Arte de divulgação da iniciativa. Foto: Divulgação
Imagem de divulgação da iniciativa. Foto: Divulgação
Em um momento de profunda crise no Brasil, alguns dos mais atuantes espaços independentes de arte do país se reuniram para conceber o Fundo Colaborativo para Artistas e Criadores. Desenvolvido a partir do FunColab, iniciativa do Solar dos Abacaxis (Rio de Janeiro) lançada em 2020, o Fundo Colaborativo reúne, alem do espaço carioca, a Casa do Povo (São Paulo), o Chão SLZ (São Luís), a Galeria Maumau (Recife), o JA.CA (Belo Horizonte) e o Pivô (São Paulo).
Com o objetivo de captar doações e distribuí-las para artistas e profissionais das artes de todo o país, o projeto tem como primeira inciativa uma ação intitulada BROTAR. Nela, cada participante, após receber um fomento no valor de R$ 800, é convidado a compartilhar suas práticas e pesquisas por meio das redes sociais do Fundo Colaborativo e, na sequência, indicar um próximo profissional para também receber recursos. Os primeiros nomes anunciados foram os da artista cearense Linga Acácio e do artista maranhense Layo Bulhão. Mais quatro participantes serão anunciados nos próximos dias.
“Dessa forma, sucessivamente, elabora-se uma corrente de apoio de cuidado que se desdobra em ciclos de seis participantes. Dessa maneira, os próprios artistas são responsáveis pela criação dessa rede, que, nesse primeiro ato, apoiará um total de 36 artistas”, explica o texto de divulgação do projeto.
“Terra posithiva”, 2020, performance de Linga Acácio. Artista cearense, Linga pesquisa, escreve e produz conhecimentos que se atravessam nos campos da performance, interseccionalidade, dissidência de gênero e travestilidade, HIV+, contaminações entre corpo e espaço e estratégias anticoloniais. Foto: Divulgação.
Segundo as instituições envolvidas, “a iniciativa surge com a intenção de estimular a continuidade de processos criativos por meio de diversas vias de incentivo a artistas e profissionais das artes de todo o Brasil”. “Diante da grave escassez de recursos e da atualmente constante ruptura dos laços institucionais que visam a ordem democrática, criar redes de apoio mútuo e promover suas continuidades são formas de preservar as vidas de quem constrói a cultura compartilhada com o seu próprio fazer artístico. E neste momento de grave crise econômica intensificada tanto pela pandemia de Covid-19 quanto pelo total descaso governamental e sua falta de políticas públicas nacionais, a criação de redes de apoio sistêmicas torna-se cada vez mais urgente.”
Segundo Bernardo Mosqueira,diretor do Solar dos Abacaxis, a intenção do Fundo Colaborativo a partir desta primeira ação é alcançar outras parcerias. “Estamos abertos e desejantes por apoios individuais, de empresas, e institutos tanto do Brasil quanto do exterior. Pra gente é muito importante que cada campanha de distribuição de recurso seja acompanhada por uma campanha de arrecadação de recursos para que possamos dar sempre movimento a esse fundo e às nossas atividades”, diz ele. Paralelamente ao BROTAR, o Fundo Colaborativo lançou uma campanha de doações online (veja aqui).
Fernando Diniz, óleo sobre papel, 1953. Foto: Divulgação.
A partir do dia 18 de maio, o Museu de Imagens do Inconsciente (MII) inaugura a exposição virtualTrês Artistas de Engenho de Dentro, com um recorte inédito que reúne 90 obras pouco conhecidas pelo público, de Adelina Gomes (1916-1984), Fernando Diniz (1918-1999) e Octávio Ignácio (1916-1980). Com curadoria de Marco Antonio Teobaldo, Luiz Carlos Mello e Eurípedes Gomes da Cruz Júnior, seu lançamento ocorre, não por acaso, em 18 de maio, data que marca o Dia Nacional da Luta Antimanicomial. No mesmo dia, para sinalar a abertura da mostra, haverá uma conversa virtual com a presença dos curadores e ainda de Erika Silva, diretora do Instituto Municipal Nise da Silveira, de Heloísa Helena Queiroz, gerente de Museus da Secretaria Municipal de Cultura, e Marco Lucchesi, presidente da Academia Brasileira de Letras. A conversa estará disponível, ao vivo, no canal do MII, acesse neste link.
Adelina Gomes, óleo e guache sobre papel, 1968. Foto: Divulgação.
Três Artistas de Engenho de Dentro será de longa duração e bilíngue (português/inglês), para ampliar o acesso ao acervo do museu, instituição fundada pela psiquiatra Nise da Silveira em 1952, no bairro Engenho de Dentro, Zona Norte do Rio de Janeiro. Hoje, o Museu de Imagens do Inconsciente possui uma coleção de 400 mil obras. Dessas, 128 mil foram tombadas pelo IPHAN. Até agora, 22 mil delas já foram inventariadas pelo museu como resultado da sua seleção (por dois anos seguidos) como uma das instituições da área de Defesa do Patrimônio a serem contempladas pelo edital de emendas parlamentares do Dep. Marcelo Calero. Enquanto aguarda a liberação dos recursos pelo governo federal para os selecionados de 2020, o museu finaliza as ações possíveis graças à verba recebida pela emenda em 2019. Segundo a organização do museu, assim que for liberada a verba para os contemplados em novembro de 2020, o MII alcançará a catalogação e digitalização de 64 mil obras – a metade do conjunto tombado pelo IPHAN.
Tal acervo é resultado da produção feita pelos pacientes psiquiátricos nos ateliês criados em 1946 pela Dra. Nise, um trabalho pioneiro na psiquiatria, que inspirou a Reforma Psiquiátrica brasileira. A seleção de apenas 30 obras de cada artista, considerando justamente a dimensão do arquivo, foi um dos desafios notados por Marco Antonio Teobaldo. Ele destaca que a tarefa só foi possível graças a Luiz Carlos Mello, diretor do MII e ganhador do Prêmio Jabuti por Caminhos de uma psiquiatra rebelde, e Eurípedes Gomes da Cruz Júnior, vice-presidente da Sociedade Amigos do MII e curador do Museu Nacional de Belas Artes. Ambos estão ligados há quase cinco décadas ao museu e, além de terem convivido com os artistas, “possuem a habilidade de resgatar as memórias contidas nos trabalhos”, segundo Teobaldo. Na mostra, cada obra escolhida é acompanhada de informações de seu tamanho, técnica empregada pelo artista e o ano de criação. A exposição traz ainda minibiografias dos três artistas, textos críticos sobre as obras de cada um deles, além de comentários da própria Nise.
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Fernando Diniz, óleo sobre tela, 1956. Foto: Divulgação.
Adelina Gomes, óleo sobre papel, 1951. Foto: Divulgação.
Octávio Ignácio, grafite e lápis cera sobre papel, 1977. Foto: Divulgação.
Fora Três Artistas de Engenho de Dentro, para o futuro o Museu de Imagens do Inconsciente planeja ainda a digitalização de três dos quinze documentários realizados pela equipe do museu sob a supervisão da própria Nise, e dirigidos por Luiz Carlos Mello: Emygdio: um caminho para o infinito, Os Cavalos De Octávio Ignácio e Arqueologia da Psique. Também estão programadas, junto com a Editora Vozes, novas impressões dos livrosO Mundo das Imagens e Imagens do Inconsciente, até o momento esgotados.
Sobre os artistas
A Dra. Nise da Silveira recebe flores de Adelina Gomes. Foto: Divulgação.
Filha de camponeses, Adelina Gomes nasceu em 1916, na cidade de Campos dos Goytacazes, Rio de Janeiro. Pintora e escultora, ela foi internada em 1937, aos 21 anos de idade, no Centro Psiquiátrico D. Pedro II, no Engenho de Dentro. Lá, na Seção de Terapêutica Ocupacional (STO), frequentou o Ateliê de Pintura e Modelagem. A princípio, Gomes dedicou-se ao trabalho em barro e em seguida partiu para a pintura. Até sua morte ela produziu cerca de 17.500 obras. No filme Imagens do Inconsciente, de Leon Hirszman, o episódio dedicado a Adelina tem o título de No reino das mães, devido às análises feitas por Nise nas quais a psiquiatra associa a produção de Adelina com figuras femininas através de sua biografia.
“Há uma sutileza no começo do filme que dialoga com a produção da artista: a primeira sequência traz Adelina andando por uma ala do hospital segurando uma bolsa. Corta para ela saindo pelo portão do hospital e, na cena seguinte, ela é vista colhendo flores. Por fim, antes da narração do texto de Nise, há outro corte para a artista dentro do ateliê do hospital. Adelina sai do enquadramento segurando a mesma bolsa e a câmera focaliza em uma flor – uma daquelas coletadas – dentro da sala. De forma muito sutil, Hirszman sugere uma fusão entre o corpo da artista e a flor”, escreve o curador Raphael Fonseca.
Adelina Gomes, óleo e guache sobre papel, 1962. Foto: Divulgação.
Para ele, “seja grande e de perfil, seja em uma composição que pareça mais teatral, suas pinturas remetem ao corpo como elemento central – mesmo quando integrado a imagens que por vezes dialogam com aquilo que convencionamos chamar de paisagem ou natureza-morta”. Fonseca acrescenta ainda que “é a maneira como a artista pinta esse corpo, porém, que irá dar esse tom de metamorfose: é difícil olhar para essa série de imagens e não perceber a inteligência como ela aplica e experimenta a cor”.
“Mesmo que em grande parte desses trabalhos seus habituais verdes e azuis predominem, há uma constância no uso de cores fortes que causam um contraste desconcertante pelos vermelhos, amarelos, laranjas e rosas. A pintura de Adelina é permeada pela sugestão de movimentos dados por esse cromatismo”, conclui o curador.
