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Mostra no Parque Lage expõe obras do Museu de Arte Naïf, fechado há dois anos no Rio

Obra de Pedro Paulo da Conceição que está na mostra. FOTO: Divulgação

Cerca de dois anos e meio após o fechamento – por falta de recursos – do Museu Internacional de Arte Naïf do Brasil (Mian), o público carioca pode mais uma vez ver parte do acervo da instituição na grande mostra Arte Naïf – Nenhum Museu a Menos, na Escola de Artes Visuais do Parque Lage.

Na exposição, com curadoria de Ulisses Carrilho, obras do acervo do Mian dialogam com outras de arte contemporânea de mais de 30 artistas, entre eles Nelson Leirner, Barrão, Marcos Chaves, Erika Verzutti e Leda Catunda.

A chamada “arte naïf” – do francês, ingênuo – se refere a um gênero guiado pelo autodidatismo de artistas como Dalton Paula, Heitor dos Prazeres, Amadeo Luciano Lorenzato, Odoteres Ricardo de Ozias e Agostinho Batista de Freitas, entre outros. Esta definição, no entanto, passou a ser questionada com o tempo, por ser uma categorização imprecisa e que demonstra certo preconceito com uma arte “não erudita”.

Com cerca de 300 peças, a mostra é também uma “exposição-manifesto” que “marca uma posição da EAV do Parque Lage em favor das instituições culturais brasileiras e sua liberdade de expressão”, segundo texto de apresentação da mostra.

“No ano de 2018, o Brasil sofreu a maior catástrofe museológica de sua história, de irreparáveis perdas para a humanidade: o incêndio do Museu Nacional. De acordo com o Instituto Brasileiro de Museus, há hoje, no Brasil, 261 museus fechados por falta de verba e de manutenção. Esse número representa 7% do universo de 3.789 instituições do país. A EAV do Parque Lage defende instituições culturais e espaços de exposição como zonas de aprendizagem, territórios de confrontamento e dúvida, de ensino e trocas de conhecimento”, diz o texto.

Arte Naïf – Nenhum Museu a Menos

Escola de Artes Visuais – rua Jardim Botânico, 414, Rio de Janeiro

Até 7/7

Entrada gratuita

II BIENALSUR começa em Tierra del Fuego, província mais austral do mundo

Matilde Marín, Atlântico Sur (Atlántico Sur), na exposição Paisajes entre paisajes no MFA - Museo Fueguino de Arte/Centro Cultural Yaganes

A segunda edição da BIENALSUR, que tem como proposta se expandir para diversas cidades do mundo, terá a sua inauguração na Argentina nos dias 19 e 20 de maio, especificamente em duas cidades da ilha de Tierra del Fuego, Ushuaia e Rio Grande. Além das exposições e outras atividades nas cidades-sede, a BIENALSUR terá simultaneamente, em 20 países, mais de 100 mostras vinculadas ao evento, que incluíram 400 artistas do mundo todo.

Para Aníbal Jozami, diretor geral da BIENALSUR e reitor da Universidade Nacional de Tres de Febrero (UNTREF), a escolha da província para sediar a inauguração é importante por estar “no Sul do Sul”, o que se refere a algo muito mais do que uma realidade geográfica. Diana Wechsler, curadora da e diretora artístico-acadêmica da BIENALSUR, explica que a escolha da Tierra del Fuego é profundamente simbólica, “pois permite avançar no desenho de novas rotas artísticas possíveis, reconfigurar a cartografia existente e apontar novas formas inéditas, simultâneas, fronteiras, capazes de expandir seus próprios limites”.

No primeiro dia da abertura, 19 de maio, em Ushuaia, será inaugurada a exposição Arte y territorio, no Museo del Fin del Mundo. Entre os artistas participantes dessa coletiva de videoarte está a brasileira Anna Bella Geiger, além do canadense Kapwani Kiwanga e do alemão Harun Farocki. As obras fazem referência aos modos de se explicar o que é um território e também a como ocupar um. Na mesma instituição, o artista e biólogo Paul La Padula mostra sua obra La mirada que construye mundo, “colagem que conta uma história anacrônica da natureza”.

