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De hoje (26/1) a domingo, o Sesc Pompeia recebe ‘O Bailado do Deus Morto’, com o Teatro Oficina

Cena de "O Bailado do Deus Morto", espetáculo de Flávio de Carvalho, em montagem do Teatro Oficina. Foto: Igor Marotti
Cena de "O Bailado do Deus Morto", espetáculo de Flávio de Carvalho, em montagem do Teatro Oficina. Foto: Igor Marotti

Desta quinta (26/1) até domingo, o Teatro Sesc Pompeia recebe O Bailado do Deus Morto, com o Teatro Oficina. Com direção de Marcelo Drummond, as quatro apresentações marcam o encerramento das visitações à exposição Flávio de Carvalho Experimental, em que as curadoras Kiki Mazzucchelli e Pollyana Quintella se debruçaram sobre a multifacetada obra do artista, autor da dramaturgia original do espetáculo.

A peça foi escrita por Flávio de Carvalho em 1933 para a abertura do Teatro da Experiência, um projeto para prática e apresentações, em que o teatro fosse vivido como uma experiência cênica, arquitetônica, humana e dramatúrgica. O espaço chegou a abrigar a estreia e algumas poucas apresentações de O Bailado, com seu coro de músicos negros da então recém-nascida escola de samba Vai-Vai, vestindo as máscaras de alumínio desenhadas pelo próprio artista. Perseguido pela censura, o Teatro da Experiência foi fechado pela polícia após poucas apresentações.

O Teatro Oficina já havia montado o espetáculo em mais de uma ocasião, como na 29ª Bienal de São Paulo e no Festival de Arte Serrinha em Bragança Paulista, ambos em 2010. Em agosto de 2019, a companhia foi convidada para encená-lo na mostra Flávio de Carvalho – O antropófago ideal, na galeria Almeida e Dale. E em 2020, vinha fazendo apresentações em seu próprio espaço, interrompidas com o início da pandemia.

Naquele mesmo ano, a peça chegou a ganhar uma versão online, que esteve em cartaz em três temporadas, entre agosto de 2020 e março de 2021. Em dezembro de 2021, O Bailado voltou a ter apresentações presenciais no Oficina, logo suspensas pela onda da variante ômicron. No Sesc Pompeia, de acordo com Marcelo Drummond, em relação à montagem mais recente, do segundo semestre do ano passado, no próprio Oficina, foram necessárias somente algumas mudanças nas marcações do elenco no palco.

Com cerca de uma hora de duração apenas, o espetáculo mescla teatro e dança, em que o elenco traja máscaras de alumínio e realiza movimentos dinâmicos e ritualistas. Segundo Drummond, as instruções (rubricas) deixadas por Carvalho para tais movimentos eram um tanto rígidas e foram adaptadas. “Ele orientava para colocar os braços ora em V, ora em L etc. A gente foi mudando, de acordo com o sentíamos que melhor funcionava, mas usando as mesmas referências”, diz.

Drummond também ressalta que modificaram muito pouco o texto de 1933, em que “quase tudo é cantado”, mas que O Bailado do Oficina não copia os figurinos originais e foi quase todo musicado, com um banda em cena, “com uma cara meio de missa”.

“É uma mini-ópera, não chega a ser uma opereta, porque não tem um caráter cômico. Ao mesmo tempo, ele tem uma coisa plástica muito forte, que o aproxima de uma instalação, de uma performance de artes plásticas, misturada ao teatro, tudo com um visual muito diferente e bonito”, conta Drummond.

O diretor salienta ainda que a companhia partiu das próprias propostas estéticas diversas de Flávio de Carvalho e as trouxe para o palco, em vez de simplesmente replicá-lo. “Não iria dar certo. A gente, então, trabalhou em cima do trabalho dele, buscando um diálogo com o teatro que a gente faz. Afinal, o Oficina fez uma leitura do Modernismo muito forte, isso ficou impregnado na gente, que viemos já em outra fase de sua história. Então, o que vemos é um espetáculo contemporâneo, porque os corpos são contemporâneos”, conclui.

 

 

SERVIÇO
O Bailado do Deus Morto
Desta quinta (26/1) a domingo
Com o Teatro Oficina Uzyna Uzona
Teatro Sesc Pompeia – R. Clélia, 93 – Água Branca, São Paulo (SP)
Horário: quinta a sábado, às 21h; domingo, às 18h
Ingressos: R$ 30 (inteira); R$ 15 (meia); R$ 10 (credencial plena)
Vendas presenciais às 17h; online, no link 

 

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Diógenes Moura lança nesta quarta-feira (25/01), em São Paulo, “Minhocão”, seu novo livro de contos

O escritor e curador Diógenes Moura, que lança nesta terça (25), Aniversário de São Paulo, o livro de contos "Minhocão". Foto: Daniel Kfoury
O escritor e curador Diógenes Moura, que lança nesta terça (25), Aniversário de São Paulo, o livro de contos "Minhocão". Foto: Daniel Kfoury

Nascido em Recife (PE), Diógenes Moura viveu com a família por 17 anos em Salvador (BA). Mudou-se para São Paulo e desde 1989 mora no bairro de Campos Elíseos e nas suas proximidades. Foi daí, mais propriamente dito do entorno do Elevado Presidente João Goulart, talvez o mais famoso viaduto da cidade, que o escritor, curador, fotógrafo, roteirista e editor independente tirou inspiração para seu novo livro, Minhocão (Editora Noir), que será lançado nesta quarta-feira (25), das 15h às 18h, na Livraria Martins Fontes.

Com olhar atento, uma caderneta e um lápis, Moura, que foi curador de fotografia da Pinacoteca, fez anotações ao longo de anos, sobre os acontecimentos e os habitantes dos apartamentos que ladeiam o viaduto.

“Ao longo desse período e de uma pandemia no meio, ele [Diógenes Moura] se sentou no meio-fio do Minhocão e passou a buscar vidas dos dois lados daquelas pistas elevadas que escondem a miséria sob seus pés e que passam a impressão de levar todos a qualquer lugar. Mas a sensação é de um enorme presídio de desejos, sonhos e fantasias, de onde não se sairá jamais”, escreve o jornalista Gonçalo Junior, na quarta capa do livro.

Em texto da orelha do livro, o cineasta Beto Brant destaca que o título “traz uma coleção de gente que habita a veia desalumiada do centro da cidade. Uma anomalia encravada, onde resta um grau de vaidade, o enfeite na fala, no corpo e na casa. O mundo em ruínas e a redenção vaza, tímida, entre os escombros”, escreve.

LEIA ABAIXO TRECHOS DO LIVRO

Em um dia de domingo qualquer, tantos uns, tantos outros, Cesário Triste saiu de casa com uma caderneta e um lápis e entrou na padaria da esquina. Tomou café com leite, engoliu três bolinhas embranquecidas para não endoidar, subiu a rampa em direção ao viaduto, sentou-e na listra branca que divide as duas pistas e morreu. Em outro domingo qualquer, arregalou os olhos e começou a girar a cabeça de um lado para o outro como se estivesse sendo exorcizado. Com as pupilas dilatadas pelo susto, dedicou-se a invadir os apartamentos dos outros, aqueles que moram nas duas margens da imensa serpente de concreto que corta uma parte da cidade, onde os homens desafiam o que resta dos deuses.

***

Cada replicante que Ambrósio Terminante das Tripas Enfim descongela para colocar em cima dos ombros e pedir dinheiro entre os carros no semáforo, embaixo do viaduto, leva pelo menos seis horas para a carne ficar no ponto e voltar a ter a respiração natural, o piscar dos olhos, remover a memória embutida, as lembranças dos que ficaram para trás, imaginar um rosto vivo de alguém que não sabe se um dia terá amanhãs.

SERVIÇO

Minhoção (Editora Noir, 163 págs., R$ 49,90)
Diógenes Moura
Lançamento: Livraria Martins Fontes – Avenida Paulista, 509
Horário: nesta quarta-feira (25/01), das 15h às 18h

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Não, não é fotojornalismo

 

Reprodução da capa da edição de 19/01/2023, do jornal Folha de S.Paulo
Reprodução da capa da edição de 19/01/2023, do jornal Folha de S.Paulo

Toda foto é política. Não existem imagens ou olhares ingênuos. Existem a imagem histórica, o contexto e o olhar do período. 

