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O prêmio e os acervos

Miguel Chikaoka Salvaterra, PA – 1994

Em Belém para ministrar um curso sobre curadoria, visitei o solene Museu do Estado do Pará (MEP) que, junto com o Museu de Arte da Universidade Federal (MUFPA), abrigam em 2019 a 10ª edição do Projeto Prêmio Diário Contemporâneo[1]. O Projeto, sob a coordenação de Mariano Klautau Filho, a cada ano transforma Belém num dos pontos principais do Brasil para quem deseja ver, refletir e discutir a arte contemporânea do país, tendo como eixo privilegiado a fotografia e a imagem fotográfica.

Nesta edição, os artistas que responderam ao edital da mostra foram selecionados pelo júri formado por Octavio Cardoso, Heldilene Reale e Isabel Gouvêa, que escolheu um grupo potente de obras de artistas das mais diversas regiões do país. Junto com algumas obras de artistas convidados, formaram a exposição em cartaz no MEP.

Não leve flores, de Rodrigo Pinheiro e Ton Zaranza, foi a peça que talvez mais tenha me impressionado. Composta por uma série de retratos fotográficos em formato 40 x 40 cm, registram pessoas as mais diversas. Ao lado de cada retrato – como se fosse a legenda –, um depoimento impresso da pessoa retratada, relatando quais foram seus sentimentos e ações durante 28 de outubro de 2018, para quem não lembra, dia em que foi confirmada a vitória do atual presidente da República. Não leve flores conseguiu atrelar à dimensão já hipercodificada do retrato uma delicadeza na pose, na iluminação e no fundo colorido das imagens que reforçam os depoimentos acoplados, relatos das apreensões que gravitavam durante aquele dia fatídico. O que igualmente me despertou o interesse foi o fato de que a obra, embora configurada como uma galeria de retratos/depoimentos de parte da comunidade LGBT+ do Rio de Janeiro, não se restringe àquela comunidade, pois expressa os temores de parte significativa da sociedade brasileira frente ao devir em que penetramos naquele dia.

Mas essa não foi a única obra que me chamou a atenção no MEP (cuja arquitetura, por si só, já vale uma vista). Ainda ali, um olhar mais detido na produção exposta me revelou o trabalho de outros artistas instigantes: Julia Milward, de São Paulo, e sua série, “Renomes”, foi uma delas. A artista atua sobre fotos apropriadas de colunas sociais dos anos 1950 e 1950, em que os nomes das mulheres retratadas foram substituídos pelas indicações das atividades profissionais e dos nomes dos respectivos maridos. Reforçando o apagamento dessas mulheres enquanto indivíduos, Milward transplanta as imagens para um suporte que emula o drapeado das vestes suntuosas da maioria das retratadas e, nesse processo, ao mesmo tempo em que reforça a associação de cada obra ao drapeado dos vestidos de soirée, faz com que esse arranjo suma com o rosto da retratada. Abaixo de cada fotografia, em metal cromado, a indicação do proprietário de cada uma das mulheres: “Sra. Embaixador Fulano de Tal”, “Sra. Conselheiro Beltrano” etc.

À margem desse viés ativista mais explícito (mas que não perde a delicadeza, jamais), a exposição apresenta outras manifestações de interesse: a série “Angelus”, da baiana Maria Baigur, por exemplo, ressignifica a documentação da paisagem urbana – quase toda, hoje em dia, subserviente a um gosto de derivação da escola alemã de fotografia – registrando em cada uma das imagens urbanas que exibe elementos que as humanizam, retirando-as do fosso comum da atual fotografia “de arte”, fria e distante. Além desse ensaio de Baigur, impossível permanecer imune às produções tão diversas e potentes, como aquelas de Mateus Sá, de Pernambuco, José Diniz, Rio e de Renan Teles, São Paulo, entre vários outras, produções que abalam as certezas enraizadas naquele edifício algumas vezes centenário.

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Se no segmento da exposição apresentada no MEP sobressaem, além da produção de alguns convidados, artistas que se inscreveram no edital deste ano, no Museu de Arte da Universidade Federal do Pará, devido às comemorações dos 10 anos do Prêmio, são apresentadas obras de artistas já presentes na Coleção Diário Contemporâneo e alguns convidados.

Essa exposição singulariza-se por apresentar praticamente apenas obras pertencentes à Coleção, franqueando ao público o contato com a produção de alguns dos artistas mais significativos da cena brasileira contemporânea e que, pelas mais diversas circunstâncias, residem ou residiram em Belém. A mostra como que produz uma antologia delicada de trabalhos de Miguel Chikaoka, por exemplo, um artista cuja importância não se reduz ao fato (grandioso em si mesmo, diga-se) de ter sido responsável pela formação de gerações de artistas de Belém. Chikaoka ali é apresentado como um artista cuja sensibilidade, na maneira como opera a câmera fotográfica, demonstra que a fotografia documental pode, sim, ir muito além do mero registro do real, quando operada por alguém que sabe nelas enxergar algo que transcende os fatos e as circunstâncias.

 

A mostra também é pródiga ao apresentar a produção de um dos artistas paraenses mais conhecidos para além das fronteiras do estado: Luiz Braga. Ali encontramos o artista com obras que decididamente o retiram do compromisso que lhe foi outorgado de representante da “visualidade amazônica”. Fora desse viés, Braga se revela o artista maior que já dava demonstração de ser, desde as fotos em preto e branco, produzidas nos anos 1970, exibidas no MUFPA. A participação de Braga na mostra ganha ainda maior destaque com a apresentação de algumas de suas fotografias em cor, produzidas em interiores residenciais e sem nenhum apelo regionalista mais evidente. Por último, a mostra também traz a público uma surpresa para aqueles que se interessam pela produção de Luiz Braga: um vídeo – peça raríssima (talvez única) dentro de sua obra – em que o registro de cunho antropológico é ampliado em seu significado pelas imagens produzidas pelo artista.

