As milicianas fizeram a diferença na guerra civil espanhola. Foto: Reprodução
As primeiras combatentes vestiram o uniforme azul típico das milícias operárias. Eram as mulheres libertárias (anarquistas), às quais não demoraram a se juntar as socialistas e as comunistas. Na guerra civil que destroçou a Espanha entre 1936 e 1939, as mulheres ocuparam postos nas fábricas, assumiram enfermarias e também foram para o front.
Apenas a Coluna Aguiluchos, organizada pela Federação Anarquista Ibérica (FAI), contou com 200 milicianas. Para outras frentes de batalha antifascista também se alistaram estrangeiras, entre elas a filósofa francesa Simone Weil. Franzina e sem treinamento militar, Simone acabou reafirmando seu pacifismo após passar por uma unidade anarquista.
Coube a outra francesa, Marina Ginestà, estrelar uma imagem icônica da participação feminina no conflito. Integrante da Juventude Socialista, Marina tinha 17 anos quando posou com um rifle nas costas, no terraço do Hotel Colón, em Barcelona, para o fotógrafo alemão Hans Gutmann. Era julho de 1936 e o olhar de Marina não poderia ser mais desafiador.
A imagem ficou nos arquivos da agência de notícias Efe até começar a correr mundo, em 2002. Quatro anos depois, um pesquisador da agência identificou a retratada. “Aos 17 anos, eu não estava em condições de fazer a guerra”, disse Marina, lembrando que posara com um rifle emprestado. Ela viveu em Paris até janeiro de 2014, quando faleceu, com 94 anos.
Na época da fotografia, Marina atuava como intérprete do jornalista soviético Mikhail Koltsov, correspondente do jornal Pravda. Marina militou sem pegar em armas, mas garotas ainda mais novas que ela deram a vida à causa antifascista. Uma delas, Victoria López Práxedes, morreu aos 16 anos na Batalha de Talavera de La Reina, em setembro de 1936.
Para conquistar espaço no front, mulheres de todas as idades tiveram que batalhar tanto contra o fascismo como contra os preconceitos de seus próprios colegas de trincheira. No final, elas perderam a guerra para os fascistas liderados pelo general Francisco Franco, mas entraram para a História de cabeça erguida. Inspirado nesse processo, o cineasta espanhol Vicente Aranda filmou Libertarias. Abaixo, link para trailer do filme:
[Este é o terceiro texto de uma serie de sete, elaborados pelo Professor titular em Psicanálise e Psicopatologia Clínica do Instituto de Psicologia da USP, Christian Dunker, que estamos publicando semanalmente.
Sobe o título “A Educação do Olhar e a Leitura de Imagens – Desafios Éticos para os Museus“, já abordamos
Pretendo mostrar como as práticas de mediação convidam ao encontro com a obra como experiência de leitura reconstrutiva. Este processo pode ser entendido como experiência ética de reconhecimento, envolvendo forma estética e contradição social. A função ética do discurso, concentrada na noção de letra determina modos de relação com a obra que são também modelos de relação intersubjetiva com o outro. Apresento este tema a partir de sete desafios éticos para os museus contemporâneos.
3 Formalização e Temporalidade
Dar forma ao sofrimento, cuidar do seu reconhecimento e mediar a inspiração político transformativa que ele inspira e demanda requer que, antes de tudo, o museu perceba sua própria posição histórica neste processo. Afinal é isso que move a sua própria vocação e tarefa. Ora, não faz muito que a museologia deu-se conta de como ela concorre para produzir e reproduzir formas de sofrimento. Isso ocorre, e aqui devemos nos aproximar mais ainda do caso brasileiro, porque os museus se erigem como imenso banco de capital cultural do qual grande parte da população sente-se excluída, e porque não dizer intimidada.
Isso ocorre em parte porque este é o efeito que a maioria dos museus causam, em todo mundo, em decorrência dos muros que hierarquizam a cultura, colocando certos códigos, genericamente incompreensíveis acima de outros. A verticalização entre cultura erudita e cultura popular, pode ser reproduzida de tal maneira a sincronizar o capital cultural com o capital financeiro, legitimando sua distribuição não equitativa. Isso não se resolve apenas abrindo as portas e colocando no espaço dos museus arte popular. De certa forma esta foi a resposta dadas pelas vanguardas dos anos 1960. Pop-art, arte póvera, op-art, movimentos punk e beatnick, assim como o cultural studies e o terceiro-mundismo universitário se esforçaram por horizontalizar o conteúdo da contradição social, assim como as vanguardas formalistas, abstracionistas e geometristas prosseguiam na pesquisa de formas estéticas capazes de nos prover linguagens para estados informulados de mundo, de vida ou de sofrimento.
A inversão mais significativa neste processo ocorre quando começamos a nos dar conta de que a ideia do museu como algo orientado para a conservação do passado, no fundo envolvia também uma dada concepção de futuro. As línguas ininteligíveis, da alta cultura, assim como as profanações do espaço sagrado do museu, com baixa cultura, no fundo eram instrumentos para um mundo que ainda não está dado. Línguas a procura de sujeitos, linguagens a espera de mundos, falas deixadas em uma garrafa jogada ao mar, destinatários por devir.
Ora, se levamos adiante a hipótese de que o inconsciente estético, proposto por Ranciére, oferece as regras de forma, enquanto o conteúdo é dado pelo Real, três procedimentos fundamentais são decisivos. Estes procedimentos são também as formas pelas quais o psicanalista reconhece a incidência do real em sua experiência clínica. Cada um destes procedimentos liga-se com uma incidência específica de linguagem.
A negação. As séries significantes são a condição na qual podemos detectar modalidades de negação. Negações no simbólico que voltam no simbólico, negação ou abolições no simbólico que voltam no simbólico, negação imaginárias que representam se em imagens. Aqui a obra tem estrutura de fala, nela a mensagem volta ao seu próprio destinatário de maneira invertida.
A deformação. Aqui estamos no domínio das imagens, no seu enquadramento, na sua textura, na sua relação entre forma e cor. Aqui a obra tem estrutura de fantasia, com suas capturas e armadilhas para o olhar, como suas inversões entre quem olha e quem é olhado, com suas realizações e figurações dos estados de sexualidade e de violência, deformados, segundo a consideração de figurabilidade necessária para manter o destinatário dormindo e acordado, em vigília e em sonho.
