FÍGADOS CONVERSANDO, de Anna Bella Geiger
"Fígados conversando", Anna Bella Geiger, 1968. Foto: Acervo Anna Bella Geiger
Foto horizontal, colorida. Anna Bella Geiger sentada em uma cadeira, olha para a câmera, apoiando a mão no rosto. Usa um casaco azul, um echarpe vermelho estampado com detalhes em verde e branco e uma blusa preta, que quase não aparece embaixo das duas peças. Imagem de divulgação para novo livro da Edições Sesc
Anna Bella Geiger. Foto: Diana Tamane

Anna Bella Geiger olha o mundo de dentro e de fora simultaneamente, um pouco nativa e um pouco alienígena. No novo livro da Edições Sesc SP, dedicado à artista, é assim que a vemos: um pouco de dentro e um pouco de fora. Combinando ensaio crítico, biografia, entrevista, imagens de obras e de acervo pessoal, a publicação permite não só uma análise sobre sua produção, mas um mergulho nas trajetórias que formam a artista e, consequentemente, seu trabalho. Organizado por Fabiana de Barros, Michel Favre e Márcia Zoladz, Anna Bella Geiger é parte da coleção Arte, trabalho e ideal, iniciada em 2019, e traz um encarte em inglês, contendo a tradução integral do texto.   

Escultora, pintora, gravadora, desenhista, artista multimídia e professora, Geiger talvez seja, sobretudo, um “espírito curioso”, como define a espanhola Estrella de Diego. Responsável pelo ensaio crítico, a docente nos proporciona um primeiro olhar sobre a trajetória artística da brasileira. Mais do que traçar uma linha do tempo, ela parece nos guiar pelos conceitos e contextos que forjaram cada uma das fases de trabalho da artista. Assim, torna-se possível “valorizar o legado da artista e seu percurso, que se mantém perenemente forjado por uma visão crítica, política e social, bem como por inquietações dos campos subjetivos, enseja o entrelaçamento das faces manifestas do que somos, ou do que podemos vir a ser”, como propõe Danilo Miranda, diretor do Sesc São Paulo, na apresentação do livro. 

Iniciando pela viagem de Anna Bella à Nova York em 1954, entramos em contato com o abstracionismo, a mudança à linguagem mais figurativa, a chegada de sua fase visceral em 1965 e a produção a partir de 1970, com experimentações em fotogravura, fotomontagem, serigrafia, xerox, cartão-postal, vídeo e Super-8. Nesse percurso, Estrella busca nos apresentar o que define como duas preocupações recorrentes ao longo da carreira de Geiger: as subversões espaciais e a produção de serialidades dissidentes. Tanto os órgãos da série vísceras – que se estendem, explodem e fraturam, tomando “a espacialidade como território para suas próprias subversões” -, quanto os mapas – que questionam o papel da mulher na história e explicitam a crescente visão crítica sobre as políticas coloniais – são bons exemplos de como as questões de espaço trazidas vão além de colocar em xeque a perspectiva. Já as séries permitem à artista explorar repetições, indo na contramão da pressão por uma obra única – definida pela autora como parte do discurso hegemônico. 

E se o subtítulo que abre o ensaio – A primeira visita a Nova York: o mundo sem Duchamp – pontua a ausência de um encontro em vida do dadaísta com Geiger, ao longo do texto, notamos que “de alguma maneira, porém, esse encontro aconteceu num lugar fora do mundo tangível”. Duchamp – e seu alter ego feminino Rrose Sélavy – permeiam os trabalhos de Anna Bella e os conceitos que os guiam. “Ambos [Duchamp e Geiger] olham o mundo de dentro e de fora simultaneamente, como nativos e alienígenas; como videntes – com as pálpebras arrancadas”, escreve a docente espanhola. 

Um cartão postal da série Brasil nativo / Brasil alienígena abre a segunda parte do livro – a entrevista -, e dá tom ao que vem em seguida: o olhar nativo. O texto compila duas conversas entre Geiger e o curador mexicano Pablo Léon de La Barra, uma em fevereiro e outra em novembro de 2018, nunca antes publicadas. 

A entrevista começa com relatos de sua infância e juventude sendo parte de uma família imigrante judia polonesa no Catete, Rio de Janeiro, entre os anos 1930 e 1950. É assim que Geiger conduz a seu primeiro encontro com Fayga Ostrower, que viria a ser sua professora. As respostas nos permitem não só um mergulho em sua obra, mas um mergulho na cena cultural e política na qual ela estava inserida, ao que trata longamente do trabalho de Fayga, tece comentários sobre a relação de Mário Pedrosa com a esquerda artística e pontua as relações e memórias que vieram a construir suas visões de mundo, de América Latina e de arte. A conversa acaba por ser um passeio por seu ateliê, e essa impressão é intensificada pelas imagens de suas experimentações, obras e por fotos pessoais com as quais nos deparamos pelas páginas da publicação. 

Léon de La Barra em alguns momentos retoma pontos cruciais do trabalho e da trajetória da artista, devolvendo uma organização cronológica e formal à narrativa. Cronologia essa que muitas vezes parece dispensada no livro, seja no texto crítico ou na entrevista. “A minha postura com relação à arte é conceitual ou ideológica”, pontua Geiger, e é a partir disso que a história parece se costurar, passando pelos vínculos com outros artistas, as mudanças formais no trabalho, ou pelos fatos históricos que marcaram as visões ideológicas e conceituais que compõem o seu corpo de trabalhos. 

Ao final, o livro da Edições Sesc SP sintetiza Anna Bella Geiger com uma breve biografia e traz uma lista de verbetes, com termos do mundo da arte e mini biografias daqueles que atravessam a história. Assim, a publicação propõe colocar em uma perspectiva triangular as relações entre artista, os meios que ela emprega e a coletividade – ou seja, entre arte, trabalho e ideal.

Foto quadrada, colorida. Capa do livro ANNA BELLA GEIGER, da coleção ARTE, TRABALHO E IDEAL, publicado pela Edições Sesc SP em 2021. O livro tem uma capa bege, com o título em letras minúsculas brancas, o título da coleção logo abaixo em negrito e em preto. No canto inferior direito, em um retângulo, o detalhe de uma das obras abstratas de Geiger.
Capa do livro “Anna Bella Geiger”, da coleção “Arte, trabalho e ideal”, publicado pela Edições Sesc SP em 2021. Foto: Divulgação.

Anna Bella Geiger | Coleção Arte, trabalho e ideal v. 2
Organização: Fabiana de Barros, Michel Favre e Marcia Zoladz
Edições Sesc SP
R$ 60

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