Registro do artista Fernando Diniz trabalhando em uma escultura. Foto: Divulgação.
Fernando Diniz nasceu em Aratu, Bahia, em 1918. Aos quatro anos de idade veio para o Rio de Janeiro com sua mãe. Em julho de 1944, foi preso e levado para o Manicômio Judiciário. Cinco anos depois, em 1949, foi para o Centro Psiquiátrico Pedro II, onde começou a frequentar a STO. Para Mário Pedrosa, Fernando foi um autêntico pintor cuja força decorativa, de que era profundamente dotado, não desarmava nunca. “Ritmo e cor se organizam sempre, alternando-se em ordem e graça. Os exercícios concêntricos com que Fernando enche papéis e mais papéis terminam por organizar verdadeiras engrenagens universais como sistemas que, se vêm do caos, mais se aparentam a relojoarias em busca de uma ordem intuída”, escreveu o crítico de arte. Sua produção no museu é estimada em cerca de 30 mil obras: telas, desenhos, tapetes e modelagens, incluindo também o premiado desenho animado Estrela de oito pontas, para o qual realizou mais de 40 mil ilustrações sob a orientação do cineasta Marcos Magalhães. Nela, nota-se a presença constante do geometrismo, marcado pela imagem do círculo, que representa as forças ordenadoras da psique.
Retrato do artista Octávio Ignácio. Foto: Divulgação.
Octávio Ignácio nasceu em 1916, no estado de Minas Gerais. Teve instrução primária, foi operário e serralheiro. Casou-se e teve um filho. Depois da sua primeira internação, em 1950, seguiram-se 11 reinternações. A partir de 1966, Ignácio passou a frequentar o ateliê de pintura do Museu em regime de externato. “Após 12 internações, ele começou a desenhar e pintar, e depois disso não foi mais reinternado. Octávio representava o futuro, a transição entre o velho e cruel sistema da psiquiatria tradicional e a revolução iniciada por Nise, baseada no afeto e na liberdade: hoje, nos ateliês do Museu de Imagens do Inconsciente, todos estão livres da prisão asilar. Ele tinha uma personalidade irrequieta e alegre, que reflete-se em seu trabalho criativo”, como pontua Eurípedes Gomes da Cruz Junior. O artista frequentou o ateliê até sua morte, em 1980.
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Octávio Ignácio, grafite, lápis cera e pastel sobre papel, 1976. Foto: Divulgação.
Octávio Ignácio, grafite e lápis cera sobre papel, 1976. Foto: Divulgação.
Octávio Ignácio, grafite e lápis cera sobre papel, data desconhecida. Foto: Divulgação.
Na sua obra é notável o conflito entre os opostos masculino/feminino, onde intensos desejos irrompem. “Muitos de seus desenhos revelam este drama em um nível próximo à consciência, quando os opostos assumem forma humana. Aparecem sob a forma de casais em luta ou de seu corpo masculino adquirindo características femininas. Ignácio sente-se ameaçado, percebe dentro de si mesmo a força do feminino, mas apesar disso luta para que o princípio masculino não seja completamente vencido”, lê-se em um arquivo do Museu das Imagens do Inconsciente. “Sob a pressão do violento conflito a psique cindiu-se. Cindiu-se mas não se anulou. O dinamismo das forças inconscientes é constante – instintivamente desenvolve-se um processo no sentido de promover reconciliação entre os opostos masculino/feminino em guerra”.
Visão geral da plataforma MAR 360°, desenvolvida pela Secretaria Municipal de Cultura de São Paulo. Foto: Reprodução
Mais de 70 murais integram o Museu de Arte de Rua de São Paulo (MAR). Espalhados pela cidade e separados por quilômetros de distância, eles agora podem ser vistos de uma só vez, em uma experiência imersiva em ambiente virtual. Nomeado MAR 360°, o projeto da Secretaria Municipal de Cultura é a primeira versão em realidade virtual de um museu a céu aberto no mundo.
Entre captação de imagens, formulação dos textos, programação e execução da plataforma, foram mais de três meses de trabalho até que o projeto estivesse no ar em dezembro de 2020, com a documentação de cerca de 40 trabalhos e mais de 110 quilômetros de museu. Na primeira semana de maio de 2021, foram incluídas no site mais 30 obras realizadas no último ano.
A obra de Hanna Lucatelli passou a integrar o Museu de Arte de Rua de São Paulo em 2019, a partir do projeto Tarsila Inspira, da Prefeitura de São Paulo. A obra está na Rua Quinze de Novembro, no Centro Histórico, e pode ser vista virtualmente pelo MAR 360°. Foto: Pedro Ricci
Nossa visita ao MAR 360° começa pela região da Liberdade, através de um mapa interativo em tons de cinza, no qual as artes de rua ganham destaque por suas cores. Com espaços culturais como guias, podemos navegar pelos bairros da São Paulo, selecionando os grafites que gostaríamos de ver em detalhe. Tudo isso, acompanhados pela trilha sonora de Tejo Damasceno – produtor musical que já trabalhou com nomes como Racionais MCs, Nação Zumbi, Sabotage, Diplo e BNegão -, que busca dar mais uma camada à experiência imersiva.
Ao selecionar um mural, a plataforma nos dá um panorama da área onde está localizado. Projetada com tecnologia de giroscópio, ela ainda cria a sensação de uma visão em primeira pessoa para aqueles que acessam pelo celular, sendo sensível às movimentações do espectador. Segundo a TriArts New Media, responsável pela produção do projeto, a experiência pode ser intensificada com o uso de óculos de VR (virtual reality). Um botão de informação ao lado de cada obra nos permite saber mais sobre seu significado, além de trazer dados sobre o tamanho da empena e a data que o trabalho foi finalizado. Para quem não se sente confortável em navegar pela simulação da cidade, é possível visitar as obras do Museu de Arte de Rua de São Paulo através da lista de artistas, disponível no canto da tela.
Na parte inferior da página, o resumo do projeto e a ficha técnica são acompanhados pelos roteiros da cidade. Divididos nas cinco macrorregiões, eles permitem que aqueles que preferem uma visita presencial aos murais saibam exatamente onde encontrá-los e qual o melhor trajeto de carro para apreciar todas as obras de uma mesma área.
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Homenagem do grafiteiro Speto ao músico João Gilberto, visualizada pelo MAR 360°. Foto: Reprodução
"Sliks", de Enivo, e "Eu resisto", de Mag Magrela, visualizadas pelo MAR 360° em realidade virtual. Foto: Reprodução
O museu
O Museu de Arte de Rua é uma iniciativa da Prefeitura de São Paulo, em parceria com a Secretaria Municipal da Cultura e as Subprefeituras, que visa incentivar o desenvolvimento da arte urbana pelas ruas e avenidas da metrópole. “Dentro das limitações da quarentena, o MAR é uma excelente possibilidade de oferta de cultura para a cidade de São Paulo”, comenta Hugo Possolo. A criação da plataforma digital propôs intensificar esse aspecto, apontado pelo diretor geral da Fundação Theatro Municipal e ex-secretário de cultura. Segundo a Secretaria, a alternativa virtual permitiria que pessoas de diferentes partes da cidade pudessem ter acesso aos grandes murais que formam o museu, sem precisar se locomover por São Paulo e se expor ao risco de contrair Covid-19, “com velocidade e toda segurança que o momento atual nos pede”, afirma em nota oficial.
Em breve, o site passará por novas atualizações, já que o Museu de Arte de Rua segue em constante processo de construção. Neste mês de maio terá início a etapa 2021, com 100 novas intervenções pela cidade, distribuídas por todas as regiões.
“Híbrida – o futuro é o retorno”, de Criola. Foto: Pedro Ricci
A mostra Infinito Vão: 90 Anos de Arquitetura Brasileira, em cartaz no Sesc 24 de Maio até o dia 27 de junho, é uma das mais completas exposições já realizadas sobre a produção moderna e contemporânea no país, partindo de obras de nomes celebrados como Oscar Niemeyer, Vilanova Artigas, Lucio Costa e Lina Bo Bardi para chegar aos trabalhos de arquitetos atuantes nos dias de hoje. Mais do que isso, ela insere as diferentes fases da produção arquitetônica brasileira em seus contextos políticos e culturais, apresentando-se como uma mostra voltada a um público mais amplo, não apenas especialistas na área.
Com curadoria de Guilherme Wisnik e Fernando Serapião, Infinito Vão foi pensada inicialmente para a instituição portuguesa Casa da Arquitectura e ganhou versão brasileira no prédio do Sesc 24 de Maio, projetado por Paulo Mendes da Rocha no centro de São Paulo. A exposição foi tema de matéria de Leonor Amarante na edição 54 da arte!brasileiros (leia aqui) e publicamos agora um vídeo com entrevistas com os curadores e imagens da mostra. A visitação pode ser agendada através do site do Sesc São Paulo (clique aqui). Assista ao vídeo:
Cena de “Pivete”, 1987, de Lucila Meirelles e Geraldo Anhaia Melo. Foto: Divulgação
É provável que nunca tenhamos usado tanto a palavra “confinamento” quanto no último ano. Desde a constatação de que uma pandemia assolava o mundo, no início de 2020, o isolamento social se mostrou o modo mais eficaz de barrar a difusão da Covid-19, especialmente quando não há vacina para todos. Mas não é deste tipo de confinamento – que estamos aceitando por necessidade e empatia, nas palavras da pesquisadora Juliana Borges – que trata a mostra Confinamentos, em cartaz a partir de 10 de maio na plataforma Videobrasil Online.