Artistas da significação de Claudia Leão, Dirceu Maués, Flavya Mutran, Geraldo Ramos, Janduari Simões, Jorane Castro e Walda Marques, completam o time de artistas que constituem, no MUPFA, talvez o cerne mais consistente da fotografia produzida há algumas décadas no Pará.

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Um dado já perceptível nos parágrafos acima, reveste o Programa Diário Contemporâneo de uma importância ímpar na cena brasileira: o fato de que, além de anualmente colocar Belém em contato com parte do que de mais estimulante ocorre no Brasil em termos de arte contemporânea, o Prêmio – a partir de acordos assinados com o Museu da Casa das Onze Janelas e com o Museu da Universidade Federal do Pará – levam para seus respectivos acervos, as obras premiadas pelo Projeto. Agindo dessa maneira, o Prêmio deixa de ser, então, apenas mais um dos eventos ligados à arte contemporânea em Belém, para se transformar em um fomentador importante dos acervos dos dois museus citados, ambos públicos (o primeiro estadual, o segundo, federal). Esse acordo entre a entidade promotora do evento – o Diário do Pará – e os dois museus, demonstra como é possível produzir projetos de excelência unindo a iniciativa privada e os museus públicos brasileiros, sempre carentes de verbas para ampliar seus respectivos acervos.

A cada edição do Prêmio, é preciso frisar, o corpo de jurados é mudado, garantindo, assim, a presença sempre diversificada de pontos de vistas de profissionais respeitados de todas as regiões do país. Neste tipo responsabilidade compartilhada, ganha o Diário do Pará, que associa sua marca a duas instituições públicas respeitáveis, ganham os dois museus e ganha o público paraense, que poderá continuar convivendo com as obras premiadas em cada edição.

Completados os dez primeiros anos do Prêmio, surgem possibilidades de que ele venha a ganhar ainda maior penetração e destaque, não apenas na cena paraense e brasileira, mas também internacional. São tempos novos que se aproximam nessa segunda década que se inicia. Que as três instituições envolvidas tenham a sabedoria de continuar mantendo e ampliando o escopo do Projeto, sem descuidar da necessidade de bem escolher, daqui para frente, quem pode e merece continuar oferecendo-lhe o devido suporte.

 

 

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[1] – Em todas suas edições, a mostra Prêmio Diário Contemporâneo realiza-se em duas instituições: o Museu Casa das Onze Janelas e o Museu de Arte da Universidade Federal do Pará. Excepcionalmente neste ano, uma das exposições do Prêmio realiza-se no Museu do Estado do Pará que, como a Casa das Onze Janelas, também pertence ao estado do Pará.

Lucia Koch apresenta individual na Galeria Nara Roesler

"Tumulto", obra de Lucia Koch. Foto: Divulgação

A nova exposição da artista Lucia Koch, apresentada na galeria Nara Roesler, em São Paulo, tem seu título composto pelos nomes de duas grandes instalações presentes na mostra: Tumulto e Turbilhão. No salão principal da galeria, Tumulto é um cruzamento de cortinas diagonais que recortam o espaço, gerando um acúmulo de camadas semitransparentes. Como explica o texto de divulgação da mostra, “parte destas cortinas-filtros parece atravessar as paredes, continuando para além das salas de exposição”.

Turbilhão, por sua vez, aparece como um tipo de contraponto à primeira obra. O trabalho apresenta-se como uma espécie de anti-vitrine, com a abertura da grande janela de vidro do espaço expositivo preenchida inteiramente por uma treliça vermelha. “Nela é instalado um grande círculo (recortado da mesma treliça) que se move vagarosamente com a ajuda de um motor, criando assim um efeito moiré, que pode ser visto tanto de dentro, como de fora da galeria”, diz o texto.

Em outros trabalhos expostos, a mostra levanta também discussões sobre o trabalho artístico feito em colaboração. Trabalho Noturno, criado coletivamente, ecoa a experiência de A Longa Noite, instaurada por Lucia Koch no Sesc Pompeia em 2018. Tramatura, apresentada na data de abertura da exposição, é uma performance criada pela Coletiva Balaiada Qualira, formada pelas artistas Eliara Lua, Flora Maria, Ana Musidora e Jo dos Santos. O grupo apresenta também a videoperformance Eclipse, feita junto com Aline Belfort.

Tumulto, Turbilhão
Galeria Nara Roesler – Avenida Europa, 655, Jardim Europa, São Paulo
Até 19 de outubro

 

“Vaivém” trata da cultura brasileira para além da arte

Vista da exposição no CCBB de São Paulo. FOTO: Edson Kumasaka

“Não cabe mais ver as redes como espaço de descanso e decoração. Necessita-se admirar sua representação e compreender que materialidade é a prova da resistência ameríndia. Que por trás da beleza e da forma existem focos de resistência. Que tecer ou criar a partir delas é arte, ativismo. É atividade. É sobrevivência. É ser.”, afirma Naine Terena no catálogo da mostra Vaivém, vista até julho no Centro Cultural Banco do Brasil de São Paulo e, agora em setembro, sendo  aberta em sua sede de Brasília, seguindo depois para o Rio e Belo Horizonte.

Vaivém é dessas mostras que vão além do campo da arte para tratar da cultura de forma mais ampla, e aí está seu maior valor.