O debate que tomou conta das redes sociais a respeito da imagem (não a defino fotografia de propósito) de Gabriela Biló, publicada na capa do jornal Folha de S.Paulo já estava há muito tempo para explodir.

A imagem de Gabriela Biló não é a primeira e nem será a última a criar polêmicas. Com isso dito, é importante ressaltar que discordamos frontalmente do ataque que a fotógrafa vem sofrendo nas redes sociais. Este tipo de ofensa é inaceitável, assim como a violência demonstrada.

Devemos refletir, no entanto, sobre o que poderia ter criado tanto impacto na imagem divulgada: o papel do fotojornalismo e sua função na criação de leituras de histórias tem sido deixado de lado. Nenhuma imagem é unívoca ou tem apenas uma interpretação, mas a decodificação de seus códigos depende do momento sócio-histórico vivido. 

Se é verdade que o fotojornalismo ou as fotografias jornalísticas foram desde sempre manipuladas (poderíamos ter uma lista de fotografias que falsificaram a história) e que a fotomontagem foi muito usada por artistas e publicadas em revistas, também é verdade que nem tudo que é publicado na mídia é fotojornalismo. Além disso, estas imagens – sem inocentá-las – estavam dentro de um tempo histórico e de uma circulação restrita e não escancaradas e circulantes pelas redes sociais.

O fotojornalismo por mais expressivo que possa ser tem suas normativas, uma delas é a da noticiabilidade, assim como regras éticas que constam da maioria dos manuais de redação – se é que alguém os lê. No fotojornalismo contemporâneo – que se inicia no final dos anos 1990 e é muitas vezes apoiado por editores de fotografia (quando existiam) – esta busca pela “expressividade criativa” foi muitas vezes estimulada como uma nova forma de linguagem; não era. A partir daí essa vertente “criativa” foi se potencializando com a única função de criar discussões e não debates. 

Em que momento sócio-histórico se dá a publicação da referida imagem? O de uma eleição conturbada e da tentativa de golpe acontecida no dia 8 de janeiro, além do recrudescimento das fakes news do sentimento de sermos enganados e vilipendiados pelas notícias ou pela falta delas. Ou seja, não há momento mais inadequado. Já em 2017  “fake news” foi eleita a palavra do ano pelos dicionários internacionais e desde lá se tornou vocábulo comum em todas as conversas.

Em contrapartida, nos últimos anos (que coincidem com a pandemia) o fotojornalismo ressurgiu em seu papel fundamental em tentar restabelecer a ordem dos acontecimentos. Por outro lado, encontramos toda uma “geração TikTok” que usa a imagem sem conhecê-la e que de forma paradoxal não consegue interpretá-la, logo a vive de forma literal. É aí que a imagem se torna perigosa.  

A estranheza da imagem de Biló está também na legenda que procura explicar – não se sabe para quem – múltipla exposição. Conceitos vazios para a maioria das pessoas. Não se trata aqui de usar técnicas, mas se trata aqui de encaminhar o pensamento para algo que de fato não existiu. Manipular uma fotografia não é usar editores de imagem, é alterar seu sentido. A escolha criativa se dá na gramática que você utiliza para apresentar um fato e não na sua distorção. Todo jornalista – e, sim, o fotojornalista é antes de mais nada um jornalista e não um artista – é sim responsável por aquilo que torna público e não pode se isentar afirmando que cada um interpreta como quer. Não. Existe uma credibilidade intrínseca em quem procura determinada mídia para se informar. 

Quando o jornalista se torna personagem da própria notícia que está buscando, se inserindo por meio de vídeos, selfies e gracejos, transformando tudo em memes – que não é humor, mas alienação – estamos caminhando por um terreno um tanto perigoso. Espanta a estética das redes sociais que se impõe de forma leviana sobre todas as áreas do conhecimento sem a devida reflexão.

Falar que jornalismo se tornou entretenimento já está ultrapassado numa sociedade que trata tudo como espetáculo. Esta discussão foi muito falada pela tão citada Susan Sontag, que cria uma divisão entre estético e político, e  pela escola francesa pós-estruturalista, que desdenha a fotografia documental, jornalística, a ideia de autoria. Aliás a ideia de autoria ou do reconhecimento do autor pressupõe uma responsabilização.

Como afirma a pesquisadora Ariella Azoulay: “A criação ou a imaginação não são o oposto do político”. Existe sim, uma intencionalidade política na imagem divulgada pela Folha de S.Paulo junto a um texto que leva a uma leitura da imagem. 

Foi triste o momento da publicação desta imagem, mas quem sabe desta polêmica não possa nascer um bom debate e reflexão de como estamos construindo nossa história a partir do jornalismo e que retornemos a respeitar a verdade factual dos acontecimentos.

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Com dois espaços no Rio, nova galeria Nonada quer dar visibilidade a artistas que estão fora do circuito

Melissa Oliveira, sem título, 2022. Foto: Divulgação/Galeria Nonada
Melissa Oliveira, sem título, 2022. Foto: Divulgação/Galeria Nonada

Em novembro do ano passado, o Rio de Janeiro ganhou dois espaços – em Copacabana, na zona Sul da cidade, e na Penha, zona Norte – dedicados a artistas que estão fora do circuito de galerias. A exposição de abertura, que fica em cartaz até 4 de março, reúne 32 artistas, que trabalham com diversos suportes e materiais, e se debruçam sobre temas como racismo, política e gênero. Pertencentes a uma mesma galeria, batizada como Nonada – neologismo usado por Guimarães Rosa em seu clássico Grande Sertão: Veredas –, seus dois endereços, suas dimensões e as das obras foram, em parte, determinantes da divisão dos artistas e de suas criações em cada espaço.

Em Copa, a Nonada ZS abriga, em seus 70 metros quadrados, os trabalhos sob o tema A palavra: prosa, que tem tintas mais sociopolíticas. Na Penha, a seleção da Nonada ZN se chama A palavra: verso e tem caráter mais lírico. Ainda que haja nomes de fora do eixo Rio-São Paulo, uma descentralização pretendida pela galeria, a maioria dos artistas selecionados trabalha nas duas capitais. Duas exceções são Guto Oca, de João Pessoa, na Paraíba, e Guilherme Almeida, de Salvador, Bahia. De todo o grupo, apenas dois já são representados pela Nonada: os cariocas Melissa Oliveira e Miguel Afa.

O projeto da galeria começou a ser gestado no ano passado, pelo goiano Paulo Azeco, nome bastante conhecido do circuito de artes da capital paulista. No início da pandemia, e até motivado por ela, Azeco, que então estava na Fortes D’Aloia & Gabriel, mudou-se para o Rio, passando a trabalhar na Carpintaria, filial carioca da galeria.

Em abril do ano passado, então trabalhando como art advisor, Azeco vendeu quatro obras de Anna Bella Geiger, numa individual da artista na Galeria Danielian. Foi aí que se aproximou dos sócios do espaço, os irmãos Luiz e Ludwig Danielian, a quem levou o projeto da Nonada, de quem também participara João Paulo Balsini, colecionador de arte e advogado com atuação em políticas públicas. Os Danielian aceitaram participar e ainda trouxeram para a empreitada o espaço da Penha, uma fábrica de lingerie desativada, que pertencia à família dos galeristas.

 

Antes de fecharem a sociedade, no entanto, Azeco recebeu um “convite irrecusável” da Galeria Millan, que o levou de volta a São Paulo. A temporada, no entanto, foi curta, de poucos meses. As tratativas com os Danielian continuaram, ainda que a distância, até baterem o martelo. Juntos, os quatro sócios fizeram a seleção de nomes e trabalhos destas mostras de abertura, com indicações de outros artistas, de curadores e até mesmo a partir de buscas feitas em mídias sociais. Segundo Azeco, o foco da galeria será sempre trabalhar com questões que são urgentes.

“A arte contemporânea que não discute algum desses temas perde um pouco de sua importância. Acho relevante a gente ter essas pautas. Eu sou um homem gay, então, a partir de meu lugar de fala, quero discutir questões ligadas à arte queer. Nesta exposição inaugural, temos quatro artistas transexuais, por exemplo. E, lógico, também temos artistas negros, mas a intenção não é surfar nessa onda mercadológica”, afirma Azeco.

