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Instituições nacionais e internacionais abrem editais e chamadas para residências

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Espaço interno do CCSP. Foto: Sossô Parma/ Divulgação

Com o início do ano de 2022, uma série de editais e chamadas abertas oferecem oportunidades para artistas visuais e outros profissionais da área participarem de mostras e residências. A arte!brasileiros selecionou alguns deles em São Paulo, Minas Gerais, Rio de Janeiro e Málaga, na Espanha.

O Centro Cultural São Paulo chega à 32ª edição de seu Programa de Exposições. Para isso, abriu um edital público municipal de estímulo às artes visuais que irá selecionar 20 artistas – brasileiros ou estrangeiros residentes no Brasil – para exposições no piso Caio Graco da instituição. As inscrições acontecem através de formulário online (clique aqui) até o dia 18 de março. Segundo a divulgação do CCSP, dúvidas poderão ser tiradas diretamente pelo e-mail 32programadeexposicoesccsp@gmail.com.

Em parceria com a BIENALSUR, o Centro de Cultura Contemporânea da Delegação de Málaga, La Térmica, apresenta uma nova edição do seu programa de residências artísticas. Creadores busca promover o desenvolvimento profissional de artistas emergentes de qualquer parte do mundo. Em sua oitava edição, selecionará seis nomes para desenvolverem suas pesquisas em Málaga, na Espanha, de 1 de maio a 30 de junho. Durante a sua estadia, os participantes terão um workshop individual, salas de reuniões, alojamento e alimentação, bem como uma bolsa de 1000 euros para apoiar a produção. As inscrições ficam abertas até 18 de fevereiro no site da La Térmica.

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Exposição do 7ª Bolsa Pampulha. Foto: Divulgação

Em Belo Horizonte acontece este ano a 8ª edição do Bolsa Pampulha, programa de residências artísticas do Museu de Arte da Pampulha (MAP) – realização da Prefeitura de Belo Horizonte em parceria com o Viaduto das Artes. Além de artes visuais, o edital passa a contemplar os segmentos de design, arquitetura e arte-educação. Além disso, o número de bolsistas passa a ser de 16 pessoas (eram 10 na última edição). Neste ano, o Bolsa Pampulha irá atender exclusivamente a propostas de residentes em Belo Horizonte ou região metropolitana da capital mineira. O período de inscrição vai até 23 de fevereiro. Confira todas as informações e faça sua inscrição aqui.

O Centro Cultural Inclusartiz, na Gamboa, Rio de Janeiro. Foto: Divulgação

No Rio, o Instituto Inclusartiz tem chamada aberta até 13 de fevereiro para o seu programa de residências artísticas de 2022. O Edital é destinado a artistas, curadores e pesquisadores de todo o Brasil e, pela primeira vez, contemplará também projetos do continente africano. Os interessados devem ter experiência mínima de seis meses dentro do campo da arte contemporânea ou em áreas correlatas (dança, cinema, moda, arquitetura, filosofia, antropologia, ciências sociais etc.), além de justificarem no formulário como a residência seria capaz de contribuir para o desenvolvimento de suas práticas. Um júri escolherá oito nomes (quatro artistas e quatro curadores/pesquisadores) para ingressarem no programa de quatro semanas, cuja base será na nova sede do Inclusartiz – um casarão de 1906 recém-reformado situado na Praça da Harmonia, no bairro da Gamboa, no Centro do Rio. Todas as informações estão no site da instituição. 

Sem título [Ouro Preto]. Fotografia de Germano Neto. Cortesia IA – Instituto de Arte Contemporânea de Ouro Preto

Em Minas Gerais, o IA – Instituto de Arte Contemporânea de Ouro Preto tem inscrições abertas (de 7 a 28 de fevereiro) para dois programas de residência artística. Cada um contará com a participação de seis artistas – sendo duas pessoas residentes em Ouro Preto, duas de outras cidades de Minas Gerais e duas de outros estados brasileiros – que receberão uma bolsa de R$ 3.000 cada para o desenvolvimento da pesquisa. O primeiro programa, com a temática “Extinção”, acontecerá entre 21 de março e 28 de abril. Já o segundo, a ser realizado entre 9 de maio e 21 de junho, tem o tema “Ofício”. Ambos contarão com encontros virtuais e orientação curatorial e pedagógica em âmbitos coletivos, individuais e em duplas. Podem se inscrever na convocatória artistas visuais, artistas educadores e pesquisadores. Para mais informações acesse o site do instituto.

Art Basel passa a ocupar espaço da FIAC no Grand Palais

Grand Palais Ephemere, onde ocorreu a Feira Internacional de Arte Contemporânea (FIAC) de Paris em 2021. Foto: Hélio Campos Mello
Grand Palais Ephemere, onde ocorreu a Feira Internacional de Arte Contemporânea (FIAC) de Paris em 2021. Foto: Hélio Campos Mello

Nesta quarta-feira (26/01), a Art Basel revelou planos para lançar uma nova feira de arte moderna e contemporânea no Grand Palais de Paris, em outubro, sendo este o quarto evento organizado pelo grupo, que já é responsável por edições em Hong Kong, Miami Beach e na cidade suíça homônima.

Em um comunicado à imprensa, o diretor global da Art Basel, Marc Spiegler, afirmou: “Com sua história incomparável e dinamismo contemporâneo, Paris está posicionada de forma única como um epicentro fundamental da cena cultural internacional. Nosso objetivo é aproveitar a posição incomparável de Paris como metrópole global para ajudar a criar uma semana vibrante que amplifique ainda mais a ressonância internacional da cidade como capital cultural”.

A notícia vem à público depois que o Grand Palais – lar de longa data da FIAC e da Paris Photo – lançou um concurso público para a ocupação das suas datas do outono. Segundo o Grand Palais, a Art Basel já teria mostrado interesse ainda no ano passado e, até então, não havia contrato firmado para tal com a RX Global, responsável pelas outras duas feiras – a Paris Photo ficou mantida para novembro deste ano, no entanto.