A repetição. Aqui o conceito chave é a noção de letra. Temos então o traço, a escrita, os procedimentos de sistemas de representação e de inscrição, ou de fracasso de inscrição, são decisivos para que possamos estabilizar um determinado discurso. Aqui a obra tem estrutura de trauma, ela captura como evento ou acontecimento um ponto de junção, histórico e temporal, entre a verdade e o real.
O traumático é uma das figuras mais importantes do Real porque ele se organiza como uma operação de repetição, mas não só como uma repetição do mesmo, que volta em sonhos ou imagens intrusivas em sua reapresentação idêntica. O traumático compreende também a repetição do que não cessa de não se inscrever, ou seja, do vazio de representação ou de nomeação que precisa ser captado em uma experiência, cujo efeito é de mal-estar.
No caso da 33a Bienal de São Paulo, podemos encontrar, de forma recorrente a busca da escuta do traumático em Siron Franco e sua série sobre o acidente radioativo com o Césio 137 na cidade de Goiânia. Nesta série os objetos são separados de contextos mas figurados em um contraste branco contra negro, ao modo de uma chapa radiográfica. Lembremos que o acidente acontece porque crianças abrem uma máquina odontológica de radiografia, espalhando o pó radioativo que existe em seu interior, matando e adoecendo os habitantes de uma rua.
Subtração e deformação compõe a estratégia comum entre o brasileiro Siron Franco e o guatemalteco Aníbal López*, que nos mostra a face manchada de vermelho ou sangue de um jovem, no cartão onde se lê “Archivo abierto” ou na foto de duas mãos envelhecidas, com respingos de sangue. Duas convocações poderosas, para o dever de memória. Aqui o traumático aparece na forma do passado de violência civil e repressão que tomou conta do país entre 1976 e 1982, envolvendo extermínios paramilitares, terremotos, repressão aos indígenas do norte, guerrilhas castristas e sandinistas.
O que está em jogo nos dois casos é a ação do tempo, o conflito entre lembrança e esquecimento, entre elaboração e fracasso de simbolização. Este trabalho é antes de tudo um trabalho de restauração do desejo, de composição da história dos desejos desejados. Freud dizia que o desejo é como o fio que parte do presente, vai ao passado e se projeta realizado no futuro. Assim também a escuta museológica cria este fio que reinventa o presente para um determinado futuro a partir de um certo passado.
O incêndio do Museu Nacional -UFRJ destruiu quase todo o acervo de 20 milhões de itens. Foto: Tânia Rego/Agência Brasil
[Este é o segundo texto de uma serie de sete, elaborados pelo Professor titular em Psicanálise e Psicopatologia Clínica do Instituto de Psicologia da USP, Christian Dunker, que estamos publicando semanalmente. Sobe o título “A Educação do Olhar e a Leitura de Imagens – Desafios Éticos para os Museus“, no primeiro texto, abordamos a Curadoria como sistemas simbólicos em conflito,
Resumo
Pretendo mostrar como as práticas de mediação convidam ao encontro com a obra como experiência de leitura reconstrutiva. Este processo pode ser entendido como experiência ética de reconhecimento, envolvendo forma estética e contradição social. A função ética do discurso, concentrada na noção de letra determina modos de relação com a obra que são também modelos de relação intersubjetiva com o outro. Apresento este tema a partir de sete desafios éticos para os museus contemporâneos.
2. Forma Estética e Contradição Social
Ulpiano T. Bezerra de Meneses *, em sua conferência sobre “Os museus e as ambiguidades da memória: a memória traumática”[1] argumenta que os museus devem problematizar a memória. Ele não apenas lembra, mas toma posição sobre quais são nosso modos de lembrar e de esquecer, eles gramáticas de esquecimento e lembrança que ainda que não se identifiquem o lugar de um tribunal, produzem este efeito sobre o público, que por isso mesmo, genericamente, sente julgado desde sua ignorância. Ele nos lembra as vicissitudes e conotações do verbo “esquecer”: o apagamento repressivo (o poder abafa a memória, como nas ditaduras), o esquecimento prescritivo (por pressão da sociedade), o esquecimento que é constitutivo da formação de uma nova identidade (quando os ganhos sobrepujam as perdas, como com os imigrantes); a amnésia estrutural (derivada das hierarquias sociais); o esquecimento como anulação (por saturação); o esquecimento como obsolescência planejada (típica do sistema capitalista de consumo); o esquecimento como silêncio humilhado (aquele de acontecimentos vergonhosos ou constrangedores).Todas elas conotações de imediata conotação clínica.
A opulência do Palácio de São Cristóvão, que abrigava o Museu Nacional da UFRJ, destruído em incêndio no início deste setembro de 2018.
Por isso mediação não é conciliação harmonica, mas trabalho, ele mesmo contingente e passageiro, de dar forma e unidade aquilo que não se pode ainda reconhecer. O Estado e o mercado possuem gramáticas de reconhecimento para os seus interesses. Há aqui uma primeira divisão entre as gramáticas institucionais e comunitárias de reconhecimento. Há também uma segunda partição que é inerente ao percurso das experiências de reconhecimento, um percurso que envolve um sujeito em uma relação específica com o outro, segundo um determinado fim consoante a um determinado conjunto de meios. No reconhecimento não está em jogo apenas o quê é reconhecido, por exemplo, tal autor ou qual obra, mas também como, ou seja, em que série, em que lugar, ou qual enquadre se coloca uma imagem. A relação entre aquilo de que se fala e como se fala define o que estou chamando aqui, ainda que vagamente, de forma estética. Lacan tem uma afirmação sintética sobre o fazer do psicanalista que diz o seguinte:
“O que se diz fica esquecido por trás do que se entende, no que se ouve.”
É uma maneira de enfatizar esta operação de esquecimento do que está sendo dito, do que está sendo mostrado, em função do “contexto” no qual se diz. E o contexto inclui o agente e o destinatário da forma estética. O contexto é o museu, mas também seu público, são as pessoas concretas que o visitam, com suas histórias particulares. Quero sintetizar com isso que a mediação estética tem que reunir a relação entre os modos de dizer, de representar, de atuar, de instalar, com as pessoas que as produzem ou compram, que as realizam ou olham.
Pensando em críticos como Hal Foster e Didi-Huberman poderíamos dizer que este ponto de cruzamento se aproxima do que Lacan chamou de Real. Ele é o cruzamento que não cessa de não acontecer entre forma estética e contradição social.
Luzia, o fóssil mais antigo encontrado nas Américas era um dos objetos mais importantes que o Museu Nacional abrigava. O crânio foi perdido no incêndio.