Mais do que simplesmente apresentar de forma sequencial várias representações de um dos mais típicos objetos da cultura brasileira, a exposição com curadoria de Raphael Fonseca apresenta diversos aspectos dos significados da rede, como aponta Naine na citação acima, indo muito além do clichê da preguiça que o colonialismo a demarcou.

Isso fica claro logo na primeira sala da mostra, quando se contextualiza a importância da produção do artefato de origem indígena no nordeste, mais especificamente em São Bento, na Paraíba, onde são produzidas por ano nada menos que 12 milhões de redes. Os números aí já deixam claro que o impacto do comércio vai também além do estereótipo que se pode ter. O portal da cidade possui um imensa rede para marcar posição.

Assim, a mostra segue em uma sucessão de narrativas um tanto surpreendentes ao longo de seis módulos, que abordam desde as distintas formas de representação da rede, seja no modernismo brasileiro, seja nos quadrinhos de Walt Disney com o Zé Carioca, até sua função de geradora de identidade, como bem aponta Naine Terena em relação aos povos indígenas.

Vem deles, aliás, algumas das imagens mais potentes da mostra, grande parte delas comissionadas pelo curador, entre elas produzidas por Yermollay Caripoune, Alzelina Luiza, Carmézia Emiliano e Jaider Esbell, entre outros. No catálogo, Clarissa Diniz cita uma fala de Esbell, aliás, que aponta de maneira exata porque a mostra alcança alta voltagem política: “Não há como discutir descolonização sem adentrar as portas das cosmovisões dos povos originários”.

Há aí um acerto curatorial imenso, afinal, mesmo que artistas contemporâneos tenham se apropriada da rede em suas obras, de Hélio Oiticica a Tunga, de Paulo Nazareth a OPAVIVARÁ – todos presentes na mostra, é no contexto indígena que ela ganha caráter de resistência e manifesto anti-hegemônico.

A exposição ainda é generosa ao apresentar as diversas representações da rede ao longo dos séculos, seja nos artistas viajantes da época da monarquia do Brasil, seja por sua revisão crítica, tão bem realizada por Denilson Baniwa.

A exposição é sem dúvida audaciosa, ao apresentar mais de 300 obras de 140 artistas, em um período de cinco séculos, do 16 ao presente. Contudo, seu foco é preciso, e passar por ela uma experiência efetiva.

É essencial lembrar que a mostra é fruto de um doutorado realizado pelo curador ao longo de cinco anos, portanto uma pesquisa de fôlego, que se materializa no espaço expositivo de forma adequada e realmente como uma vivência, isso é, não se trata de uma transposição ilustrativa de uma tese. Em tempos de questionamento da ciência e da academia, Vaivém serve ainda para apontar como o ambiente universitário segue essencial para a reflexão da cultura brasileira, assim como capaz de transpor o ambiente acadêmico para um diálogo potente com a sociedade.

Farol expõe obras da coleção Santander Brasil pela primeira vez

Tomie Ohtake, Sem título [Untitled], 1978

A exposição Contemporâneo, sempre – Coleção Santander Brasil, com curadoria de Agnaldo Farias e Ricardo Ribenboim, apresenta um panorama de 70 anos da arte brasileira e reúne um conjunto significativo de pinturas, esculturas, desenhos, gravuras e fotografias. Das mais de duas mil obras do acervo, foram escolhidos 64 trabalhos, divididos nas categorias Abstração, Retrato e Paisagem.

Uma obra que nunca foi exposta, do artista Bené Fonteles, na categoria Abstração, é uma das atrações esperadas. O trabalho, sem título, foi criado em 1980. Já a obra mais antiga é a escultura de Victor Brecheret, Tocadora de Guitarra (1923). E a mais recente, uma pintura do artista Paulo Almeida, parte da série “Palimpsestos”. O processo criativo da obra envolve modifica-la a cada nova exposição. O artista trabalhará no local e concluirá as alterações dias antes da abertura ao público.

As escolhas contemplam diversos artistas fundamentais nesse recorte proposto pela curadoria: reunir figuras clássicas e contemporâneas da arte no país, ultrapassando as definições de tempo e se renovando a cada olhar.

Contemporâneo, sempre – Coleção Santander Brasil
Farol Santander – Rua João Brícola, 24 – Centro
Até 5 de janeiro de 2020

 

Daniel Senise apresenta mostra no Instituto Tomie Ohtake

Trabalho de Daniel Senise na mostra. Foto: Divulgação

Com uma nova obra em dimensão monumental e um conjunto de trabalhos pouco vistos ou inéditos que apresentam intervenções sobre fotografias, o artista Daniel Senise apresenta no Instituto Tomie Ohtake a mostra Todos os Santos, em cartaz até 13 de outubro.

Segundo Daniela Labra, curadora da exposição, o conjunto mostra um imbricamento de linguagens resultante do pensamento pictórico de Senise. “Desdobram sobre superfícies e imagens fotográficas o discurso acerca de memória, espacialidade, representação, materialidade, história da arte ocidental e filosofia que definem a pós-pintura de Daniel Senise”, afirma Labra em texto de apresentação da mostra.

O trabalho em grande dimensão, com 5 por 3,66 metros, contém fragmentos de matéria queimada recolhidos do interior do Teatro Villa-Lobos, no Rio de Janeiro, destruído pelo fogo em 2011 e ainda interditado. “Nesta obra, a fotografia sai e entra o espelho como suporte, refletindo por entre restos carbonizados o real invertido que habita seu lado de fora”, diz a curadora no texto.

Nos outros trabalhos, realizados de 2005 a 2019, surgem fotografias de espaços como o antigo galpão da Estrada de Ferro Sorocabana, o Hospital Matarazzo, ou locações na Bahia e em Nova York, entre outras. As fotos foram feitas ou dirigidas por Senise com a colaboração de Mauro Restiffe, Caetano Dias, Tiago Barros e Fernando Laslo. Para a curadora, “camadas de temporalidade se sobrepõem configurando uma discussão sobre fisicalidade da matéria, representação, imagem, real, existência”.

