundo, e que o artista nos transmite. Ou como afirma o neurocientista António Damásio “Nós, humanos, somos contadores de histórias natos, e muito nos satisfazemos contando histórias sobre como tudo começou”.

A fotógrafa Letizia Battaglia. Crédito: Shobha/Divulgação IMS
A fotógrafa Letizia Battaglia. Crédito: Shobha/Divulgação IMS

Estas colocações por parte destes cientistas me ligam muito à fotógrafa italiana Letizia Battaglia, que faleceu recentemente, no último dia 13 de abril. Esta coluna é portanto uma homenagem a esta mulher que encontrou na fotografia, no jornalismo uma maneira de contar seu mundo, a dura cidade de Palermo, na Sicilia, Itália – durante anos dominada pela Máfia. A força das suas imagens em contar sua cidade está diretamente ligada ao que escreveu Agner Heller, em seu livro Teoria dos Sentimentos: “Quando não estamos envolvidos sentimentalmente com alguma coisa, perdemos o interesse, a força e aparece o tédio”. Letizia estava totalmente imersa em seu desejo de fotografar não a Palermo contada nas páginas policiais, mas a Palermo das belezas. E por meio de suas fotografias dos crimes da Máfia ela também narrou a beleza dos personagens, das pessoas que andavam por aquelas ruas. Quando, em 2019, o Instituto Moreira Salles trouxe uma retrospectiva de suas imagens, ao escrever o texto para o jornal Estadão, pensei: “São fotografias cruas, duras, mas em nenhum momento sensacionalistas. São imagens que também fogem do estereótipo muitas vezes romantizado do mafioso, seja pelo cinema ou pela literatura. Imagens que narram a vida naqueles anos dominados pela Máfia. Muitos primeiros planos, imagens que chegam perto, que não se calam diante do horror”.

Foi a primeira fotojornalista italiana, abrindo espaço para gerações que a seguiram e reverenciaram. Suas imagens são silenciosas, contidas, não contém nada além do que ela quer mostrar, apresentar. São precisas. Imagens que tiveram um impacto na história. Se aparentemente são mudas, as fotografias, no entanto, são de um silêncio perturbador.

Jovem com bola de futebol no bairro de La Cala, Palermo, Sicília, 1980. Crédito: Letizia Battaglia.
Jovem com bola de futebol no bairro de La Cala, Palermo, Sicília, 1980. Crédito: Letizia Battaglia.

Letizia sempre recusou ser reconhecida como a fotógrafa da Máfia, sempre foi contra os crimes da Máfia, mas sem medo, já aos 30 anos, em 1971, já mãe, abandonou a vida siciliana e foi morar em Milão, atraída pela vida cultural, pelo teatro, pela literatura. Lá ela começou a escrever e colaborar para vários periódicos. Instigada por amigos que além da narrativa queriam ver imagens dos lugares que ela referia, descobriu a fotografia e se tornou correspondente do jornal L’Ora di Palermo, relatando como viviam os sicilianos no norte. Em 1977 retornou a Palermo para ser editora do jornal. Única mulher num mundo masculino, Battaglia foi muitas vezes hostilizada pelos “colegas”,  mas nunca se deixou vencer e continuou à frente, fotografando de perto, muito de perto, os mortos e seus algozes, as crianças e as mulheres. A dor e o amor de uma cidade passionária.

Letizia Battaglia nunca nos deixou esquecer da importância de relatar o mundo, de se colocar em cena e de assumir uma posição ao registrar uma foto: “Vivi a fotografia como documento, como interpretação. A vivi como uma forma de salvação e de verdade”. Letizia acreditava que só a cultura poderia nos salvar da barbárie.

Nos tempos que estamos vivendo nunca o olhar do fotojornalista foi tão importante. As imagens produzidas hoje estarão sem dúvida nos livros de história amanhã. Nunca foi tão importante voltar a pensar na fotografia como protagonista de uma narrativa e não como apêndice ilustrativo de um texto.  Nunca foi tão importante reaprender a contar histórias. Iniciei está coluna dizendo que uma imagem não transforma o mundo. Mas pode servir para reflexão. Em 1992 Palermo ficou conhecida como a “Cidade da Máfia”, em 2018 se tornou capital da cultura. Muito graças a este olhar inquieto de uma mulher chamada Letizia Battaglia! Obrigada por nos ensinar a exergar.

Glauber Rocha retorna a Cannes

Pôster de
Pôster de "Deus e o Diabo na Terra do Sol", de Glauber Rocha. Crédito: Reprodução.
Pôster de "Deus e o Diabo na Terra do Sol", de Glauber Rocha. Crédito: Reprodução.
Pôster de “Deus e o Diabo na Terra do Sol”, de Glauber Rocha. Crédito: Reprodução.

Uma restauração em 4K de Deus e Diabo na Terra do Sol, clássico de Glauber Rocha e uma das principais obras do cinema brasileiro, foi selecionada para participar do 75º Festival de Cannes (17 a 28 de maio) e será exibido na seção Cannes Classics, dedicada à preservação do patrimônio cinematográfico mundial. A escolha faz do longa o primeiro e – até agora único – filme brasileiro a integrar Cannes neste ano.