Através de 14 vídeos produzidos desde o fim dos anos 1980 até a atualidade, a exposição discute principalmente temas relacionados ao encarceramento em massa no Brasil, ou seja, a política criminal, o racismo, o passado colonial, a ditadura civil-militar, a violência policial e os direitos humanos. Com curadoria de Juliana Borges, escritora e estudiosa de política criminal, a mostra procura, ainda, expandir as noções de confinamento a que estamos expostos. Surgem assim, as prisões impostas pelo sistema manicomial, pelo consumismo exacerbado, pela alienação das redes sociais ou pela imposição de padrões de sexualidade e “do que entendemos ser corpos funcionais ou não”. O debate se expande também para além da fronteira nacional, com cinco produções estrangeiras vindas da África do Sul, Argentina, Austrália, EUA e Rússia.
A ideia de Borges, portanto, foi “ampliar a visão das prisões, a percepção e as nossas compreensões sobre o confinamento, mesmo que sem tirar a centralidade da importância de debater o cárcere, o encarceramento em massa e as motivações da política criminal vigente em nosso país”. País este, ressalta ela, que tem a terceira maior população prisional do mundo (quase 800 mil presos), apesar de ser o sexto em número de habitantes. “Por que a necessidade de tanto encarcerar?”, questiona Borges no vídeo apresentado na página de abertura da exposição. O depoimento, com quase 45 minutos de duração, se soma às obras expostas como um rico material para o aprofundamento na discussão.
Cena de “Derivando da minha beleza”, 2004, de Fernanda Gomes e Luliana Barros. Foto: Divulgação
Para entender as raízes da situação e suas motivações, Borges procura – assim como os vídeos da mostra – desnaturalizar as percepções do que é ou não é crime, do que é ou não passível de penalização. “Porque crime é um conceito livre e amplo. Tudo pode ser crime e, portanto, nada pode ser crime. O que vai definir é uma série de tensões, conflitos e disputas políticas no interior da sociedade. Há condutas que são penalizadas em dadas sociedades e países, mas não em outros”, explica ela, relembrando ainda as perguntas colocadas por Angela Davis nos anos 1970: “O que é crime? Quem define o que é crime? E quem define quem é o criminoso?”.
No caso brasileiro, seria impossível desvincular esta investigação do colonialismo e da escravidão que moldaram não só nosso passado, mas “uma modernidade que tem a colonialidade como tronco importante”, segundo Borges. “A política criminal é fruto de processos políticos e econômicos, ela é pensada a partir de uma concepção e organização do Estado. E quando falamos de Brasil, estamos falando de uma nação que surge da violência, a partir de um contexto do genocídio étnico, do extermínio de povos originários, do sequestro de pessoas africanas para o continente americano.”
A política criminal operante, desse modo, seria constituída para atender os interesses de manutenção de desigualdades e de privilégios de um grupo em detrimento de outros. E isso mesmo após a escravidão, quando surgem novas teorias para sustentar a ideia de que há inferiores e superiores, segundo a curadora: “E elas vão construir esse estereótipo de que os negros na sociedade brasileira são inferiores, porque são mais afeitos a criminalidade e à uma série de outros – considerados – desvios morais e de valores”. Isso surgiria como uma espécie de atualização e sofisticação de aparatos do racismo, colocados em prática por uma política criminal de combate a determinados grupos sociais – “com a criação do que são os inimigos internos, que precisam ser combatidos”.
Cena de “Bere Life Study”, 2005, de Coco Fusco. Foto: Divulgação
Surgem na fala da curadora, a partir daí, outros questionamos que percorrem os vídeos da mostra. Entre eles: “Por que em determinados contextos o simples exercício da sexualidade é considerado uma conduta criminosa? Por que em algumas sociedades o uso de determinadas substâncias é considerado um ato ilegal e em outras não?”. Sobre este ponto, Borges acrescenta: “No caso de pessoas que fazem uso abusivo de substâncias, por que não investir em redução de danos e em saúde? Por que há uma insistência em se pensar que a guerra a determinadas substâncias, ou um processo de militarização de territórios, possa garantir um bem-estar? Todos os dados, de pesquisadores seríssimos de segurança pública no Brasil, têm apontado o contrário”. Neste sentido, segundo Borges, conflitos que achamos que serão solucionados com a prisão são, na verdade, amplificados por ela – e poderiam ser resolvidos com outros tipos de mediações.
Momento propício
Confinamentos é o quinto projeto apresentado no Videobrasil Online, plataforma expositiva inaugurada em setembro de 2020 e que tem apresentado obras inéditas ou selecionadas no vasto acervo reunido pela Associação Cultural Videobrasil desde os anos 1980 – como é o caso da mostra atual. Segundo Solange Farkas, diretora da instituição: “Se nos vemos hoje em um ambiente pouco propício à expansão das parcerias e dos projetos culturais marcados pela defesa da diversidade, da liberdade, do pensamento comunitário e da ampliação das consciências, por outro lado nunca tivemos tanta certeza da importância de manter vivo – e ativo – um dos acervos mais significativos da produção em vídeo do Sul geopolítico do mundo. Que é, ainda, uma fonte inestimável de pesquisa sobre uma produção artística que tem como marca fundadora e traço recorrente justamente um uso político, combativo e libertário do vídeo”.
Cena de “Politik”, 2001, de Marcello Mercado. Foto: Divulgação
Diferentemente do confinamento tão discutido por conta da pandemia, citado no início deste texto, os confinamentos debatidos nos vídeos presentes na mostra parecem seguir sem receber a atenção necessária. Como ressalta Borges, se não estamos “nem um décimo” próximos do que é passar por esse contexto pandêmico nas prisões, muitos de nós estão percebendo o que significam as limitações de ir e vir e “das possibilidades de viver o que nós achávamos, até então, que era viver plenamente”.
O momento, portanto, parece ser ainda mais propício para os questionamentos levantados na exposição, mesmo que não existam respostas prontas para eles. “Se essa política de super encarceramento não está fazendo com que os índices de criminalidade diminuam, por que nós continuamos insistindo nesse modelo? Por que achamos que a ampliação da ostensividade e da repressão vão responder aos conflitos? Por que é que a gente responde violência com violência quando, na verdade, temos uma série de precariedades das condições de vida de um contingente imenso de pessoas do nosso país? Estamos falando de um país extremamente desigual, onde há fossos sociais imensos, então por que não investir em garantias de direitos, em promoção de direitos?”.
William da Silva Lima em cena de “Senhora Liberdade”, 2004, filme de Caco Souza. Foto: Divulgação
E ela conclui: “Com essa política criminal, por mais que não se queira dar atenção a ela, por mais que queiramos pensar que ela não tem a ver com as nossas vidas, nós estamos sustentando – seja num comportamento ativo ou omisso em relação a isso – uma dinâmica de relações sociais e de funcionamento das instituições que tem precarizado, marginalizado e sido parte de uma engrenagem de extermínio, controle, manutenção e ampliação de desigualdades”.
A fala da curadora remete, neste ponto, ao depoimento de William da Silva Lima, um dos fundadores do Comando Vermelho, em um dos curtas apresentados na mostra, Senhora Liberdade, de 2004.Para o “professor” – como era conhecido -, que ficou preso mais de três décadas e morreu em 2019, “a prisão, a atual prisão, é um depósito de carne humana. Porque não tem condições de possibilitar a ressocialização do preso. (…) Não se pensa no ser humano. Não se pensa que isso vai refletir na própria sociedade. Porque isso tem um retorno, quando se joga uma bola, ela volta. Então tem que ver se há uma democracia, porque eu acho que não. É uma ditadura dos mais espertos”.
Comissionado pelo Aura – Festival de Arte Digital, o Ditamapa foi realizado por Giselle Beiguelman[1] e Andrey Koens [2]. O trabalho traz um mapa de ruas, avenidas, pontes e viadutos que têm nomes dos presidentes da ditadura civil-militar que perdurou de 1964 a 1985 (Humberto Castelo Branco, Artur da Costa e Silva, Emilio Garrastazu Médici, Ernesto Geisel, João Figueiredo).
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Gráfico interativo da seção "Ditaviz"
Seção "Postais do Atraso", no site do Ditamapa.
No site do projeto, a primeira aba permite visualizar a dispersão desses locais pelo Brasil; neste mapa, ao clicar em um dos pontos indicados, o visitante consegue vislumbrar um registro fotográfico deles, fornecido pelo Google Street View. Essas imagens podem ser conferidas de forma mais completa na segunda parte do portal, os Postais do Atraso, que em sua maioria “remetem a lugares ermos, situações que refletem a desigualdade social e econômica do Brasil. Em conjunto, permitem ver os escombros do ‘milagre brasileiro’ e as ruínas do nosso presente”, como é indicado pelos autores. Os postais podem ser filtrados, ainda, de acordo com região ou nome do presidente.
Por enquanto, foram reunidos 174 logradouros pelo Ditamapa, cujo gráfico interativo da seção Ditaviz ilustra visualmente sua distribuição por local, revelando também as quantidades de topônimos associados a cada um dos presidentes do período.
O projeto, embora já lançado, continua em construção e aceita contribuições, tendo em vista que nesta etapa da pesquisa não foram inclusos outros lugares da memória da ditadura — tarefa que exige um levantamento meticuloso e rigoroso, comparável ao trabalho de quem decide masterarbeit schreiben lassen com foco em história, política e memória coletiva.
O centro de artes Shed, em Manhattan. Foto: Cortesia Brett Beyer/The Shed
Galerias, instituições, artistas, colecionadores e apreciadores de arte se reúnem entre os dias 5 e 11 de maio de 2021 em torno da Frieze New York. A feira é a primeira a acontecer presencialmentena cidade desde o início da pandemia e segue com exposições e atividades online, assumindo um formato híbrido.
Com uma programação reduzida neste ano ainda atípico e pandêmico, o evento deixa de acontecer na Randall Island e assume o Shed, um centro de artes na região de Manhattan. O espaço conta com atividades até o dia 9 de maio, enquanto o viewing room e os talks online continuam até a próxima terça-feira (11).