Este ponto de cruzamento serviria como uma espécie de fio condutor possível para uma dada política curatorial. Aqui encontrei um segundo ponto de convergência entre minhas pesquisas psicanalíticas e certas reformulações do pensamento museológico. Isso porque a contradição social apresenta-se sempre segundo uma matriz específica que é a do sofrimento. Contradições sociais não são apenas representações abstratas de processos históricos desencarnados, mas elas habitam corpos. Cada corpo que sofre cria consigo afetos específicos, maneiras próprias de enunciar, de denunciar ou de pedir para que uma determinada experiência, até então vivida como sofrimento seja reconhecida. Isso frequentemente se aproxima da função política da arte, como modo de expressão e demanda de reconhecimento para determinadas experiências que até então permaneciam indeterminadas, silenciosas ou invisíveis. Por isso, dar visibilidade ao que permanecia invisível, colocar em forma estética ao antagonismo social, expressar, portanto, em uma maneira muito específica o sofrimento, é sempre o início de um processo político e psíquico e transformação.
A múmia Kherima foi consumida pelo fogo. Era uma múmia do que viveu entra o 1º e o 3 século d.C.
Creio que é nesta direção que Freud dizia que os poetas e artistas andam na frente dos psicanalistas, no sentido de que existe uma política de sofrimento e que a pesquisa da arte sempre se adianta, fornecendo vocabulários, formas expressivas e narrativas para o mal-estar até então sem nome, o mal-estar informulado, o mal-estar sem forma.
“Estados informulados do espírito” esta é a expressão de Lévi-Strauss para designar aquilo que o xamã cura em uma determinada comunidade. Ele dá forma, oferece palavras, cria meios para que o informe adquira uma forma. Por isso o xamanismo envolve sempre uma forma de leitura (letras que o xamã sabe decifrar) e uma determinada forma de corpo (no qual o xamã se transforma para operar a cura).
Por isso podemos dizer que o ato museológico segundo é o ato de escolha, é o ato que sincroniza demandas sociais que clamam por reconhecimento e a história das formas, o debate das línguas, a concorrência entre as gramáticas expressivas (conforme a concepção estética ou poética que se tenha em mente).
Assim como o psicanalista que mantém sua escuta equiflutuante, aberta, suspensa de prejuízos e que se esforça por se separar de si mesmo e seus preconceitos, mas que, justamente é capturada por um momento de descontinuidade e corte atencional, a experiência do museu começa pelo deixar-se afetar e continua pelo ponto de captura, pela escolha, pelo chamado da obra.
O incêndio destruiu quase todo o acervo de 20 milhões de itens. Foto: Tânia Rego/Agência Brasil
Voltando a 33 Bienal. Poderíamos contrastar a série do artista paraguaio Feliciano Centurion, composta por objetos como travesseiros cerzido com dizeres, tais como “Luz divina del alma” e “Revela-me tua mensagem” com o trabalho de transparenciação, no qual um livro, cujo título é “Como imprimir sombras” ou um conjunto de moringa e copo é representado por arestas metálicas indicando que delineiam a forma, mas deixam vazio o seu preenchimento. Ambos evocam a intimidade, ambos recorrem a significantes e letras, mas o primeiro joga com a com preservação da imagem, separando-a brutalmente do contexto e o segundo com a subtração de elementos composicionais.
A contradição social dada por um mundo sem lugar para a intimidade, colonizado ironicamente por mensagens, legendas e manuais de uso é articulada segundo duas estratégias diferentes com a forma estética: no primeiro há um deslocamento do enquadre da imagem, no segundo há uma subtração do preenchimento e da cor, remanescendo e destacando a forma.
Ulpiano Toledo Bezerra de Meneses. Professor Emérito da Faculdade de Filosofia e Ciências Humanas da Universidade de São Paulo.
A Série literária “Imperdíveis” voltou à ARTE!Brasileiros. Indicamos 3 livros para ler agora e refletir sobre as relações construídas entre a arte e a sociedade.
Os títulos da vez tratam de temas que passam pela leitura tradicional feita pela antropologia da concepção da arte enquanto individual, coletiva e de modo geral, colocam em jogo a relação imagem-público-artista a partir da obra de Farías e investigam “as formas de amor, sobre suas interveniências políticas, sobre a possibilidade de ficar junto e separado”, como cita Dunker.
3 livros para ler agora
Christian Dunker, Editora Ubu, 320 páginas
Christian Dunker
TRECHO
“Uma investigação sobre as formas de amor, sobre suas interveniências políticas, sobre a possibilidade de ficar junto e separado”.
AUTOR
Professor titular em Psicanálise e Psicopatologia Clínica do Instituto de Psicologia da USP, Dunker possui 26 anos de clínica e reflexão e é colunista em “Carteiro do Inconsciente.”
Arte e Agência
Alfred Gell, Editora Ubu, 296 páginas
TRECHO
“(…)A “teoria antropologia da arte”seria a teoría da arte aplicada à arte “antropológica”. Mas não é isso que está em questão aqui.(…) A arte das culturas não ocidentais não é essencialmente diferente da nossa uma vez que é produzida por artistas com características individuais próprias, talentosos e engenhosos que deveriam contar com o mesmo nível de reconhecimento de que gozam os artistas ocidentais, e não serem vistos como filhos da natureza “tomados pelo instinto”que expressam espontaneamente seus impulsos primitivos ou, quando não, comoo expoentes servis de um rígido estilo “tribal”.
AUTOR
Alfred Antony Francis Gell foi um arqueólogo e antropólogo social britânico. Lecionou na Universidade de Sussex e realizou trabalhos de campo com os povos Umeda, na Nova Guiné, e Muria, na Índia.
Patricio Farías
Organizado por Adolgo Montejo Navas, Editora Iluminuras, 351 páginas
Patrício Farias
TRECHO
“Eu diria que como todas as coisas humanas [a questão da imagem é uma mola fulcral da arte, de que as coisas são complexas]. Se pensarmos no processo criativo de cada um, que é uma espécie de onanismo e solo íntimo, e que tu tornas público, de certa maneira, é claro que não tem como ser completo.”
AUTOR
Adolfo Montejo Navas (Madri, 1954) é artista plástico e autor de diversos livros. Atualmente colabora com publicações culturais da Espanha e do Brasil.