Os artistas Voluspa Jarpa (Chile), Magdalena Jitrik (Argentina), Christian Boltanski (França) e Mariana Telleria (Argentina) integram uma exposição no Aeroclube Ushuaia, intitulada Banderas del fin del mundo, em alusão ao apelido dado à cidade, “a cidade do fim do mundo”, por se encontrar ao extremo sul do globo terrestre. Nessa coletiva, os artistas desenvolveram bandeiras que acompanham o projeto Draw me a flag, formulado por Boltanski para a Fundação Cartier, em Paris. De acordo com a organização da bienal, a criação da instalação terá o acompanhamento musical de OIANT (Orquesta de instrumentos autóctonos y nuevas tecnologías de UNTREF).

Já no dia 20, na cidade do Rio Grande, no Museo Fueguino de Arte (Centro Cultural Yaganes), acontecerão três exposições: duas individuais — El agua que apagó el fuego, de Gustavo Groh, e Dos, tres, muchas, de Esteban Álvarez, ambos argentinos — e uma coletiva — Paisajes entre paisajes. Na coletiva, formada apenas por obras de artistas mulheres, destaque para a participação de três brasileiras: Berna Reale, Lia Chaia e Dora Longo Bahía, além de Carla Zaccagnini, argentina radicada no Brasil. Paisajes entre paisaje mostra “como a paisagem é um tópico que estimulou viagens e fantasias; Isso chamou a atenção de cientistas, escritores e artistas visuais ao longo da história, e isso dá a possibilidade de capturar a imensidão da natureza”.

É a primeira vez que atividades relacionadas à BIENALSUR acontecem em Tierra del Fuego, reforçando sua missão de mostrar e refletir sobre a arte contemporânea, como buscam evidenciar em programas públicos através de palestras, oficinas, projeções, leituras compartilhadas e outras atividades que possam surgir da troca entre diferentes sujeitos do espaço social e cultural.

As próximas aberturas acontecerão em Tucumán, ao noroeste da República Argentina, em 25 de maio; em Rosário nos dias 5 e 6 de junho e em Córdova em 13 de junho. Na capital argentina, a BIENALSUR deve chegar apenas entre os dias 22 de 29 de junho, quando alcança seu ponto máximo, por ocupar espaços importantes em muitas das mais importantes instituições de Buenos Aires. Entre as exposições em outras localidades do mundo, as primeiras aberturas serão na Suíça, nos dias 8 e 9. A programação da BIENALSUR continua até novembro.

Vivian Caccuri participa da programação de performances da Bienal de Veneza

"Mosquitos Also Cry". FOTO: Frieze London/ Divulgação.

Com curadoria do americano Ralph Rugoff, a Bienal de Veneza apresenta pela primeira vez em sua história uma programação oficial de performances, que acontecem paralelamente à exposição principal e às mostras dos pavilhões nacionais. Entre os 14 projetos selecionados, que abordam questões relacionadas às “urgências da atualidade”, está Mosquitos also Cry, da brasileira Vivian Caccuri.

O trabalho é uma palestra performática que adentra os meandros do sentimento de ódio aos ruídos dos mosquitos, através de uma perspectiva histórica das doenças tropicais, teorias do som e de outras empíricas/inventadas.

Em sua pesquisa, Caccuri utiliza o som como veículo para explorar a percepção, sob aspectos relacionados a condicionamentos históricos e sociais. Por meio de objetos, instalações e performances, a artista cria situações que desorientam a experiência do cotidiano, interrompendo significados e narrativas registrados no inconsciente coletivo.