Longe dos habituais 190 expositores, a Frieze apresentará pouco menos de 60 casas. Mais de 50 destas respondem a uma pergunta comum: “Como as artes são responsáveis por interromper, complicar ou mudar narrativas de representação visual na esfera pública?”. A provocação é parte de um dos pontos centrais da programação deste ano, o tributo ao Vision & Justice Project e sua fundadora, Sarah Elizabeth Lewis. Através de programações (online e offline) e de um conjunto de atividades ligadas às galerias e a importantes artistas – como Carrie Mae Weems e Hank Willis Thomas -, a feira visa homenagear e aumentar o alcance do projeto, que analisa o papel da arte na compreensão da relação entre raça e cidadania nos Estados Unidos.
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Obra de Carlito Carvalhosa. Foto: Cortesia Galeria Nara Roesler / Latitude Platform
Marina Perez Simão. sem título (2021). Foto: Cortesia Mendes Wood DM / Latitude Platform
Com as restrições de entrada no país, diversos expositores e visitantes internacionais não poderão participar do evento presencialmente. “Será mais como uma feira local”, disse a galerista Tanya Bonakdar ao The New York Times, referindo-se à participação majoritária de instituições e galerias americanas. Porém, a edição conta com a participação de casas brasileiras. Mendes Wood DM e Nara Roesler, que tem sedes nos EUA, participam da feira de forma presencial, apoiadas pelo projeto Latitude – Platform for Brazilian Art Galleries Abroad. Já no viewing room, estão Marília Razuk e Fortes D’Aloia & Gabriel, também ligadas ao projeto, e as galerias Almeida & Dale, Kogan Amaro e Luisa Strina.
Saiba mais sobre as galerias brasileiras participantes
Reunindo artistas brasileiros e estrangeiros, a Mendes Wood DM leva à Frieze New York uma seleção especial de obras de Solange Pessoa, Sonia Gomes, Rubem Valentim, Paulo Monteiro, Marina Perez Simão, Giangiacomo Rossetti, Maaike Schoorel, Wallace Pato, Paulo Nazareth, Matthew LutzKinoy, Paloma Bosquê, Lynda Benglis, Sofia Borges e Neïl Beloufa.
Por sua vez, a Galeria Nara Roesler tem o intuito de refletir sobre a pluralidade e liberdade que deve existir nas narrativas que constroem nossa própria imagem. A casa propõe um diálogo das diferentes práticas no retrato do “eu” pelo ponto de vista de três artistas brasileiros: Cristina Canale, Carlito Carvalhosa e Amelia Toledo. A seleção de obras traz a oportunidade de entender como as diversas formas do retrato de si acabam coincidindo.
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Obra de Mariana Serri da série "A Sexta Extinção (Pedra)", 2021. Foto: Cortesia Galeria Marília Razuk
Obra de Anna Maria Maiolino da Série "Encima da Linha" (1976-1999). Foto: Cortesia Almeida & Dale Galeria de Arte
Em parceria, as galerias Almeida & Dale e Marilia Razuk apresentam Poéticas para Adiar o Fim do Mundo, com curadoria de Regina Teixeira de Barros. Dialogando diferentes gerações de artistas, o conjunto de obras destaca uma produção que responde a interações extremamente pessoais com o mundo ao seu redor. “A reflexão e a síntese – o silêncio que emanam – são alguns dos aspectos partilhados por estes artistas que, através de várias linguagens, oferecem ao mundo possibilidades de resistência”, diz a curadora. Na página das galerias no viewing room, os trabalhos de Anna Maria Maiolino, José Leonilson, Eleonore Koch e Johanna Calle dialogam com os de jovens emergentes no cenário brasileiro, tais como Maria Laet, Vanderlei Lopes e Mariana Serri.
Buscando evidenciar os esforços construtivos e produtivistas na base da arte latino-americana contemporânea, a Galeria Luisa Strina participa do viewing room com uma seleção de obras que assume a resistência decolonial ao mesmo tempo em que flerta com influências modernistas. Frutos, em alguns casos, do contexto global de pandemia e, noutros, de uma reflexão anterior sobre as adversidades do momento em que vivemos, os trabalhos de Marcius Galan, Clarissa Tossin, Pedro Reyes, Laura Lima, Alexandre da Cunha e Federico Herrero colocam em foco o equilíbrio hesitante dos processos que os constituem. Os trabalhos de Marcellvs L. e Alfredo Jaar somam um conteúdo lírico e ambíguo ao conjunto; a luminosidade contida neles acusa o seu oposto: a fragilidade das certezas no mundo de hoje.
"Circumnavegação à Exaustão Via Láctea", 2020, Clarissa Tossin. Foto: Cortesia Galeria Luisa Strina
Abordando questões do colonialismo, violência, religião e censura, a Fortes D’Aloia & Gabriel busca retratar o zeitgeist em Unnamable (Inominável). A mostra online traz fotos, pinturas, esculturas e produções audiovisuais de Mauro Restiffe, Tiago Carneiro da Cunha, Yuli Yamagata, Ivens Machado, Ernesto Neto, Erika Verzutti, Adriana Varejão, Cristiano Lenhardt, Márcia Falcão, Tamar Guimarães, Kasper Akhoj, Bárbara Wagner e Benjamin de Burca. A galeria também participa do Vision & Justice Tribute com uma conversa em torno do artista, ativista, acadêmico e político Abdias do Nascimento. O webinar, co-organizado com Tanya Bonakdar Gallery, terá como foco o arquivo fotográfico do Teatro Experimental do Negro, fundado em 1944. Os curadores Keyna Eleison e Victor Gorgulho estarão acompanhados por Elisa Larkin Nascimento, esposa de Nascimento e presidente do Ipeafro (Instituto de Pesquisas e Estudos Afro-Brasileiros).
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Steel de Inominável #1, 2019, Mauro Restiffe. Foto: Cortesia Fortes D'Aloia & Gabriel / Latitude Platform
Ernesto Neto, sem título, 2021. Foto: Cortesia Fortes D'Aloia & Gabriel / Latitude Platform
Em seu estande virtual, a Galeria Kogan Amaro apresenta os trabalhos de Rafaella Braga. Com início no grafite, a artista hoje se dedica à pintura, principalmente a telas de grande escala. Sua prática tem o corpo como matéria-prima, investigando o próprio delineado por suas vulnerabilidades e segredos, e gira em torno da interação entre realidade e fantasia, identidade e tempo, oferecendo uma alternativa onírica à realidade.
*De forma a garantir a segurança de todos, será necessário apresentar comprovante de resultado negativo a Covid-19, de um teste recente, ou comprovante de vacinação para as visitas presenciais à feira.
Retrato de Tarsila a bordo, em 1920. Foto: Reprodução
Tarsila do Amaral, anos 1920. Foto: Reprodução
Quando me interessei pelos autorretratos de Tarsila do Amaral, produzidos entre 1921 e 1924[1], percebi que, apesar de configurarem menos de 3% de toda a sua produção no período, estabelecem um segmento esclarecedor de vários aspectos que envolvem a artista, mas que até o momento pouco interesse despertou em seus estudiosos: me refiro à série da qual apenas Autorretrato (manteau rouge) e Autorretrato I são levados em consideração[2]. Estou certo de que se faz necessária uma investigação sobre essas obras no sentido de conectar as personas que Tarsila cria para si durante aqueles anos de sua inserção/reinserção como mulher no ambiente social paulistano e, como artista profissional, no circuito de arte São Paulo-Paris[3].
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Tarsila Amaral, "Autorretrato (Manteau Rouge)", 1923, óleo sobre tela, 73 x 60,5 cm. Museu Nacional de Belas Artes, RJ.
Tarsila do Amaral, "Autorretrato I", 1924, óleo sobre papel-tela, 38.00 cm x 32.50 cm. Acervo Artístico-Cultural dos Palácios do Governo do Estado de São Paulo.
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Para estudar esses trabalhos, precisei estruturá-los como a uma série e, para tanto, me utilizei de sete obras denominadas pela artista como “autorretratos” e três que, embora não tenham sido denominadas como tal, me pareceram projeções idealizadas que Tarsila produziu de si mesma. Por último, agreguei à série a pintura em que a artista reproduziu sua sobrinha Maria Souza Lima – A espanhola (Paquita)[4] – em que me pareceu notável a “presença de si” no retrato dessa sua parenta.
O que de início me chamou a atenção na série foi como Tarsila, naquele curto período, usou tantos expedientes estilísticos para se retratar. Nota-se dois grupos de obras nessa série: no primeiro é percebida certa ousadia cromática, tendo por base o que parece ter sido o objetivo da artista na época: experimentar a quebra da pintura naturalista, utilizando-se (não com grande sucesso) de certos estilemas supostamente surgidos a partir do impressionismo e alguns de seus desdobramentos imediatos.
Dentro desse subgrupo estariam Autorretrato com lenço vermelho, Autorretrato com vestido laranja e Autorretrato com flor vermelha[5]. Os três mostram a artista de um ponto de vista levemente abaixo do nível dos olhos da figura, estratégia que, visível na tradição pictórica ocidental, foi disseminada por meio de retratos fotográficos. Outra possível interação entre fotografia e pintura: nos três, ao lado da suposta liberdade no tratamento das cores, impera a dimensão descritiva que a fotografia traz à imagem. Por demais explícitos e “fiéis”, esses autorretratos documentam as dificuldades de Tarsila no campo da retratística, no momento inicial de seu mergulho na pintura moderna.