A RX Global, por sua vez, criticou a decisão (por eles chamada de “tentativa de despejo hostil”) e acrescentou que ela teria repercussões palpáveis para a arte contemporânea francesa; uma delas podendo vir através da transição de uma feira com foco regional para outra orientada para o escopo internacional. “Esta é uma grande decepção para nossas equipes e todos parceiros que nos apoiam”, afirmou o presidente da RX France, Michel Filzi.

De todo modo, enquanto o Grand Palais passa por uma reforma significativa até a primavera de 2023, tanto a edição parisiense da Art Basel como a Paris Photo devem ocorrer no Grand Palais Éphémère, construído no Champ-de-Mars especificamente para abrigar os eventos que o palácio original hospedaria no período de reformas. Já a FIAC ainda não tem novo local definido para sua próxima edição.

O que ler em 2022?

Livros

O centenário da Semana de Arte Moderna de 1922 e os cem anos do lançamento de um dos mais importantes romances do século 20 – Ulysses, de James Joyce – coexistem com um momento de constante reflexão e análise sobre os fazeres das artes contemporâneas. Neste ano, que parece colocar em diálogo ainda mais intensamente passado e futuro, clássicos e experimentações, estes temas transparecem nos novos livros publicados por editoras em todo o Brasil. A arte!brasileiros conferiu alguns dos mais recentes lançamentos e selecionou sete livros para ler neste início de 2022.

Modernidade em preto e branco, por Rafael Cardoso

Se geralmente o modernismo é entendido como um movimento de elite, associado a um seleto grupo paulistano, Rafael Cardoso busca uma releitura radical, trazendo à luz elementos absolutamente centrais para o desenrolar modernista – e que não se encontram somente em terras paulistas. “O sentido maior do modernismo no Brasil só pode ser compreendido ao considerar outras correntes de modernização cultural em paralelo àquela geralmente reconhecida. O termo costuma ser aplicado no contexto brasileiro de modo estreito e bastante peculiar, revelando os pressupostos que o embasam. Os nomes do nosso cânone derivam quase exclusivamente das esferas elitistas de literatura, arquitetura, arte e música eruditas, enquanto os modernismos alternativos que brotaram da cultura popular e de massa são esquecidos ou ignorados”, escreve o autor na introdução do livro, publicado pela Companhia das Letras. Ele complementa: “Vale questionar como agentes modernizadores tão díspares quanto Mário de Andrade, Monteiro Lobato, Oswald de Andrade ou Plínio Salgado se propuseram a repensar, ou mesmo refundar, a cultura brasileira em sua totalidade, sem nunca se darem conta da presunção inerente à ideia de pensar o Brasil a partir de São Paulo”. (Saiba mais)

Modernismos 1922-2022, organizado por Gênese Andrade

Da apropriação da temática indígena em algumas das principais obras modernistas ao diálogo com o pensamento feminista que ecoa nas autoras herdeiras da Antropofagia, caminhando entre as relações dos modernistas com a política e a representação e representatividade do negro na produção artística do período, o livro lançado pela Companhia das Letras mostra que revisitar 1922 envolve avanços e recuos, novas perguntas e respostas em aberto numa reflexão centenária. A publicação reúne 29 ensaios inéditos – de pesquisadores como José Miguel Wisnik, Lilia Moritz Schwarcz, Walnice Nogueira Galvão e Regina Teixeira de Barros -, que giram em torno de antecedentes e desdobramentos da Semana de Arte Moderna. Segundo escreve a organizadora Gênese Andrade na apresentação do livro, o objetivo dos ensaios é “festejar sem deixar de questionar, preencher lacunas, provocar novas reflexões, ser um elo entre a Semana de 22 e seus desdobramentos, revisitar suas memórias e sua fortuna crítica, provocar revisões e fazer valer o sentido dos manifestos”. (Saiba mais)

Onde Vive a Arte na América Latina, organizado por João Paulo Siqueira Lopes e Fernando Ticoulat

Ao folhear as páginas desta publicação, passeamos por museus, fundações, residências artísticas, espaços independentes e parques de esculturas de diversos países da América Latina. Publicada pela Act, a edição trilíngue apresenta 35 locais emblemáticos do circuito artístico da região, reunindo imagens inéditas, textos críticos e entrevistas com curadores e dirigentes das instituições, aprofundando conexões, similaridades e diferenças no meio artístico latino-americano. “Entre o artista, suas obras e o público para o qual se dirige, existem diversos arranjos de espaços, dos mais transitórios e radicais aos institucionalizados. Esta publicação busca evidenciar que eles não são mais apenas sobre abrigar, cuidar e mostrar objetos de arte – padrão esse da arte moderna, do museu como a catedral secular. No contemporâneo, os locais que recebem e expõem arte tiveram que se adaptar às inovações dos artistas e suas propostas cada vez mais heterogêneas”, escreve o curador e organizador do livro Fernando Ticoulat no release.  

O que fazem os artistas, de Leonard Koren

Marcel Duchamp, John Cage, Donald Judd, On Kawara, Richard Serra, Christo e Jeanne-Claude são ponto de partida para análises sobre a criação artística contemporânea no novo livro de Leonard Koren, publicado pela Editora Cobogó. O escritor e arquiteto nova-iorquino traz reflexões sobre as obras e trajetórias desses importantes nomes para pensar as tantas maneiras de ser artista e os diferentes modos de materializar o conceito de “arte”. (Saiba mais)

Ulysses, de James Joyce

O grande romance do século 20 completa seu centenário em 2022 e ganha edição especial comemorativa pela Companhia das Letras. Inspirado na Odisseia de Homero, Ulysses é ambientado em Dublin, e, no lugar das aventuras de Odisseu no retorno à Ítaca, narra as histórias de Leopold Bloom ao longo do dia 16 de junho de 1904, no retorno à sua casa. A narrativa, censurada inicialmente nos Estados Unidos e no Reino Unido, é hoje considerada um marco da literatura moderna mundial. Com tradução revisada de Caetano W. Galindo, a nova publicação traz gravuras de Robert Motherwell – feitas para uma edição especial e limitada de 1988 – e amplo aparato crítico com textos inéditos de Dirce Waltrick do Amarante, Fábio Akcelrud Durão, Fritz Senn, John McCourt, Sandra Guardini Vasconcelos e Vitor Alevato do Amaral, além das resenhas escritas à época do lançamento por Louis Gillet e Joseph Collins. (Saiba mais)