Em processo de assentamento, FAMA causa fascínio e é um presente para Itu

Obra de Beto Shwafaty, no acervo da fundação

Em artigo publicado em um livro (“Luvas!”, em Onda verde, 1920), Monteiro Lobato declara seu amor pelo Rio de Janeiro afirmando que a cidade, durante a criação do mundo, era o almoxarifado de Deus. Nos seis primeiros dias ele tirava de seu depósito todas as belezas e as depositava nos diversos lugares: fatigado, no sétimo dia ele descansou, deixando o almoxarifado na maior bagunça com belezas espalhadas e misturadas por tudo quanto é canto da cidade.

Foi esta a sensação que tive quando visitei as salas que apresentam obras da Fundação Marcos Amaro na Fábrica de Arte Marcos Amaro (FAMA), instalada numa antiga fábrica de tecidos construída em 1903 em Itu: espaços generosos com obras – algumas verdadeiramente excepcionais – dispostas numa expografia que dificulta a visão de muitas delas, uma espécie de almoxarifado solicitando uma ordem maior de visibilidade para os trabalhos expostos ou que explicite, por exemplo, as razões para que uma escultura atribuída ao Aleijadinho esteja ali no meio de outras produzidas nas últimas décadas. Porém, apesar dessa impressão de estar em um lugar indeciso entre ser um local de armazenagem ou um espaço de exibição, a sensação foi de fascínio frente àquele conceito de Fábrica de arte e cultura ainda em processo de formulação.

Como a Fábrica se comportará após as adaptações que virão em breve? Quantas oficinas terá, quantos auditórios, qual será sua aparência definitiva? E o acervo, continuará passando aquela impressão de indefinição entre storage e salas de exibição? Uma pista importante para o devir do acervo parece ficar evidente quando se visita a exposição anexa às salas do acervo aqui descritas. Trata-se da exposição Aproximações – Breve introdução à arte brasileira do século XX. Com curadoria de Aracy Amaral, a exposição apresenta uma seleção de obras do final do século XIX até meados do século passado. Iniciando com a primeira versão de Descanso do modelo, 1885, de Almeida Jr., pertencente à Fundação Marcos Amaro. Além dessa pintura, outras ali exibidas também pertencem à mesma instituição: dois Eliseu Visconti, três Portinari e mais uma obra de cada um dos seguintes artistas: Pedro Américo, Castagneto, Lasar Segall, Antonio Gomide, Victor Brecheret, Cícero Dias, Ismael Nery, Di Cavalcanti, Flávio de Carvalho, Guignard e Ianelli.

Apesar da visão instituída do que seria a “arte no Brasil” daquele período, parece não restar dúvidas de que “Aproximações” (em cartaz até 15 de junho) comporta-se como um elo que une aquela mencionada escultura atribuída ao Aleijadinho – meio perdida na outra exposição – ao grande segmento de arte contemporânea local – o forte do acervo. Esse encadeamento que a mostra de Amaral explicita sinaliza para um devir da Coleção da Fundação Marcos Amaro transformando-se em um museu de arte brasileira, da passagem do século XVIII para o XIX até a atualidade.

Mesmo que essa narrativa sobre o que pode ter sido a arte no Brasil nesses últimos séculos venha sendo revista nos anos recentes, parece não restar dúvidas sobre o quanto será importante um acervo desse porte em uma cidade como Itu, para que novas pesquisas possam ser desenvolvidas no sentido de – quem sabe – reconsiderar essa visão sobre o fenômeno artístico brasileiro que se tornou hegemônica. Afinal, obras boas não faltam ao acervo. Se em seu segmento contemporâneo – sob a responsabilidade de Ricardo Resende –, sobressaem obras de Tunga, Fábio Miguez e Beto Shwafaty, entre outros, o segmento moderno não fica atrás. Afinal ali estão algumas obras que certamente permanecerão como paradigmas da arte produzida no Brasil, seja qual for o enfoque dado, como as pinturas de Almeida Jr., Segall e Guignard ali presentes.