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Tarsila do Amaral, "Autorretrato com lenço vermelho", 1921. Óleo sobre tela. 54,5 x 43,6 cm. Coleção Particular, Porto Alegre, RS
Tarsila do Amaral, "Autorretrato com vestido laranja", 1921, Óleo sobre tela, 50 x 41 cm. Col. Banco Central do Brasil (em comodato com o MASP)
Tarsila do Amaral, "Autorretrato com flor vermelha", 1922, pastel sobre papel, 39 x 29 cm. Coleção de Artes Visuais do Instituto de Estudos Brasileiros - USP, São Paulo, SP.
Esses três autorretratos, no entanto, não tinham por objetivo serem ousados apenas pela combinação estridente de cores ou pelo uso instrumental da imagem fotográfica. Eles também “ousavam” no uso de adereços, digamos, pouco ortodoxos com que a artista neles se mostrava. O lenço vermelho na cabeça da figura retratada no primeiro autorretrato, além de estabelecer um contraste acentuado com o azul meio esverdeado da blusa – efetivamente a grande “ousadia” formal do trabalho –, remete a figura ali retratada a um romantismo de viés popular, distante da situação de Tarsila como membro de uma das famílias mais tradicionais de São Paulo. Tarsila, uma mulher do campo, uma espécie de cigana, talvez?
Na segunda pintura, o vestido laranja com o qual ela se retrata está praticamente invisibilizado devido ao xale rosa que aparece preso sob o busto da figura. Na verdade, não é possível detectar com certeza qual o traje usado pela artista ali, mas, seja qual vestimenta for, o decote em “V” emoldura um corpo que se esconde, ao mesmo tempo em que se exibe ao olhar do espectador (presumidamente um homem). Um decote tão coquete quanto a expressão sorridente e um tanto maliciosa que a figura ostenta. É de se perguntar também: onde a representação da dama paulistana?
Se nos dois trabalhos de 1921 é notável como a artista se mostra fora dos padrões esperados para uma mulher de sua classe social, naquele de 1922, no entanto, Tarsila radicalizará um pouco mais, se representando ataviada de fato como uma “espanhola”[6]. Se nos trabalhos anteriores a espanhola que parecia habitar os desejos de projeção da artista era apenas intuída – pelo lenço, pelos xales, pelo sorriso e pelos cabelos mal contidos sob o tecido ou o coque – em Autorretrato com flor vermelha, um pastel sobre papel em que tons de azul do vestido definem/emolduram o colo e o rosto da artista, expandindo-se por seu cabelo e pelo fundo, em contraste com a flor vermelha. Outro dado a se notar é que mais uma vez o ponto de vista escolhido para a composição desse pastel é aquele abaixo dos olhos da figura representada, o que só enfatiza o desejo de Tarsila em retratar-se como uma mulher resoluta, fora dos padrões, expondo-se a com uma energia tão indomável quanto seus cabelos mal controlados, emoldurando o rosto.
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Já o segundo subgrupo da série caracteriza-se por um paulatino abandono daquela pintura conservadora, mas que absorvera certos estilemas vindos das vanguardas do final do século 19, mantendo sempre certo pendor naturalista, descritivo. Nesse segundo subgrupo de autorretratos, pelo contrário, o que se notará será sobretudo a ênfase ao caráter planar da pintura, o que denota uma rápida absorção de regras surgidas após a experiência impressionista também já devidamente superadas (diga-se) naquele início dos anos 1920, Se antes, portanto, Tarsila passaria pela absorção de uma certa noção de pintura “impressionista”, agora – e de maneira melhor resolvida – será notada em algumas obras a presença de uma outra visualidade, essa pautada no exemplo de Paul Gauguin e seus seguidores.
Como mencionado, tecnicamente A espanhola (Paquita), de 1922, é o retrato da sobrinha da artista. Mas, no limite, penso que ela possa ser apresentada como uma projeção idealizada da própria Tarsila (as feições da retratada lembram as imagens de outros de seus autorretratos). Nela vemos uma figura hierática, concebida dentro de uma estrutura planar que deixa de lado a dimensão descritiva dos trabalhos anteriormente comentados para enfatizar uma dimensão mais sintética da forma. Essa Paquita demonstra o quão rápido (e bem) a artista tinha caminhado em seu processo de absorção das principais tendências da arte do final do século 19 e início do 20.
Tarsila do Amaral. A Espanhola. 1922. Óleo sobre tela. 92,4 x 75,5 cm. Coleção Particular, Brasília, DF.
Afinal, convenhamos, tendo como parâmetros aquelas duas primeiras pinturas de “espanholas” de 1921 e aquele pastel do ano seguinte, essa Paquita é uma obra mais complexa, tanto em termos técnicos quanto de aderência ao vocabulário da pintura moderna, podendo ser entendida, inclusive, como uma espécie de ponte entre as imagens meio canhestras de mulher exuberante dos três autorretratos aqui comentados e aquela que surgirá em 1923 e 1924, respectivamente com Autorretrato (manteau rouge) e Autorretrato I. Neste sentido em A espanhola (Paquita), a mulher retratada – com o colo e o rosto emoldurados por tons escuros –, funciona como uma nova persona para a artista, ainda envolvida pelo romantismo da “espanhola”, mas, por meio da síntese formal, já buscando uma transcendência que não parece mais desse mundo.
Outro dado importante sobre os autorretratos já comentados e A espanhola (Paquita): se a presença da “espanhola”, no início, era apenas sugerida, a partir do pastel de 1922 e desse retrato da sobrinha, a personagem surge plena, configurando um tipo de mulher que poderia interessar a Tarsila tomar como parâmetro para forjar sua imagem pública.
(Paquita), de 1922, não mais sorri e não mais se expõe ao olhar masculino, como nas obras anteriores. Por outro lado, no entanto, continua a instrumentalizar um estereótipo de mulher bela, resoluta e dona de si, enfim, uma “espanhola”.
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Mais adiante voltarei a me referir a respeito dessa atitude de Tarsila em querer se representar como uma espanhola, ligando sua própria imagem naquele estereótipo que, fazia décadas se impunha na Europa, como o substrato de mulher voluntariosa, de temperamento forte – e de reputação dúbia, diga-se[7].
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Tarsila do Amaral, “Autorretrato de Corpo Inteiro”, 1922. Óleo sobre tela. 42 x 33,5 cm. Coleção Particular, São Paulo, SP.
Toda a autoridade, mesclada ao exotismo (dos trajes, das feições) e à sensualidade, percebida nos trabalhos de Tarsila até aqui discutidos, reaparece em Autorretrato de corpo inteiro, de 1922[8]. A submissão efetiva à ação do pincel sobre a tela e a consequente dimensão planar da pintura, não escondem a ênfase à retórica da “espanhola” – a mulher bela e altaneira, flagrada em um radical contra-plongée que sublinha a autoridade de sua presença vestida com um traje azul, parcialmente escondido por um xale verde – apetrecho típico das espanholas tradicionais. É preciso igualmente sublinhar nessa pintura a subordinação da imagem fotográfica – certamente base para o autorretrato – à construção pictórica da imagem da artista e seu entorno. Se em Autorretrato com vestido laranja, do ano anterior, a subserviência da pintura à discrição da fotografia tornava ainda mais canhestro o resultado, aqui já é notável o quanto Tarsila está consciente de que na tradução da imagem fotográfica para a imagem pictórica, é necessário um processo consciente de síntese[9].
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Rever essas pinturas traz à tona pelo menos duas fotografias de Tarsila em que ela se deixa fotografar como uma espanhola. A primeira, sem data – que pode ter inspirado ou feito parte de um conjunto de fotografias de onde saiu o pastel comentado acima – representa Tarsila em contra-plongée, à mercê do olhar do observador, com um sorriso nos lábios e um olhar sonhador rumo ao devir (ver foto na abertura do texto). Toda essa autoconfiança é reforçada pelo amplo decote que lhe desnuda o colo, compondo com a flor e o típico pente espanhol[10].
No “Cap Pollonio”, Tarsila e Oswald entre outros passageiros. Foto: Reprodução
A segunda foto, de 1925, apresenta Tarsila também vestida como espanhola, demonstrando tal exuberância e sensualidade que transforma todos os outros integrantes do grupo em simples coadjuvantes. Refiro-me à fotografia realizada a bordo do navio Cap. Pollonio, que levava Tarsila e Oswald de Andrade para a Europa. Pelos trajes dos demais retratados (com exceção de Oswald, é claro) não se tratava de uma festa a fantasia e a indumentária da artista tinha muito de encenação, de uma espécie de performance em que ela parecia gostar de atuar como uma andaluza salerosa[11].
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Essas suas imagens de mulher bela, sensual e extravagante – que marcarão a presença de Tarsila na história da cultura brasileira – contrastavam com a imagem de uma “outra” Tarsila, uma mulher mais comedida. Sabe-se que, no cotidiano, até, pelo menos, meados de 1922, muitas vezes a artista tendia a vestir-se e a se comportar de maneira discreta, com roupas mais previsíveis para uma mulher de sua classe social: vestidos de manga e quando saia, discretos chapéus. Essa imagem sóbria – que tanto contrasta com as representações comentadas acima – é documentada por algumas fotografias do período. Em 1921, em viagem a Londres, Tarsila é retratada com um discreto vestido, sapato fechado e um chapéu que realça o decoro de seu traje.[12]
Mas também é de 1921 uma foto produzida em Londres, na pensão onde a artista estava hospedada. Nela Tarsila, ao lado de duas desconhecidas, olha para a câmara que também a capta de baixo para cima. Seu sorriso é emoldurado pelos cabelos presos no topo da cabeça.
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Viagem a Londres, 1921. Foto: Reprodução
Em Londres, na pensão, 1921. Foto: Reprodução
Tarsila parece ter apreciado tanto essa imagem – mais uma projeção da “espanhola”? –, que não hesita em recortar uma cópia da mesma para preencher seu cartão de identificação como expositora no Salon Officiel des Artistes Français, em 1922. Interessante essa opção por associar aquela imagem desafiadora à sua carteira de ingresso na mostra oficial, uma espécie de passaporte para adentrar o ambiente artístico parisiense como profissional.