Em sua estreia, em 1964, o segundo filme de Glauber Rocha participou do festival francês em competição oficial, tendo sido indicado à Palma de Ouro – um dos prêmios mais importantes do festival. A mais nova restauração foi realizada na Cinecolor, empresa parceira da Cinemateca Brasileira, onde estava armazenada a cópia em película. Parte da obra do cineasta foi perdida no incêndio que atingiu um dos galpões da Cinemateca, em São Paulo, em julho de 2021.

A ida de Deus e o Diabo na Terra do Sol ao Festival de Cannes também marca uma nova fase para a Cinemateca Brasileira, que será reaberta agora no dia 13 de maio. O anúncio foi feito por Maria Dora Mourão, presidente da Sociedade Amigos da Cinemateca (SAC), que assumiu a gestão da instituição no ano passado, após recorrentes denúncias de abandono nos últimos anos; o galpão da Vila Leopoldina – atingido pelas chamas em 2021 – também havia sofrido com um alagamento no ano anterior, por exemplo, o galpão da Vila Mariana também sofreu com o fogo em 2016. Após ter vencido o edital para a gestão da Cinemateca nos próximos cinco anos, a SAC pretende agora retomar exibições de quinta a domingo, na sua sala principal de cinema – com capacidade para 210 pessoas.

Legado de Glauber Rocha

Tendo sido um dos representantes da primeira fase do Cinema Novo, junto a Nelson Pereira dos Santos e Ruy Guerra, é importante ressaltar a definição do Cinema Novo como descrita por pelo próprio Glauber Rocha. Em Estética da fome, sua tese de 1965, o diretor escreve que o Cinema Novo seria “um fenômeno dos povos colonizados e não uma entidade privilegiada do Brasil”. Para Glauber, “onde houver um cineasta disposto a filmar a verdade, aí haverá um germe vivo do Cinema Novo. Onde houver um cineasta disposto a enfrentar o comercialismo, a exploração, a pornografia, o tecnicismo, aí haverá um germe do Cinema Novo. Onde houver um cineasta, de qualquer idade ou de qualquer procedência, pronto a pôr seu cinema e sua profissão a serviço das causas importantes de seu tempo, aí haverá um germe do Cinema Novo. A definição é esta e por esta definição o Cinema Novo se marginaliza da indústria porque o compromisso do Cinema Industrial é com a mentira e com a exploração”.

O legado do diretor inclui longas-metragens como Barravento (1962), Terra em Transe (1967), O Dragão da Maldade Contra o Santo Guerreiro (1969), O Leão de Sete Cabeças (1970), entre outros.

Enciclopédia digital reúne história artística da Índia de 10.000 anos

Uma pintura em miniatura ilustrando uma cena do
Uma pintura em miniatura ilustrando uma cena do "Gita Govinda". Crédito: Reprodução Museu de Arte de Cleveland.

Em formato de enciclopédia, a plataforma em inglês reúne milhares de artigos sobre artistas, movimentos, disciplinas, técnicas e outros tópicos da história artística da Índia. A iniciativa vem de um time de 20 pesquisadores do Museu de Arte e Fotografia de Bangalor. “Antes disso, as pessoas obtinham informações sobre arte indiana de instituições ocidentais ou do mercado ou de acadêmicos muito especializados que escrevem livros que a maioria das pessoas não consegue entender”, Nathan Gaskell (que atua como diretor do braço educacional da instituição, MAP Academy) disse ao jornal New York Times. Gaskell ressalta eles se concentraram não apenas na precisão factual, mas também na linguagem, para que não fosse excludente, mas sim clara e concisa.

Segundo o pesquisador, outro estímulo para iniciar o projeto foi a falta de público frequentador de museus e a ausência de interesse geral pela disciplina de história da arte na Índia. “Mesmo no nível de graduação, quase não há cursos”, disse Gaskell ao portal Hyperallergic, acrescentando que, apesar de cerca de 1.600 escolas de arte no país, poucas oferecem história da arte. A equipe liderada por Gaskell redigiu cada uma das cerca de 2.000 entradas da enciclopédia nos últimos três anos, após os quais seu trabalho foi revisado por um painel de acadêmicos. A maior parte do conteúdo da plataforma atualmente se concentra na arte da Índia, mas o recurso será expandido para incluir “histórias mais amplas do sul da Ásia”, afirmou.

Há também a preocupação com a ligação entre a história da arte – segundo moldes ocidentais – e colonização. Gaskell revelou à CNN que a equipe de pesquisa esperava corrigir os vários preconceitos que existem na literatura artística histórica; o que teria afetado tanto a forma como as entradas são escritas quanto o que foi incluído em primeiro lugar. “Os preconceitos das instituições ocidentais são que eles olharam apenas para certas coisas e negligenciaram muitas obras de arte regionais”, disse o autor do livro Photography in India: A Visual History From the 1850s to the Present. “Ao incluir coisas regionais estamos imediatamente começando a resolver isso.”

Para acessar a plataforma clique aqui.