Para Luiz Danielian, a Nonada é um projeto que entende a arte como instrumento político e social, e as duas escolhas das sedes falam um pouco sobre isso. “Copacabana nós entendemos como a grande mistura do Rio de Janeiro. E a Penha foi uma coisa ainda mais natural. Além de ir para perto de onde estão vários artistas, um lugar em que quase não existem iniciativas culturais, a galeria está no térreo da antiga fábrica da minha família”, lembra o galerista. “Então, de certa forma, também faz parte do pensamento da Nonada, essa devolução daquele edifício para o bairro, mas agora com iniciativas culturais”.

Ainda segundo Danielian, a Nonada é a primeira dessas iniciativas a tomar forma, mas eles já têm um planejamento a longo prazo para que outras ações possam transformar a antiga fábrica em um equipamento cultural para a comunidade. “É como se estivéssemos, de uma forma pequenina, devolvendo para o bairro algo em agradecimento por tantos anos ali”, diz.

A programação do restante do ano nos dois endereços da Nonada está quase fechada. Já em meados de março, a galeria de Copa receberá uma individual de Melissa Oliveira, com curadoria de Victor Gorgulho. Em paralelo, o galpão da Penha terá obras de Siwaju Lima, em diálogo com outro artista, um nome ainda por definir pela curadora Clarissa Diniz. Em maio, a Nonada ZN vai receber uma grande coletiva sobre sexualidade, provavelmente com curadoria de Efrain Almeida.

Em agosto, os dois espaços receberão uma individual de Miguel Afa. No mês seguinte, durante a ArtRio, os galeristas vão abrir um novo espaço dentro do galpão da Penha, dedicado a projetos especiais, ocupações por parte de galerias de fora do Rio ou mesmo do Brasil, que acontecerão duas vezes ao ano. Para o fim do ano, está prevista uma individual de André Barion, na Nonada de Copa.

SERVIÇO
A palavra: prosa
Nonada ZN – Rua Conde de Agrolongo, 677 – Penha
Visitação: quinta e sexta-feira, das 12h às 17h; sábado, das 11h às 15h
A palavra: verso
Nonada ZS – Rua Aires Saldanha, 24 – Copacabana
Visitação: terça a sexta-feira, das 11h às 19h; sábado, das 11h às 15h
Até 4 de março
Entrada gratuita

 

 

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Política surge como terceira dimensão em mostra de Miguel Chaia que contrapõe sagrado e estético

Nicolás Robbio, "Cabeças cortadas", 2015. Foto: Everton Ballardin
Nicolás Robbio, "Cabeças cortadas", 2015. Foto: Everton Ballardin

Há cerca de um ano, ao receber o convite de seu colega professor Telmo Porto para montar uma exposição em sua galeria, a Arte132, em São Paulo, com um recorte de sua coleção, Miguel Chaia partiu de duas condições: como esculturas do próprio acervo da galeria ocupam lugares de destaque no lugar, Chaia decidiu que a tridimensionalidade seria um dos vetores para a seleção, para que houvesse um diálogo, como um site specific; e, visto que o calendário de mostras dos últimos dois anos vinha sendo dominado por questões de raça, gênero, sexualidade e classe, ensejadas pelas efemérides da Semana de 22 e o Bicentenário da Independência, o colecionador preferiu se debruçar sobre a linguagem artística. Era então concebido o escopo de Tridimensional: Entre o sagrado e o estético, a primeira exposição exclusiva de sua coleção, segundo ele, que fica em cartaz até 11 de março, com co-curadoria de Laura Rago e Gustavo Herz.

O que Chaia não esperava, no entanto, era que os recentes acontecimentos em Brasília dos ataques incendiários na cidade durante a diplomação do então presidente eleito Luiz Inácio Lula da Silva e de seu vice, Geraldo Alckmin, e o posterior atentado terrorista aos palácios na Praça dos Três Poderes, em 8 de janeiro iriam encontrar ecos nos trabalhos da nova mostra. A política se manifestava ali, meses após fechada a seleção de 45 peças, de um universo de quase 250 criações tridimensionais.

Segundo Chaia, que é também membro de conselhos do Itaú Cultural, do Instituto de Arte Contemporânea (IAC) e da Bienal de São Paulo, a polissemia que ele explorava no recorte inicial um contraponto entre o sagrado e o estético na arte contemporânea passou a revelar também um sentido político, ainda que a posteriori e de modo não intencional. Coordenador e pesquisador do Neamp (Núcleo de Estudos em Arte, Mídia e Política) da PUC-SP, ele acabara não escapando do tema, abordado em suas aulas na Faculdade de Ciências Sociais da universidade paulistana, e caro, tanto às suas investigações acadêmicas como à própria coleção, desenvolvida há 45 anos ao lado de sua mulher, Vera.

“Há uma politização intensa da arte. A gente até perde um pouco o tesão para usufruir e curtir. Mas existe um imbricamento muito grande entre ambos. Como sou muito fascinado pelo assunto, resolvi fugir um pouco disso. Queria procurar um espaço de reflexão estética e sobre linguagem, mas não teve como evitar. A exposição reflete sobre o sagrado e deságua na política”, afirma Chaia à arte!brasileiros.

Para exemplificar, o colecionador lembra uma discussão que teria sido suscitada pelo artista norte-americano Donald Judd (1928-1994), segundo a qual a arte contemporânea “está entre a pintura e a escultura e que, nesse sentido, não sendo uma coisa nem outra, o objeto cria uma dimensão muito intensa de simbolismo”, diz Chaia. “E nós temos na exposição um trabalho do Nino Cais, que são duas marretas pesadíssimas na parede e, entre elas, há dois cálices, num equilíbrio muito precário. É uma obra que remete à força do poder, da violência, da opressão”.

Chaia cita outros exemplos, como o taco de beisebol de Rompedor de limites, de Marcelo Cidade; a obra Encalço, de André Komatsu, em que estilhaços de vidro aparecem emoldurados por uma estrutura de madeira e madeirite; e uma obra sem título, de Deyson Gilbert, em que quatro telas brancas estão pressionadas por sargentos, instrumentos da marcenaria usados para comprimir madeira.

“Se você olha a exposição após o 8 de janeiro, você vê os vidros quebrados em Brasília. Vê as marretas quebrando vidraças. O taco vandalizando as casas institucionais da Democracia”, argumenta Chaia. “No caso da obra de Deyson, é a própria pressão sobre a arte, o vandalismo contra a arte em Brasília. É a destruição do Di Cavalcanti, de todas obras que foram afetadas durante os ataques”.

A discussão inicialmente proposta, no entanto, permanece lá, predominante e avistada nas obras, de modo sutil e sensível pelo trio de curadores. Em texto crítico de Chaia, presente no catálogo, o trio de curadores estabelece os três pilares conceituais que guiaram seu recorte: “Será possível perceber na arte contemporânea vestígios do sagrado? O que pode haver de comum entre a arte e o sagrado? E, ainda, a arte contemporânea, ao ganhar autonomia, fortalecendo seu significado estritamente estético, abandona o mítico, a religião e a religiosidade na busca da revolução da linguagem?”, indagam.

Chaia conta que ele, ao lado de Laura e Gustavo, procuraram as respostas possíveis nos objetos, e algumas obras foram chave. “Inicialmente, chegamos a uma meia dúzia que consideramos referenciais. Uma delas é Copo de água benta ao lado de copo de água comum, de Deyson Gilbert. Quando você vê esse trabalho, nada permite saber o que é bento, sagrado, e o que não é. Somente quem montou sabe”, explica. “Outro trabalho importante foi um objeto manipulável da Karin Lambrecht, Uma porta para o perdão, feito com tecidos, em que você coloca um bilhetinho, com papéis que estão dispostos ao lado, pedindo perdão a quem você magoou”. A obra, ressalta ele, alude à relação com o outro, “que é o religar da religião”, em sua etimologia.

O colecionador destaca ainda que o trio conseguiu descobrir o sagrado nos trabalhos de Laura Vinci e de Felipe Cohen, por causa do mármore que usam, “um material que, na arte, veio da Grécia Antiga, passa pelo Renascimento, pelo estatuário. Como diz o Cohen, o mármore forjou deusas e deuses”, conta.

Já o trabalho Lola, de Lucia Koch, traz materiais transparentes, que lembram vitrais de uma catedral, sugere Chaia. “Temos ainda um trabalho da Valeska Soares, uma cápsula de vidro que parece um grande bebedouro de passarinho, e ele é preenchido por vinho e veneno. A água, o sangue, o vinho são uma triangulação de elementos que estão presentes em todos os rituais, do candomblé ao catolicismo. O fogo, por sua vez, é outra questão importante, com sua ideia do inferno, e que está no trabalho Cabeças cortadas, de Nicolás Robbio.