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Figura (O Passaporte) e Retrato de modelo, ambos de 1922, apresentam a figura de uma mulher com alguns traços que, se não remetem diretamente à artista, fazem com que nos lembremos dela: os lábios, o penteado apropriado para receber os atavios “espanhóis” – a flor (presente na primeira pintura) e o pente -, e um decote que mal esconde a sensualidade do colo das retratadas, já percebida em outras pinturas. Essas obras, por sua vez, contrastam com mais dois trabalhos de Tarsila, produzidos no mesmo período: o Autorretrato de cabelo curto, 1923 – um delicado desenho concentrado sobretudo no olhar perspicaz da artista, sem nenhum detalhamento de outros partes de seu corpo; e Figura em azul, também de 1923[13].
Tarsila do Amaral, “Retrato de Modelo”, 1922. Óleo sobre tela. 55 x 46 cm. Localização desconhecida.
Essa última nos remete à pintura A espanhola (Paquita), do ano anterior, pela postura hierática da figura, pelo tratamento opulento da cor – que reforça o caráter bidimensional do suporte –, além do fato de que a imagem alude à própria artista, aqui retratada de forma discreta, sem a ousadia de suas “espanholas” anteriores; no entanto, não deixa, porém, de exibir uma espécie de xale em azul que, com o decote discreto do corpete verde, emoldura seu colo elegante.
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Interessante chamar a atenção para essas imagens de Tarsila produzidas no início dos anos 1920. São fotografias, profissionais e amadoras, autorretratos e alguns poucos retratos em que ela parece sobrepor, à imagem da retratada, a idealização de sua própria imagem. Tarsila, dama discreta da sociedade paulistana, aparece atravessada por idealizações de uma persona associada ao desejo de tornar-se uma mulher dona de si, dona de seu corpo – uma “espanhola”! – ao mesmo tempo em que buscava profissionalizar-se como uma artista cada vez mais distante da arte tradicional.
Essa coincidência entre postura corporal/modo de vestir e postura enquanto artista preocupada em atualizar-se de maneira célere, deixa claro que essas duas instâncias foram sendo forjadas conjuntamente, uma dando força estruturante para a outra.
Por ocioso que possa parecer estudar a obra de uma artista a partir de sua vida pessoal, no caso de Tarsila, tal ociosidade não existe. A vontade de transformação, tanto de sua postura como mulher (ora discreta, ora exuberante), quanto em sua vontade de experimentar os vários estágios dos radicalismos estéticos surgidos a partir do impressionismo, liga-se ao seu intento de buscar uma nova identidade. Mas por que “uma nova identidade”?
Tarsila foi criada para tornar-se aquilo que se esperava de toda mulher no início do século passado, sobretudo aquelas de sua classe social: casar e ser mãe. Ela estudou em colégio interno na Europa, foi bem instruída em várias disciplinas; seu talento foi atiçado pela literatura, pela música e pela a pintura, mas, ao invés de investir desde o início em um desses talentos, Tarsila se casou e foi mãe.
Toda a inteligência, curiosidade, toda a pulsão de conhecimento que já a caracterizava foi direcionada ao matrimônio e à maternidade, construindo um halo de proteção que a afastava de suas aspirações profissionais.
Tarsila manteve-se nesse encastelamento matrimonial/maternal até que seu primeiro marido a traiu com a mulher de seu irmão Oswaldo[14].
A questão não é considerar a relação entre Tarsila e seu primeiro marido, mas a estrutura social da qual ela foi expelida ao separar-se. Na sociedade patriarcal, tão forte naquele início de século, ela, de repente, viu-se desclassificada socialmente. Se a amante do marido também se desclassificara, tornando-se a “outra”, Tarsila transformou-se na mulher preterida, traída, tendo sido deixado para ela apenas o papel de mãe tutelada pelos pais[15].
Em 1923, já alcançando os primeiros resultados como artista, seu pai a incumbiu de cuidar dos filhos de seu irmão e da amante de seu ex-marido, levando-os para a Europa, junto com sua filha – como atesta o depoimento de uma de suas sobrinhas à estudiosa Nádia Battella Gotlib: “Tia Tarsila foi maravilhosa. E nós nos conhecemos por isso: meus pais se desquitaram e vovô mandou que Tarsila cuidasse dos sobrinhos. Eram cinco…”[16].
Sem função social definida – o que poderia fazer uma mulher separada do marido, na alta sociedade paulistana da época, a não ser voltar para a proteção dos pais para, com eles, cuidar de filhos e sobrinhos? –, Tarsila buscará nas artes visuais um lugar social e profissional. Interessante, por outro lado, que, ao escolher tornar-se pintora, ela optou por uma profissão que, no Brasil, não contava com mulheres artistas reconhecidas ou, pelo menos, de grande destaque no meio. Se nas outras modalidades que também chegaram a interessá-la – a poesia e a música – era possível encontrar profissionais mulheres de efetivo sucesso, tanto no Brasil como no exterior[17], na pintura no Brasil, naquela época, não havia nenhuma profissional mulher comparável, em termos de reconhecimento público, como determinadas poetas e concertistas[18].
Talvez esses fatos ajudem a entender a necessidade de Tarsila buscar na imagem da “espanhola” um escudo para enfrentar os desafios que encontraria ao atuar numa atividade profissional que, além de pouco respeitada no Brasil, era fundamentalmente “masculina”.
De quais outras personas ela poderia ter lançado mão para se impor em tal território?
Optar pelo uso de roupas simples e despretensiosas, para romanticamente se alinhar à figura da jovem artista pobre, mas talentosa – uma visão também estereotipada e, no fundo, uma mera inversão do artista homem talentoso e pobre –, parece não ter passado por sua cabeça ou, pelo menos, não prosperou naquele início dos anos 1920. Por outro lado, também parece que, pelo menos naqueles primeiros anos, não lhe ocorreu radicalizar os índices de seu pertencimento à alta classe, rica e sofisticada – o que só faria em 1923, quando resolve assumir-se como protagonista da arte moderna brasileira, entre São Paulo e Paris[19].
Mas antes, entre 1921 e 1922, Tarsila, como visto, muito investirá na imagem hiperfeminina de uma Carmen tropical.
Provavelmente essa adaptação da própria imagem aos estereótipos da mulher sensual e de reputação dúbia, não pode e não deve ser entendido apenas como um escudo de proteção criado pela artista, mas também como uma arma de ataque e de empoderamento no âmbito, tanto da alta sociedade paulistana, quanto no frágil meio artístico da cidade – ambos territórios hostis à mulher em busca de liberação. Ao optar por transformar-se numa “espanhola”, em uma Carmen, Tarsila queria enfrentar aqueles ambientes a partir da exacerbação do estereótipo, como se, por esse processo de exacerbação, procurasse desacreditá-lo, passando a ser vista como mulher e artista.
Mas essa atitude parece não ter sido bem recebida no meio em que vivia, pois uma coisa era a mulher, uma vez ou outra, demonstrar extravagância como forma de tentar impor uma opinião ou atitude. Outra muito diferente, era desejar comportar-se por meio de procedimentos e ações assumidamente malvistos.
Afinal, será que os Amaral conseguiriam conviver com tranquilidade se aquele membro tão importante da família, por se retratar como um tipo de mulher desclassificada, passasse a ser vista como tal? Sua situação de mulher separada do marido já não seria motivo suficiente de constrangimento?
Um dado que talvez corrobore a recepção negativa dessa persona seja o fato de que a “espanhola”, como visto, viveu em Tarsila praticamente por dois anos, entre 1921 e 1922. A partir do ano seguinte a pintora começa a assumir seu diferencial como herdeira riquíssima, marcando o novo ambiente artístico em que pisava com as caudas das vestimentas exclusivas de Patou e Poiret.
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Tarsila do Amaral, “Espanholas”, 1922, Coleção Particular, Porto Alegre, RS.
No entanto, ainda em 1922, um desenho – esboço de uma obra de maior porte ao que se sabe jamais produzida –, apareceria como uma até então inimaginável projeção da artista, pensada como uma naja muito particular, uma mistura do tema tratado por Goya e concebido como uma composição à la Marie Laurencin. Refiro-me a Espanholas, um pastel sobre papel-cartão[20].
Numa composição pretensiosa, uma mulher nua, recostada à direita da composição, tem parte do corpo voluptuoso mal coberta por uma mantilha presa a uma peneita – um daqueles grandes pentes espanhóis. Ao lado da monumental espanhola, três mulheres sentadas: uma toca um instrumento enquanto as demais permanecem em silêncio, talvez atentas à música. Impossível não interpretar a figura principal do esboço como mais uma projeção da própria artista, consciente de sua beleza e do quão provocante poderia ser assumir-se como uma artista profissional e uma mulher desafiadoramente à mercê do olhar masculino.
Mas Tarsila, ao que se sabe, nunca levou adiante o projeto ali esboçado.
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A figura de espanhola sensual e resoluta concebida por Tarsila parece não ter passado de uma fantasia, um posicionamento “revolucionário” perante uma sociedade que não parecia disposta a reconhecer outro papel para ela que não fosse o de mãe e tia. Performando a espanhola volúvel, mas ambiciosa, ela acreditou poder transitar pelos vários momentos da arte moderna, do impressionismo até as vertentes então mais atuais da arte. Mas essa era uma imagem que não se adequava aos pressupostos estabelecidos para uma mulher de sua classe social.