Disjecta, de Samuel Beckett

Um dos escritores e dramaturgos mais influentes do século 20, Samuel Beckett tem diversos de seus escritos reunidos em nova publicação da editora Biblioteca Azul. Críticas literárias, resenhas sobre música e artes, ensaios sobre as obras de James Joyce, Marcel Proust, Dante, Mozart e Ezra Pound são colocados ao lado de comentários de trechos de sua própria obra e do fragmento Desejos humanos, um esboço em forma de peça teatral mantido inédito até a publicação original deste volume. (Saiba mais)

Ligeiro Deslocamento do Real, de Andrea Caruso Saturtino

Mergulhando em montagens teatrais contemporâneas, a pesquisadora, artista, curadora e produtora Andrea Caruso Saturtino tece uma análise das novas formas de fazer teatro em diálogo com a complexa conjuntura social. Buscando classificar as principais tendências detectadas, o livro – publicado pela Edições Sesc-SP – é dividido em três seções, todas analisando montagens cênicas contemporâneas. A primeira, Utopia, é baseada no entendimento da produção de conhecimento em artes como uma constante renovação de linguagem; a segunda, Compartilhamento de Experiência, aborda a proposição de ‘teatro do real’, que promove a interação com o público por meio de um fato social da contemporaneidade; a seção final do livro trata do uso de dispositivos e da ausência da figura do ator em cena, com deslocamento do eixo central dos espetáculos para o público. Para a autora, “interessa pensar o teatro hoje em termos de sua constituição, na construção da cena a partir dos processos de tradução do mundo que adota”. (Saiba mais)

Projeto Expresso chega à sua última semana de visitação

Trabalhos do "Projeto Expresso" exibidos no CASA Feminino Parada de Taipas
Trabalhos do "Projeto Expresso" exibidos no CASA Feminino Parada de Taipas. Foto: reprodução.

Por meio do contato com a arte, o Projeto Expresso visa construir uma nova perspectiva para jovens em cumprimento de medidas socioeducativas, além de estimular a socialização desses adolescentes. Ao todo, 30 jovens de 12 a 18 anos participaram do programa cujo início se deu em setembro de 2021. A iniciativa envolveu ateliês de desenho, pintura, fotografia, música e audiovisual, sendo estes conduzidos por sete artistas visuais contemporâneos: Ana Raylander Mártir dos Anjos, Bruno Dunley, Élle de Bernardini, Igi Lola Ayedun, Jaime Lauriano, Moisés Patrício e Raphael Escobar. Dos ateliês participaram os seguintes adolescentes, nomeados como jovens artistas: Anny Fereira, Andrey, Camilly, Du, Caique C., DJ Monstro, Elisa, El Lipy, Estephany, E 07, Favela, G.Estevam, Hariel, Kaue Artes, Mateus Oliveira, Marcos O, Marquinhos, Marketing, Mascarado, Mg Da Sp, MC GH da Capital, João Poeta, MC mw.Oficial, Michele, Santiago, Tereza, Thiago Henrique, Vitória, Wendy e Xico.

Suas vivências foram transformadas em arte e expostas coletivamente desde dezembro do ano passado. Já em sua última semana de exibição, até o dia 30 de janeiro é possível visitar a mostra no CASA Feminino Parada de Taipas, na zona oeste de São Paulo.

O projeto tem autoria e direção geral de Daniela Machado – que, em sua adolescência, cumpriu medida na Fundação CASA, na época chamada de Fundação Estadual para o Bem-Estar do Menor (Febem/SP) -, direção executiva de Carla Plascak e curadoria de Guilherme Teixeira e Carollina Lauriano. No domingo, 30, das 11h30 às 15h00, ambos os curadores conduzem uma visita guiada pela mostra. Terminado o período de visitas, há planos para que a exposição e sua trajetória sejam documentados em uma publicação que contará com os trabalhos mostrados, imagens e textos dos artistas e jovens participantes.

Além de terem sido estimulados a fazer arte, como parte das atividades pedagógicas do projeto os jovens realizaram visitas à exposição Enciclopédia Negra, na Pinacoteca do Estado de São Paulo, e à exposição Carolina Maria de Jesus: um Brasil para os brasileiros, no Instituto Moreira Salles.

Marcando o fim do Expresso, os adolescentes e os artistas envolvidos realizaram uma série de diálogos, num ciclo de quatro encontros, em que tiveram trocas sobre suas experiências no decorrer do projeto.

Serviço: Casa Feminino Parada de Taipas. Rua Ilha da Juventude, 470-516, Jaraguá. Até domingo (30/01), das 11h às 16h. Visitação gratuita. Mais informações pelo site fundacaocasa.sp.gov.br ou e-mail: expresso@associacaoasp.com

Guilherme de Almeida e o mistério do Parque D. Pedro: “Estou ficando com medo”

Ettore Ximenez, “Amizade Sírio-Libanesa”
Ettore Ximenez, “Amizade Sírio-Libanesa”, inaugurado em 1928, bronze, 4m x 2,17m x 2,17m. O pedestal de granito mede 9,15m x 8m x 8m. Localizado na Praça Ragueb Chohfi. Foto: Reprodução
Ettore Ximenez, “Amizade Sírio-Libanesa”, inaugurado em 1928, bronze, 4m x 2,17m x 2,17m. O pedestal de granito mede 9,15m x 8m x 8m. Localizado na Praça Ragueb Chohfi. Foto: Reprodução

Desde 2017 estudo o Monumento às Bandeiras, de Victor Brecheret, instalado em 1953 na entrada do Parque Ibirapuera, em São Paulo. Meu interesse é estudá-lo desde as primeiras ideias surgidas na cidade para se erigir um monumento dedicado aos bandeirantes, a escolha do projeto de Brecheret, em 1936 sua inauguração e a recepção da obra pela população e artistas da cidade, nesses 70 anos de implantação.