Trabalho do artista guatemalteco. Foto: Divulgação
É difícil medir a influência de Aníbal López na arte contemporânea da Guatemala. López propõe interferências e investigações colocando as relações de política e economia no plano ético. Com isso, cria disrupções dentro da arte produzida até o momento.
por Alexia Tala*
Um estranho no ninho
Assaltou uma pessoa e com esse dinheiro pagou o cocktail da sua exposição “El Préstamo”, 2000 – atualmente exposta na 33a Bienal de São Paulo, esparramou carvão nas ruas antes do desfile de aniversário do Exército guatemalteco (30 de junho de 2001), transformou a instituição que expôs seu trabalho em cúmplice de atividade de contrabando (500 caixas de contrabando, 2007). Entre outras intervenções.
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Em 2014, surpreendeu à Documenta de Kassel ao levar à Europa um “sicário” (assassino de aluguel) por ele contratado a fim de responder perguntas dos visitantes. Entre elas, “quanto cobra para matar uma pessoa?”, “como assassina as crianças?”, “desenvolveu um estilo para assassinar?”, “como era o vínculo com a polícia que o encobria?”.
Testimonio, 2014, representa exemplarmente seu impulso. A potência da sua obra, pode-se dizer, consiste em “produzir cúmplices”. Assim, trazer ao plano da arte a radicalidade da própria realidade por meio de estratégias sofisticadas devido a sua simplicidade. López nos incrimina, nos envolve e nos mancha nos delitos que calcula.
O efeito Aníbal López
Seu raciocínio de criação é produzir fatos reais eliminando o plano da representação, exibindo o paradoxal no campo da arte. O paradoxal da sua fragilidade ética ou a violência da sua imunidade legal.
O efeito é frequentemente desorientador, pois provoca grandes questionamentos: quais os limites entre o bem e o mal enquanto conceitos crus relativos à América Latina? Essa crueza se comprova no deslocamento que sua obra produz na Documenta e na Bienal de Veneza.
Assim, parece extremamente pertinente o destaque recebido na 33a Bienal de São Paulo, Afinidades Afetivas. Não só porque a cena regional está em dívida com seu reconhecimento, mas também pela semelhança de conflitos entre Guatemala, Brasil e seus passados recentes.
Referências como Aníbal, para quem foi crucial ter vivido na violenta e dividida Guatemala, colaboram mais do que nunca para pensar a situação de divisão social. Seja ela entre a extrema direita e as esquerdas radicais, as elites e os grupos vulneráveis e segregados. Vejo como uma homenagem a resolução curatorial e, conhecendo a obra, gostaria de apontar duas questões.
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Série Ladino, todas as imagens são cortesia da coleção Hugo Quinto e Juan Pablo Lojo, Guatemala.
Uma específica: a falta de obras da série Ladino, um grupo de obras gráficas e instalações nas quais López trabalha em torno das semelhanças anatômicas do corpo humano. A partir da fragmentação de corpos e faces que pinta sem pele, enuncia que as diferenças econômicas, sociais e raciais estão na superfície.
Ela demarca um momento crucial de sua trajetória, anterior às ações que veremos, onde se reconhece um diálogo com Santiago Sierra. Este erro de ênfase vemos também na forma museográfica em que se apresenta Testimonio.
Por outro lado, um comentário geral. Na Bienal, sua obra representa o maior “coeficiente de contexto”, dada a situação do país. Com relação ao conteúdo da edição, a obra de López é a única a envolver-se com as problemáticas do entorno. Ele forma parte do grupo de artistas sensibilizados com as violências locais e também globais. Potencial catalisador para os artistas contemporâneos de corte mais político.
Seu legado artístico ainda não foi devidamente valorizado pela arte internacional. Atrevo-me a dizer que dentro da América Latina não há outro artista que utilize-se deste tipo de recurso de forma tão sagaz e firme no tempo. Insisto: a influência de López é fundamental para a atual geração de artistas na América Central, na Guatemala. E, com o resgate certo, da expansão da sua obra para outras latitudes.
*Alexia Tala é investigadora e curadora. Atualmente curadora-chefe da Bienal de Arte Paiz Guatemala 2020, curadora do Projeto Solo em SP-Arte 2019 no Brasil e diretora-artística da Plataforma Atacama. Foi co-curadora da 8va Bienal do Mercosur em 2011.
O Mundo como Verdade e como Representação – Tomo II, Artur Shopenhauer
Tradução de Jair Barboza
Editora Unesp, 808 páginas
A Série Imperdíveis está de volta com indicações de leitura que passam pelos campos da filosofia e história.
Indicações de leitura
Por Ligia Braslauskas
O Mundo como Verdade e como Representação – Tomo II Artur Shopenhauer, Tradução de Jair Barboza, Editora Unesp, 808 páginas
O Mundo como Verdade e como Representação – Tomo II, Artur Shopenhauer, Tradução de Jair Barboza, Editora Unesp, 808 páginas
TRECHO
“Amor e ódio falseiam por completo o nosso juízo: em nossos inimigos vemos apenas defeitos, em nossos entes queridos, puros méritos e mesmo os defeitos destes parecem-nos dignos de apreciação. Um poder oculto semelhante a esse é exercido por nosso preconceito (…)”
AUTOR
Com seu estilo saboroso e irônico, o filósofo alemão Arthur Schopenhauer (1788-1860) influenciou decisivamente alguns dos grandes escritores e pensadores dos séculos 19 e 20, como Nietzsche, Tolstói, Machado de Assis, Freud, Einstein, Jung, Thomas Mann e Becket.
O Pai Morto
Donald Barthelme, Tradução de Daniel Pellizzari, Rocco, 240 páginas
TRECHO
O Pai Morto, Donald Barthelme, Tradução de Daniel Pellizzari, Rocco, 240 páginas
“Houve muitos homens, não vou negar, eram como moscas no mel. Tentei amá-los. Uma dificuldade danada. Eu tinha um arpão na janela. Acompanhava um por um com a mira enquanto andavam pela rua com sua dignidade ridícula. Nunca atirei mas poderia ter feito isso (…)”
AUTOR
Barthelme (1931-1989) é um dos reis do chamado pós-modernismo literário (os outros seriam John Barth e Thomas Pynchon). Ele é principalmente conhecido pelos contos, a maioria deles publicada na revista The NewYorker.
Sêneca e o Estoicismo
Paul Veyne, Tradução de André Telles, Três Estrelas, 280 páginas
Sêneca e o Estoicismo Paul Veyne, Tradução de André Telles, Três Estrelas, 280 páginas
TRECHO
“Todos os homens, vítimas uns dos outros, vivem longe da natureza, no erro, na ilusão. Não que os estoicos os julguem maus: sua doutrina é mais uma medicina que uma moral; constatam, porém, que os homens são literalmente doentes mentais (…).”