Há também duas obras de Tunga que o colecionador considera relevantes no escopo de sua curadoria: o Tacape, feito nos anos 1980, com imãs, que suscitam a discussão da energia que emana daquele material. E ainda os Vasos comunicantes, “uma ideia de vasilhame, que remete a taças de vinho gregas, ou que pode ser o Santo Graal, envolvidos por um tecido marrom, que é meio um Santo Sudário”, sugere.

Chaia também encontrou repercussões de seu recorte curatorial em dois trabalhos de José Resende: uma sem título, que é uma cruz de ferro invertida, e um tronco de madeira atravessado por ferros, numa alusão às flechas que atingem o corpo do santo em suas representações, sejam pinturas ou esculturas. “O interessante é o que o próprio Resende, com quem falei, afirma não ter pensado nessas questões ao conceber as obras. Os títulos vieram depois, independentes da vontade do artista”, conta Chaia. “Mas os objetos carregam essa potência narrativa”.

SERVIÇO

Tridimensionalidade – Entre o sagrado e o estético
Curadoria de Miguel Chaia, Laura Rago e Gustavo Herz
Até 11 de março
Arte132 Galeria Av. Juriti, 132, Moema, São Paulo SP
Visitação: segunda a sexta-feira, das 14h às 19h; sábados, das 11h às 17h
Entrada gratuita

 

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Em Nova York, obras de Tunga ganham primeira mostra nos EUA após a sua morte, em 2016

O artista plástico brasileiro Tunga (1952-2016). Foto: Daniela Paoliello
O artista plástico brasileiro Tunga (1952-2016). Foto: Daniela Paoliello

Nova York recebe a partir deste sábado (13/1) a primeira exposição com obras de Tunga nos Estados Unidos desde a sua morte, em 2016. Vê-nus tem curadoria de Paulo Venancio Filho, que entre o fim de 2021 e o primeiro semestre do ano passado esteve à frente de uma grande retrospectiva do artista, realizada no Itaú Cultural e no Instituto Tomie Ohtake, em parceria com o Instituto Tunga. A mostra em solo norte-americano acontece na Luhring Augustine, galeria que desde 1998 representa o brasileiro, e reúne mais de 60 trabalhos, muitos deles inéditos. A última exposição de Tunga realizada lá aconteceu em 2014.

Segundo Clara Gerchman, co-fundadora e gestora do acervo do Instituto Tunga, criado em 2017, e que tem como diretor Antonio Mourão, filho único do artista, esta é uma grande oportunidade de poder apresentar as obras bidimensionais de Tunga, segundo ela uma etapa muito importante da trajetória do brasileiro, porém pouco vista.

“A mostra traz pontualmente obras escultóricas, mas o grande corpo dela é composto pelas bidimensionais. Como estamos trabalhando com o acervo, que é a fonte primária, temos descoberto inúmeras fases de um conjunto muito diverso. Nossa missão tem sido justamente essa: trabalhar com um material inédito para o público”, explica Clara à arte!brasileiros, adiantando que ainda neste ano será lançado o catálogo raisonné com os trabalhos bidimensionais de Tunga, um projeto iniciado em 2021.

Venancio Filho destaca que o Instituto Tunga fez questão de levar a Nova York a escultura Vê-nus (1976), que empresta seu nome à mostra, e tinha sido vista poucas vezes, uma delas na própria cidade norte-americana; outra, em São Paulo. “É um trabalho importantíssimo na obra dele, e eu construí toda uma situação em torno desse trabalho, com desenhos da mesma época, mesclando ainda criações recentes com outras mais antigas”, explica. Alguns dos desenhos presentes na Luhring Augustine, por exemplo, haviam sido mostrados originalmente na primeira individual de Tunga, realizada em 1974, no Museu de Arte Moderna do Rio de Janeiro (MAM Rio).

O curador conta ainda que, quando foi convidado para conceber a mostra no ano passado, ele pensou em fazer o que seria “uma sala de museu do Tunga”, onde o espectador poderia entender os aspectos fundamentais de sua obra, questões como o corpo, a sexualidade e os fetiches. “É uma exposição que também traz a multiplicidade dos materiais por meio dos quais o Tunga expressou sua imaginação erótica, grande motor de seu processo criativo”, afirma Venancio Filho, que conheceu o artista quando tinha apenas 19 anos de idade.

Como na retrospectiva de 2021-2022, Venancio Filho não se preocupou em estabelecer uma hierarquia tampouco uma cronologia entre as obras apresentadas. “Isso vai contra o espírito da obra do Tunga, que é algo como a fita de Möbius [um símbolo do infinito, criado em 1858 pelo matemático e astrônomo alemão August Ferdinand Möbius], que vai e volta, elementos que aparecem e reaparecem ao longo de sua trajetória”.

Em exibição, estão desde os primeiros desenhos de Tunga, abstratos – “mais gestuais, menos figurativos”, ressalta o curador –, a trabalhos mais emblemáticos do artista, como os Eixos Exógenos, perfis femininos recortados a partir de troncos de madeira, até sua última série de desenhos, From La Voie Humide e as esculturas da série Morfológicas, ambas de 2014Entre as surpresas prometidas pelo curador estão três desenhos inspirados na obra de Tarsila do Amaral, “pouquíssimo vistos”, “coisas muito raras”, criadas na virada dos anos 1970 para os 1980.

A escultura Vê-nus, que nomeia a mostra, foi a primeira obra de grande dimensões de Tunga, lembra o curador. Composta de borracha, lâmpada, material elétrico, metal e mosca de plástico, mede 183 x 250 x 93 cm. “Ela tem esse título que revela muito do pensamento erótico dele, num artifício com o nome em que ele separa ‘vê’ de ‘nus’, com um hífen. E, para mim, quando falávamos sobre esse trabalho, eu via uma certa relação com O grande vidro [1915-1923], de Marcel Duchamp, na separação entre a noiva e os seus pretendentes, que Tunga reconfigura. Porque o Tunga é de um período em que o Duchamp começa a influenciar a arte brasileira. Mas, a maioria foi influenciada pela via conceitual, dos ready made, como é o caso de Cildo Meireles. Ao passo que Tunga foi tocado pelo lado surrealista e pelo erotismo de Duchamp”, explica.

Venancio Filho espera que a exposição, após uma ausência de oito anos das obras de Tunga do cenário norte-americano, e quase quatro, do internacional – em 2019, a galeria Franco Noero, da Itália, realizou uma individual com seus trabalhos – recoloque o brasileiro dentro da importância que ele tem para a arte contemporânea. E que as obras ali apresentadas possam interessar a grandes instituições nos Estados Unidos ou na Europa. Vale lembrar que Tunga já está presente em instituições estrangeiras como o Guggenheim, o Art Institute of Chicago, o Reina Sofía, a Tate e o Pérez Art Museum Miami, entre outras.

Para Roland Augustine, sócio-fundador da galeria ao lado de Lawrence Luhring, Vê-nus marca uma retomada e também um recomeço da representação do artista pela galeria.

“Fizemos cinco exposições individuais de Tunga ao longo dos últimos 25 anos. Mas incluímos suas obras em muitas coletivas durante esse tempo. A última, de 2014, era uma continuidade do trabalho em que ele estava focado à época, com o uso de cristais, de cerâmica etc. Agora, nosso objetivo era mostrar aspectos de sua obra que muitos não conhecem, a saber, seus desenhos, ao lado de esculturas que estão de alguma forma relacionadas a eles”, destaca Augustine, que também representa Lygia Clark nos EUA.

O galerista conheceu Tunga por recomendação do curador francês Marc Pottier, após a 22ª Bienal de São Paulo, de 1994, em que o artista havia apresentado Cadentes lácteos, um conjunto gigantesco de peças de ferro fundido, em forma de sinos, banhadas por uma matéria viscosa e esbranquiçada. À época, Augustine estava ajudando a família de colecionadores Halle, dos EUA, a montar um acervo de obras latino-americanas, e a obra foi adquirida. Em 1997, ela foi emprestada ao museu do Bard College, para uma exposição sobre o artista.