É claro que não estou só nessa empreitada. Ao meu lado tenho o pesquisador Thiago Virava e duas orientandas: Eliane Pinheiro, que desenvolve um doutorado sobre a obra e Kelly Oliveira, graduanda. Além da produção de textos sobre o assunto, Virava e eu já nos responsabilizamos por duas disciplinas junto ao Programa de Pós-Graduação em Artes Visuais da ECA USP, dedicadas ao estudo do Monumento.

Nesse processo, tenho lido muitas crônicas e críticas produzidas por escritores, poetas e jornalistas de São Paulo. Durante tais leituras tenho contactado pela primeira vez, ou então relido, textos importantes sobre São Paulo, de autores como Mário de Andrade, Oswaldo, Guilherme de Almeida, Plínio Salgado e Menotti Del Picchia.

Exatamente, vocês entenderam bem: neste estudo me interessa conhecer melhor o “Lado B” do modernismo de São Paulo – Menotti Del Picchia, Salgado e outros – uma vez que, por trás da escolha do monumento de Brecheret, esses intelectuais estavam bem atuantes. Mas não é sobre nenhum texto deles que resolvi escrever hoje.

Dentro dessa busca por considerações sobre São Paulo, tive a sorte de me deparar com o livro Pela cidade, uma antologia de crônicas escritas por Guilherme de Almeida, entre 1927 e 1928. Esses textos foram assinados pelo poeta com o pseudônimo “Urbano” e publicados no Diário Nacional. Neles, Almeida revela-se um cronista delicado, com uma visão singular sobre a cidade em constante metamorfose.

Sob o sol forte ou sob a garoa fina e fria – e já apressada e com o trânsito caótico –, a São Paulo das crônicas do poeta ainda guarda espaços de sociabilidade que resistiam (não por muito tempo, infelizmente) a todo aquele vertiginoso crescimento.

Para mim – que ando atento a tudo o que diz respeito a monumentos – duas crônicas ali me chamaram a atenção: “O mistério da Várzea”, publicada no dia 24 de março de 1928 e, um pouco mais de um mês depois, “Monumento”, uma espécie de continuação da primeira. Essas duas crônicas me interessaram porque não falavam apenas de um monumento em particular, mas porque ambas me ajudaram e entender a própria lógica dos monumentos escultóricos, ao mesmo tempo em que explicitaram como o poeta entendia a cidade em que morava, a partir de suas relações de amor e ódio com os monumentos que também a habitavam.

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Parque Dom Pedro II nos anos 1930. Foto: http://geosampa.prefeitura.sp.gov.br/PaginasPublicas/_SBC. aspxhttps.

Como sabemos, todos os monumentos são grandes alegorias: conjuntos de metáforas interrelacionadas de forma arbitrária e que, se destituídas desse fio condutor que lhes conferem um sentido uno, perdem completamente a simbologia concebida pelo artista.

Guilherme de Almeida, em “O mistério da Várzea”[1] , descreve seu estranhamento e o de outros usuários do Parque frente a presença de algumas “metáforas de bronze” flagradas no Parque D. Pedro II, ainda desagregadas do fio que lhes daria o sentido previsto, afirmando que fazia algum tempo as pessoas que passavam em frente do Palácio das Indústrias (localizados no Parque D. Pedro II) estranhavam ver ali “uma armação de madeira coberta de pano branco esticado, velando um pedestal importante de granito rosa”. Todos sabiam que dali surgiria um monumento, mas não sabiam dizer qual:

Há a propósito, palpites, apostas, discussões, profecias, polêmicas e até mesmo brigas. Eu, de minha parte, confesso que estou desconcertado. Não posso fazer a mínima ideia do que se está preparando ali. Tenho observado, naquele lugar, certas coisas que só servem para me desorientar e inquietar. Enormes caixões de madeira chegam ali quase que diariamente: são abertos, tiram-se lhes de dentro grandes peças de bronze que imediatamente são guindadas para trás do veleiro intrigante. Pelas partes desconexas que até agora, a muito custo, consegui lobrigar, sou incapaz de imaginar o todo[2].

Foi por ter ficado tão intrigado que Guilherme de Almeida chamou a atenção para aquela situação de mistério da Várzea. Assim ele termina o texto:

[…] Também não sei jogar puzzle: não tenho paciência para, juntando pedacinhos arbitrários de um desenho recortado, reconstruir a estampa completa […] Não vejo, entre eles, relação alguma. A primeira peça que me caiu sob os olhos foi a estátua de uma Vestal clássica. Tempos depois, vi carregarem lá para cima uma roda dentada. Depois, um Rei Assírio, muito digno e muito barbudo. Depois um índio nacional. E, afinal, ontem, um grande bode de bronze.
Estou ficando com medo[3]

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Parque D. Pedro II em 1953. Foto: Reprodução

Pouco mais de um mês depois, Guilherme de Almeida volta a escrever sobre “mistério da Várzea” em outra crônica, com o título Monumento[4].  Ali somos informados de que o misterioso monumento era um presente que “a inteligente e trabalhadora colônia síria, aqui domiciliada, acaba de oferecer à cidade”. Curiosamente, embora elogie o grupo escultórico, Guilherme de Almeida não se preocupa em declinar o título do monumento e tampouco seu autor. Por que tamanho desinteresse? Por que declarar que houve a inauguração do monumento no dia anterior e, logo na sequência, passar a falar, como veremos, da série de monumentos da cidade, sem nomear a obra em questão e nem seu autor?

