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Livros: volta a série Imperdíveis

Jaqueta Branca ou O Mundo em um Navio de Guerra, Herman Melville, Carambaia

Confira os títulos destacados pela antiga CULTURA!Brasileiros, originalmente publicados em 2017 na série Imperdíveis.

Série Imperdíveis: livros para ler agora

O Progresso do Amor

Alice Munro, Tradução de Pedro Sette-Câmara. Biblioteca Azul, 384 páginas

Sexta coleção de contos da autora canadense. A história que dá título ao livro, lançado originalmente em 1986, reflete uma experiência autobiográfica. Trata de uma mulher divorciada que volta para a casa dos pais no interior e tem de lidar com a memória conturbada da infância.

Alice Munro, O progresso do amor, Biblioteca Azul

TRECHO 
“Eles não falavam por mal. Não tinham faro para perceber que alguma coisa devia estar errada. Marietta, porém, nunca conseguiu aguentar homens rindo. Havia sempre lugares pelos quais ela detestava passar, e ainda mais entrar neles, e era esse o motivo. Homens rindo.”

A AUTORA
Vencedora do Nobel de Literatura em 2013, Munro (1931) é tida como a “Tchekhov do Canadá”. Também ganhou o Man Booker Prize de 2009 e três vezes o Governor General’s Award.



De Tudo um Pouco

Ana Luisa Escorel. Ouro Sobre Azul, 220 páginas

Com edição bem cuidada, em capa dura e permeada de ilustrações, este pequeno livro traz textos escritos nos últimos 15 anos – de lembranças familiares, comentários literários e outros -, que estavam na gaveta ou que alimentaram o ótimo blog de mesmo nome.

TRECHO 

De Tudo um Pouco, Ana Luisa Escorel, Ouro Sobre Azul

“O Diabo andava muito desmotivado imerso num vermelho eterno, num excesso monocromático que não estimulava em nada as inquietações mentais dele. O tempo todo tudo igual, nenhum pontinho à volta que não fosse vermelho sangue,

vermelho escuro” (O Fastio do Diabo)

A AUTORA
Também designer e fundadora da editora Ouro Sobre Azul, Escorel (1944) venceu o Prêmio São Paulo de Literatura na categoria romance, com Anel de Vidro, em 2014.

 

 

Jaqueta Branca ou o Mundo em um Navio de Guerra

Herman Melville. Tradução de Rogério Bettoni. Carambaia, 464 páginas

Até agora inédito no Brasil, o romance se baseia numa das viagens marítimas de Melville, então um marinheiro de 24 anos. Em 1843 ele partiu de Honolulu numa fragata da marinha americana e passou pelo Rio de Janeiro, onde conheceu Dom Pedro II. A bela edição traz um glossário.

Jaqueta Branca ou O Mundo em um Navio de Guerra, Herman Melville, Carambaia

TRECHO 
“Em contraste com a luminosidade desses barões do Brasil, como empalideceram os cordões dourados dos barões da nossa fragata! E comparados com os longos floretes dos marqueses, os punhais de nossos cadetes de famílias nobres pareciam pregos dourados presos na cintura.”

O AUTOR
Melville (1919-1891) é o autor de Moby Dick, lançado em 1850, e Bartleby, o Escrevente, publicado originalmente na coletânea The Piazza Tales, em 1856.

 

 

Machado

Silviano Santiago. Companhia das Letras, 422 páginas

Misto de romance, ensaio e biografia, centra-se nos últimos dias de Machado de Assis. Viúvo, o autor de Dom Casmurro testemunha a modernização do Rio de Janeiro ao mesmo tempo que tem de lidar com a própria decadência, intensificada por fortes crises de epilepsia.

TRECHO 

Silviano Santiago. Machado, Companhia das Letras

“Poucas vezes fala a amigos da solidão angustiante por que passa e jamais exige a adesão sentimental dos escritores que lhe são próximos. Continua homem educado, operoso, fino e aflito. Aflitivo para alguns, já que o rosto se tornou ultrassensível às náuseas súbitas (…)”

O AUTOR
No romance Em Liberdade, Santiago também trata de um escritor brasileiro: Graciliano Ramos; e em Viagem ao México, escreve sobre Antonin Artaud.

 

O Ruído do Tempo

Julian Barnes. Tradução de Léa Viveiros de Castro. Rocco, 176 páginas

Celebrado pelo regime soviético na mesma medida em que foi perseguido, o compositor Shostakovich, um dos maiores do século XX, recebe aqui fino tratamento ficcional. Barnes, porém, não deixou de lado registros históricos como a própria autobiografia do angustiado músico russo.

Julian Barnes, O Ruído do Tempo, Rocco

TRECHO 
“À medida que o avião parecia alcançar camadas sólidas de ar, ele tentava se concentrar no medo imediato: de imolação, de desintegração, esquecimento instantâneo. O medo faz surgir outras emoções também; mas não a vergonha. Medo e vergonha se reviravam juntos em seu estômago.”

O AUTOR
Um dos grandes autores ingleses, Barnes é conhecido por O Papagaio de Flaubert e O Sentido de um Fim, que lhe rendeu o Man Booker Prize em 2011.

 

 

Walter Benjamin – uma Biografia

Bernd Witte. Tradução de Romero Freitas. Autêntica, 160 páginas

Registro breve da história do pensador alemão (1892-1940). O estilo é fluente, mas há densidade. O autor narra os fatos cronológicos: carreira, amigos, amantes, sem perder de vista a dimensão filosófica de Benjamin, além de tratar com delicadeza o aspecto trágico de sua vida.

TRECHO 

Bernd Witte., Walter Benjamin – Uma Biografia, Tradução de Romero Freitas. Autêntica

“Nessa situação precária, sua viagem a Moscou (…) para visitar Asja Lacis, é como se fosse uma fuga para frente. Mais uma vez (…) a nostalgia pela mulher amada que o havia aproximado ao marxismo como força política viva produziu uma ruptura.”