Daniel Senise – Todos os Santos
Instituto Tomie Ohtake – Av. Faria Lima 201
Até 13 de outubro de 2019
Entrada gratuita

 

Com 33 galerias, SP-Foto estreita vínculos internacionais e inaugura setor editorial

Foto de Martin Parr que estará na Galeria Lume. Foto: Divulgação

Com 43 expositores – sendo 33 galerias, oito editoras e dois museus (MASP e MAM) – e trabalhos de cerca de 300 fotógrafos, a feira SP-Foto acontece entre os dias 21 e 25 de agosto em São Paulo, no Shopping JK-Iguatemi. Braço da SP-Arte, o evento chega à sua 13a edição consolidado como um dos principais eventos de fotografia do país, dedicado não só ao mercado e ao colecionismo, mas também ao debate e reflexão acerca da fotografia contemporânea – suas práticas, temáticas, antecedentes históricos e caminhos futuros.

“A venda é um resultado sempre aguardado e esperado, mas não é o único de um evento como esse”, afirma a diretora da feira, Fernanda Feitosa. “Manter o público sintonizado e interessado é muito importante e isso faz parte de um trabalho contínuo nosso e das galerias”, completa.

Nesse sentido, além de ver trabalhos de celebrados nomes nacionais e internacionais – em uma enorme lista que passa por Francesca Woodman, Martin Parr, José Manuel Ballester, Jean Manzon, Antoni Abad, Helman Newton, Miguel Rio Branco, Thomaz Farkas, Mario Cravo Neto, German Lorca, Mauro Restiffe, Ana Maria Tavares, Geraldo de Barros, Pierre Verger, Cinthia Marcelle, Pedro Motta e Sofia Borges –, o público poderá assistir a uma série de encontros com fotógrafos, artistas, curadores, escritores e jornalistas.

No ciclo Talks, um debate com a curadora norte-americana Margot Norton e o arquiteto e crítico Guilherme Wisnik, mediado por Miguel del Castillo, discute o impacto da contemporaneidade digital nas imagens e seus desdobramentos sociais; uma conversa com o jornalista e pesquisador Ronaldo Entler e a venezuelana Julieta Gonzáles, diretora do Jumex (México), analisa os trabalhos de Christopher Willians, Rosângela Rennó e Wolfgang Tillmans; e uma mesa com a curadora norte-americana Barbara Tannenbaum, do Cleveland Museum, e com Mário Cohen aborda o mercado fotográfico e sua integração com o mercado de arte.

Na programação do Meet the Artists, dedicada aos trabalhos de fotógrafos contemporâneos, os convidados deste ano são Mauro Restiffe e a dupla Bárbara Wagner e Benjamin de Burca. Novidade desta edição, o setor editorial ocupa um novo espaço da feira dedicado a livros e foto-livros. Estarão presentes as editoras Cobogó, BEI, Taschen, Madalena, Fotô Editorial, Lovely House, Terra Virgem e YOW, além das instituições MASP e MAM.

Por fim, fotografia e literatura são o mote de outro ciclo de conversas, inaugurado este ano em parceria da SP-Foto com a Escrevedeira (espaço paulistano voltado para cursos e eventos literários). Concebido pelo escritor e crítico João Bandeira, o workshop Olho no Olho – Fotografia & Literatura apresenta três mesas: a primeira com Alberto Martins e Maureen Bisilliat, a segunda com Bob Wolfenson e Matinas Suzuki e a terceira com Cristiano Mascaro e Noemi Jaffe.

O programa de imersão profissional, organizado pela feira desde 2015 e dedicado à internacionalização da fotografia brasileira, convida este ano Tanya Barson (MACBA), Sophie Hackett (Art Gallery of Ontario), Elizabeth Cronin (NY Public Library) e Simon Baker (Maison Européenne de la Photographie), que se aprofundarão na pesquisa sobre a fotografia brasileira através de visitas à museus, galerias e outras instituições paulistanas.

“Temos nos dedicado a promover essa ponte entre o Brasil e o exterior há anos”, explica Feitosa. “E esse trabalho vai gerando frutos, esses contatos vão maturando. Quando a Sarah Meister veio em 2015, por exemplo, ela conhecia pouco da fotografia moderna brasileira. Agora, o MoMA já adquiriu algumas fotografias deste período para seu acervo”. Além disso, a curadora do museu nova-yorkino têm vindo regularmente ao país e está preparando uma mostra sobre o fotocineclubismo brasileiro, a ser realizada no MoMA em 2020.

“Essas viagens de imersão têm exatamente essa missão de introduzir a fotografia e a arte brasileira à esses profissionais que, munidos desse material e desse conhecimento, vão se aprofundar, explorar novos diálogos, traçar paralelos entre artistas brasileiros e de outros países”, diz Feitosa. Isso tudo, obviamente, resulta também no mercado e no colecionismo: “Porque tem um aspecto do mercado de arte que é a longo prazo”.

Sobre os trabalhos dos cerca de 300 fotógrafos expostos na SP-Foto, Feitosa afirma que as temáticas tratadas são bastante variadas, mas que algumas eixos podem ser identificadas, bastante sintonizados ao contexto político e social vivido nos dias de hoje. “Há uma profunda preocupação dos artistas, e os fotógrafos não fogem a isso, com questões como a destruição ambiental, as ocupações urbanas desordenadas, o pertencimento e o deslocamento, as questões de gênero e de raça”, diz ela, citando como exemplo os nomes de Luciana Magno, Luiz Braga, Cristiano Mascaro, João Farkas e Sebastião Salgado.