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Terminada a visita, fiquei pensando: apesar de todos os problemas inerentes ao um empreendimento ainda em processo de assentamento, que baita presente para a Itu a presença da FAMA na cidade! Que presente para o país, nesses tempos tão tenebrosos, a presença de Marcos Amaro atuando com todo o entusiasmo de sua juventude em prol da arte e da cultura. Ele e sua coleção de vocação pública – dentro de uma fábrica que tem tudo para se transformar numa usina de arte e conhecimento – fazem renascer a esperança de que nem tudo está perdido, ou se perdendo, no Brasil.

 

 

 

CCSP apresenta mostra sobre o coletivo baiano Etsedron

Foto de trabalho do grupo, presente na mostra no CCSP. FOTO: Divulgação

Em mais uma mostra realizada com seu acervo documental, o CCSP apresenta, a partir de 16 de maio, a exposição Passagem ETSEDRON, uma seleção de fotos e documentos sobre o coletivo de mesmo nome, atuante na década de 1970. A primeira exposição do acervo foi sobre a 1ª Bienal Latino Americana, de 1978.

Etsedrom (anagrama de Nordeste), foi um grupo baiano formado por mais de 20 integrantes e liderado pelo artista Edson da Luz. De caráter multidisciplinar, seus Projetos Ambientais reuniam dançarinos, médicos, antropólogos, atores, engenheiros, artistas e discutiam arte, terra e homem, apontando possíveis caminhos para a arte latino-americana.

O coletivo apresentou ao mundo uma visão particular e radical da realidade nordestina e participou de três edições da Bienal Internacional de São Paulo, em 1973, 1975 e 1977.  As proposições do grupo, ao escancarar uma região nordestina miserável e sofrida, trabalhando com materiais precários, mostram um forte caráter regionalista.

Passagem ETSEDRON

Centro Cultural São Paulo – rua Vergueiro, 1000.

De 16/5 a 7/7

Entrada gratuita

 

‘À Nordeste’ leva 275 obras ao Sesc 24 de Maio

Juliana Notari, Frames da videoperformance Mimosa, (vídeo projeção em três telas), 2014.

Bitu Cassundé, Clarissa Diniz e Marcelo Campos são os curadores da exposição À Nordeste, que reunirá 275 trabalhos de artistas que problematizam os imaginários acerca do Nordeste brasileiro, questionando as visões do que é “estar à Nordeste”. Artistas como Almandrade, Ayrson Heráclito, Bárbara Wagner e Benjamin de Burca, Bispo do Rosário, Glauber Rocha, Jonathas de Andrade, Juliana Notari, Leonilson, Marepe, Mestre Vitalino, o coletivo Saquinho de Lixo e Véio são alguns destaques, evidenciando o caráter multidisciplinar das variadas linguagens e suportes das obras que compõem a mostra, de esculturas a ‘memes’. A exposição pode ser conferida a partir de 16 de maio.

Artistas de contextos, linguagens e interesses diversos dialogam horizontalmente: em comum, uma produção pulsante, que problematiza os imaginários que se têm acerca do Nordeste e questiona os lugares tradicionais — físicos e metafóricos — de se estar no mundo. A crase em À Nordeste surge como elemento desafiador do estereótipo regionalista, pois evita o artigo definido — e, com ele, uma identidade unívoca — de “o Nordeste”.

A fim de atualizar suas pesquisas já voltadas para a região, conhecer novos artistas e projetos e, de alguma forma, moldar a curadoria da exposição, os curadores revisitaram as nove capitais nordestinas, além de interiores significativos para alguns desses Estados — ora em trio, em dupla ou, raras vezes, individualmente, ainda que na companhia de representantes do Sesc. Na prática, as viagens de pesquisa aconteceram de agosto de 2018 a janeiro de 2019.

“Iniciamos essas viagens e visitas a campo no segundo semestre do último ano, em pleno processo eleitoral. Neste período, o Nordeste vivenciou um momento um tanto quanto singular, revigorante, de contraposição a uma ideia de Brasil que acabou prevalecendo naquele contexto”, pontua Diniz. “Pudemos ver um Brasil em transformação, a partir de um Nordeste de muitas lutas, mobilizações e reivindicações em torno de suas questões”, completa Bitu Cassundé.