Apesar de ter visto o resultado com bons olhos, no monumento recém-inaugurado nada desperta atenção especial de Guilherme de Almeida ou, pelo menos, não da mesma maneira que despertavam seus pedaços desconexos, quando ainda não configuravam um conjunto com conteúdo ou “significado” preestabelecido pelo escultor italiano Ettore Ximenes, autor tanto dessa obra quanto do Monumento à Independência, instalado em frente ao Museu Paulista. Antes, aqueles pedaços de bronze eram “significantes” sem “significados” aparentes e, por isso, pulsavam repletos de mistério. Soltos e anônimos, eram muito mais atraentes e sedutores do que quando encaixados formando uma alegoria que lhes dava um significado arbitrário – uma homenagem sírio-libanesa ao Brasil. Essa identificação direta retirava delas qualquer possibilidade de apenas tensionar o real, sem explicá-lo.

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Após tê-la elogiado brevemente, Guilherme de Almeida integra a obra de Ettore Ximenes no conjunto de monumentos que, a partir das comemorações do centenário da Independência do Brasil, em 1922, passaram a ornamentar a cidade de São Paulo. Ele afirma:

Depois da passagem do primeiro centenário da nossa emancipação política, há já seis anos, São Paulo ganhou uma porção de presentes. Alguns bons, dignos, apresentáveis, que a gente põe logo na sala de visitas ou no living-room; outros, envergonhantes, difamatórios, comprometedores, que a gente coloca na dispensa, entre réstias de cebolas e latas de feijão, na impossibilidade de “passar adiante”, de oferecer a um inimigo fidagal, no dia do seu aniversário. No nosso salão estão: o monumento do Ipiranga, o de Carlos Gomes, este da colônia síria, o Índio Pescador, “Eu sou Ubirajara”, a “Eva”, de Brecheret… No nosso quarto de despejo estão: a Coluna da Fundação a Cidade, o Bilac, o Feijó, o Bonifácio, o Verdi, o Garibaldi do Jardim da Luz, a tal Fonte Monumental da avenida São João… e outros bibelots, outras pastelarias, outros bolos de noiva, outras abóboras em que andam tropeçando por aí, o nosso bom gosto e a nossa dignidade […][5]

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Interessante como no texto, tendo agora São Paulo como cenário e lugar onde os monumentos citados estão instalados, Guilherme de Almeida também os perceba como metáforas, como as peças soltas que formavam o Monumento à Amizade Sírio-libanesa, antes de sua conclusão.

Os monumentos paulistanos citados pelo poeta são vistos como conjuntos estanques de metáforas, cujo sentido geral só seria alcançado, caso a cidade fosse pensada como um grande monumento e eles suas partes integrantes. Guilherme de Almeida entende São Paulo como uma residência que deveria estar sempre muito bem arrumadinha, em que os bibelôs de gosto discutível deveriam ser escondidos das visitas e aqueles mais bonitos e significativos, exibidos a todos.

Sem querer ser anacrônico, penso que caberia indagar quais outros elementos da cidade o poeta gostaria de esconder? De fato, a cidade vinha tirando da frente tudo o que poderia obscurecer (e a palavra aqui não é gratuita) e não condizer com uma ideia de cidade europeia implantada na América do Sul. Se os monumentos escultóricos de bom-gosto ficariam nas salas e os bibelôs mal-arranjados na dispensa, onde ficariam, para onde seriam mandados os índices precisos de uma sociedade desigual, como aquela São Paulo dos anos 1920?

Em 1928 – ano das crônicas –, pelo menos para o poeta, São Paulo era percebida como uma casa imensa, uma grande alegoria da civilização ocidental abaixo do Equador. Uma casa que, apesar de incompleta, parecia aspirar a um dia chegar ao momento de plenitude em que estaria completa.

Hoje, em 2022, o Monumento à Amizade Sírio-libanesa transformou-se num mictório público, coberto por tapumes e mau cheiro. Por sua vez, São Paulo parece ter perdido qualquer condição de manter-se como alegoria de uma casa (para quem quer que seja), de um lugar e um sentido unificado pois, quase cem anos depois, toda sua expansão revelou-se produção de fragmentos – corpo estraçalhado, sem totalidade possível, um não monumento.

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[1] – ALMEIDA, Guilherme de. “O mistério da Várzea”, Diário Nacional, 24 de março de 1928. Apud Pela cidade.  Edição preparada por Frederico O Pessoa de Barros. São Paulo: MARTINS Fontes, 2004, pág. 279 e segs. Em tempo: no título da crônica o autor faz referência ao Parque da Várzea do Carmo, também conhecido como Parque D. Pedro II.
[2] – ALMEIDA, Guilherme. Op. cit. Págs. 279/280.
[3] – Idem pág. 280.
[4]Monumento In ALMEIDA, Guilherme de. Op. cit. Pág. 326 e segs.
[5] – “Monumentos” in ALMEIDA, Guilherme. Op. cit. Pág. 327.

Mostra no Sesc Bom Retiro reúne artistas e coletivos atuantes na Cracolândia

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Bandeira exposta no hall central do Sesc Bom Retiro, feita pelo Coletivo Tem Sentimento e pela artista Maré de Matos. Foto: Marcos Ferraz

Em cartaz até 27 de fevereiro no Sesc Bom Retiro, a mostra coletivo Birico: poéticas autônomas em fluxo apresenta trabalhos de artistas e coletivos atuantes na chamada Cracolândia, no centro de São Paulo. Entre moradores da região ou pessoas que lá atuam há muitos anos, a exposição reúne mais de 40 participantes e ajuda a quebrar com estigmas e preconceitos sobre as pessoas que habitam ou frequentam a Cracolândia.

Como diz o texto curatorial, assinado pelo coletivo Birico: “Olhar para a Cracolândia é ver um território de imenso afeto, coletividade e criatividade, que ousa sobreviver à intolerância, abstinência e repressão. É conhecer políticas reais de redução de danos e, sobretudo, muita solidariedade. É se deparar com a mais encantadora alma das ruas que, para surpresa de muitos, é capaz de transmutar a dor da exclusão em festa de cura, em pagode, em cultura pulsante, em fluxo contínuo de trocas, em diversidade, em poesia, em sentimento de humanidade”.