O AUTOR
Presidente da Sociedade Internacional Walter Benjamin e professor de Teoria Literária, Witte publicou diversos livros sobre autores alemães e judeus dos séculos XVIII e XX.

 

A Cura pelo Espírito

Stefan Zweig. Tradução de Kristina Michahelles. Zahar, 360 páginas

No perfis biográficos de Franz Mesmer, estudioso do hipnotismo, de Mary Baker Eddy, fundadora da seita ciência cristã, e principalmente de Freud, Zweig buscou demonstrar a importância da busca de si mesmo. A edição traz a inédita correspondência entre o autor e o pai da psicanálise.

Stefan Zweig, A cura pelo espírito, Tradução de Kristina Michahelles. Zahar,

TRECHO
“A medida mais segura de toda força é a resistência que ela consegue vencer. Assim, a façanha de demolição e reconstrução empreendida por Sigmund Freud só se revela plenamente se contraposta ao modo como se via (…) o universo dos impulsos humanos antes da Guerra”.

O AUTOR
Há 75 anos Zweig se matava em Petrópolis. Sua obra vem sendo sistematicamente reeditada, o que inclui Autobiografia: o Mundo de Ontem e Novelas Insólitas.

 

 

Caminhos Divergentes

Judith Butler. Tradução de Rogério Bettoni. Boitempo, 240 páginas

Ensaio em que a autora busca fazer uma crítica ao sionismo político e à violência do Estado israelense por meio da própria tradição intelectual judaica. Verdadeiro impulso ético, suas fontes estão no pensamento de Walter Benjamin, Hannah Arendt, Emmanuel Lévinas e Primo Levi.

TRECHO 

Judith Butler, Caminhos divergentes, Tradução de Rogério Bettoni. Boitempo

“(…) alguns aspectos da ética judaica exigem que nos distanciemos de uma preocupação voltada apenas para a vulnerabilidade e o destino do povo judeu. (…) é uma resposta às reivindicações de alteridade e cria base para uma ética na dispersão.”

A AUTORA
Referência nos estudos queer, Butler (1956) tem diversos livros publicados no Brasil, como Problemas de Gênero, Relatar a Si Mesmo, Quadros de Guerra e O Clamor de Antígona.

Debate na PUC-SP aborda o livro sobre Walter Benjamin

Passages - Homage to Walter Benjamin, Dani Karavan (Divulgação)

No dia 24 de setembro, o auditório Dom Paulo Evaristo Arns, na PUC-SP, recebeu o debate em torno da reedição do livro “Walter Benjamin: os cacos da história”, de Jeanne Marie Gagnebin. Promovido pela Universidade junto ao programa de Pós-Graduação e o Instituto Internacional de Estudos Contemporâneos, Jeanne Marie convidou Carla Milani Damião e Marc Beret para somar à conversa, cujas análises atualizam os escritos de 1982 para os dias atuais.

 

“O livro é antigo, para não dizer clássico”, 

Foto: Divulgação Editora N-1

brincou Gagnebin, arrancando risos dos presentes. A autora conta que a capa da reedição do exemplar da Editora N-1, foi baseada na homenagem prestada à Benjamin pelo artista israelense, Dani Karavan. “O artista fez uma escultura de ferro, como se fosse um túnel escuro no qual pouco a pouco, se enxerga o mar e a luz no fim do túnel. A gente precisa dela”, menciona em referência à atual situação política brasileira.

Walter Benjamin escrevia para si mesmo

Jeanne Marie critica o academicismo, que conduz a escrita filosófica pelas publicações, e enfatiza a escrita enquanto autorreflexão e análise histórica, como fazia Benjamin. “Quando penso na República de Weimar e em nossa situação hoje, me assusto com a República do Brasil. E também com esse fascismo cotidiano e a demanda por autoridade. Muito estranho e cruel é que me parecia haver em 1982, um período ditatorial, mais esperança no ar do que há hoje”, comenta.

Foto: Nayani Real

O título dado ao livro coloca os cacos como a resistência ainda necessária em 2018. “Eles são as coisas que se quebram e tendemos a pôr no lixo ou que não sabemos para que servem. Hoje os cacos nos dão uma dica para ficarmos atentos àquilo que é pequeno e por enquanto não tem serventia alguma, que pensamos não valer a pena guardar mas talvez sejam pequenos cacos de resistência”, analisa Jeanne Marie.

Beret aponta a amizade entre Benjamin e Bertolt Brecht como um símbolo de aliança contra as forças reacionárias do fascismo que se via àquele momento, com duas estratégias filosóficas, e elogia o trabalho de Jeanne Marie em restituir a obra de Benjamin sem perder a relevância do trabalho filosófico.

A professora na Faculdade de Filosofia da Universidade Federal de Goiás (FAFIL-UFG), Carla Milani Damião, trouxe o exemplo da história da Independência Baiana para falar do efeito salvador da destruição, apontado em verbete de Dag T. Andersson sobre o conceito Benjaminiano.  “O aspecto salvador da destruição é a marca da memória, e a memória pode ter a marca brutal da intervenção destrutiva dirigida contra o esquecimento da tradição. A história, diz Benjamin, não é apenas uma ciência, mas uma forma de memória.  A memória dá ao passado um espaço no qual este não está exposto ao progresso, o progresso é o desastre como a tempestade anunciada. Sofrimentos passados e opressão não serão esquecidos em nome do futuro”.

Damião analisou as ideias de Benjamin repercutem com clareza no exemplo no sentido de que o gesto destruidor alegórico se caracteriza como um grito político e nos desdobramentos criativos de um grupo. E finaliza “Hashtag Ele Não”.