 

Curitiba recebe duas mostras de Ai Weiwei

"Forever (Bicycles)" no Museu Oscar Niemeyer. FOTO: Divulgação

O artista chinês Ai Weiwei provocou ainda mais curiosidade entre os brasileiros após a mostra Raiz ter sido exibida na Oca do Parque do Ibirapuera, em São Paulo, no último trimestre do ano passado, se estendendo até o janeiro deste ano. A individual, que tem curadoria de Marcello Dantas, agora ocupa o Museu Oscar Niemeyer (MON) em Curitiba. Além de receber Raiz, a cidade também hospeda a primeira mostra comercial e individual do artista da América Latina, na Galeria SIM/Simões de Assis.

No museu, a exposição abriu em 1º de maio e deve se estender até o dia 4 de agosto. Nela, as grandes obras que estiveram no Ibirapuera também chamam a atenção do público do Sul, como o grande barco que reflete sobre a crise dos refugiados (Law of the journey) e a grande escultura com bicicletas (Forever/Bicycles), esta última na parte externa do MON.

A união entre as galerias SIM e Simões de Assis, pai e filhos, para a individual, homônima, do artista evidenciam a importância de uma primeira vez do artista em galeria na América Latina. Na exposição, que vai de 14 de maio a 29 de junho, Ai Weiwei apresenta alguns trabalhos mais antigos, como esculturas de bambu e porcelana produzidas em 2009, mas também leva peças que produziu durante o processo de Raiz, mas que não figuram na exposição institucional: “O convite para Ai Weiwei vir ao Brasil era também um convite para uma interpretação e para a realização de novos trabalhos“, diz o texto das galerias.

Conhecido pelo teor polêmico de seus trabalhos, que trazem conteúdos sociais e políticos bem marcados, Weiwei não tem nenhum receio de unir seu trabalho como artista ao que desempenha também como ativista. Os trabalhos em couro que figuram nas duas exposições, por exemplo, possuem citações em inglês de autores que trabalhavam ou trabalham com essas temáticas.

Tendo produzido alguns dos trabalhos expostos em um período que passou no Brasil organizando a mostra, o artista entrou em contato com artesanatos regionais, como ex-votos feitos em Juazeiro do Norte. Ele solicitou para que os artesãos criassem bonecos em formas que remetem ao seu trabalho, como figas, zodíaco chinês e refugiados.

Confira texto de Maria Hirszman sobre Raiz, publicado na ARTE!Brasileiros 45. Clique aqui.

Lituânia ganha Leão de Ouro na Bienal de Veneza

A obra "Sun & Sea". FOTO: Andrej Vasilenko

Em uma Bienal de Veneza marcada por inédita paridade de gêneros, com número semelhante de artistas homens e mulheres na mostra principal, o pavilhão da Lituânia levou o Leão de Ouro ao apresentar uma grande obra – misto de ópera, instalação e performance – criada pelas artistas Lina Lapelyte, Vaiva Grainyte e Rugile Barzdziukaite.

Intitulado Sun & Sea, o trabalho transformou o pavilhão situado na Marina Militar, fora do recinto tradicional da bienal e dos trajetos mais habituais, em uma praia artificial, numa crítica às formas de lazer atuais e à pressão exercida sobre o meio ambiente. Enquanto o júri destacou “o uso inventivo do local”, as artistas explicaram que o trabalho desenha um paralelo entre a fragilidade do corpo humano e a do planeta terra.

Na cerimônia de premiação realizada no sábado foi ainda atribuída uma menção especial ao pavilhão da Bélgica, por fornecer em sua exposição “uma visão alternativa de aspetos pouco reconhecidos das relações sociais na Europa” e o Leão de Ouro para melhor participação na mostra principal ao artista norte-americano Arthur Jafa. Com o filme The White Álbum, o artista levanta questões sobre racismo e preconceito de uma forma inesperada.