A exposição reúne criações em diversas linguagens, como lambe-lambes, fotos, peças sonoras, obras tridimensionais e peças gráficas, entre ouros. A arte!brasileiros visitou a mostra. Assista ao vídeo abaixo:

Participam da exposição Birico: poéticas autônomas em fluxo: Alberto Pereira, Aline Motta, Aluízio Marino, Ananda Giuliani, Chip Thomas, Cleverson I. Salvaro, Coletivo Transverso, Daniel Mello, Dentinho, Equipe do filme “Diz A Ela Que Me Viu Chorar”, Fábio Rodrigues, Felipe Risada, Frederico Filippi, Grupo Mexa, Helen Salomão, Hideki Nomies, Índio Badaross, Iskor, Jaick MC, João Leoci, Joh Bittencourt, Juliana Dos Santos, Julio Dojcsar, MC Kawex, Kelly Reis, Kika Carvalho, Lau Guimarães, Mag Magrela, Maré de Matos, Mônica Ventura, Mundano, Ozi, Pablo Vieira, Paty Bonani, Paulestinos, Paulo Pereira, Pri Barbosa, Raphael Escobar, Raul Zito, Renata Felinto, Sato do Brasil, Sol Casal e Yori Ken.

SERVIÇO: Birico – Poéticas autônomas em fluxo
ONDE: Sesc Bom Retiro – Alameda Nothmann, 185, São Paulo.
QUANDO: Até 27 de fevereiro de 2022; de terça a sexta, das 14h às 20h; aos sábados, das 10h às 16h.
Entrada gratuita

 

EAV Parque Lage lança edital de bolsas para cursos livres de 2022

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Palacete do Parque Lage. Foto: Renan Lima/ Divulgação

Entre os dias 25 de janeiro e 6 de fevereiro de 2022, interessados nos cursos livres oferecidos pela Escola de Artes Visuais do Parque Lage (EAV Parque Lage) poderão pleitear bolsas integrais oferecidas pela instituição carioca. Serão 40 selecionados para os cursos do primeiro semestre e mais 40 para os do restante do ano – com chamada aberta no segundo semestre.

“O edital reafirma o compromisso da EAV, como instituição pública ligada à Secretaria de Cultura e Economia Criativa do Estado do Rio de Janeiro, de promover a difusão cultural e a democratização das artes”, afirma o texto de divulgação do programa. “Nosso objetivo é ter 50% de alunos bolsistas, através de ações sustentáveis que garantam o caráter público desta escola que tem a formação de artistas como vocação, privilegiando pessoas racializadas e oriundas de territórios periféricos”, diz Yole Mendonça, diretora da instituição. “Não é filantropia, é a EAV atuando como agente de transformação”.

Alunos durante curso na EAV Parque Lage antes da pandemia. Foto: Divulgação

As bolsas sociais serão custeadas através da venda da Coleção Impacto – que integrou o programa de benefícios Amigo EAV – levada à 8ª edição da ArtRio em setembro de 2021. Em um estande na feira carioca, a Escola de Artes Visuais apresentou uma série de obras para comercialização: duas fotografias com tiragem limitada de Felipe Azevedo; uma obra inédita da artista Flavia Junqueira; e obras de acervo doadas por nomes como Angelo Venosa, Antonio Dias, Brígida Baltar, Carlos Vergara, Ernesto Neto, Iole de Freitas, Laura Lima e Luiz Zerbini.

As bolsas são válidas para qualquer curso online ou presencial da grade curricular. Através de carta de intenção, os candidatos devem informar suas trajetórias (não necessariamente nas artes visuais) e expectativas em relação ao curso pretendido, considerando as seguintes questões: Qual a sua relação com o campo das artes e como ela acontece? Como o curso escolhido pode contribuir para sua trajetória? O que você espera alcançar durante e/ou após sua participação? Não há exigência de portfólio e o formulário – que pode ser conferido no site da instituição – ficará disponível até às 23h59 do dia 06 de fevereiro. A divulgação dos selecionados será feita em 25 de fevereiro, com abertura de matrículas já no dia seguinte.

Casa Mário de Andrade lança o projeto Faces de um Brasil Contemporâneo

Casa Mario de Andrade
Casa Mario de Andrade. Foto: André Hoff

Discussões sobre arte e literatura indígena, patrimônio afro-brasileiro, cultura LGBTQIA+ e grafite dão início ao novo projeto da Casa Mário de Andrade. Com Faces de um Brasil Contemporâneo, a instituição cultural paulistana – integrante da Rede de Museus-Casas Literários de São Paulo, ligada à Secretaria de Cultura e Economia Criativa do Governo do estado – busca promover acessibilidade de artistas e escritores vindos de grupos marginalizados da sociedade, que costumavam ser pouco pautados em programações culturais. Para os organizadores, realizar essa iniciativa no ano do centenário da Semana de Arte Moderna é também simbólico, pois “é um caminho para apontar contrapontos e sugerir atualizações” do que seria o marco modernista se ele ocorresse nos dias de hoje, aponta o release.