Para saber mais sobre a SP-Foto e conhecer todos os expositores, acesse aqui o site da feira.

SP-Foto 2019
Shopping JK Iguatemi, 3º piso – Av. Presidente Juscelino Kubitschek, 2041.
21 a 25 de agosto
Entrada gratuita

Carros, mobiliário e obras de arte são colocados em diálogo em mostra sobre design italiano

Panorama da exposição. Foto: Studio Cerri/ Divulgação

Ao expor uma série de carros italianos clássicos, mostrar vídeos de corridas de Fórmula 1, dedicar uma sala aos sons de motores e outra à miniaturas de automóveis antigos, a exposição Beleza em Movimento – Ícones do Design Italiano pode parecer uma mostra voltada ao nicho específico dos chamados “amantes de automóveis”. Com um olhar mais atento, no entanto, logo percebe-se que ela vai muito além disso.

Em vasto espaço da Casa Fiat de Cultura, em Belo Horizonte, a exposição se dedica a adentrar o universo do design italiano a partir de prestigiados modelos de automóveis, mas também de uma série de obras de arte, móveis, objetos e utensílios domésticos, além de instalações multimídia, vídeos e uma detalhada linha do tempo. Através deste vasto leque de linguagens e suportes, a mostra aborda de modo amplo o design do país europeu, destacando os contextos cultural e socioeconômico que possibilitaram seu desenvolvimento ao longo do século 20.

“Podemos considerar estes objetos em geral, incluindo automóveis, como parte de uma grande filosofia que surge para lidar com a produção industrial, principalmente, e que se manifesta no design italiano com uma inspiração lírica que o torna único”, explica a arquiteta e historiadora italiana Maddalena D’Alfonso, colaboradora de Peter Fassbender na curadoria da mostra. “Isso significa conectar as novas tecnologias a uma maneira de enfrentar o futuro, com formas inovadoras, não simplesmente pelos materiais e técnicas utilizados, mas pelo desejo de transferir nos produtos uma sabedoria artística”, completa ela.

A especificidade do design italiano – relacionada ao seu diálogo com a fantasia e a utopia, a sensualidade e a ironia, o futurismo e o surrealismo – fica explícita em peças como Radiofonografo RR126 (1965), aparelho de rádio modular projetado por Achille e Pier Giacomo Castiglioni; a máquina de escrever portátil Valentine (1968), desenhada por Ettore Sottsass; a poltrona UP5, de Gaetano Pesce; os Talheres de Campeggio (1970), de Roberto Sambonet; as chaleiras da Coleção Alessi (1985); e muitos outros.

Os veículos apresentados são produções de cinco dos principais escritórios de design de carros da Itália no século 20 (as carrozerias), que têm suas histórias contadas na mostra. São elas Bertone (1912), Zagato (1919), Touring Superleggera (1926), Pininfarina (1930) e GFG Style (1960), representadas por modelos clássicos como Lamborghini 400 GT, Alfa Romeo Giulia Sprint Speciale, DeLorean DMC-12 – imortalizado na trilogia De Volta para o Futuro –, Ferrari Testarossa e Maserati Ghibili.

“São carros e objetos que tem senso de humor, que surpreendem com formas muito emocionais, muito mais do que em outros países”, explica Fassbender. “Funcional tudo pode ser, mas sobre esse lado do encanto, sobre o quanto você consegue colocar emoção em um objeto, nisso o design italiano se destaca como nenhum outro”, completa, dando como exemplo o sofá Bocca (1970), peça do Studio 65 inspirada nos lábios de Marylin Monroe.

Os objetos expostos ao longo da mostra, segundo D’Alfonso, mostram ainda o desejo de transformar o comum em algo fantástico. “A vida cotidiana é pesada, cansativa, repetitiva. Ao mesmo tempo, o prazer das coisas pequenas é único, é a poesia da vida, algo que permanece. Seja beber um café, tomar um copo de água, cozinhar, sentar em uma cadeira acolhedora. Então o design italiano pretende construir uma narrativa sobre essa pequena parte da vida, deixando que ela vire protagonista, que a poesia dos atos mínimos possa se manifestar”, afirma. “E isso se pode fazer construindo no objeto uma particularidade, uma surpresa, uma expectativa. Essa dramaturgia do objeto é fundamental para perceber o que simboliza o design italiano.”

Futurismo e cinema

Em uma sala logo no início da mostra – precedida apenas por uma instalação com um vídeo didático sobre a história do design na Europa –, quadros e esculturas futuristas contextualizam o que virá a seguir, apresentando pressupostos artísticos fundamentais para o design italiano. Obras de Umberto Boccioni emprestadas do MAC-SP – como a célebre escultura Formas Únicas de Continuidade no Espaço (1913) – dividem espaço com trabalhos de outros artistas como Pietro Consagra, Giulio Turcato e Emilio Vedova.

“O vínculo com o futurismo faz parte dessa filosofia de olhar para a frente, esse espirito impulsivo, ousado, muscular, com vontade de avançar sem olhar no espelho retrovisor. É uma força que interpreta a tecnologia, que pega essas oportunidades tecnológicas e constrói algo novo. O desejo de construir um futuro vivo, onde podemos ser pessoas novas, nos reimaginar”, explica D’Alfonso.

Neste sentido, os carros expostos se associam a este pensamento moderno, no qual o automóvel surgia como possibilidade de transformação e melhoria de vida, especialmente após a destruição e os traumas causados pela Segunda Guerra Mundial. Isso fica explícito na sala imersiva que apresenta trechos de filmes neorrealistas italianos, de Vittorio de Sica, Federico Fellini, Dino Risi e Michelangelo Antonioni.