“Aquilo foi um batismo de fogo. Imergir no trabalho de Tunga. E, desde essa minha primeira experiência e exposição ao trabalho dele, sua obra permaneceu sendo um mistério para mim, porque seus trabalhos não são tão acessíveis, devido à sua natureza poética”, conta o galerista. “Quando começamos a mostrar suas criações em Nova York, sabíamos que eram singulares, esotéricas e autênticas. E elas não se tornaram menos, porém mais complexas ao longo do tempo. E nunca houve de fato um mercado comercial para elas”.

Segundo Augustine, no entanto, a recepção crítica sempre foi positiva em Nova York. Tunga era benquisto por curadores, mas não por colecionadores, o que era um pouco frustrante para o artista. No Brasil, as obras de Tunga ainda alcançavam bons valores, diz ele, mas não se chegava à metade dessas cifras nos EUA. No fim dos anos 1990, por exemplo, a galeria vendeu apenas uma obra da série Eixos exógenos, por cerca de US$ 35 mil na Fiac (Foire internationale d’art contemporain), de Paris, valor que o galerista não considera à altura da produção artística do brasileiro.

O galerista compara Tunga a Bruce Nauman, em termos mercadológicos. Nos anos 1960, afirma, somente quem gostava das criações do artista norte-americano eram seus colegas de ofício. Apenas entre o fim dos anos 1970 e o começo da década seguinte, os trabalhos de Nauman teriam começado a ser apreciados e adquiridos por museus. Ele imagina que, para Tunga, sejam necessários mais dez a 15 anos para que sua obra seja assimilada e compreendida em maior grau.

“Há muitos anos eu torço para que um museu nos EUA abrace a ideia de realizar uma retrospectiva de Tunga. Com essa exposição, esperamos que o curador de uma dessas instituições pense: ‘Meu Deus, agora eu entendo por que este homem tem de ser mostrado de uma maneira significativa ao público'”, diz Augustine.

UMA PRIMEIRA IMPRESSÃO

Desde 2019 curadora de arte latino-americana do Museu de Arte Moderna de Nova York (MoMA), Beverly Adams começou a acompanhar a carreira de Tunga há mais de 25 anos. Em 1998, fez uma exposição solo do artista no Phoenix Art Museum, com desenhos e a escultura Cadentes Lácteos (1994). Beverly esteve já na galeria Luhring Augustine e destaca a qualidade da seleção de obras e a montagem da nova mostra.

“Ela dá ao espectador uma percepção do arco da carreira de Tunga, de muitos de seus temas e de suas inquietações, mas de uma forma bastante sutil e íntima, por meio dos desenhos e das esculturas escolhidas. Eu aprendi muitas coisas novas”, afirma a curadora. “É muito bom ter seu trabalho de volta a Nova York, na galeria que tem sido uma apoiadora fervorosa de Tunga ao longo dos anos, e permitir com que mais pessoas possam aprender a respeito deste grande artista e de seu universo poético, que entrelaça de maneira brilhante ideias e materiais em sua abordagem singular do fazer artístico”.

Beverly ressalta também a presença de duas criações do artista no acervo do MoMA: Ão e Cooking crystals. “São duas instalações-chave de Tunga, uma de 1981 e outra, feita entre 2006 e 2009. É ótimo ter obras de dois períodos tão diferentes da trajetória dele. Suas criações enriquecem nossa crescente coleção de arte brasileira, que está em constante diálogo com outros trabalhos do acervo”, conclui.

 

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Di Cavalcanti, Krajcberg, Bruno Giorgi – algumas das obras destruídas pelo ataque terrorista no DF

A tela "As mulatas", de Di Cavalcanti, uma das obras danificadas na ação terrorista no Palácio do Planalto do domingo (8/1). Foto: Reprodução da internet
A tela "As mulatas", de Di Cavalcanti, uma das obras danificadas na ação terrorista no Palácio do Planalto do domingo (8/1). Foto: Reprodução da internet

Parte significativa do acervo artístico, histórico e arquitetônico do Palácio do Planalto foi vandalizada nesse domingo (8/1) pelos ataques terroristas ocorridos na Praça dos Três Poderes, em Brasília. Segundo a Secretaria de Comunicação do Planalto, “ainda não é possível ter um levantamento minucioso” de tudo que foi destruído, mas o órgão divulgou algumas das obras danificadas que conseguiu identificar. Destacam-se, entre elas, a tela As mulatas (1962), de Di Cavalcanti, a escultura O flautista (década de 1950), de Bruno Giorgi, e uma escultura de parede de madeira de Frans Krajcberg, dos anos 1970. As três estavam no terceiro do andar do prédio.

A tela de Di Cavacalnti foi rasgada em ao menos sete pontos pelos golpistas. De acordo com o marchand Luiz Danielian, “atualmente uma obra desse porte poderia ser vendida de R$ 15 a 20 milhões”. Entre setembro e outubro do ano passado, ele organizou a exposição Di Cavalcanti – 125 anos, na Danielian Galeria, no Rio de Janeiro. Já a obra de Giorgi, feita de bronze e avaliada em R$ 250 mil, “foi encontrada completamente destruída, com pedaços espalhados pelo salão”, de acordo com a Secom. Estimada em R$ 300 mil, a escultura de Krajcberg, por sua vez, foi quebrada em diversos pontos. A obra foi feita com galhos de madeira, que foram quebrados e espalhados.

Na noite de ontem, Rogério Carvalho, diretor de Curadoria dos Palácios Presidenciais, divulgou um áudio com suas primeiras impressões a respeito dos ataques ao Palácio do Planalto (ouça abaixo). Carvalho ressaltou a contundência do vandalismo que ele presenciou, sobretudo no segundo andar do edifício, “praticamente revirado pelo avesso”. Além dos danos grandes causados à arquitetura, dos vidros, portas e revestimentos aos lambris. “Por sorte, não conseguiram acessar a sala do Presidente”, diz ele.

Carvalho também destacou a destruição de uma peça histórica, um relógio de pêndulo de Balthazar Martinot, do século 17, presente da Corte Francesa para Dom João 6º. Segundo o comunicado da Secom, Martinot era o relojoeiro de Luís 14 e existem apenas dois relógios deste autor. “O outro está exposto no Palácio de Versailles, mas possui a metade do tamanho da peça que foi completamente destruída pelos invasores do Planalto. O valor desta peça é considerado fora de padrão”.

Ainda de acordo com a Secom, no térreo, a obra Bandeira do Brasil (1995), de Jorge Eduardo, que reproduz a bandeira nacional hasteada em frente ao palácio, “foi encontrada boiando sobre a água que inundou todo o andar, após vândalos abrirem os hidrantes ali instalados”. No mesmo pavimento, a galeria dos ex-presidentes foi totalmente destruída, “com todas as fotografias retiradas da parede, jogadas ao chão e quebradas”. Já no segundo andar, o corredor que dá acesso às salas dos ministérios tem “muitos quadros rasurados ou quebrados, especialmente fotografias”.

Nas redes sociais, Margareth Menezes, ministra da Cultura, afirmou que recebeu do presidente Luiz Inácio Lula da Silva a incumbência de que o MinC, junto ao Iphan, realizem “a avaliação e informação da destruição cometida nos prédios do Palácio do Planalto, Congresso Nacional, Supremo Tribunal Federal e demais espaços tombados”. Há uma reunião marcada para hoje (9/1), às 16h, entre os dois órgãos.

Há boatos, ainda não confirmados, de que a escultura A bailarina, de Victor Brecheret, que estava no prédio da Câmara dos Deputados, teria sido furtada. A obra de bronze polido de Brecheret, originalmente executada para a decoração do Jóquei Clube de São Paulo, segundo o marchand Max Perlingeiro, da Pinakotheke Cultural, vale em torno de R$ 800 mil. Ainda na Câmara, também teria sido danificado o vitral Araguaia, de Marianne Peretti, autora também dos vitrais da catedral de Brasília. Já no prédio do Supremo Tribunal Federal (STF), há rumores de destruição do busto de Ruy Barbosa, de um crucifico e da pichação da escultura A Justiça, de Alfredo Ceschiatti.

Para Rogério Carvalho, em declaração divulgada pela Secom, “o valor do que foi destruído é incalculável por conta da história que ele representa. O conjunto do acervo é a representação de todos os presidentes que representaram o povo brasileiro durante este longo período que começa com JK”.