 

VKHUTEMAS: O futuro em construção (1918-2018)

A exposição VKHUTEMAS: o futuro em construção, apresentada no Sesc Pompeia até 30 de setembro, comemora o centenário da instituição universitária soviética homônima, reunindo peças de arte e design que foram desenvolvidas por nomes que passaram por lá.

É a primeira vez nas Américas que é apresentada uma grande variedade de obras referentes à escola, obras essas que foram recriados para a mostra.

Os curadores Neide Jallageas e Celso Lima reuniram cerca de 300 trabalhos de 75 artistas, provenientes dos 100 membros e mais de 2500 alunos que passaram pela VKHUTEMAS.

Criada a partir de uma junção entre a Escola de Pintura, Escultura e Arquitetura de Moscovo e a Escola Stroganov de Artes Aplicadas, a instituição nasceu a partir de um decreto de Vladimir Lenin, impulsionado por um desejo da Revolução Russa de formar excelentes profissionais das artes, tendo projetos importantes nas áreas de moda, design, arquitetura, estamparia e mobiliário.

A instituição teve como base a vanguarda do pensamento estético, especialmente no que dizia respeito ao futurismo, ao racionalismo, ao suprematismo e ao construtivismo.

Na exposição, o público encontra obras de grandes nomes como Ródtchenko, Popova, Tátlin, Kandinski. As peças vão desde roupas até pisos hidráulicos para banheiro, passando por móveis e objetos de cerâmica, entre outros, mostrando um vasto cenário de criações do movimento.

 

Está muito difícil fazer cultura no Brasil

Lenora de Barros, "Homenagem a George Segal", 1984/2006.

 

O que há além da arte nas imagens de Ana Maria Maiolino na série Poemação da década de 70, na obra “O que sobra”, onde ela corta sua língua, seu nariz? O que há além de uma imagem perturbadora, instigante? Na fala dela “são imagens, reflexos de emoções que se sustentam na resistência. Uso meu próprio corpo não como uma metáfora, mas como uma verdade, algo que pertence ao domínio do real, dado que, em um momento de repressão e tortura como o da ditadura, todos os corpos tornam-se um na dor”. [A pele de Anna: Anna Maria Maiolino. Ed.Cosac Naify, 2016]. Ou nas obras de inúmeras mulheres que se utilizaram da ironia só para denunciar o lugar de invisibilidade em que foram colocadas num mundo de homens.

O que há além da arte nas obras de artistas que construíram seu trabalho baseando-se nas pesquisas de documentos secretos. Colocando luz no não dito, no censurado, no apagado.

O que há além da arte no Século XXI, numa Bienal que se constrói em torno de um novo mapa global. E outra que decide ter maioria negra no seu grupo curatorial. E quando artistas de diversos lugares do mundo, usam das mesmas metáforas visuais, em diferentes suportes para denunciar a xenofobia de seus países para com imigrantes. Países esses, na sua maioria de colonizadores.

A transcendência, um dos arcabouços da arte, hoje está impregnada não só pela força da aura, ou pela poética de que nos encanta e sim, também, pela sua capacidade de trazer a tona silêncios e memórias, num tempo acelerado que não quer saber.

Esta edição que acompanha a realização do nosso V Seminário Internacional, coincide com a abertura de exposições onde a radicalidade aparece das mais variadas formas.

Ficou muito difícil fazer cultura no Brasil. Nossa cultura está sendo queimada, literalmente. Não se trata apenas de descaso, é desinvestimento planejado, é uma escolha e, afinal, uma escolha de pessoas ineptas de pessoas cujos interesses são somente individuais, e predadores. São pessoas capazes de cumprir com a missão da destruição.

Pensar em cultura é pensar no outro. É pensar em como criar pontes, como enxergar o outro e como ouvir, como fazer conhecer, como incluir.

Tudo isso, aqui, está desaparecendo.

Existem dois Brasis: um que quer cuidar da memória, aprender com os erros e crescer; o outro quer fazer de conta que o diferente não existe. Para que cuidar ou investir no trabalho de educadores, de pesquisadores? Para que cuidar das obras de artistas se elas não estão à venda? Se elas não estão à venda, elas não valem nada.

Que dizer da vida, então?

Esse Brasil regido pela ambição, o poder e o obscurantismo está nos matando. O incêndio do Museu Nacional, que acabou com obras milenares, nos pegou em cheio porque ele foi um sintoma. Um sintoma que alerta para o que está se deixando de fazer e, pior, para o que está sendo feito.

A arte é uma ferramenta, um grito que nos permite continuar e ir em frente.

Nesse sentido, talvez não exista nada… além da arte.

O vídeo que abre a exposição Mulheres Radicais, em cartaz na Pinacoteca do Estado de São Paulo, Me gritaron negra!, da artista e poeta afro-peruana, Victoria Eugenia Santa Cruz, é um tapa na cara.

Histórias Afro-atlânticas traz debate necessário de forma convencional

Titus Kaphar, Space to Forget (Espaço para Esquecer), 2014

Ao expor “a arte do mundo colonizado ou pós-colonial, mostrando a obra dos marginalizados ou das minorias, desenterrando ‘passados’ esquecidos ou abandonados – tais projetos curatoriais acabam apoiando a centralidade do museu ocidental”, afirma o indiano Homi Bhabha, em citação usada por Adriano Pedrosa no catálogo de Histórias Afro-Atlânticas, em cartaz no Instituto Tomie Ohtake (Ito) e no Museu de Arte de São Paulo (Masp) até 21 de outubro.

A questão é essencial quando museus por todo mundo buscam ampliar seus públicos dialogando com comunidades até então distantes e sem presença no cotidiano dessas instituições. Contudo, como é possível se aproximar desses públicos usando uma linguagem museológica que pertence a uma tradição que lhes foi negligenciada e, por que não dizer, mesmo negada? É possível uma virada efetiva nas políticas de inclusão dos museus sem de fato rever suas próprias práticas?