Veja aqui fotos do pavilhão da Lituânia e das artistas vencedoras:

 

Rivane Neuenschwander usa filtro de Machado de Assis para ver Brasil atual

Obra O Alienista é composta por vários bonecos, como o Juiz de Fora, o Criacionista e o Terraplanista. (FOTO: Divulgação)

Os limites entre sanidade e loucura, repressão e sublevação, são dois dos temais centrais de O Alienista, o famoso conto de Machado de Assis, publicado em 1882, antes sequer da Proclamação da República, foram transpostos para a 2019, na mostra de mesmo título de Rivane Neuenschwander, em cartaz até o próximo sábado, dia 18 de maio, na galeria Fortes D’Aloia & Gabriel.

No texto clássico, o médico Simão Bacamarte funda em Itaguaí a Casa Verde, um retiro para loucos (é o termo usado pelo escritor), onde acaba internando, de forma intempestiva e autoritária, a maioria de sua população, para depois soltá-la, em parte por conta de revoltas populares. Ele então desconfia que os mais loucos seriam os mais sãos, e os recolhe. Mas o alienista acaba concluindo que o único louco de fato é ele, e se torna o único morador da Casa Verde, para morrer meses depois.

Não há dúvida que, nos últimos anos, o Brasil se tornou uma Itaguaí, dado o nível de insanidade no país, e a comparação que Neuenschwander empreende em sua mostra é notável por atualizar o momento atual pelo filtro machadiano: quem é louco? Afinal, a ascensão de figuras como Olavo de Carvalho e Damares Alves no governo brasileiro deixa dúvidas sobre a sanidade do próprio país.

Assim, para tratar das figuras exageradas e caricatas em circulação, a artista usa esse mesmo tipo de recurso: os vinte bonecos que compõem o conjunto O Alienista são caricaturas tridimensionais. Como tais, são engraçadas e esquisitas, evitando aí um tom judicativo ou mesmo raivoso. É como olhar o presente sob uma ótica até ingênua, quase infantil, de bonecos feitos em papel machê, garrafas de vidro e outros materiais, em uma colaboração com seus filhos, Theo e Hannah, mantendo a parceria como estratégia permanente sua poética.

O conjunto não é totalmente literal. Há representações mais universais, como “O Militar”, encarnado como um dragão verde, e outras mais explícitas, como “O juiz de fora”, um rato de terno preto com a bandeira dos Estados Unidos em uma manga e limpadores de garrafa em outra, alusão clara a Sergio Moro.

Mas fazer rir em um momento de desgraça é uma benção e é por essa chave que a mostra escapa de se reduzir a uma crônica do momento atual. Ela acaba sendo tão estranha como o Brasil perversamente caricato de 2019.

Essas deformações reverberam nos outros dois grupos de trabalhos que completam a mostra no primeiro andar da galeria. O conjunto Trópicos Malditos, Gozosos e Devotos reúne quatro pinturas sobre madeiras que mesclam um estilo de xilogravura erótica japonesa, a shunga, com elementos da literatura de cordel. São trabalhos de um colorido pop _ outra das marcas da artista é essa referência a cores fortes_ para falar de um assunto delicado: o estupro como marca inaugural da miscigenação do Brasil. O espaço que reúne essa série é a antessala dos bonecos de O Alienista, o que serve como uma espécie arqueologia da loucura, afinal, que sociedade criada sob o signo da violência pode manter-se sã.

Já na sala com os bonecos, está o conjunto Assombrados, cinco pinturas sobre tecido, em estilo colcha de retalhos, onde ela mistura imagens e palavras dadas por crianças que participaram de oficinas preparatórias para a mostra O nome do medo, no Museu de Arte do Rio, em 2017. Novamente, Neuenschwander acrescenta outra camada à loucura, já que os medos aqui abordados são os menos infantis possíveis: bala perdida, fome, estupro, apontando novamente para uma sociedade absolutamente enferma.