 

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12 livros de arte para ler em 2023

"Digo e tenho dito", de Anna Maria Maiolino. Ubu Editora, 2022. Foto: Reprodução

Entre biografias de importantes figuras internacionais, livros de autoria de importantes artistas brasileiros e teorias que questionam os olhares hegemônicos sobre a cultura, muitas publicações que envolvem o mundo das artes foram publicadas em 2022. A arte!brasileiros preparou uma lista com 12 livros lançados recentemente que nos provocam a repensar a arte no Brasil e no mundo.

Digo e tenho dito, de Anna Maria Maiolino

Reconhecida por sua produção nas artes visuais, Maiolino sempre teve, ao longo de cinquenta anos de trajetória, uma produção literária. Neste livro, lançado pela Ubu Editora, a artista reúne um corpo inédito de textos em prosa e poemas, que acompanha e tensiona sua produção plástica. Ela narra memórias ambivalentes da família imigrante; o pertencimento ou não pertencimento às várias terras que habitou, o mais íntimo da relação com amigos e amores de longa data, a pura existência, a feminilidade constitutiva de sua visão e experiência de mundo, a passagem indelével do tempo: “Agarro o minuto/ o segundo/ o átimo/ o milésimo do milésimo do instante/ somo-subtraio tempo/ até o fim”. Em sua escrita, aparece a materialidade de sua obra plástica. Nela se podem ler também as marcas que a psicanálise lhe deixou. O traçado do desejo e a busca da linguagem não se esgotam nem na imagem, nem na palavra, mas insistem em se fazer presentes, no caso de Maiolino, como criação artística. Saiba mais sobre Digo e tenho dito.

A água é uma máquina do tempo, de Aline Motta
“A água é uma máquina do tempo”, de Aline Motta. Fósforo Editora, 2022. Foto: Reprodução

Entre palavra e imagem, entre arquivo e fabulação, o livro de Aline Motta reúne diversas linguagens artísticas e reconfigura memórias ao se valer de uma percepção não-linear do tempo. Construindo um mosaico fluido de épocas a partir de documentos históricos, a artista-escritora cruza diversos planos entre si, num percurso que passa pelo luto por sua mãe e vai até o Rio de Janeiro de fins do século 19, através dos fragmentos que reconstroem as vidas de Ambrosina e Michaela, antepassadas da autora. Ao aliar criação e pesquisa, Aline Motta expõe as várias formas de rasura que a herança colonial impõe à nossa história. Na orelha do livro, Ricardo Aleixo escreve: “No afã de dar corpo a esse ‘tentar narrar’ o talvez inenarrável – as lacunas, fendas, dobras, os invisíveis liames, os desvãos da história –, Aline nos oferta uma obra que, em suas palavras, resulta de um processo de criação tão obsessivo e extenuante que bem pode ser definido como uma espécie de possessão”. Saiba mais sobre A água é uma máquina do tempo.

 

Uma africana no Louvre, de Anne Lafont
“Uma africana no Louvre: o lugar do modelo”, de Anne Lafont. Bazar do Tempo, 2022. Foto: Reprodução

No quadro pintado em 1800 por Marie-Guillemine Benoist, então uma artista parisiense de 38 anos, uma jovem negra exibe uma pose ao mesmo tempo altiva e serena. A maneira como a bela africana é representada procede de uma construção revolucionária, tanto do ponto de vista artístico quanto do histórico. A obra mudaria de nome algumas vezes, acompanhando mudanças de perspectiva da própria história da arte, até que Madeleine, a modelo, aparece como protagonista de uma historiografia renovada pelas questões da África diaspórica na época do tráfico atlântico. Esta é a história que Anne Lafont quer contar: “Exposta no Louvre em 1800, a obra foi objeto de inúmeros comentários publicados em libelos e jornais da época. Logo, ainda seria possível acrescentar mais uma pedra ao seu edifício interpretativo, uma pedra colonial. É o que me proponho a fazer neste livro.”  A publicação, recém traduzida para o português pela Bazar do Tempo, ressalta a necessidade de revermos a história a partir de perspectivas de valorização das personagens negras, da reparação e da decolonialidade. Saiba mais sobre Uma africana no Louvre: o lugar do modelo. Em setembro, a tradutora da obra, Ligia Fonseca Ferreira, falou sobre o assunto no Seminário Cultura Democracia e Reparação, confira.

O futuro do museu: 28 diálogos, de André Szántó
“O futuro dos museus”, de André Szántó. Cobogó, 2022. Foto: Reprodução

Qual o papel dos museus nos dias de hoje? Em um mundo em que a desigualdade se aprofunda, em meio a crises políticas e ambientais, como combinar novas abordagens de curadoria, engajamento de público, tecnologia, inclusão e aprendizagem para expandir o papel da arte e da cultura na sociedade? Para entender os caminhos possíveis para essas respostas András Szántó, escritor e editor baseado em Nova York, entrevistou 28 curadores e diretores de alguns dos mais importantes museus de todos os continentes. O resultado é um livro que mostra uma paisagem museológica em transformação e aponta, de diversas formas, que os museus precisam se reinventar constantemente para, alargando a escuta e incorporando as diferenças, reafirmar o papel transformador da arte. Os museus devem existir tanto como lugares de guarda de patrimônio quanto de experimentação na arte e na sociedade – espaços públicos e plurais dedicados ao diálogo de perspectivas autônomas. Saiba mais sobre O futuro do museu.

Aberto pela aduana, de Eustáquio Neves
“Aberto pela aduana”, de Eustáquio Neves. Origem Editora, 2022. Foto: Reprodução

Produzido a partir da manipulação de materiais de arquivo, desenhos, colagens entre outras técnicas, o novo livro da editora Origem retoma a trajetória do fotógrafo Eustáquio Neves – artista mineiro, descendente de pessoas negras escravizadas, que em seu trabalho traz uma história de diásporas e resistências. A publicação nasceu de seu livro de artista que leva o mesmo nome, que faz parte do acervo do Museu Afro Brasil. “Apesar de ter uma estrutura geral semelhante a um livro, a obra é na verdade um objeto de arte que fala por si próprio. Segundo Eustáquio, o nome Aberto pela Aduana foi escolhido para estimular a discussão entorno das múltiplas violações do corpo negro, desde o tráfego negreiro aos dias atuais”, destaca o texto de apresentação. E completa: “Aduana, vale lembrar, é o nome dado a repartição governamental de controle do movimento de entradas (importações) e saídas (exportações) de mercadorias para o exterior ou dele provenientes. E é justamente neste ponto que as relações envolvendo a objetificação de milhares de corpos negros durante o tráfico atlântico e, na contemporaneidade, com os estratosféricos números de mortes por causas violentas de jovens negros em todo o território nacional, são traçadas.” Saiba mais sobre Aberto pela aduana.

“Arte Indígena no Brasil”, de Naine Terena. Editora Oráculo, 2022. Foto: Reprodução
Arte indígena no Brasil, de Naine Terena

A partir de passagens vividas e escutadas pelo mundo afora, a artista, professora e curadora Naine Terena escreve seu novo livro. Como explica a autora, a publicação não procura listar importantes nomes da cena artística, mas “convidar para tomar um cafezinho e falar de arte indígena e cotidiano […] sem pretensão de ser um referencial, mas apenas uma compilação de pensamentos compartilhados. Este texto nasce do anseio de responder alguns questionamentos que as pessoas me fazem, quando falar de arte indígena parece se tornar um imbróglio. Para isso trago algumas ‘imagens’ mentais como chaves interessantes para se pensar as atuações dos sujeitos locais e globais”.  Assim, caminha pelas ideias de midiatização, apagamento das culturas indígenas, ritos de passagem e nos convida a refletir sobre as relações arte e artefato, artista e artesão, cânones artísticos e outras estruturas de saber.  A publicação foi produzida pela Oráculo Comunicação, Educação e Cultura, criada em 2012 por Naine Terena com o objetivo de ser um empreendimento gerador de oportunidades e compromisso com temas que impactam na sociedade. O e-book está disponível de forma gratuita, clique aqui para baixar Arte indígena no Brasil: midiatização, apagamentos e ritos de passagem.