Histórias Afro-Atlânticas, organizada por cinco curadores, é superlativa nos números – mais de 400 obras, oito módulos, ocupando quase por inteiro duas instituições – mas pouco arrojada quando se trata de pensar em como se tratar de um tema mais que necessário sem recorrer aos mesmos dispositivos expositivos convencionais de sempre.

O Masp de Adriano Pedrosa tem se caracterizado por render uma série de homenagens a Lina Bo Bardi (1914 – 1992), a figura mais inovadora quando se trata de repensar o museu, mas incapaz de propor novos modelos no século 21.

A necessidade e urgência do tema de Histórias Afro-Atlânticas é inegável, especialmente em um país com maioria negra, com essa população sub-representada em todos os níveis de poder, especialmente o das artes. Por isso, a famosa faixa Onde estão os negros?, do coletivo Frente 3 de Fevereiro, que na abertura da mostra foi exposta no Ito, e em julho, no Masp, se torna uma pergunta mais que eloquente.

Afinal, nos círculos de poder de ambas as instituições, onde estão os negros?. Entre os cinco curadores – Pedrosa, Ayrson Heráclito, Hélio Menezes, Lilia Moritz Schwarcz e Tomás Toledo – eles são minoria, mas ao menos estão presentes. Contudo, no conselho, na direção do museu, na curadoria permanente, a questão se torna pertinente mas inconclusa.

Não há dúvida que a pesquisa é extensa e a mostra abarca uma compilação abrangente de obras, desde as imensas pinturas de Albert Eckout (1610 – 1665) retratando um casal de escravos, em 1641, uma das primeiras imagens produzidas na América, até trabalhos comissionados para a mostra. Contudo, o procedimento que vem sendo adotado nas exposições do Masp, em agrupar trabalhos por temáticas, em módulos como Ritos e Ritmos, onde há uma exaustão de pinturas retratando festas e cerimônias afro, simplifica por demais as obras, além de as transformarem em ilustrações de um conceito.

Dos oito módulos da exposição, o mais vibrante, tanto por seu conteúdo temático, como pela forma expositiva, é Resistências e Ativismos, com curadoria de Menezes e Schwarcz. Nele, a tônica está em representações que apontam para o empoderamento negro, tanto através das religiões afro, em imagens de Pierre Verger, quanto dos Panteras Negras, em foto atribuída a Blair Stapp. Entre os destaques ainda está a pintura “Mãe Preta ou A fúria de Iansã”, de Sidney Amaral, morto precocemente no ano passado. Não há aqui um agrupamento meramente formal, como ocorre nos módulos do Masp, mas uma reunião de intensos diálogos.

Histórias Afro-Atlânticas é uma espécie de continuação de Histórias Mestiças, realizada no próprio Ito, há quatro anos, organizado então por Pedrosa e Schwarcz, na época curadores
independentes. Agora, ambos participando de uma instituição do porte do Masp, era de se esperar que a mostra não ficasse apenas em uma revisão da história da arte, mas em novas atitudes dentro do museu. Essa questão não parece respondida com a mostra.

Isabelle Borges: Campos Sintéticos

The Plan, nr. 11, 2018

por Tereza de Arruda, de Berlim, setembro 2018

 

Aartista Isabelle Borges residente em Berlim há duas décadas apresenta sua mostra individual Campos Sintéticos idealizada para a Galeria Emmathomas sob curadoria de Ricardo Resende. Este é seu retorno a São Paulo após a mostra individual Seta do Tempo (Arrow of Time) realizada em janeiro de 2013 no MUBE – Museu Brasileiro da Escultura e Ecologia, em São Paulo.

A artista mantém-se fiel à expansão da pintura por ela cultuada em intervenções espaciais, colagens e objetos oriundos de sua visão pluralizada. A pintura de Isabelle Borges exalta elementos subjetivos e orgânicos delimitados por formas, traços e contornos definidos criando uma dinâmica própria e diálogo entre obra e público através de seu caráter envolvente como em uma imagem tridimensional ou mesmo escultural.

Sua produção é norteada por tendências respaldadas na tradição artística brasileira e alemã como por exemplo o concretismo e seus infinitos desdobramentos conceituais e estéticos. O concretismo que surgiu na Europa e teve seu apogeu na década de 60 quando Max Bill lecionava na Escola de Design de Ulm atingiu o Brasil quase que   simultaneamente e foi propagado por artistas locais como Lygia Clark, Amilcar de Castro, Franz Weissmann e Lygia Pape.

The Plan, nr. 11, 2018. Acrílica sobre tela e instalação

O concretismo é repleto de raciocínio e ciência, características visíveis também nas pinturas elaboradas por Isabelle Borges que tem cálculos de matemática como alicerce de sua obra a exemplo de um origami. Esta técnica de dobradura inclusive deixou de ser propagada por artesões nos últimos anos a fim de atender a ciência, tecnologia e indústria a exemplo da cátedra criada no MIT, renomado Instituto de Tecnologia de Massachussets, o qual difundiu esta técnica através de um programa específico de computador  formalizando novo princípio de matemática criando ferramentas específicas para que o mundo possa se “desdobrar” de forma mais efetiva.

Circle, nr. 5, 2018

Em Campos Sintéticos o espectador é recepcionado por uma vasta intervenção espacial efêmera concebida para o espaço da galeria e ao mesmo tempo atuando como suporte das pinturas que a complementam. Aos poucos os elementos pictóricos criam autonomia e podem ser observados isoladamente. Neles traços, cores e formas se complementam e contrapõem expandindo sua área de atuação através de reflexos, sombras e planos inusitados como no conto o Jardim das Veredas de Jorge Luis Borges que a inspirou onde supostamente todos os caminhos interpretativos são provisórios e simultaneamente plurais.