Nascido em Córdoba, Sêneca (1 d.C.- 65 d.C.) foi não apenas o maior filósofo de seu tempo como também um importante homem de negócios, senador de Roma e preceptor de Nero. Este livro conta sua história e analisa seus escritos à luz da sensibilidade contemporânea.
AUTOR
A Dialética Invertida e Outros Ensaios, publicado em 2014, deu início à publicação da obra ensaística da historiadora, que agora segue com esta reunião de textos sobre o País, tratando da independência à crise mundial. Ao final, dois depoimentos da autora.
Brasil – História, Textos e Contextos
Emília Viotti da Costa, Unesp, 352 páginas
Brasil – História, Textos e Contextos Emília Viotti da Costa Unesp, 352 páginas
TRECHO
“Os heróis míticos que povoaram a imaginação do homem primitivo, os santos, os cavaleiros medievais, os reis e os nobres, personagens das baladas e crônicas medievais ou do ‘Antigo Regime’ foram substituídos, nos tempos modernos, pelos heróis nacionais.”
Arqueólogo e historiador, Veyne (França, 1930) é um dos grandes especialistas na antiguidade greco-romana. Tem vários livros lançados no Brasil, dentre eles O Pão e o Circo, Sexo e Poder em Roma e Foucault, seu Pensamento, sua Pessoa.
AUTORA
A paulistana Emília Viotti da Costa era professora livre-docente da USP quando foi aposentada pelo AI-5, em 1969. Autora de vários livros importantes, como
Da Colônia à Senzala, lecionou em universidades dos EUA, como as de Tulane, Illinois e Yale.
Euforia
Lily King, Tradução de Adriana Lisboa, Globo Livros, 248 páginas
“É preciso prestar muito mais atenção em todo o resto quando não se entende as palavras. E, quando alcançamos a compreensão, muita coisa cai por terra. Você então confia em suas palavras, e a palavra nem sempre é a coisa mais confiável do mundo.”
AUTORA
Formada em Escrita Criativa e Literatura Inglesa, a autora fez extensa pesquisa sobre Mead, Reo Fortune, seu então marido, e Gregory Bateson, além de estudar a antropologia da época. As tribos mencionadas e seus costumes cruzam elementos fictícios e reais.
A Noite do Meu Bem
Ruy Castro, Companhia das Letras, 512 páginas
TRECHO
A Noite do Meu Bem Ruy Castro, Companhia das Letras, 512 páginas
“Em 1962, Nelson Gonçalves estava entre o caos e o abismo. Sua vida passara a ser regulada por maconha, cocaína (tinha em casa, para uso pessoal, nunca menos de cem gramas) e remédios (…) Os traficantes o visitavam em oito ou nove de uma vez.”
AUTOR
Rigoroso na pesquisa, sem esquecer a graça jamais, o autor, conhecido por Chega de Saudade, sobre a Bossa Nova, montou uma “cançãografia” com os sambas-canção citados no livro e outros, além de completa discografia e filmografia. A edição traz ainda várias imagens de época.
Botchan
Natsume Soseki, Tradução de Jefferson José Teixeira, Estação Liberdade, 184 páginas
Botchan Natsume Soseki Tradução de Jefferson José Teixeira Estação Liberdade, 184 páginas
TRECHO
“A água brilhava estranhamente sob o sol intenso. Seria capaz de ofuscar quem olhasse fixamente para ela. Ao perguntar a um encarregado do navio, fui informado ser ali o local de meu desembarque (…) Alguém devia estar zombando de mim.”
AUTOR
Ao lado de Ogai Mori (1862-1922), Soseki foi um renovador da literatura japonesa. Já com Eu Sou um Gato, de 1905, o ex-professor de Inglês conquistou público e crítica. Botchan foi escrito um ano depois e traz o mesmo espírito satírico do romance anterior.
História da Chuva
Carlos Henrique Schroeder, Record, 160 páginas
TRECHO
História da Chuva Carlos Henrique Schroeder Record, 160 páginas
“Na Índia, quando um boneco fica muito velho e deixa de ser usado, um pequeno ritual é feito ao pôr do sol e ele é imerso em um rio e carregado em procissão. Mas Arthur não era um boneco velho, e sabia nadar muito bem. Morreu a quatro quarteirões de seu apartamento.”
AUTOR
O catarinense Schroeder, nascido em 1975, é escritor, roteirista, crítico literário e editor. Seu livro de contos As Certezas e as Palavras recebeu o Prêmio Clarice Lispector da Fundação Biblioteca Nacional, e seu romance As Fantasias Eletivas será adaptado para o cinema.
Conversações com Goethe nos últimos anos de sua vida, 1823-1832, Johann Peter Eckermann, Tradução de Mario Luiz Frungillo, Editora Unesp, 718 páginas
Originalmente publicada em CULTURA!Brasileiros, a série Imperdíveis traz títulos relevantes da literatura.
Relembre a série Imperdíveis
Sul
Verônica Stigger, Editora 34,91 páginas
Um conto, uma peça teatral curta e um poema formam um estranho quebra-cabeça em que todas as peças se encaixam. O novo livro de Veronica faz uso consciente e singular da linguagem, que, do trágico ao cômico, do melancólico ao escatológico, encontra sempre a forma e o tom precisos.
TRECHO
Sul, Verônica Stigger, Editora 34
“Mas o cheiro do sangue não é como o cheiro do mijo. O sangue tem um cheiro adocicado. Um cheiro persistente. Um cheiro de morte. O mijo tem um cheiro ácido. Um cheiro passageiro. Um cheiro de rodoviária.”
A AUTORA
Uma das vozes mais fortes da literatura brasileira atual, Veronica Stigger nasceu em Porto Alegre e mora em São Paulo. É escritora, crítica de arte e professora universitária. Já publicou dez livros de ficção e recebeu os prêmios Machado de Assis (autor estreante) e Açorianos (narrativa longa).
O Museu do Silêncio
Yoko Ogawa, Tradução de Rita Kohl, Estação Liberdade, 304 páginas
O Museu do Silêncio é uma obra de suspense excêntrica, com temas duros e polêmicos, que muitas vezes flertam com o grotesco. Como seria um museu que preservasse lembranças de pessoas que morreram? Essa é a essência da trama do primeiro livro de Yoko Ogawa traduzido para o português.
Yoko Ogawa, Tradução de Rita Kohl, Estação Liberdade
TRECHO “O que eu quero fazer é um museu mais grandioso do que vocês jovens podem imaginar. Um museu que não existe em lugar nenhum do mundo, mas que é absolutamente necessário. Uma vez começado, não se poderá mais abandoná-lo.”