Poética do teatro-folia, de Larissa de Oliveira Neves
“Poética do teatro-folia”, de Larissa de Oliveira Neves. Editora Unicamp, 2022. Foto: Reprodução

O que há em comum entre uma peça escrita por Martins Pena em 1842 e uma escrita por Luís Alberto de Abreu mais de um século e meio depois, em 2010? Além de serem dois dramaturgos brasileiros, ambos observaram e projetaram a espetacularidade da Folia de Reis em suas obras. “Tal percepção criativa, a de conjugar performatividades populares com escrita teatral, tem sido utilizada por autores brasileiros desde que peças começaram a ser redigidas no Brasil”, destaca Larissa de Oliveira Neves. Em seu novo livro, a pesquisadora professora do Departamento de Artes Cênicas da Unicamp discorre sobre a poética do teatro-folia, trazendo à luz a possibilidade de pensar em tais formalidades cênicas enquanto uma poética brasileira. “Trata-se da primeira poética que observa as particularidades da escritura cênica nacional a partir de um parâmetro que se desvencilha de conceitos estrangeiros e demonstra como uma série de peças ganham um novo patamar estético quando analisadas por essa nova ótica”, destaca a descrição da editora Unicamp.  Saiba mais sobre Poética do teatro-folia.

Macacos, de Clayton Nascimento
“Macacos”, de Clayton Nascimento. Cobogó, 2022. Foto: Reprodução

A editora Cobogó lançou MACACOS: Monólogo em 9 episódios e 1 ato, de Clayton Nascimento. O livro consiste na dramaturgia da peça, apontada como uma das melhores do ano pela Folha de S.Paulo e vencedora de diversos prêmios. A partir de episódios de racismo, a encenação aborda o preconceito contra os povos pretos a partir do relato de um homem que busca respostas para o racismo que rodeia seu cotidiano e a história de sua comunidade.  Num fluxo de pensamentos, desabafos e elucidações, a peça traz cenas pautadas na história brasileira, como também em situações vividas por grandes artistas negros: Elza Soares, Machado de Assis e Bessie Smith, até alcançar relatos e estatísticas de jovens negros presos e executados pela polícia militar no Brasil de ontem e de 2022. “A dramaturgia deste trabalho parte da autoficção para estruturar uma narrativa com elementos épicos organizados cenicamente pela figura de um narrador potente, que atravessa tempos, viajando pela parte oculta, perversa, nada heroica da história”, analisa a dramaturga Dione Carlos no prefácio. Saiba mais sobre Macacos.

“Abdias Nascimento: um artista panamefricano”, organizado por Adriano Pedrosa e Aman Carnero. Masp, 2022. Foto: Reprodução
Abdias Nascimento: um artista panamefricano

Organizado por Adriano Pedrosa e Amanda Carneiro, este é o maior livro dedicado à produção artística de Abdias Nascimento – figura fundamental para a vida política e cultural brasileira recente e reconhecida por sua luta em torno da igualdade racial – abrangendo a fase mais prolífica do artista, de 1968 a 1998, e acompanha a exposição do mesmo nome no Museu de Arte de São Paulo Assis Chateaubriand: Abdias Nascimento: um artista panamefricano. O título remete, por um lado, ao pan-africanismo, e, por outro, à expressão “ladino-amefricano”, cunhada pela antropóloga brasileira Lélia Gonzalez (1935-1994) para se referir à cultura negra na América Latina. Ricamente ilustrada, a publicação inclui seis textos especialmente escritos para ocasião e dois textos históricos, reproduzindo 102 pinturas e desenhos, bem como cartazes, documentos e fotos. Trata-se de um livro indispensável para aqueles que desejam conhecer e se aprofundar sobre a excepcional produção artística de Abdias Nascimento e para os interessados na interlocução entre política e cultura visual de movimentos negros, afro-brasileira e da diáspora africana. Saiba mais sobre Abdias Nascimento: um artista panamefricano

“Pier Paolo Pasolini”, de Maria Betânia Amoroso. Editora Nós, 2022. Foto: Cortesia Editora Nós
Pier Paolo Pasolini, de Maria Betânia Amoroso

O livro é uma coletânea de textos de Maria Betânia Amoroso, pesquisadora que há décadas se debruça sobre o trabalho de Pasolini, artista frequentemente lembrado como cineasta, mas que também foi poeta, romancista, dramaturgo, jornalista, editor, tradutor, pintor e crítico de arte. O texto inicial da coletânea centra-se na vida e obra de Pasolini, relacionando-as com o esforço de atualização da Itália em relação ao capitalismo avançado. Já nos textos subsequentes, a autora concentra-se nos escritos dele. A abordagem caracteriza-se pela articulação sóbria entre vida, obra e história. Para os leitores brasileiros, o livro traz interesse especial: além de destacar um poema sobre o Brasil, também nos apresenta como foi a recepção e a interpretação dos seus livros por aqui, mostrando-nos em quais aspectos é pertinente relacionar centro e periferia do capitalismo, no que concerne à obra de Pasolini. Saiba mais sobre o livro Pier Paolo Pasolini, publicado pela editora Nós, e leia a matéria de Miguel Groisman sobre o centenário do artista.

“Raphael Galvez: Autobiografia”, Editora WMF Martins Fontes, 2022. Foto: Divulgação
Raphael Galvez: Autobiografia

Lembranças de familiares, com descrições das histórias dos imigrantes italianos e espanhóis que chegavam a São Paulo no final do século 20 e se empenharam pela sobrevivência, criação dos filhos e integração na nova cidade, abrem a autobiografia de Raphael Galvez. O livro oferece um relato detalhado da formação do artista na Escola Profissional e no Liceu de Artes e Ofícios, com foco especial na aprendizagem das técnicas de escultura. Por meio destas memórias se encontram informações sobre o ensino artístico mais tradicional em São Paulo, na primeira metade do século 20, seus métodos e seus mestres predominantemente de origem italiana e apegados ao legado clássico. Dá conta de sua atividade profissional de arte funerária e monumentos, e narra também os intervalos prazerosos com companheiros nos vários ateliês que frequentou e nas incursões a recantos bucólicos para pintar.  Evoca lembranças de diversas épocas, desde os encontros com Tarsila, Ramos de Azevedo e Enrico Vio, na juventude, passando pela convivência com os colegas no Sindicato dos Artistas Plásticos e do Grupo Santa Helena, até a convivência, na maturidade, com jovens que dele se aproximaram. Saiba mais sobre a autobiografia de Raphael Galvez clicando aqui e leia a coluna de Tadeu Chiarelli sobre o livro.

“Jair Glass – Introdução a escombros”, de Olivio Tavares Araújo, 2022. Foto: Reprodução
Jair Glass – Introdução a escombros, de Olivio Tavares Araújo

O livro resgata e registra a obra de Jair Glass que, por mais de cinco décadas, vem se dedicando à exploração do desenho, com a criação de um universo e imagética de extrema originalidade. Além de conter texto crítico sobre sua produção, apresenta uma criteriosa seleção de obras e um depoimento do artista sobre sua história. Curador, colecionador, jornalista e crítico de arte, Olívio Tavares de Araújo perpassa importantes momentos da história da arte ocidental, com menção a filósofos, músicos e pensadores que se debruçaram sobre o assunto, para construir um caminho contundente que nos leva ao trabalho de Glass no campo da arte Fantástica. Neste passeio por momentos-chave das artes, o autor menciona técnicas e mestres fundamentais tais como Rembrandt, Van Gogh e Beethoven a Picasso; objeta a mitificação dos artistas e a materialização das artes pelo poder do mercado, para então sobressaltar a singularidade de Glass – tanto em termos do seu conjunto artístico, quanto na forma de ser e estar no mundo, mencionando inclusive sua timidez social. Saiba mais sobre Jair Glass – Introdução a escombros.

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A partir de efemérides, ‘A parábola do progresso’ reflete sobre questões de raça, gênero e classe

Ani Ganzala, Odoyá, 2022. Foto: André Pitol
Ani Ganzala, Odoyá, 2016. Foto: Cláudio Colavolpe

Em cartaz até o dia 2 de abril, no Sesc Pompeia, a exposição A parábola do progresso parte de três marcos históricos brasileiros – o Bicentenário do Sete de Setembro (1822), os 100 anos da Semana de Arte de Moderna de São Paulo (1922) e o 40º aniversário da unidade Pompeia – para discutir os ideários de modernidade e independência do Brasil.

A mostra começou a ser concebida no primeiro semestre de 2021, por sua coordenadora curatorial, a crítica Lisette Lagnado, em parceria com a professora Mirtes Marins de Oliveira, mestre e doutora em Educação: História, Política e Sociedade, pela PUC-SP, que, posteriormente, saiu do projeto, por incompatibilidade de agenda. Inicialmente, o foco era mais restrito, buscava refletir sobre “como a Semana de 22 inside sobre os temas contemporâneos”, explica Lisette.