 

 

Diferentes perspectivas globais de experimentação no V Seminário da ARTE!Brasileiros

 

Realizado na quinta-feira, dia 6 de setembro, no Auditório Ibirapuera, o V Seminário Internacional ARTE!Brasileiros, intitulado “Arte Além da Arte”, contou com a participação de importantes artistas, curadores, diretores de museus e historiadores de arte de vários países. O evento começou pela manhã com a projeção do trabalho “Again”, do alemão Mario Pfeifer, e com o painel “Geopolítica e Arte” e seguiu à tarde com a mesa “A Arte Além da Arte”, com participação de Gabriel Péres-Barreiro, Nydia Gutierrez, Paulo Tavares e Anneliek Sijbrandij.

Gabriel Péres-Barreiro, curador da 33a Bienal de São Paulo

Primeiro a fazer sua apresentação, Péres-Barreiro, curador da 33a Bienal de São Paulo, falou sobre a proposta curatorial que resultou na mostra “Afinidades Afetivas”, em exposição até dezembro no Pavilhão do Parque Ibirapuera. Na verdade, mais do que explicar a linha curatorial, ele se propôs a falar um pouco sobre o processo de criação da mostra. “Todos vocês podem ir lá ver e formar suas próprias opiniões, ter suas próprias experiências, então não faz sentido eu explicar como é esta bienal.”

Perés-Barreiro se propôs, assim, a fazer uma breve reflexão sobre o estado atual da curadoria contemporânea. “Quando você é chamado para fazer uma bienal já surge toda uma especulação sobre qual vai ser a temática, quem serão os artistas e qual vai ser o conteúdo. Como se, a partir do convite, isso tudo já fosse uma certeza. Eu quis fazer um trabalho em que o processo em si fosse criativo e gerasse os conteúdos, algo que não se limitasse ao poder autoral do curador e dos circuitos e pessoas que esse curador conhecesse.”

Assim se deu a proposta de dividir a curadoria da mostra – algo que Barreiro já havia tentado em escalas menores – com outros artistas, como modo de fugir de modelos de bienais “que muitas vezes estão ficando repetitivas”, disse ele. “Essa figura do artista curador não é novidade, mas forma uma certa história paralela a essa coisa do curador profissional, de uma curadoria que se dá de cima para baixo.”

Daí surgiu o convite aos sete artistas que dividem com Barreiro a curadoria da 33a Bienal, numa tentativa de trabalho horizontal e que fugisse da exposição de “discurso único”. “Gostaria de pensar que hoje estejamos prontos para pensar uma mostra que tenha diversidade na sua própria estrutura”, disse Barreiro.

O curador ressaltou ainda características positivas que enxerga nas estruturas das duas principais Bienais que acontecem no Brasil, a de São Paulo e a do Mercosul, ou seja, “a estabilidade e as condições de trabalho oferecidas, tanto para curadores quanto para os artistas”. Barreiro afirmou que, em suas organizações e condutas, estes eventos estão muito mais consolidados do que muitos outros mundo afora. “O que a gente propõe é realizado exatamente como queremos, com todo o apoio.”

Barreiro destacou também a importância do programa educativo da Bienal de São Paulo, que faz com que a mostra tenha força durante todo o período em exibição e um número enorme de visitações. “Há bienais pelo mundo em que no começo estão todas as celebridade do universo da arte, todas as obras bem cuidadas, e depois elas ficam abandonadas e vazias. Isso não acontece aqui.”

Por fim, Barreiro falou sobre a estranheza de estar comemorando a abertura desta bienal produzida com toda a estrutura necessária e com bons recursos na mesma semana em que o Museu Nacional pegou fogo no Rio de Janeiro. “É muito triste, é muito difícil viver esse momento de celebração, em uma instituição que funciona, assistindo tamanha tragédia acontecendo em outra que ficou abandonada pelo Estado.”

A segunda fala do painel foi da venezuelana Nydia Gutierrez, diretora artística do Museu de Antioquia, em Medellín, na Colômbia, e diretora-artística do Encontro Internacional de Arte de Medellín (MDE15). Gutierrez iniciou sua apresentação falando sobre a localização do Museu de Antioquia em uma cidade que foi, nos anos 1980 e 1990, uma das mais violentas do mundo, dada a guerra de cartéis de drogas que tomou conta da Colômbia. Como consequência, no entanto, houve a partir dos anos 2000 uma enorme reação da sociedade e de prefeituras que ajudaram a revitalizar Medellín.

Sobre este período, Gutierrez falou também da importância de o museu ter recebido uma enorme coleção de obras de Fernando Botero, doada em 2000, não só pela qualidade artística do pintor e escultor, mas por esta coleção atrair um vasto público para as atividades da instituição desde então. Foi neste momento que Antioquia passou a ser o museu mais popular da cidade e pode se mudar para um grande edifício no centro da cidade.

Segundo a diretora, a instituição, com 137 anos de existência, quer definir-se hoje como um museu contemporâneo a partir do modo como trabalha e interage com seu entorno. “Mas entendemos a contemporaneidade a partir da instituição, não do objeto. Ou seja, não somos um museu de arte contemporânea, mas um museu contemporâneo, que abriga a coleção histórica mais importante da região”, afirmou. “Pois cuidar de uma coleção histórica implica um permanente reconhecimento do presente que atualize continuamente a visão do passado.”

Além desta premissa de “revisar criticamente os legados que nos foram deixados”, como explicou Gutierrez, há também o compromisso de se voltar para as populações mais oprimidas e vulneráveis e de dialogar com o entorno urbano. “O compromisso social é um dever para o museu.” Isso se dá, por exemplo, no trabalho em diálogo com as populações de Medellín e com o território onde o museu está localizado, no centro histórico. “Mas não devemos esquecer que somos uma instituição de arte, não uma ONG ou outro tipo de organização.”

