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Gê Viana, "Levantamento do mastro. Festa do Divino Espírito Santo", da série "Atualizações Traumáticas de Debret" (2020). Foto: Gê Viana

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epois de uma temporada no Museu Paranaense (MUPA), entre junho e agosto, em Curitiba, a exposição Necrobrasiliana chega nesta quinta-feira (15/9) a Recife (PE), na Galeria Vicente do Rego Monteiro, da Fundação Joaquim Nabuco. Sob a curadoria de Moacir dos Anjos, pesquisador da Funaj e curador da 29ª Bienal de São Paulo (2010), a mostra apresenta 26 obras, de 12 artistas contemporâneos, que revisitam a memória colonial do Brasil.

No elenco de artistas convidados estão Ana Lira, Dalton Paula, Denilson Baniwa, Gê Viana, Jaime Lauriano, Rosana Paulino, Rosângela Rennó, Sidney Amaral, Thiago Martins de Melo, Tiago Sant’Anna, Yhuri Cruz e Zózimo Bulbul. De acordo com o Moacir dos Anjos, a exposição é um desdobramento das pesquisas que ele desenvolve desde 2008, acerca da relação entre arte e política, em particular no Brasil contemporâneo.

Também segundo o curador, essas investigações resultaram em alguns projetos de exposição, que permitiram a ele se “aproximar da produção de vários artistas que lidam com as violências que formaram e ainda constituem” o Brasil. “Comecei a perceber a recorrência de trabalhos de artistas, principalmente afrodescendentes e indígenas, mas não apenas, que estavam fazendo, em suas obras, embates críticos com essas imagens que supostamente retratavam o Brasil entre os séculos 16 e 19. A partir daí, comecei a pesquisar mais ativamente esta produção”, explica.

Moacir dos Anjos conta ainda que a mostra foi concebida já em 2019, pela Fundaj. No ano seguinte, a Fundação e o MUPA fizeram um acordo de cooperação técnica e cultural, que teve como primeiro fruto a exposição Educação pela Pedra, realizada 2021, no museu paranaense. Por causa das agendas das instituições, ambas decidiram que Necrobrasiliana seria primeiro exibida em Curitiba e, depois, no Recife. A montagem que chega agora à capital pernambucana é exatamente a mesma.

Com os anos de pandemia e o agravamento da crise política que o Brasil atravessa, a exposição se tornou ainda mais relevante, de acordo com o curador. “As questões que ela apresenta, e o racismo, em particular, tornaram-se mais urgentes. A coincidência com as comemorações dos 200 anos da Independência também deram maior pertinência, pois muitas das obras se referem, de modo crítico, a imagens feitas naquele tempo, que ainda hoje informam a memória que temos do Brasil dos tempos de colônia e império”, avalia.

O título, conta o curador, é uma alusão ao conceito de necropolítica – políticas de morte, para o controle das populações –, elaborado pelo filósofo, teórico político, historiador e professor universitário camaronês Achille Mbembe. E se refere, também, à brasiliana, nome dado à produção de viajantes europeus ao País, durante o período colonial, por artistas, escritores, cartógrafos e cientistas, como Albert Eckout, Frans Post, Jean-Baptiste Debret, Johan Moritz Rugendas e Nicolas-Antoine Taunay.

“É também o título de um trabalho de Thiago Martins de Melo, que conheci numa exposição do artista em São Paulo, no início de 2019. Duas pinturas dessa exposição estão presentes em Necrobrasiliana, mas não aquela de título idêntico”, diz.

Moacir dos Anjos argumenta que os trabalhos expostos revelam duas estratégias artísticas principais, em curso, que se debruçam sobre a reavaliação da representação colonial no Brasil. Por um lado, diz ele, há obras que focam na exposição de danos impostos às populações racializadas, ao longo da história do País, a exemplo das criações de Thiago Martins de Melo, Jaime Lauriano ou Rosana Paulino. Outros, apontam para uma “dimensão de cura e redesenho” do que poderia ser o Brasil no futuro, a saber, os trabalhos de Gê Viana, Ana Lira e Yhuri Cruz e Dalton Paula.

“Em alguns, essas duas operações se embaralham um pouco. Como está no título do ensaio publicado no catálogo, são estratégias artísticas que querem ‘defender os mortos e animar os vivos’, pondera. “Ou seja, defender os mortos de suas dores, mas, também, simultaneamente, animar os vivos a fazerem valer, no tempo de agora, os desejos frustrados ou sufocados de tantos no passado. Insistir nessa relação de ‘intimidade’ entre a experiência dos que vivem agora com as vidas dos que há muito morreram me parece, de fato, fundamental.”

SERVIÇO
Necrobrasiliana 
Até 29 de janeiro de 2023
Galeria Vicente do Rego Monteiro, Fundação Joaquim Nabuco: R. Henrique Dias, 609 – Recife (PE)
Visitação de terça a sexta, das 14h às 19h; sábado, domingo e feriados, das 13h às 17h

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