Em meados de 1923, no momento em que de fato começa a vislumbrar o papel que poderia vir a assumir na arte e na cultura brasileiras, Tarsila, como mencionado, construiria uma outra persona para si: paradoxalmente ascética e requintada, a nova Tarsila casará modernidade e exotismo, agradando brasileiros e franceses, tanto por seu modo de vestir e se comportar, quanto por suas pinturas.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
Livros – AMARAL, Aracy. Tarsila sua obra e seu tempo. São Paulo: Editora Perspectiva/Edusp, 1975. Vol.1. – AMARAL, Aracy. Tarsila do Amaral. Buenos Aires: Fundação Finambrás, 1998. – AMARAL, Tarsila do Crônicas e outros escritos de Tarsila do Amaral (org.: Laura Taddei Brandini. Campinas: Editora Unicamp, 2008. – GOTLIB, Nadia Battella. Tarsila do Amaral a modernista, 2ª. São Paulo: Editora Senac,2000. – MICELI, Sergio. Nacional estrangeiro: história social e cultural do modernismo artístico de São Paulo. São Paulo: Companhia das Letras, 2003. – POLLOCK, Griselda. Visión y diferencia. Feminismo, feminidad e historias del arte. Buenos Aires: Fiordo, 2015. – PINSKY, Carla B./PEDRO, Maria Joana (orgs.). Novas histórias das mulheres no Brasil.São Paulo: Contexto, 2020 – SARTUNI, Maria Eugênia (Coord.Ed.). Tarsila. Catálogo Raisonné. São Paulo: Base 7 Projetos Culturais/Pinacoteca de São Paulo, 2008. 3 Vol.
Artigos – CHIARELLI, Tadeu. “A caipirinha e o francês: Tarsila do Amaral e a devoração da modernidade via Fernand Léger. Acesse neste link.
[1] – Pelas informações contidas no catálogo geral da artista, Tarsila do Amaral produziu seus autorretratos apenas nesse período, entre 1921 e 1924. Em tempo: quando não houver outra informação, todos os dados aqui contidos sobre a localização das obras da pintora, foram retiradas de: SARTUNI, Maria Eugênia (Coord.Ed.). Tarsila. Catálogo Raisonné. São Paulo: Base 7 Projetos Culturais/Pinacoteca de São Paulo, 2008. 3 Vol.
[2] – Autorretrato (Manteau rouge), 1923, Coleção Museu Nacional do Rio de Janeiro; Autorretrato I, 1924, Coleção Acervo Artístico-Cultural dos Palácios do Governo do Estado de São Paulo. Ao que se sabe, apenas Sergio Miceli teria tido interesse em comentar praticamente todos os autorretratos da artista. MICELI, Sergio. Nacional estrangeiro: história social e cultural do modernismo artístico de São Paulo. São Paulo: Companhia das Letras, 2003.
[3] – Dadas as dimensões deste artigo, ele será dividido em duas partes: “Os autorretratos de Tarsila I: a espanhola” e “Os autorretratos de Tarsila II: a pintura Achiropita”.
[4] – A espanhola (Paquita), 1922, Coleção particular, Brasília, DF.
[5] – Autorretrato com lenço vermelho, 1921, Coleção particular, Porto Alegre, RS; Autorretrato com vestido laranja, 1921, Coleção Banco Central do Brasil, Brasília, DF ( dado recente: atualmente em comodato no MASP).; Autorretrato com flor vermelha, 1922 (Coleção de Artes Visuais do Instituto de Estudos Brasileiros – USP, São Paulo, SP.
[6] – Na sequência será visto que representar-se como espanhola poderia ter vários significados, dada a visão estereotipada que a Europa como um todo parecia nutrir sobre a Espanha e suas mulheres.
[7] – Essa falsa compreensão da mulher espanhola como um ser exótico, obstinado e de reputação duvidosa surge em decorrência da maneira como a própria Espanha foi vista por muitos no resto da Europa. Espanha por séculos foi vista como parte da África, como um pedaço do oriente islâmico na vizinhança da França. O preconceito em relação à “espanhola” vai gerar frutos no campo da arte e da cultura, sobretudo na França a partir de meados do século 19, entrando pelas primeiras décadas do século seguinte. Fruto desse preconceito e elemento que o ajudou a expandir-se ainda mais, foi Carmen, novela de Prosper Mérimée, de 1845, base da ópera homônima de Georges Bizet, que estreou em 1875.
[8] – Autorretrato de corpo inteiro, 1922. Coleção Particular, SP.
[9] – A partir das crônicas que Tarsila começará a publicar na imprensa a partir dos anos 1930, ficará claro que ela possuía uma visão produtiva da fotografia, acolhendo-a como forma de manifestação artística autônoma, e como instrumental legítimo a ser usado como ferramenta pelo artista e para a aprendizagem da arte. Num artigo sobre o pintor paulistano Pedro Alexandrino (com quem havia estudado), Tarsila reflete sobre as diferenças entre a pintura naturalista e o meio fotográfico e sobre como o pintor deveria saber discernir os detalhes da imagem fotográfica que deveriam ser transferidos para a pintura e aqueles que precisavam ser suprimidos em prol da dimensão sintética da pintura, “Pedro Alexandrino”. Diário de S. Paulo, 17, novembro, 1936. In AMARAL, Tarsila. Crônicas e outros escritos de Tarsila do Amaral. Organização Laura Taddei Brandini. Campinas: Editora da Unicamp, 2008. pág. 163 e segs.
[10] – Sabe-se que Tarsila passou parte de sua adolescência internada em um colégio em Barcelona. Essa experiência, no entanto, não explicaria seu interesse em alinhar sua imagem àquele estereótipo de mulher espanhola, aqui já comentado, distante, por certo, do tipo de mulher valorizado pelo colégio católico em que estudou naquela cidade.
[11] Francisco Inojosa daria o seguinte depoimento sobre quando conheceu Tarsila em São Paulo, em 1923: “[…] Tarsila do Amaral, com a sua cabeleira revolta de sonhadora impenitente, com seus lindos olhos sevilhanos – “yeux extraordinaires, immenses, d’um noir mat, comme du velours” – e sorria lisonjeada – um sorriso aprovação tácita, benção silenciosa àqueles cavaleiros andantes do ideal”. Apud: AMARAL, Aracy. Op.cit. pág. 51. (o negrito é meu). Como ainda será visto, Tarsila gostará de chamar a atenção em Paris, em entradas retumbantes em locais públicos. Não propriamente vestida como espanhola, mas ostentando roupas das mais finas grifes da época.
[12] – Aliás, na passagem dos anos 1910 para a década seguinte, essa simplicidade foi notada pelo então jovem pianista João Souza Lima que depôs: “Tarsila era então muito simples, vestia-se modestamente com descrição […]”. AMARAL, Aracy. Tarsila. Sua obra e seu tempo. Vol. I Pág. 28. Em tempo: Mais tarde Souza Lima se casaria com Maria de Lourdes, sobrinha de Tarsila e por ela retratada em A espanhola, aqui já comentada.
[13] – Figura (o Passaporte), 1922. Col. Particular, São Paulo, SP; Retrato de modelo, 1922. Paradeiro desconhecido; Autorretrato de cabelo curto, 1923. Paradeiro desconhecido; Figura em azul, 1923. Col. particular, São Paulo, SP.
[14] – Informação concedida ao autor pela escritora Ana Luiza Martins, autora de: Aí vai meu coração. São Paulo: Planeta, 2003. Em tempo: penas em 1925 seu pai conseguirá anular o primeiro casamento da artista, (apesar do fato ter tido uma filha com o primeiro marido), liberando-a para casar-se com Oswald de Andrade. Não esquecer por outro lado que, no Brasil o desquite só foi tornado lei em 1942 e o divórcio em 1977 (Ver “O caleidoscópio dos arranjos familiares”, de Ana Silvia Scott, in PINSKY, Carla B./PEDRO, Maria Joana (orgs.). Novas histórias das mulheres no Brasil.São Paulo: Contexto, 2020. Pág. 15 e segs.).
[15] – Não esquecer que para o Código Civil de 1916, o status da mulher casada no Brasil era equiparado aos menores de idade, aos indígenas e aos alienados. (Ver “O caleidoscópio dos arranjos familiares”, op. cit.).
[16] – Depoimento de Maria de Lourdes do Amaral Faccio. In GOTLIB P. Tarsila do Amaral a modernista. 2ª. São Paulo: Editora Senac São Paulo, 2000. p. 68.
[17] – Na poesia, na época, o Brasil já contava com profissionais mulheres de sucesso, passíveis de servirem como parâmetro para uma jovem talentosa. Registro aqui os nomes, entre outros, de Francisca Júlia e de Gilka Machado, com a qual Tarsila mantinha relações cordiais. No âmbito da música, Guiomar Novaes e Magdalena Tagliaferro, ambas de renome internacional.
[18] – Em São Paulo, artistas como Berthe Worms e Bety Malfatti (mãe de Anita) parece terem sido mais conhecidas como professoras. Já no circuito carioca, preso à Escola Nacional de Belas Artes, eram poucas as artistas mulheres com algum destaque. Dentre elas, citaria Abigail de Andrade e Georgina de Albuquerque.
[19] – Como será visto na sequência, um assumir-se problemático pois, afinal, a partir desse ano a nova persona criada por Tarsila irá oscilar entre a grande dama da sociedade e a vestal (uma espécie de santa) da arte moderna brasileira.
[20] – Espanholas, 1922. Coleção particular, Porto Alegre Rs. Observação: Apesar de sua aparente importância, a obra ainda não despertou interesse de nenhum dos estudiosos da artista. Em tempo, em 1921 a artista teria produzido um desenho com o título Camponesa espanhola, atualmente com paradeiro desconhecido. Como não foi encontrada nenhuma imagem da obra ela ficou fora desta reflexão (SARTUNI, Maria Eugênia (Coord.Ed.). op. cit. Vol. II, pag. 13.