“Talvez o lugar em que está mais compreensível essa importância do carro como produto cultural, e não apenas produto industrial ou de uma economia, é o cinema. O carro ali é o símbolo de liberdade, parte de uma sociedade moderna. No neorrealismo, que mostra uma Itália no pós-guerra, pobre, querendo se transformar, o carro aparece como algo que dá uma esperança”, afirma a curadora. “E é isso que queremos transmitir na exposição, que o automóvel não é apenas um objeto, sem alma, mas é um objeto que carrega uma grande carga de utopia.”

Assim como o carro é tratado como produto cultural ligado ao contexto social, o design de carros aparece como produto artístico. “Eu sempre tento explicar que quem faz o design dos carros não é o engenheiro, mas o artista”, explica Fassbender, que é diretor do Design Center LATAM da Fiat Chrysler Automóveis. “Nossa formação é artística, e na exposição tentamos mostrar isso. Por trás de cada carro está sempre a criação, o desenho e o lápis”, conclui o curador.

Beleza em Movimento – Ícones do Design Italiano
Casa Fiat de Cultura – Praça da Liberdade, 10, Belo Horizonte
Até 3 de novembro
Entrada gratuita

* o jornalista viajou à convite da Casa Fiat de Cultura

Escavando o oco do sentido ou o que significa ser-tão?

Antonio Obá, Artista e obra, 2018.

Por Durval Muniz de Albuquerque Júnior*

Que imagens evoca o ouvir sertão?
No pensamento social brasileiro, na literatura e nas artes brasileiras foi e é recorrentes a indagação pelo o que é o sertão, pelo seu significado, pelas figuras que o poderiam representar. Afinal, o que se diz ao se dizer sertão? Na busca de um só sentido, na procura de uma única definição, o encontro com o diverso, com o disperso, com o divergente, o encontro com o ambíguo, com o ambivalente. Na busca de ver e de dizer o sertão, o encontro com os sertões. Na escavação incessante em busca do ser do sertão, autores e obras foram e são tragados pelo vórtice de sentido que é o enunciado sertão, rodopiam no oco de sua significação, são capturados pelo redemoinhar de sua realidade, de sua identidade. Um ser tão múltiplo, tão desconforme consigo mesmo, como dizê-lo, como expressá-lo? Mas, afinal, quais imagens, que imaginário gira em torno desse topos e desse lócus tão presentes na produção cultural brasileira? Abramos as arcas da imaginação brasileira e façamos um pequeno inventário do que se vê e do que se faz ver ao se falar em sertão.

O sertão é o outro. Alteridade, diferença. O sertão é o estranho. O sertão é o outro do litoral, da civilização, da cidade, da modernidade, da contemporaneidade. O sertão é o distante e o distinto. Aquele espaço com o qual não se tem proximidade ou identidade. É o lugar do outro,
do estranho, do selvagem, do bárbaro, do rústico, do rude, do atrasado, do dessemelhante, do bicho, do inumano. O sertão é outro e possui a infinita capacidade de outrar-se. Ele sempre se desassemelha, ele sempre se faz outro quando dele nos aproximamos. Quanto mais se espia mais ele se afigura mudado, metamorfoseado. O sertão é cobra que muda a pele todo santo dia.

O sertão nunca está aonde o procuramos e, no entanto, parece estar em toda parte. O sertão vive a condição de fronteira, ele está sempre se deslocando. O sertão sempre está mais a frente, ele é uma procura e uma espera. Estamos sempre perdendo o sertão de vista. Quando chegamos, ele já se foi, debandado. O sertão está sempre depois de acolá, depois da virada do caminho. O sertão é descaminho, é perdição, é errância. O sertão é errar, o sertão é errado. Quando chegamos às bordas do sertão, ele salta mais para adiante. Quando pensamos ter conquistado o sertão, ele se nega, caprichoso. Quando pensamos ter dominado o sertão, ele se arretira, ele foge mais para dentro.
No entanto, ele continua como uma presença obsedante, como uma interrogação a ser respondida, como um desafio a ser enfrentado, como uma meta a ser atingida. O sertão está ali, mas está aqui, está acolá. Quando pisamos o sertão ele escapole dos nossos pés, embora continue doendo em nossa alma, sendo miragem em nossos olhos.

O sertão é uma distância. Ele sempre está mais para lá do que para cá. Mas onde situá-lo? O sertão é uma distância no tempo. O sertão é anacrônico, é coisa passada, é coisa de outros tempos. O sertão pertence ao passado, é sua expressão e encarnação. O sertão é tradição, é folclore, é coisas do arco da velha, é artesanal, não industrial. O sertão se faz a mão, em pontos de cruz. O sertão está morto, o sertão é o lugar da morte por excelência e incelências. Caminhar na direção do sertão é andar na contramão do tempo1. O sertão é recuo, o sertão é ruína, o sertão é o que restou dos tempos idos. No sertão o tempo se arrasta pesado, lerdo, banzo. No sertão o tempo se espicha, se espreguiça, sonolento. O tempo do sertão é pegajoso, é como visgo, aprisionando a todos em sua marcha modorrenta.2 Por isso, para se ver o sertão é preciso tomar distância, é preciso olhar para os tempos antigos, anteriores, ancestrais. Só se vê o sertão com os olhos da memória ou da história, pois o sertão sempre ficou para trás. O sertão é uma medida de tempo, ele permite medir a distância em que nos encontramos dos tempos das origens, dos tempos primevos, primitivos. O sertão é princípio, é primordial, é armorial.3