Em novembro de 2021, com o retorno de Lisette da Alemanha – onde atuou na equipe curatorial da 11ª Bienal de Berlim (2020) – para São Paulo, juntaram-se a ela dois curadores associados: Yudi Rafael e André Pitol. Com eles, a reflexão se ampliou, abarcando a efeméride do Bicentenário. Para Lisette, falar de modernidade implica falar em colonialidade. O que levou o trio de curadores a convidar “agentes coletivos para pensar aquilo que o moderno e a colonização implodiram, que são as vidas, as existências em comunidades”, explica Lisette.

Após uma pesquisa de campo, Lisette, Yudi e André reuniram o que denominam de “cinco espaços dialógicos”: o Acervo da Laje (do subúrbio ferroviário de Salvador, na Bahia), a Aldeia Kalipety (da cidade de São Paulo), a Casa do Povo (também da capital paulista), o Quilombo Santa Rosa dos Pretos (de Itapecuru Mirim, no Maranhão), e o Savvy Contemporary – the Laboratory of form-ideas (de Berlim, na Alemanha).

Os cinco territórios coletivos de A parábola do progresso alinhavam a produção cultural a uma perspectiva de cuidados e hospitalidade em relação às comunidades em seus entornos. Na exposição, esses projetos dialogam, por sua vez, com a proposta de “cidadela” concebida por Lina Bo Bardi (1914-1992) na arquitetura do Sesc Pompeia, “um espaço de convivialidade por excelência”, ressalta a curadora.

Questões de raça, gênero e classe são trazidas à tona pela equipe curatorial, ao confrontar obras de Tarsila do Amaral, Emiliano di Cavalcanti, Cândido Portinari, Vicente do Rego Monteiro, Lasar Segall e Anita Malfatti com a produção de artistas contemporâneos, como Ani Ganzala, Alice Yura, Barbara Marcel, Emilia Estrada e Márcia Falcão, entre outros.

arte!brasileiros visitou a exposição e conversou com Lisette, Yudi Rafael e André Pitol. Confira:

Leia também a crítica de Maria Hirszman clicando aqui.

SERVIÇO

A parábola do progresso
Curadoria: Lisette Lagnado; curadores associados: André Pitol e Yudi Rafael
Até 2 de abril de 2023
Área de convivência do Sesc Pompeia – R. Clélia, 93 – São Paulo (SP)
Horários: terça a sábado, das 10h às 21h; domingos e feriados, das 10h às 18h
Visitação gratuita

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EXCLUSIVO: Ministério da Cultura vem com novas secretarias e pente-fino na gestão Bolsonaro

Marcio Tavares, futuro secretário executivo do Ministério da Cultura. Foto: Reprodução/Página oficial do Partido dos Trabalhadores (PT)
Marcio Tavares, futuro secretário executivo do Ministério da Cultura. Foto: Reprodução/Página oficial do Partido dos Trabalhadores (PT)

Recém-confirmado no cargo de secretário executivo do futuro Ministério da Cultura, o historiador Marcio Tavares tem atuado em duas frentes para reverter a paralisia no setor imposta pela presidência de Jair Bolsonaro: uma administrativa, outra política. Na questão administrativa, está o desafio de se recriar, logo no primeiro dia do governo Lula, a estrutura do Ministério da Cultura. Em conversa exclusiva com a arte!brasileiros, Tavares adiantou que o corpo institucional a ser criado virá com diversas secretarias novas em relação à antiga estrutura. Uma das áreas será a das culturas populares, que ganhará destaque no novo MinC, agora com o status de diretoria. “Além de resgatar aquilo que já era objeto de atenção do ministério, teremos também uma área específica para tratar de transversalidade de gênero, com uma diretoria de Cidadania e Diversidade, entre outras novidades”.

No ato de reestruturação administrativa, um dos grandes desafios será o equacionamento dos recursos – a área da cultura, atualmente, abriga-se sob o guarda-chuva do Ministério do Turismo. Tavares não crê que isso seja um grande problema. “O orçamento atenta para as funções constitucionais, e a cultura é uma delas. O orçamento não é criado por ministérios, mas pelas chamadas funções constitucionais. Portanto, o Ministério da Cultura terá o seu orçamento composto pelo que está definido na função cultura, e certamente terá de ser aditivado, aumentado, porque o que o governo que está de saída deixou para o setor é extremamente baixo”, ponderou.

No campo político, a Lei Paulo Gustavo foi eleita a maior prioridade. Marcio e a futura ministra Margareth Menezes estiveram na terça-feira no Congresso para instar os parlamentares a liberar os recursos congelados pelo governo Bolsonaro. No início da tarde desta quinta-feira, 22/12, as conversas surtiram efeito: o Congresso Nacional liberou os R$ 3,8 bilhões previstos na lei, e o dinheiro já estará à disposição dos artistas a partir de janeiro de 2023. Será a maior injeção de recursos diretos que a cultura terá desde a criação de uma pasta federal destinada ao setor. “Isso vai abrir um espaço fiscal para o trabalho da cultura”, afirma.

Marcio Tavares abordou também os primeiros ruídos de comunicação que já rondam o ministério em formação, como uma suposta crise na sua nomeação como Secretário Executivo do novo Ministério da Cultura – noticiou-se que o nome de Zulu Araújo era ventilado também, mas foi preterido por Tavares ter ele a preferência de Janja, mulher do presidente Lula. “Nunca esteve posta essa intriga entre nós. A situação aqui é muito tranquila, uma relação de parceria, de amizade. A gente lamenta (as abordagens do tipo), mas estamos nos ocupando da reconstrução. A gente sabe o impacto que foi ter uma gestão cultural marcada pela ação da extrema direita, e nosso objetivo é fazer andar, é deixar tudo muito bem equacionado. Nossa meta é dar provimento a tudo que está negligenciado por paralisia de iniciativa política ou incompetência. Por isso, além do ‘revogaço’ que está sendo pedido ao presidente Lula, estamos prevendo aqui um ‘despachaço’, para fazer andar, dar segurança aos projetos e aos produtores culturais, sair da paralisia”.

Uma outra frente de ação do novo MinC será uma grande auditoria das ações da secretaria de cultura que se despede em janeiro, que conseguiu causar grandes abalos na estrutura republicana de gestão de recursos públicos. Segundo Marcio Tavares, será feito um pente-fino na atuação do período bolsonarista e “todo indício de malversação será encaminhado ao Ministério Público para investigação”, afirmou. A morosidade deliberada no exame e aprovação de propostas culturais para fomento da Lei Rouanet receberá atenção prioritária em janeiro, com o fim de “proteger as instituições culturais que dependem desses recursos” na formulação de seu planejamento anual.

Margareth Menezes também teve questionadas as contas da ONG na Bahia com a qual ela colabora como um tipo de madrinha. A associação foi condenada a devolver recursos ao Tribunal de Contas da União (TCU) em 2020, mas a responsabilidade jurídica não é da artista, não implicando qualquer impedimento para seu trabalho futuro. Ainda assim, o barulho foi grande. “Infelizmente, sabemos que o racismo, a misoginia, tudo isso tem um impacto grande ainda na forma como se aborda a gestão pública, mas estamos muito tranquilos”, afirmou Tavares. Margareth, inclusive, pretende cantar na Festa da Posse, já popularmente chamada de Lulapalooza, na Esplanada dos Ministérios, no próximo dia 1º. Ela tinha sido escalada para o show da posse antes mesmo de ser convidada para o cargo.

A nova direção do MinC informou que ainda não definiu os nomes de quem vai presidir as entidades vinculadas ao ministério, como o Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan), o Instituto Brasileiro de Museus (Ibram), a Fundação Nacional de Artes (Funarte) e a Biblioteca Nacional, entre outros.

A liberação dos recursos da Lei Paulo Gustavo projeta um início fora de série para o setor cultural do novo governo, após passar um período de perdas progressivas de recursos e pessoal – segundo o relatório final do grupo de transição governamental, divulgado também nesta quinta-feira, desde 2016 houve uma perda progressiva de recursos da ordem de 85% no orçamento da administração direta e 38%, na indireta. O Fundo Nacional de Cultura (FNC) teve uma redução de 91% em seus recursos no período.

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