A partir daí a diretora falou de uma série de projetos realizados pelo museu ao longo dos anos, como o Encontro Internacional de Arte de Medellín de 2015, intitulado “Histórias Locais/ Práticas Globais”. Para além das exposições no museu, outras mostras se espalharam por espaços independentes da cidade, na tentativa de dialogar com o maior número possível de pessoas, muitas vezes também em espaços públicos e abertos.

Após Péres-Barreiro e Gutierrez, foi a vez da holandesa Anneliek Sijbrandij falar sobre o projeto Verbier Art Summit, fundado por ela e realizado desde 2017 na cidade suíça de Verbier, nos Alpes, a 1500 metros de altitude. O evento, que reúne influentes artistas, pensadores, galeristas e colecionadores de vários cantos do mundo e que a cada edição se pauta em um grande tema, se propõe a ser um espaço multidisciplinar de discussão e inovação que, segundo Sijbrandij, “possa trazer de volta o valor cultural da arte”.

Para a diretora, a busca é por realizar conversas aprofundadas que possam ter influências reais no mundo da arte ao debater as complexidades do sistema vigente. Segundo Sijbrandij, a localização do evento em uma pequena cidade em meio às montanhas nevadas da Suíça possibilita que os participantes se distanciem de suas vidas cotidianas. “Isolados das distrações da vida urbana, as pessoas podem focar, trocar ideias, socializar e se conectar.”

Iniciativa independente realizada por uma organização não lucrativa, o Summit debateu, nas edições anteriores, o crescimento dos museus e a arte na era digital. O primeiro evento teve curadoria de Beatrix Ruf, do Stedelijk Museum Amsterdam, e o segundo de Daniel Birnbaum, do Moderna Museet Stockholm.

A próxima edição, de 2019, tem curadoria do alemão radicado no Brasil Jochen Volz, curador da 32a Bienal de São Paulo e atual diretor da Pinacoteca. Intitulado “We are many: art, the political and multiple truths”, o Summit debaterá as múltiplas narrativas artísticas e políticas em um mundo marcado pela incerteza. Participarão, entre outros, os artistas Tania Bruguera, Grada Kilomba, Ernesto Neto e Naine Terena, a curadora Gabi Ngcobo, o sociólogo Boaventura de Sousa Santos, a diretora da Tate, Maria Balshaw, e o neurocientista Wolf Singer.

Para alcançar um público maior do que os participantes que conseguem se deslocar para Verbier, o Summit disponibiliza online todas as discussões e debates, em geral com live streaming, e organiza todo ano uma publicação impressa.

O último participante a falar no painel “Arte Além da Arte” foi Paulo Tavares, co-curador da próxima Bienal de Arquitetura de Chicago e professor da Universidade de Brasília. Tavares iniciou sua fala propondo uma pergunta: “Se a cidade e o território são direitos, pode ser a arquitetura concebida como uma forma de advocacia deste direito? E o que isso significa?”.

O arquiteto e curador apresentou o projeto Memória da Terra, relacionado ao processo de deslocamento forçado dos índios Xavante do Mato Grosso, no qual, justamente, a arquitetura – “o desenho, a modelagem, o mapeamento” – são utilizados como instrumento de advocacia de direitos.

“É preciso dizer que o processo de modernização do território brasileiro tem uma fundação intrinsicamente colonial”, disse ele. Tavares afirmou que o projeto de destruição ambiental vivido pelo Brasil no século 20, especialmente no período da ditadura militar, foi também um projeto arquitetônico de território. Ele discorreu sobre o que foi chamado de “processo de pacificação”, ou seja, a criação de postos indígenas que concentraram as populações ameríndias e, retirando-as de seus territórios originais, liberaram as terras para exploração.

Dada a dificuldade de mapear fisicamente o desaparecimento de populações indígenas, justamente pela falta de registros governamentais, o projeto Memória da Terra passou a investigar a remoção forçada dos povos Xavante de seus territórios a partir das imagens existentes. Com fotos feitas por jornalistas da época sobre a “conquista” das terras indígenas, Tavares e os outros integrantes do projeto passaram a fazer uma espécie de “arqueologia da imagem”, utilizando estratégias da arquitetura para reconstituir o mapa dessas aldeias desaparecidas.

Assim, relacionando o desenho das aldeias – sempre uma espécie de estrutura em arco – vistos nas fotos com imagens de satélites antigas recentemente tornadas públicas pelos EUA, os pesquisadores do projeto conseguiram mapear as aldeias. Também se utilizaram das marcas que se podem ver nos territórios, como assinaturas no chão, definidas pelo padrão botânico. “As árvores cresceram na mesma estrutura em arco em que eram desenhadas as aldeias. Assim, a história desse povo continua registrada na própria composição botânica da floresta.”

Esse desenho botânico, portanto, é fruto direto da arquitetura dessas aldeias, explicou Tavares. “São produtos das ruínas, mas são ruínas vivas. Podemos então entender árvores e plantas como monumentos históricos? Pode ser a floresta considerada um patrimônio urbano, arquitetônico? Pode ela ser vista como cultura, não natureza?”

Considerando a resposta positiva para estas questões, o projeto se desdobrou em um relatório que, junto com as outras provas colhidas pelo Ministério Público, servem como “material evidenciário” para uma petição que foi feita ao Iphan e a Unesco para que este solo seja considerado um patrimônio arquitetônico. O trabalho tem sido feito também em parceria com as populações indígenas da região, como mostrou Tavares ao longo de sua exposição.

Morre Almir Mavignier, expoente do construtivismo

Geometría é a matriz da obra de Almir da Silva Mavignier, artista carioca que morreu no início deste mês em Hamburgo, onde morava. Ele é um dos nomes seminais da abstração geométrica brasileira e, com Mário Pedrosa, Ivan Serpa e Abraham Palatnik criou o núcleo de arte construtiva do Rio de Janeiro, no fim dos anos 1940.