Ateliê de Rossini Perez na região da Bastilha, Paris (anos 1970). Foto: Divulgação.
Em razão da exposição virtual Arqueologia da Criação: Uma imersão no acervo-ateliê de Rossini Perez, será promovido, a partir do dia dez de maio, o Laboratório de curadoria: acervos de artistas, coleções e memória pública no eixo sul. Serão sete encontros guiados por questões acerca da contribuição dos acervos de artistas para as novas histórias da arte, como pensá-los em relação a coleções e museus e como expandir esses acervos para o mundo virtual. Para se inscrever, clique aqui.
Os encontros do laboratório têm duração de duas horas (com excessão da aula inaugural). A sua primeira parte é fechada aos inscritos, enquanto a segunda é aberta e será transmitida no YouTube. Para os inscritos, além da presença nas sessões fechadas, a participação no laboratório inclui o acesso à plataforma online com materiais complementares e consultas individuais para elaboração de projetos.
Sobre os encontros e os participantes:
10/05 | 18h-19h30 Acervos de artistas, coleções e memória pública no eixo Sul: o que podem as curadorias?
Participantes: Sabrina Moura e Malick Ndiaye. Moura é curadora e historiadora da arte, doutora pela Unicamp. Foi pesquisadora visitante da Columbia University e curadora de programas públicos dos 18° e 19° Festivais de Arte Contemporânea Sesc_Videobrasil. Organizou o livro Panoramas do Sul | Leituras | Perspectivas | Para Outras Geografias do Pensamento. Ndiaye é doutor em História da Arte pela Université Rennes II. Ele também é graduado pelo Institut National du Patrimoine (Paris). Atualmente é Pesquisador do IFAN / Universidade Dakar Cheikh Anta Diop, e curador do Museu Théodore Monod de Arte Africana, em Dacar (Senegal).
17/05 | 18h30-20h30 Quando acervos ocupam a nuvem: o espaço virtual como campo de aproximação
Participante: Frederico Teixeira é arquiteto com atuação na área de expografia e cenografia, desenvolvendo desenho e produção de exposições desde 2009. Atualmente, é diretor artístico do Museu Itamar Assumpção. Até 2018, ele gerenciou a área de exposições do Museu da Casa Brasileira. Atua de forma independente com exposições para instituições e produtoras culturais no Brasil como Itaú Cultural, SESC e Casa Azul (FLIP).
24/05 | 18h30-20h30 A obra como espinha dorsal: uma metodologia para acervos de artistas
Participante: Silvana Goulart. Graduada e mestre em História pela USP, publicou a dissertação Sob a verdade oficial, referente à imprensa e propaganda no Estado Novo. Especializou-se em Arquivologia, sendo coautora com Ana Maria Camargo do livro Tempo e circunstância, que traz proposta metodológica para o tratamento de arquivos pessoais. Dedica-se a consultoria, centros de memória e gestão de documentos históricos.
31/05 | 18h30-20h30 Acervos e histórias da arte: o tecido como argumento
Participante: Hanayrá Negreiros é mestra em ciência da religião pela PUC-SP. Possui como principais áreas de estudo estéticas negras que se manifestam por meio do vestir, da cultura visual, religiosidades e memórias de família. Atualmente faz parte do grupo de pesquisa INDUMENTA – Dress and Textiles Studies in Brazil, vinculado à Universidade Federal de Goiás (UFG), é membro do Núcleo de Pesquisa em Modas Africanas e Afro-diaspóricas, conselheira do Instituto Urdume e assina a coluna digital Negras Maneiras na ELLE Brasil.
07/06 | 18h30-20h30 Acervo-ateliê-coleção: um olhar sobre museus de artistas
Participante: Pierina Camargo. Ela é formada em Licenciatura em Artes Plásticas pela FAAP e em Museologia pela Escola de Sociologia e Política de São Paulo. Trabalha desde 1985 no Museu Lasar Segall.
14/06 | 18h30-20h30 Acervos de artistas no contexto brasileiro: o papel das instituições
Participante: Luiz Armando Bagolin é doutor em Filosofia pela FFLCH/USP. Atua nas áreas de Estética, Teoria e História da Arte. É docente e pesquisador sênior do Instituto de Estudos Brasileiros da USP na área de artes, com ênfase para a história da arte brasileira, do século 18 ao início do 20. Foi diretor da Biblioteca Mário de Andrade, em São Paulo, entre 2013 e 2016.
21/06 | 18h30-20h30 Acervos de artistas no contexto brasileiro: o papel das instituições
Participante: Iara Schiavinatto é historiadora e Professora Associada Livre Docente do Instituto de Artes da UNICAMP. Foi Diretora Associada do Museu de Artes Visuais da UNICAMP. Em 2020, publicou com Patrícia Meneses a coletânea A imagem como experimento: debates contemporâneos sobre o olhar.
LEIA TAMBÉM: Acervo de Rossini Perez é foco de nova mostra online do Museu Lasar Segall, saiba mais neste link.
Still de "Sertânia" (2020), de Geraldo Sarno. Foto: Divulgação.
Até dia 5 de maio, o CineSesc exibe, dentro da série Cinema #EmCasaComSesc, a programação do 47º Festival Melhores Filmes. As obras selecionadas ficam disponíveis na plataforma do Sesc Digital até o fim da programação, com excessão de O Jovem Ahmed (Luc Dardenne, Jean-Pierre Dardenne, 2019) e Retrato de Uma Jovem em Chamas (Céline Sciamma, 2020), que serão exibidos nos dias 30 de abril e 1º de maio, respectivamente, e ficarão disponíveis por apenas 24 horas.
O festival ainda conta com a Faixa Especial Abril Indígena, onde serão exibidos os filmes brasileiros Serras da Desordem (2006), de Andrea Tonacci, e Martírio, (2017), de Vincent Carelli, Tatiana Almeida e Ernesto de Carvalho – premiados em edições anteriores do Melhores Filmes. O projeto Abril Indígena integra o Programa Diversidade Cultural do Sesc São Paulo, que aborda questões relativas aos povos originários, com objetivo de valorizar e difundir a diversidade cultural no Brasil.
Confira algumas indicações do que não perder (clique nos títulos para assistir ao trailer dos filmes):
Detalhe do pôster do filme “A Febre” (2020), de Maya Da-Rin. Foto: Divulgação.
Justino, um indígena de 45 anos, trabalha como vigilante em um porto de cargas e vive em uma casa modesta na periferia de Manaus. Desde a morte da sua esposa, sua única companhia tem sido sua filha Vanessa, mas ela está de partida para estudar medicina em Brasília. Sob o sol escaldante e as chuvas tropicais, Justino esforça-se para manter-se concentrado no trabalho.
Com o passar dos dias, ele é tomado por uma febre forte. Em seus sonhos, uma criatura vagueia perdida pela floresta. Na televisão, o noticiário fala de um animal selvagem que ronda o bairro. Justino acredita que está sendo seguido, mas não sabe se quem o persegue é um animal ou um homem.
Em um vilarejo fincado no Sertão, Cego Aderaldo e Querência, Aureliana e Geraldo, Alfonsina e João protagonizam três histórias de amores brutos em uma epopéia romanesca que se desdobra em vida nova. O toque de uma sanfona, um mar imaginário, um temporal, entre outros elementos metafóricos, conduzem o espectador através de uma narrativa lírica, cujo desfecho margeia um sentimento de dor ou de alegria, de desespero ou de esperança.
Um documentário que mostra em detalhes a difícil jornada de dois cineastas tentando alcançar um sonho impossível: criar Com Amor, Van Gogh, o primeiro longa-metragem de animação da história do cinema feito completamente com pinturas, e que foi indicado ao Oscar e ao Globo de Ouro de melhor animação. Realizado a partir de incríveis 65 mil pinturas a óleo sobre tela por uma equipe de 115 pintores, que usaram a mesma técnica do famoso pintor holandês, Com Amor, Van Gogh foi lançado em 2017, após mais de uma década em produção.
Dir.: Ljubomir Stefanov, Tamara Kotevska | 85 min | Documentário
Aninhada em uma região montanhosa isolada no interior dos Bálcãs, Hatidze Muratova vive com sua mãe doente em uma vila sem estradas, eletricidade ou água corrente. ela é a última de uma longa fila de apicultores selvagens, consumindo um mel vivo da agricultura em pequenos lotes para serem vendidos na cidade mais próxima – a apenas quatro horas a pé. A existência pacífica de Hatidze é perturbada pela chegada de uma família itinerante, com seus motores rugindo, sete crianças indisciplinadas e rebanho de gado. Hatidze cumpre com otimismo a promessa de mudança com o coração aberto, mas não demora muito para que um conflito evolua, expondo a tensão fundamental entre natureza e humanidade, harmonia e discórdia, exploração e sustentabilidade.
Maria Luiza da Silva é a primeira transexual na história das forças armadas brasileiras. após 22 anos de trabalho como militar, foi aposentada por invalidez. O filme investiga as motivações para impedi-la de vestir a farda feminina e a sua trajetória de afirmação como mulher trans, militar e católica.
Martin Eden (luca marinelli) é um jovem escritor de baixa renda que entra em conflito com a burguesia. Encarando um novo mundo, ele se apaixona e descobre como escritores são vistos em uma sociedade aristocrática. Se sentindo deslocado de tudo que faz parte de sua essência, o rapaz percebe que não há como voltar para o que costumava ser. Enquanto tenta publicar alguma obra de grande sucesso, Martin se questiona sobre o mercado literário, a sociedade e sua própria natureza como criador.
Cena do filme “Sertânia” (2020), de Geraldo Sarno. Foto: Divulgação.
Antão é ferido, preso e morto quando bando de jagunços de Jesuíno invade a cidade de Sertânia. O filme projeta a mente febril e delirante de Antão, que rememora os acontecimentos.