Em O Alienista, Neuenschwander parece usar a leveza, a beleza e a diversão como uma porta de entrada para revelar a cultura enferma que se instalou no país: fascista, violenta e ignorante.

João Fernandes, novo diretor artístico do IMS, e a descolonização da história da arte

Após Lorenzo Mammi deixar o cargo de diretor artístico do Instituto Moreira Salles para voltar às atividades acadêmicas na Universidade de São Paulo, a instituição anuncia para ocupar a função o curador português João Fernandes. Até então, Fernandes era vice-diretor do Museu Reina Sofía, de Madri. Ao lado do diretor do museu espanhol, Manuel Borja-Villel, foi eleito o 51º lugar de uma lista de 100 personalidades mais influentes da arte pela ArtReview no ano passado. Também em 2018, ele foi convidado para participar do V Seminário ARTE!Brasileiros, cujo tema foi a ‘ARTE além da ARTE’.

João começou sua fala apontando como a arte tem expressado, de muitas formas, “como o mundo não está bonito, como o mundo não é bonito e não foi bonito ao longo de sua História”. Ele ressaltou que muitas vezes os artistas de manifestaram por estiveram sensíveis à manifestações de sistemas de desigualdade, de opressão, da exploração humana, por exemplo.

Citando as intervenções dos artistas e os trabalhos de Mario Pfeifer (Alemanha) e Voluspa Jarpa (Chile), que também participaram do seminário, João refletiu: “Tantas obras nos trazem esse território amplo que é arte hoje oferece para as evidências e problemas do mundo, que existem, dos quais o mundo revela pouca consciência”. O curador acredita que a arte, é uma grande aliada para enfrentar o chamado “problema de Orwell”, trabalhado pelo linguista Noam Chomsky, que ele sintetiza na seguinte questão: “Como é que com uma evidência tão grande dos fatos que temos no mundo temos um conhecimento tão pequeno deles e reagimos tão pouco em relação a eles?”. O papel da arte nesse sentido seria ajudar a problematizar discursos dominantes que transformam histórias particulares em algo invisível.

Citando Helio Oiticica (“da diversidade vivemos”), João levantou apontou  “globalização articula-se com algo que na Teoria da Informação sempre foi uma lei de entropia muito cruel: quanto mais informação, menos informação. Quanto mais informação, menos conhecimento”. E completou: “Hoje até a própria proliferação dos sistemas de informação, nos sistemas de comunicação artística, contribuem para anestesiar socialmente muitas das próprias situações que denunciam”.

Fernandes ainda comentou sobre modelos curatoriais no mundo e também sobre como conhecer a arte feita no Brasil e na América Latina em geral é importante para se descolonizar a História da Arte. Ele citou a Bienal de Veneza como um exemplo de exposição criada nos moldes de uma sociedade capitalista industrial: “Foi criada para um mundo estruturado de acordo com a lógica dominante no seu tempo”. Em seguida, aponta a Bienal de São Paulo como a antítese disso: “É criada neste Parque do Ibirapuera dentro de uma perspectiva em que o modernismo, de certo modo, construiu um espaço para a utopia e para uma revelação do novo nesse confronto que seria aquilo que trazia ao Brasil muito da arte que no Brasil não era conhecida e, ao mesmo tempo, revelava ao mundo muito da arte que se fazia aqui no Brasil”.

Para ele, nas últimas duas décadas, a expansão da arte produzida aqui e na América do Sul é importante porque mostra uma história “fundamental para se descolonizar criticamente realidades que ainda hoje sobrevivem em razão a todo esse passado colonial, eurocêntrico, falocêntrico, etc, que faz parte de um passado”. Em sua opinião “é aqui” que se começa uma quebra dos modelos dominantes da arte ocidental, “que começa uma consciência crítica de que esses modelos correspondiam a uma história colonial”.

Assista ao vídeo e confira a íntegra da fala de João Fernandes em nosso seminário!