A AUTORA
Yoko Ogawa é uma das escritoras japonesas contemporâneas mais saudadas no Ocidente. Desde 1988 já publicou mais de 20 livros e ganhou todos os prêmios literários japoneses importantes.
O genocídio do negro brasileiro
Abdias do Nascimento, Perspectiva, 229 páginas
Em 1977, Abdias Nascimento apresentou um texto combativo demonstrando que a situação dos negros no Brasil era de uma condução ao “genocídio. Assim, a reedição deste texto em 2016 não é apenas uma homenagem histórica, mas a constatação de um fato: a situação continua inalterada.
TRECHO
O genocídio do negro brasileiro, Abdias do Nascimento, Perspectiva
“Eu deixo vocês com um apelo: encontrem os caminhos e os meios de abrir os impulsos criativos que habilitem os negros individualmente, as nações negras, e as organizações de tais nações, a reconquistar o controle de seus destinos.”
O AUTOR
Uma das maiores vozes pelos direitos dos negros do Brasil, Abdias foi um dos pioneiros do moderno teatro brasileiro, fundou o Ipeafro e recebeu da Unesco o prêmio de Direitos Humanos e Cultura de Paz.
Céus e Terra
Franklin Carvalho, Record, 206 páginas
Vencedor do Prêmio Sesc de Literatura de 2016 na categoria romance, o livro conta a história de um menino que é decapitado por acidente. Nessa trama conduzida com leveza e agilidade, acompanhamos a trajetória do menino sem cabeça que vai se tornando um mito dentro de sua cidade.
Céus e Terra, Franklin Carvalho, Record
TRECHO
“Quando eu tinha doze anos, fui ajudar a tirar um homem da cruz. Encontrei-o morto e acabei morrendo também.”
O AUTOR
Franklin Carvalho é jornalista e tem pós- graduação em Direito e Processo de Trabalho. Natural de Araci, no sertão da Bahia, é também autor de dois livros de contos independentes. Atua como fotógrafo e na divulgação de movimentos culturais e sociais.
Enclausurado
Ian McEwan, Tradução Jorio Dauster, Companhia das Letras, 200 páginas
Este livro é uma joia do humor e da narrativa fantástica. Uma verdadeira amostra sintética e divertida do impressionante domínio narrativo de McEwan. Através de um narrador inusitado, um dos maiores ficcionistas da atualidade cria uma história de intriga e mistério.
TRECHO
Ian McEwan, Enclausurado, Companhia das Letras
“Então aqui estou, de cabeça para baixo, dentro de uma mulher. Braços cruzados pacientemente, esperando, esperando e me perguntando, dentro de quem estou, o que me aguarda.”
O AUTOR
Inglês nascido em 1948, Ian McEwan é um dos maiores escritores de sua geração. Já escreveu mais de 20 livros,
que lhe renderam vários prêmios, entre eles o Booker Prize e o Whitbread Award.
São Francisco de Assis
G. K. Chesterton, Tradução de Luis Reyes Gil, *mundaréu
Ciente do espaço que São Francisco ocupa em nosso imaginário, na história e na religião, Chesterton cria um ensaio biográfico de notável perspicácia teológica e argumentativa, defendendo a capacidade que teria a religião no fortalecimento das respostas às grandes questões humanas.
TRECHO
G. K. Chesterton, Tradução de Luis Reyes Gil, *mundaréu
“Em certo sentido, é sem dúvida uma triste ironia que São Francisco, depois de passar a vida pregando a concórdia entre todos os homens, tenha morrido em meio a crescentes desavenças.”
O AUTOR
Criador do Padre Brow, o inglês G. K. Chesterton foi também jornalista, historiador, teólogo, filósofo, desenhista e economista. É chamado de “príncipe do paradoxo”pelo brilhante conteúdo argumentativo de sua obra.
Conversações com Goethe nos últimos anos de sua vida 1823-1832
Johann Peter Eckermann, Tradução de Mario Luiz Frungillo, Editora Unesp, 718 páginas
Resultado das zelosas anotações diárias e observações de seu secretário particular Eckermann, Conversações definiu a imagem de Goethe para a posteridade. A imersão no cotidiano do grande poeta em seus últimos nove anos de vida possibilita conhecer melhor tanto o literato quanto a sua época.
TRECHO
Conversações com Goethe nos últimos anos de sua vida, 1823-1832, Johann Peter Eckermann, Tradução de Mario Luiz Frungillo, Editora Unesp, 718 páginas
“Estou convencido de que estas conversações não apenas proporcionam algum esclarecimento e muitos ensinamentos para completar a imagem de Goethe que cada um terá formado a partir de sua multifacetada obra.”
O AUTOR
O poeta e escritor alemão Johann Peter Eckermann era amigo e confidente de Goethe. Ficou mundialmente conhecido pela publicação de Conversações com Goethe nos Últimos Anos de Sua Vida.
Organizada por Guilherme Wisnik e Diego Matos, “Cildo – estudos, espaços e tempo”, Ubu Editora,
TRECHO
“A palavra que eu acho mais bonita, entre as que eu
conheço, é “lejos” porque pressupõe que seu ser está aqui
e lá ao mesmo tempo. O lá é uma constatação do ser. Cildo Meireles.”
O AUTOR
Os organizadores que reuniram cerca de quarenta trabalhos, realizados ao longo de cinquenta anos de carreira de Cildo Meireles são Guilherme Wisnik e Diego Matos. O primeiro, professor na Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da USP, Crítico de arte e arquitetura, membro da Associação Paulista de Críticos de Arte (APCA) e da Latin American Studies Association (LASA). Autor de demais livros como Lucio Costa (2001), Caetano Veloso (2005) e Estado crítico: à deriva nas cidades (2009). Matos é pesquisador, professor e curador. Arquiteto pela Universidade Federal do Ceará, mestre e doutor pela Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade de São Paulo.
Organizado por Cris Olivieri e Edson Natale, Edições Sesc
TRECHO
Direito Arte Liberdade, Organizado por Cris Olivieri e Edson Natale, Edições Sesc, 272 páginas
“Nossa vocação é criar com o universo. Se existem deuses e demônios criadores, estão em nós e em toda natureza ou em lugar nenhum. (…) ”Fazemos parte dos Sem Nada – mas com Arte podemos conseguir transmutar os Sem Arte, para q não destruam o Planeta Terra: os que tatuaram em suas cabeças a Cruz Enrolada num Cifrão: $$$$+++…”, cita Zé Celso.