O sertão é uma lonjura. Espaço remoto, lugar distante, brenhas, matagais, matorrais. O sertão são léguas tiranas.4 O sertão é a perder de vista. Horizontes abertos, terras infindas, espaço por conquistar, por palmilhar, por desvendar os segredos e mistérios. O sertão é um apelo ao deslocamento, é um convite ao nomadismo. O sertão é terra sem porteiras, portas sem tramelas. O sertão é um sumidouro de gentes. Espaço de encantamento e desaparição. O sertão é de levas de gente e de bichos. O sertão é terras de tocadas, de tocas e de tocaias.5 É mufumbo, é matagal, é carrascal, é os cafundós do Judas, onde ele perdeu as botas. O sertão é além, é paraíso e é inferno. O sertão é o que está para dentro, é o que está por dentro de cada um de nós. O sertão é tão distante, o sertão é tão perto. Agente sempre sai do sertão, mas o sertão sai da gente? O sertão é maria-vai-com-as-outras, nos segue e nos persegue aonde vamos. Ele nos habita e habita todos os lugares onde estamos. Quando menos se espera o sertão vem, se estatela bem no meio da rua, bem no meio da praça, na forma de uma mão em forma de arminha. O sertão revolve e revólver, balas e armas como solução. O sertão, espaço do qual sempre procuramos nos distanciar, mas que teima em viver entre agente.

O sertão paisagem sem figuras.6 Sertão, deserto, desertão. Ser desertado, ser sem rosto, ser de areia e vento. Ser redemoinho, ser diabólico, ser dividido e conflituoso. Ser disperso, ser em profusão e proliferação. O ser do sertão é barroco, dobrado, plissado, chamalotado, pintalgado, ser complexo e em profusão. O sertão é onça malhada, é onça cinzenta, confunde os olhos de qualquer cristão. O sertão é miragem, é imagem ilusória e delirante. O sertão dói nos olhos. Pletora da luz, do vermelho, do cinza. Sertão onde o verde é mancha, e o seco é sina. Sertão que pinta tudo de amarelo, de ocre, do pó que esvoaça na cremalheira do verão. Sertão de homens e poentes vermelhos como fogo. O sertão é uma estética do pobre, do pouco, do menos, do sujo, do feio, do mínimo, do mirrado, do esquelético, da míngua, do seco, do cinza, da condição caatinga, da morte e vidas severinas.7 O sertão é a poesia da pedra, é a melancolia da perda. É a estética da fome, da violência, do desespero, do lamento, da lamúria, da ladainha, da medalhinha, do medalhão, do meganha e da meretriz, do coronel e do jagunço.8 O sertão do cabra marcado para morrer9 e dos Antônios das mortes10, do cangaceiro e do beato, do padrinho e do apadrinhado. O sertão do cabra macho e dos homens trabalhadores. O sertão é só osso, não requer retóricas grandiloquentes, mas palavras roídas, palavras ruminadas, doloridas como pedras entre os dentes. O sertão resseca qualquer derramamento verboso. Mas por que continuamos roendo os ossos do sertão sem nunca conseguirmos atinar com seu sabor? Por que tanta baba derramada das salivações em torno do ser do sertão? O sertão é para deleites ou não?

O sertão é uma saudade. O sertão é uma ausência, no tempo e no espaço. O sertão é partida e desejo de volta. O sertão é até logo e nunca mais. O sertão é uma dor, é uma lágrima pungente. O sertão é sons, é cheiros, é sabores perdidos e reencontrados, reencantados, recontados, recatados, refeitos, retirados, exilados. O sertão entra por todos os sentidos, atiça aqueles mais afeitos às reminiscências, às lembranças. O sertão é uma pele da qual se precisa dolorosamente se despir. O sertão é um gesto, o sertão é um jeito, o sertão é um trejeito, o sertão é um verbo, o sertão é um dito e feito. O sertão entra por todos os buracos da cabeça e do corpo. O sertão nos deixa de mansinho quando menos percebemos. O sertão se desprega, desapega, se sonega e se renega nas dobras de nosso corpo. O sertão é uma roupa velha que não serve mais, mas é enfeite e deleite para nossas pérolas literárias e musicais. O sertão é ruim para viver, mas é bom para reviver em telas e pedestais, em discursos e concursos. O sertão é um armazém de sentidos, um caldeirão de signos, um arquivo de cenas e personagens, um baú da felicidade artística e intelectual. O sertão é uma ausência que se faz presença permanente e premente.

O sertão é a nossa reserva de imaginação, por ser esse outro, esse fora, esse distante, no tempo e no espaço; por ser esse estranho, esse estrangeiro; por ser esse deserto; por ser esse espaço devastado e aberto onde se pode tudo construir, tudo arquitetar, tudo figurar; por ser esse espaço de viagens, de visagens e nomadismos; por ser essa terra desterritorializada, que pode ser levada para qualquer lugar, porque ela viaja dentro de cada um que se diz e se pensa sertanejo. O sertão agente leva na mala, leva na fala, leva na alma, lava de lágrimas em cada obra que, a partir dele, se escreve, se cria, se compõe, se pinta, se retrata, se formata, se contrata e se maltrata. O sertão continua funcionando na cultura brasileira como essa grande interrogação, como essa grande pergunta, essa momentosa questão, como essa enorme angústia em torno do ser, que um dia levou Rosa a perseguir o ser do sertão ou o ser no sertão por estradas e veredas sem fim.11  Se o sertão é as terras do sem fim12, essa inquirição nunca cessará, será infinita e infinda como ele. De vez em quando poderemos olhar para trás e inventariar o que se disse sobre ele, mas isso só fará reabrir a fome e a sede de dizê-lo, só alimentará a carência de sentido, só incentivará ao contínuo escavar desse oco dos tempos e dos espaços que são os sertões: plurais, diversos, imensos, esse oco dos sentidos em que em cada um se abisma ao se debruçar sobre as bordas do sertão e tentar mirá-lo nos olhos e no rosto. O sertão sempre escapa e, por isso, a busca nunca cessa. O sertão é como a vida humana, carente de sentidos, mas, ao mesmo tempo, inundado de todas as possibilidades de sentido, inclusive do sentido nenhum, aberto para o nada, disposto a ser o nada. 