Casa Mario de Andrade
Casa Mario de Andrade. Foto: André Hoff

Uma série de palestras gratuitas em ambiente virtual, cujas inscrições ficam abertas até 19 de janeiro (inscreva-se), dá início ao projeto. Os encontros acontecem sempre às quartas-feiras, das 19h às 21h, mediados por Marcelo Tupinambá, coordenador da programação cultural da Casa Mário de Andrade. Confira a programação completa:

  • 19/01, às 19h – Artes e literatura indígena: A palestra contará com a participação de Márcia Kambeba, indígena do povo Omágua/Kambeba, ouvidora geral da Prefeitura de Belém (PA) e escritora, e Daniel Munduruku, professor, escritor, doutor em Educação pela USP e indígena do povo Munduruku;
  • 26/01, às 19h – Patrimônio afro-brasileiro: Debate com o sociólogo, pesquisador e escritor Tadeu Kaçula e Abilio Ferreira, jornalista e coautor do livro Tebas: um negro arquiteto na São Paulo escravocrata;
  • 2/02, às 19h – Arte urbana e grafite como expressão artística contemporânea: Conversa entre Artur Spada, empresário e diretor do bloco carnavalesco Bateria Bem Bolada, e Bento Andreato, sócio da Andreato Comunicação e Cultura e diretor executivo do Almanaque Brasil;
  • 9/02, às 19h – Artes, performance e cultura LGBTQIA+: A palestra reunirá Lufe Steffen, cineasta, roteirista e jornalista que vem produzindo obras ligadas ao público LGBT desde os anos 1990; e Victor Kinjo, compositor, cantor e pesquisador pós-doutor no Instituto de Estudos Avançados da USP/ Centro de Síntese USP Cidades Globais.

Para além das palestras, Faces de um Brasil Contemporâneo tem por objetivo realizar cursos ao longo de 2022. Dando início a essas ações formativas, a partir de 20 de janeiro a Casa Mário de Andrade oferece Panorama do cinema indígena, voltado à análise das produções cinematográficas realizadas por diretores indígenas. A cada encontro, um cineasta convidado fará uma breve apresentação profissional, seguida da exibição de trechos de seus filmes. Serão quatro aulas online às quintas-feiras, das 19h às 21h, com a mediação de Cristina Flória, especializada em Gestão Cultural pelo Senac/SP, cientista social pela PUC-SP e diretora do documentário Piõ Höimanazé – a mulher Xavante em sua arte. O curso acontecerá virtualmente às quintas-feiras, das 19h às 21h. As vagas são limitadas e serão distribuídas de acordo com a ordem de inscrição (inscreva-se). Confira o cronograma de aulas:

  • 20/1 – Convidado: Divino Tserewahú – Cineasta Xavante da aldeia de Sangradouro, município de General Carneiro, MT;
  • 27/1 – Convidado: Alberto Alvares – Cineasta indígena da etnia Guarani Nhandeva, MS;
  • 3/2 – Convidada: Marcia Djerá Retê Mirim – Pertence ao povo Mbya Guarani, vive na Tekoá, SP;
  • 10/2 – Convidado: Caimi Wassé Xavante – Pertence ao clã Poreza´õno e grupo Hötörã, MT.

Espaços independentes ganham destaque em mostra organizada pelo Ateliê397 no Sesc Pinheiros

À frente, "Distraídos Perderemos", de Kauê Garcia. Foto: Marcos Ferraz

Entrelaçando trabalhos de mais de 30 artistas e coletivos atuantes principalmente nas últimas duas décadas, a mostra Estamos Aqui apresenta alguns eixos temáticos principais: em primeiro lugar, a relação com o território, destacadamente aquele onde a própria unidade do Sesc Pinheiros está inserida, na região paulistana próxima ao Largo da Batata; junto a isso surge o debate sobre o espaço público, seus usos, carências e as constantes disputas políticas que o marcam, além da possibilidade de transformação e melhoria urbanas; por fim, tudo está conectado pelo fato de todos os participantes da mostra terem ligações com espaços e plataformas independentes de arte, o que destaca a existência de um circuito pujante – mesmo que tantas vezes invisibilizado – que não é composto por grandes instituições e galerias.

Com organização do Ateliê397 – um dos mais longevos espaços independentes de arte de São Paulo, criado há quase 20 anos – e curadoria de Thaís Rivitti, a exposição fica em cartaz até 24 de abril no Sesc Pinheiros e apresenta uma produção de forte tônica política e social. “Esses espaços são pólos aglutinadores em torno dos quais os artistas podem discutir projetos e realizar obras mais experimentais. É preciso reconhecer que há vários circuitos dentro do sistema da arte”, afirma Rivitti. “E claro que não são sistemas que não se conversam. Por exemplo, o Jaime Lauriano, ele está lá e cá, num grande sistema e também no independente.” Para além do Ateliê397, Rivitti cita como exemplo desses espaços a Casa da Xiclet, que é ao mesmo tempo ateliê, local expositivo, galeria “e um ponto onde as pessoas se reúnem para tomar cerveja e conversar”.

ateliê397
Cena de “ESTÃO VENDENDO NOSSO ESPAÇO AÉREO”, 2004, do coletivo Bijari. Foto: Divulgação

Pensar o espaço público pode se dar tanto através da ação de artistas que intervém diretamente no ambiente urbano – como mostram os vídeos dos coletivos Bijari e a Revolução Não Será Televisionada -, como também obras que tratam do assunto sem ações diretas, através do espaço virtual, de entrevistas em áudio, câmeras de vigilância ou imagens apropriadas. Mas, em um caso ou no outro, todos possuem preocupações em comum: “Uma ideia de entender a arte como algo que tem um compromisso dessa ordem política. Não como algo apartado da cidade e do tempo em que a gente vive, mas que reflete sobre as questões importantes do nosso tempo”, diz Rivitti. “Acho que isso é um pressuposto tanto do Atelie397 quanto dos outros espaços com os quais a gente foi construindo essa rede.”

À frente, obra de Raphael Escobar; ao fundo, “Biroska Lanches”, de Chico Togni e Kadija de Paula.

Outro aspecto marcante da mostra no Sesc Pinheiros é a expografia, assinada por Edu Marin, em projeto que dialoga com um debate corrente no circuito independente. O questionamento da ideia do cubo branco e a desconstrução de modos convencionais de expor se dão por meio de estruturas abertas, sem paredes ou painéis, priorizando a transparência – inclusive a visão dos versos das obras – e uma circulação mais livre. “A desconstrução do cubo branco é importante pois, apesar de uma suposta neutralidade, ele tem toda uma carga ideológica, uma aposta numa ideia de arte apartada do mundo, que tem que ser contemplada por suas relações internas autônomas”, explica Rivitti.    