AUTORES
Cris Olivieri é advogada com especialização em gestão de processos comunicacionais e culturais e mestre em administração das artes pela Universidade de Boston. Edson Natale é músico, escritor e jornalista,
Jaqueta Branca ou O Mundo em um Navio de Guerra, Herman Melville, Carambaia
Confira os títulos destacados pela antiga CULTURA!Brasileiros, originalmente publicados em 2017 na série Imperdíveis.
Série Imperdíveis: livros para ler agora
O Progresso do Amor
Alice Munro, Tradução de Pedro Sette-Câmara. Biblioteca Azul, 384 páginas
Sexta coleção de contos da autora canadense. A história que dá título ao livro, lançado originalmente em 1986, reflete uma experiência autobiográfica. Trata de uma mulher divorciada que volta para a casa dos pais no interior e tem de lidar com a memória conturbada da infância.
Alice Munro, O progresso do amor, Biblioteca Azul
TRECHO
“Eles não falavam por mal. Não tinham faro para perceber que alguma coisa devia estar errada. Marietta, porém, nunca conseguiu aguentar homens rindo. Havia sempre lugares pelos quais ela detestava passar, e ainda mais entrar neles, e era esse o motivo. Homens rindo.”
A AUTORA
Vencedora do Nobel de Literatura em 2013, Munro (1931) é tida como a “Tchekhov do Canadá”. Também ganhou o Man Booker Prize de 2009 e três vezes o Governor General’s Award.
De Tudo um Pouco
Ana Luisa Escorel. Ouro Sobre Azul, 220 páginas
Com edição bem cuidada, em capa dura e permeada de ilustrações, este pequeno livro traz textos escritos nos últimos 15 anos – de lembranças familiares, comentários literários e outros -, que estavam na gaveta ou que alimentaram o ótimo blog de mesmo nome.
TRECHO
De Tudo um Pouco, Ana Luisa Escorel, Ouro Sobre Azul
“O Diabo andava muito desmotivado imerso num vermelho eterno, num excesso monocromático que não estimulava em nada as inquietações mentais dele. O tempo todo tudo igual, nenhum pontinho à volta que não fosse vermelho sangue,
vermelho escuro” (O Fastio do Diabo)
A AUTORA
Também designer e fundadora da editora Ouro Sobre Azul, Escorel (1944) venceu o Prêmio São Paulo de Literatura na categoria romance, com Anel de Vidro, em 2014.
Jaqueta Brancaou o Mundo em um Navio de Guerra
Herman Melville. Tradução de Rogério Bettoni. Carambaia, 464 páginas
Até agora inédito no Brasil, o romance se baseia numa das viagens marítimas de Melville, então um marinheiro de 24 anos. Em 1843 ele partiu de Honolulu numa fragata da marinha americana e passou pelo Rio de Janeiro, onde conheceu Dom Pedro II. A bela edição traz um glossário.
Jaqueta Branca ou O Mundo em um Navio de Guerra, Herman Melville, Carambaia
TRECHO
“Em contraste com a luminosidade desses barões do Brasil, como empalideceram os cordões dourados dos barões da nossa fragata! E comparados com os longos floretes dos marqueses, os punhais de nossos cadetes de famílias nobres pareciam pregos dourados presos na cintura.”
O AUTOR
Melville (1919-1891) é o autor de Moby Dick, lançado em 1850, e Bartleby, o Escrevente, publicado originalmente na coletânea The Piazza Tales, em 1856.
Machado
Silviano Santiago. Companhia das Letras, 422 páginas
Misto de romance, ensaio e biografia, centra-se nos últimos dias de Machado de Assis. Viúvo, o autor de Dom Casmurro testemunha a modernização do Rio de Janeiro ao mesmo tempo que tem de lidar com a própria decadência, intensificada por fortes crises de epilepsia.
TRECHO
Silviano Santiago. Machado, Companhia das Letras
“Poucas vezes fala a amigos da solidão angustiante por que passa e jamais exige a adesão sentimental dos escritores que lhe são próximos. Continua homem educado, operoso, fino e aflito. Aflitivo para alguns, já que o rosto se tornou ultrassensível às náuseas súbitas (…)”
O AUTOR
No romance Em Liberdade, Santiago também trata de um escritor brasileiro: Graciliano Ramos; e em Viagem ao México, escreve sobre Antonin Artaud.
O Ruído do Tempo
Julian Barnes. Tradução de Léa Viveiros de Castro. Rocco, 176 páginas
Celebrado pelo regime soviético na mesma medida em que foi perseguido, o compositor Shostakovich, um dos maiores do século XX, recebe aqui fino tratamento ficcional. Barnes, porém, não deixou de lado registros históricos como a própria autobiografia do angustiado músico russo.
Julian Barnes, O Ruído do Tempo, Rocco
TRECHO
“À medida que o avião parecia alcançar camadas sólidas de ar, ele tentava se concentrar no medo imediato: de imolação, de desintegração, esquecimento instantâneo. O medo faz surgir outras emoções também; mas não a vergonha. Medo e vergonha se reviravam juntos em seu estômago.”
O AUTOR
Um dos grandes autores ingleses, Barnes é conhecido por O Papagaiode Flaubert e O Sentido de um Fim, que lhe rendeu o Man Booker Prize em 2011.
Walter Benjamin – uma Biografia
Bernd Witte. Tradução de Romero Freitas. Autêntica, 160 páginas
Registro breve da história do pensador alemão (1892-1940). O estilo é fluente, mas há densidade. O autor narra os fatos cronológicos: carreira, amigos, amantes, sem perder de vista a dimensão filosófica de Benjamin, além de tratar com delicadeza o aspecto trágico de sua vida.
TRECHO
Bernd Witte., Walter Benjamin – Uma Biografia, Tradução de Romero Freitas. Autêntica
“Nessa situação precária, sua viagem a Moscou (…) para visitar Asja Lacis, é como se fosse uma fuga para frente. Mais uma vez (…) a nostalgia pela mulher amada que o havia aproximado ao marxismo como força política viva produziu uma ruptura.”
O AUTOR
Presidente da Sociedade Internacional Walter Benjamin e professor de Teoria Literária, Witte publicou diversos livros sobre autores alemães e judeus dos séculos XVIII e XX.
A Cura pelo Espírito
Stefan Zweig. Tradução de Kristina Michahelles. Zahar, 360 páginas
No perfis biográficos de Franz Mesmer, estudioso do hipnotismo, de Mary Baker Eddy, fundadora da seita ciência cristã, e principalmente de Freud, Zweig buscou demonstrar a importância da busca de si mesmo. A edição traz a inédita correspondência entre o autor e o pai da psicanálise.