Sua aproximação natural com o geometrismo começa ainda no Brasil, quando problematiza a rigidez e a interpretação gestual do formato inflexível do movimento, ao qual esteve ligado toda sua vida. Recordo que em 1987, quando visitei Mavignier em Hamburgo, na Alemanha, com Ana Mae Barbosa e o crítico Reynaldo Roels, em sua casa ateliê, compreendi o universo de Mavignier, o registro visual e linguístico inspirados em uma estrutura lírica, limpa e asséptica. O movimento corporal, seu modo simples, mas refinado de receber e falar português sem sotaque, apesar dos mais de 50 anos de Alemanha, tudo parecia extensão de sua elegante obra. Assim como Geraldo de Barros e Alexandre Wollner, Mavignier também cursou e ensinou na Escola Superior da Forma, de Ulm, na qual Max Bill, premiado na 1ª Bienal de São Paulo em 1951, foi seu professor.

Falar da produção de Mavignier requer imaginação analítica. A arte para ele é como um olho com retina repleta de ângulos, linhas, pontos, que ilustram um perfeccionismo formal pouco visto na arte brasileira. Sua trajetória  começa em 1946 no Rio de Janeiro, onde estuda pintura com Árpád Szenes e, cinco anos depois, já expõe no Museu de Arte Moderna de São Paulo, onde tem contato com as obras de Willi BaumeisterRichard Paul LohseCamille Graeser e Verena Loewensberg que o influenciam fortemente. Seu interesse por outsiders o aproxima da psicanalista Nise da Silveira e, entre 1946 e 1951, monta um ateliê no hospital psiquiátrico do Engenho de Dentro, no Rio. A vivência com esses pacientes reforça sua ideia de que a fantasia criativa nasce no interior do indivíduo. Nos anos iniciais, Mavignier produz trabalhos abstratos, desenvolvidos entre a forma geométrica e a figuração orgânica. A experiência com Nise da Silveira o aproxima do crítico Mário Pedrosa e dos artistas Ivan Serpa e Abraham Palatnik, o que muda radicalmente seu trabalho. Mavignier se deixa influenciar pela tese de Pedrosa A Influência da Teoria da Gestalt sobre a Obra de Arte que o faz compreender que o conteúdo de uma forma não se encontra na sua associação com formas da natureza. “Esse conhecimento me permitiu abandonar uma pintura naturalista e iniciar uma pintura de pesquisas concretas de formas livres de associações”.

Destino natural de muitos artistas na época, em 1951 Mavignier muda-se para Paris e, no ano seguinte para Zurique, onde conhece Max Bill, que assumiria a direção da famosa Faculdade de Design de Ulm. Nessa época parece que sua essência era a insatisfação. Uma energia contida, o desejo de descobrir o novo, parecia tomar conta de Mavignier, que já deixara o Rio de Janeiro, Paris, Zurique e decidiu mudar para Ulm. Foi desencorajado por Max Bill, que acreditava que a pequena cidade seria um desafio enorme para um jovem que acabara de deixar a efervescente Paris dos anos 50. Max Bill dizia que “morar em Ulm é para uma nova geração alemã do pós-guerra que foi separada da cultura europeia e não para artistas românticos que vivem em Paris”.

Determinado, Mavignier não lhe deu ouvidos, foi para lá e provou o contrário. Adapta-se facilmente ao ritmo lento da cidade, torna-se bom aluno de Max Bill, Josef AlbersMax Bense, entre outros, torna-se depois professor e faz nome como artista. Mais tarde, transfere-se para Hamburgo onde é convidado a ensinar na Faculdade de Arte. Como designer gráfico, notabiliza-se pela produção de cartazes, que inicia quando estuda com Max Bill, nos quais incorpora novas pesquisas formais. No final dos anos 50, esses cartazes assumem caráter “modular”, como os definia e, em vários deles usa a repetição para transformar elementos compositivos e cromáticos em constantes matemáticas.

Em 1958, Mavignier se aproxima do Grupo Zero, que teve ramificação na Alemanha. Participa de alguns projetos com seus integrantes e, um ano depois, cria seu próprio estúdio em Ulm e se destaca especialmente como designer gráfico. Mavignier permanece na cidade até 1958 quando já atuava como professor na famosa escola. São dessa época imagens pontuais, que parecem vibrar opticamente. A partir de 1960, surgem os famosos “cartazes aditivos”, cada um pensado para ser apresentado ao lado de uma impressão de si mesmo, estabelecendo um trabalho repetitivo e contínuo.

Em nossa conversa em Hamburgo, Mavignier comentou que sua passagem por Ulm e seus professores foram determinantes para desenvolver um trabalho que mais tarde o lançaria no circuito internacional. Sua obra é marcante pela cor que não é apenas um portador de significado. Meu interesse está nas questões de percepção ótica que experimento nas pinturas”.

Mavignier nasceu em 1º de maio de 1925, no Rio de Janeiro e se identificava com a data, mas sem qualquer conotação ideológica. “Produzir diariamente me mantém vivo”. O tempo prova que sua máxima é verdadeira, Mavignier morre aos 93 anos e deixa uma extensa obra reconhecida no Brasil e na Alemanha. Ao contrário do que alguns jornalistas de arte, equivocadamente, insistem em afirmar, alguns artistas brasileiros participam da Documenta de Kassel, desde sua criação em 1955 (ano do chamado milagre econômico alemão) e não só a partir de 1991, como vem sendo publicado constantemente. A prova disso é que Mavignier foi convidado, como brasileiro, por duas vezes, em 1964 e 1968. Na conversa com ele e com o livro Künstlerlexiton mit Registren zu Documenta 1-8, editado pela Verlag Weber & Weidemeyer (Kassel 1987) descubro o que pouca gente do circuito de arte sabe. Na mostra inaugural de 1955 já estava Alberto Di Fiori; em 1959 Fayga Ostrower e Arthur Luiz Pisa; em 1964 Almir Mavignier; em 1968 Almir Mavignier outra vez e Sérgio Camargo (sala montada com ajuda de Maria Bonomi); e em 1977 León Hirszman (cineasta).