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“32 formas de gravar resistência”, 1999, de Rebeca Ramos

Todo o debate presente não deixa de nos remeter às dificuldades vividas pelos espaços de arte – nas mais diferentes instâncias – no Brasil governado por Bolsonaro, onde o ataque à área cultural se mostra cada vez mais forte. “A ameaça é geral, mas, pensando neste circuito independente, tudo o que nós ajudamos a construir durante governos passados – com o Ministério da Cultura, a ideia de acesso à cultura e um pensamento sobre a nossa própria rede econômica – foi simplesmente jogado no lixo. Todas as formas de fomento, inclusive. E então nesse novo cenário, infinitamente pior, estamos aprendendo a fazer outras articulações, inclusive com a iniciativa privada”, diz a curadora. “Mas, sim, há um desmonte geral e o que era muito difícil está agora no limite do impossível.”

O título Estamos Aqui, portanto, se abre para diferentes interpretações e leituras: da ideia de “estamos aqui resistindo”, como sinaliza o trabalho 32 formas de gravar resistência, de Rebeca Ramos ou o filme do coletivo Foi à Feira – que mostra a resistência de povos indígenas ao longo do tempo; ao fato de “estarmos aqui” constantemente ocupando, atuando e transformando territórios. “Me lembra até aqueles mapas que dizem ‘você está aqui’, brinca Rivitti, ressaltando ainda que as coisas são temporárias, transitórias, e que podemos estar cada hora em um lugar. Por fim, “Estamos Aqui é uma afirmação de todo um circuito, de uma multidão de pessoas que estão discutindo, fazendo e pensando arte e que ficam tantas vezes invisibilizadas”, conclui a curadora.

Ateliê397
Cena de “O Castelo”, 2015, filme de Alexandre Wahrhaftig, Guilherme Giufrida, Helena Ungaretti e Miguel Antunes Ramos. Foto: Divulgação

Além dos artistas já citados, participam de Estamos Aqui: Alexandre Wahrhaftig, Guilherme Giufrida, Helena Ungaretti, Miguel Antunes Ramos; ali: leste; Aline Motta; Ana Matheus Abbade; Bruna Kury; Bruno Baietto; C. L. Salvaro; Chico Togni & Kadija de Paula; Erica Ferrari; Guillermina Bustos; Heloisa Hariadne; Isabela Alves; Jaime Lauriano; Kauê Garcia; Laixxmo; Lícida Vidal; Luana Lins; Manuela Costa Lima; Mari Nagem;   Natalie Braido; Pedro Gallego; Raphael Escobar; Raphael Franco; Sergio Pinzón, Serigrafistas Queer e Yiftah Peled. 

SERVIÇOOcupação Estamos Aqui
ONDE: Sesc Pinheiros – Rua Paes Leme, 195
QUANDO: De 12 de janeiro a 24 de abril de 2022
Terça a sábado, das 10h30 às 20h30. Domingos e feriados, das 10h30 às 18h30
QUANTO: Entrada gratuita

*Para entrada na unidade é necessária a apresentação de certificado de vacinação contra a Covid-19 com as duas doses ou dose única.

Lotus Lobo ganha mostra individual no Sesc Pompeia

Vista da exposição "Fabricação Própria - Lotus Lobo", no Sesc Pompeia. Foto: Everton Ballardin
Vista da exposição "Fabricação Própria - Lotus Lobo", no Sesc Pompeia. Foto: Everton Ballardin
A artista mineira Lotus Lobo. Foto: Lucas Galeno / Divulgação

“Como revelar as muitas fabricações, experimentações e invenções que Lotus Lobo empreendeu desde os anos 60 até os dias de hoje?” Essa pergunta guia a individual da artista mineira em cartaz no Sesc Pompeia. Com curadoria de Marcelo Drummond, Fabricação própria reúne trabalhos históricos e obras comissionadas, apresentando-se como uma mostra panorâmica. “A ideia é trazer essa espécie de polifonia que a gente enxerga na produção da Lotus Lobo”, explica o curador.

Há mais de 50 anos, a artista empreende uma pesquisa que cruza a litografia autoral artística com a litografia industrial. Nascida em Belo Horizonte, foi em 1969 que Lotus entrou em contato com a produção de embalagens em folha de flandres da Estamparia Juiz de Fora, em Minas Gerais. Na fábrica, coletou matrizes das primeiras décadas do século 20, e a partir delas, por meio da apropriação e manipulação de imagens, produziu obras que desvelam o caráter criativo dos ambientes fabris.

A proposta de Drummond para esta exposição é de apresentar, em estreito diálogo com o ambiente da antiga Fábrica da Pompeia (atual Sesc Pompeia), o resgate e a preservação do importante acervo de matrizes provenientes da estamparia, com as quais Lotus articula sua vasta produção artística. Assim, por vezes, o público fica em dúvida se aquilo que vê é acervo histórico ou uma criação de Lotus Lobo. “É impossível a gente hierarquizar em campos rígidos o que é uma coisa, o que é outra. Me pareceu interessante deixar que o público possa se posicionar de maneira sensível e crítica entre uma coisa e outra”, completa o curador.

“Para além de proteger do esquecimento um certo passado, a exposição Fabricação própria dialoga com as lembranças de outros tempos e lugares que insistem em permanecer no imaginário, mesmo à revelia dos sujeitos. Para o Sesc, a apresentação de trabalhos de arte contemporânea, associada à divulgação de um acervo que remonta aos primórdios do design nacional, sugere que as memórias entrelaçam revelação e preservação, elaboração e ressignificação permanente”, comenta Danilo Santos de Miranda, diretor do Sesc São Paulo.

A arte!brasileiros visitou a exposição e conversou com o curador. Assista ao vídeo:

Fabricação Própria fica em cartaz até 30 de janeiro de 2022 e pode ser visitada gratuitamente mediante apresentação de comprovante vacinal. É obrigatória a utilização de máscara durante toda a visita e a medição de temperatura dos visitantes na entrada da unidade. Acesse o site do Sesc Pompeia e agende sua visita.