Stefan Zweig, A cura pelo espírito, Tradução de Kristina Michahelles. Zahar,
TRECHO
“A medida mais segura de toda força é a resistência que ela consegue vencer. Assim, a façanha de demolição e reconstrução empreendida por Sigmund Freud só se revela plenamente se contraposta ao modo como se via (…) o universo dos impulsos humanos antes da Guerra”.
O AUTOR
Há 75 anos Zweig se matava em Petrópolis. Sua obra vem sendo sistematicamente reeditada, o que inclui Autobiografia: o Mundo de Ontem e Novelas Insólitas.
Caminhos Divergentes
Judith Butler. Tradução de Rogério Bettoni. Boitempo, 240 páginas
Ensaio em que a autora busca fazer uma crítica ao sionismo político e à violência do Estado israelense por meio da própria tradição intelectual judaica. Verdadeiro impulso ético, suas fontes estão no pensamento de Walter Benjamin, Hannah Arendt, Emmanuel Lévinas e Primo Levi.
TRECHO
Judith Butler, Caminhos divergentes, Tradução de Rogério Bettoni. Boitempo
“(…) alguns aspectos da ética judaica exigem que nos distanciemos de uma preocupação voltada apenas para a vulnerabilidade e o destino do povo judeu. (…) é uma resposta às reivindicações de alteridade e cria base para uma ética na dispersão.”
A AUTORA
Referência nos estudos queer, Butler (1956) tem diversos livros publicados no Brasil, como Problemas de Gênero, Relatar a Si Mesmo, Quadros de Guerra e O Clamor de Antígona.
Passages - Homage to Walter Benjamin, Dani Karavan (Divulgação)
No dia 24 de setembro, o auditório Dom Paulo Evaristo Arns, na PUC-SP, recebeu o debate em torno da reedição do livro “Walter Benjamin: os cacos da história”, de Jeanne Marie Gagnebin. Promovido pela Universidade junto ao programa de Pós-Graduação e o Instituto Internacional de Estudos Contemporâneos, Jeanne Marie convidou Carla Milani Damião e Marc Beret para somar à conversa, cujas análises atualizam os escritos de 1982 para os dias atuais.
“O livro é antigo, para não dizer clássico”,
Foto: Divulgação Editora N-1
brincou Gagnebin, arrancando risos dos presentes. A autora conta que a capa da reedição do exemplar da Editora N-1, foi baseada na homenagem prestada à Benjamin pelo artista israelense, Dani Karavan. “O artista fez uma escultura de ferro, como se fosse um túnel escuro no qual pouco a pouco, se enxerga o mar e a luz no fim do túnel. A gente precisa dela”, menciona em referência à atual situação política brasileira.
Walter Benjamin escrevia para si mesmo
Jeanne Marie critica o academicismo, que conduz a escrita filosófica pelas publicações, e enfatiza a escrita enquanto autorreflexão e análise histórica, como fazia Benjamin. “Quando penso na República de Weimar e em nossa situação hoje, me assusto com a República do Brasil. E também com esse fascismo cotidiano e a demanda por autoridade. Muito estranho e cruel é que me parecia haver em 1982, um período ditatorial, mais esperança no ar do que há hoje”, comenta.
Foto: Nayani Real
O título dado ao livro coloca os cacos como a resistência ainda necessária em 2018. “Eles são as coisas que se quebram e tendemos a pôr no lixo ou que não sabemos para que servem. Hoje os cacos nos dão uma dica para ficarmos atentos àquilo que é pequeno e por enquanto não tem serventia alguma, que pensamos não valer a pena guardar mas talvez sejam pequenos cacos de resistência”, analisa Jeanne Marie.
Beret aponta a amizade entre Benjamin e Bertolt Brecht como um símbolo de aliança contra as forças reacionárias do fascismo que se via àquele momento, com duas estratégias filosóficas, e elogia o trabalho de Jeanne Marie em restituir a obra de Benjamin sem perder a relevância do trabalho filosófico.
A professora na Faculdade de Filosofia da Universidade Federal de Goiás (FAFIL-UFG), Carla Milani Damião, trouxe o exemplo da história da Independência Baiana para falar do efeito salvador da destruição, apontado em verbete de Dag T. Andersson sobre o conceito Benjaminiano. “O aspecto salvador da destruição é a marca da memória, e a memória pode ter a marca brutal da intervenção destrutiva dirigida contra o esquecimento da tradição. A história, diz Benjamin, não é apenas uma ciência, mas uma forma de memória. A memória dá ao passado um espaço no qual este não está exposto ao progresso, o progresso é o desastre como a tempestade anunciada. Sofrimentos passados e opressão não serão esquecidos em nome do futuro”.
Damião analisou as ideias de Benjamin repercutem com clareza no exemplo no sentido de que o gesto destruidor alegórico se caracteriza como um grito político e nos desdobramentos criativos de um grupo. E finaliza “Hashtag Ele Não”.
A exposição VKHUTEMAS: o futuro em construção, apresentada no Sesc Pompeia até 30 de setembro, comemora o centenário da instituição universitária soviética homônima, reunindo peças de arte e design que foram desenvolvidas por nomes que passaram por lá.
É a primeira vez nas Américas que é apresentada uma grande variedade de obras referentes à escola, obras essas que foram recriados para a mostra.
Os curadores Neide Jallageas e Celso Lima reuniram cerca de 300 trabalhos de 75 artistas, provenientes dos 100 membros e mais de 2500 alunos que passaram pela VKHUTEMAS.
Criada a partir de uma junção entre a Escola de Pintura, Escultura e Arquitetura de Moscovo e a Escola Stroganov de Artes Aplicadas, a instituição nasceu a partir de um decreto de Vladimir Lenin, impulsionado por um desejo da Revolução Russa de formar excelentes profissionais das artes, tendo projetos importantes nas áreas de moda, design, arquitetura, estamparia e mobiliário.
A instituição teve como base a vanguarda do pensamento estético, especialmente no que dizia respeito ao futurismo, ao racionalismo, ao suprematismo e ao construtivismo.
Na exposição, o público encontra obras de grandes nomes como Ródtchenko, Popova, Tátlin, Kandinski. As peças vão desde roupas até pisos hidráulicos para banheiro, passando por móveis e objetos de cerâmica, entre outros, mostrando um vasto cenário de criações do movimento.