1 Assim pensava Euclides da Cunha. CUNHA, Euclides. Os Sertões: campanha de Canudos. 30ª ed. Rio de Janeiro: Francisco Alves, 1981.
2 O tempo do sertão é assim descrito por Raimundo Carrero. CARRERO, Raimundo. Romance do bordado e da pantera negra. São Paulo: Iluminuras, 2014.
3 O sertão é armorial, cheio de brasões, símbolos e assinalações na obra de Ariano Suassuna. SUASSUNA, Ariano. Romance da Pedra do Reino e o Príncipe do Sangue do Vai-e-Volta. Rio de Janeiro: José Olympio, 1972.
4 Na voz e na música de Luiz Gonzaga. Légua tirana (Luiz Gonzaga e Humberto Teixeira), 1949 (RCA Victor).
5 Esse é o sertão de Jorge Amado. AMADO, Jorge. Tocaia grande: a face obscura. São Paulo: Record, 1984.
6 O sertão do poeta João Cabral de Melo Neto. MELO NETO, João Cabral de. Paisagem com figuras. In: Poesias Completas (1940-1965). Rio de Janeiro: Sabiá, 1968, p. 245-272.
7 Referência a MELO NETO, João Cabral de. Morte e Vida Severina. In: Op. Cit., p. 203-244.
8 Referência a ROCHA, Glauber. Eztetyka da Fome (1965). http://www.tempoglauber.com.br/t_estetica.html. Acesso em 30 de maio de 2019.
9 Referência ao documentário de Eduardo Coutinho, Cabra Marcado para Morrer, 1984.
10 Referência ao personagem dos filmes de Glauber Rocha, Deus e o Diabo na Terra do Sol (1964)  e O Dragão da Maldade contra o Santo Guerreiro (1969).
11 ROSA, Guimarães. Grande Sertão: veredas. 15ª ed. Rio de Janeiro: José Olympio, 1982.
12 Referência a AMADO, Jorge. Terras do sem fim. São Paulo: Record, 1981.


*Durval Muniz de Albuquerque Júnior é doutor em história, professor da Universidade Estadual da Paraíba. Escreveu o livro A Invenção do Nordeste e Outras Artes, 1999, Cortez Editora.


 

Gold: Mina de Ouro Serra Pelada — Sesc Avenida Paulista

Icônico trabalho do fotógrafo mineiro Sebastião Salgado, o conjunto de fotografias da mina na vila de Serra Pelada, no interior do estado do Pará, pode ser conferido até o dia 3 de novembro no Sesc Avenida Paulista, em São Paulo. As fotografias na exposição Gold — Mina de Ouro Serra Pelada se encontram dentro da série Trabalhadores, concebida por Salgado entre os anos de 1986 e 1992, na qual ele registrou o labor ao redor do mundo.

Na época, apenas 30 fotografias foram editadas, sendo o resto arquivado. Para a exposição no Sesc Avenida Paulista, Sebastião e sua esposa, Lélia Wanick Salgado — curadora da exposição e organizadora do livro homônimo da mostra —, voltaram aos originas e reuniram 56 obras, algumas inéditas.

As imagens da mina em que trabalharam 50 mil pessoas fizeram o local ser conhecido como o maior garimpo a céu aberto do planeta e também como o “formigueiro humano”, sensibilizando pessoas ao redor do mundo. A exposição recebe centenas de visitantes todos os dias e chegou a receber, em apenas um, 3500 pessoas. É o que conta a supervisora do Núcleo de Artes Visuais do Sesc Avenida Paulista, Lilian Sales.

Assista à entrevista completa com Lilian no vídeo.

SP-Arte Foto tem programação com curadores internacionais

Feira chega à 13a edição.(Foto: Ênio Cesar)

A presença de sete profissionais internacionais são destaque na programação da 13ª edição da SP-Arte/Foto, a Feira de Fotografia de São Paulo, que acontece entre os próximos dias 21 e 25 de agosto. Dentre os especialistas, seis são mulheres e curadoras de importantes instituições de arte contemporânea no mundo.

Nos Talks, Margot Norton (New Museum, EUA), Barbara Tannenbaum (Cleveland Museum, EUA) e Julieta González (Jumex, México), falando respectivamente em painéis sobre “impacto da contemporaneidade digital nas imagens”, “a integração da fotografia ao mesmo mercado de pinturas e esculturas alterou a percepção da natureza dual da foto enquanto objeto e imagem” e “como artistas contemporâneos se propriam da fotografia para construírem seus trabalhos”. 

A feira também convidou Tanya Barson (MACBA, Espanha), Sophie Hackett (Art Gallery of Ontario, Canadá), Elizabeth Cronin (NY Public Library, EUA) e Simon Baker (Maison Européenne de la Photographie, França) para participarem de uma “imersão profissional” durante o período da feira, promovendo encontros com artistas, visitas à instituições e galerias, dentre outros.
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13ª edição da SP-Arte/Foto
Shopping JK Iguatemi: Av. Presidente Juscelino Kubitschek, 2041 – Vila Olímpia, São Paulo
de 21 a 25 de agosto
Clique aqui e confira datas e horários das atividades integradas.