As últimas mostras mais significativas de Mavignier foram no Museu de Arte Concreta em Ingolstadt, em 2003, e um ano depois no Museu de Arte Aplicada de Frankfurt com seus Cartazes Aditivos. A Dan galeria de São Paulo, organiza a mostra Momentos de Luz, com cartaz e catálogo e premiados pela APCA. Em sua filial em Nova York, a Galeria Nara Roesler mostrou Almir Mavignier: Forma Privilegiada, em março/abril deste ano.

Com sua morte, o Museu de Ulm organiza uma retrospectiva com obras representativas de vários períodos de Mavignier, o artista que compreendeu que “o presente é tão veloz que não se pode deixar escapá-lo”.

 

 

 

 

 

 

Um Flavio-Shiró por completo

The Biginning, 2012-2103

No início dos anos 2000, a Pinakotheke projetou uma trilogia de livros que homenageasse grandes artistas nipo-brasileiros. A iniciativa tomou forma em parceria com a BTG Pactual. O início se deu em uma reunião da obra de Manabu Mabe produzida durante a década de 50. O livro seguinte homenageou o construtivismo de Tomie Ohtake. Para encerrar a trilogia, um mergulho na trajetória de Flávio-Shiró foi produzido.

Em ocasião da exposição que homenageou os 90 anos de nascimento de Shiró na sede paulistana da galeria – a partir de 24 de setembro na carioca –, a Pinakotheke decidiu  atualizar o volume, lançado em 2015, que traz a obra do artista nascido na ilha de Hokkaido, no Japão. A versão atual, de julho de 2018, agrega uma série de novos trabalhos de Flávio, incluindo os produzidos no ano vigente.

Com apresentação de Max Perlingeiro, diretor da galeria, o livro tem como fio condutor um texto de Paulo Herkenhoff sobre o artista, também autor dos textos nos outros livros da coletânea. Exímio conhecedor e apreciador da arte nipo-brasileira, o crítico já produziu, em 2008, uma exposição com cerca de 400 obras que demonstravam a relação Brasil-Japão no Instituto Tomie Ohtake. Além disso, Paulo tem uma relação próxima de Shiró há mais de 40 anos, conta Perligeiro. Desta forma, não há dúvidas de que a presença dos escritos de Herkenhoff no livro é parte essencial.

Na década de 1960, o artista exibia suas obras em paris, Nova York, Rio de Janeiro e Chile

O livro cuida de pontuar, mesmo de forma não explícita, todas as influências que Shiró tem dos lugares por onde passou. Especialmente daqueles onde se fixou como morador e teve uma vivência a qual passa a suas obras. É notável uma França, um Japão e um Brasil em sua produção. Desta forma, ter esses pontos definem a capacidade do artista de se colocar em um espaço.

Para Max, é importante se voltar a um percurso como o de Shiró, que “é um artista indescritível, com uma erudição incrível”. E aí está outro ponto importante do livro, que não mede nenhum esforço para oferecer ao público uma visão privilegiada de quadros de um artista que ao longo da vida se alimentou das imagens do teatro e do cinema, inclusive tendo contato com nomes como Akira Kuroswa.

Esgotada desde 2015, a primeira edição do livro podia ser encontrada até mesmo sendo leiloadas. Isso demonstra a importância da obra de um artista como Shiró ser catalogada. Além de tudo, sem dúvidas, o atualização do livro e a exposição-homenagem neste momento da vida de Shiró mostram, acima de uma compilação de seu trabalho, a grandiosidade de um artista que, aos 90 anos de idade, continua pintando com uma consciência indiscutível daquilo que faz.

“Escolhi você para fazer meu último livro e minha última exposição”, é assim que, segundo Perlingeiro, Shiró fala jocoso quando se encontram. O galerista rebate: “Todo último é o penúltimo”. Com a energia de Shiró, produzindo constantemente, não há como negar que essa é apenas a primeira atualização deste livro.

Flavio-Shiró, Edições Pinakotheke, 216 páginas, R$90

 

Memória restaurada e rumos ampliados

Diana caçadora, réplica da obra do escultor francês Jean-Antoine Houdon (1742–1828) feita pelos alunos do Liceu de Artes e Ofícios De são paulo. Restaurada após ser depredada no Vale do Anhangabaú, agora faz parte dos jardins do novo Liceu. Foto: Hélio Campos Mello

*Por Angélica de Moraes, colaboradora

 

Quando aconteceu o incêndio do Centro Cultural do Liceu de Artes e Ofícios, em 2014, a tristeza dos que prezam o patrimônio histórico e artístico do país foi enorme. A História da cidade de São Paulo foi gravemente atingida. Embora grande parte da construção e o acervo que ela abrigava restassem destruídos pelo fogo, a memória da instituição centenária, fundada em 1873, pôde ser pesquisada em várias fontes e coleções privadas. Renasceu em detalhes, em fotos de época, objetos de decoração e móveis de refinado desenho e execução. Emocionantes detalhes, que garantem visita prazerosa ao passado de um projeto dedicado ao ensino técnico de qualidade, que chega ao presente com cursos atualizados para o futuro: os desafios do design com computação gráfica e da internet das coisas.

O prédio, nas cercanias do Parque da Luz, foi revitalizado por projeto de restauro e reconstrução comandado pelo arquiteto Ricardo Julião. Ganhou amplos espaços iluminados por luz natural e pé direito de 11 metros, adequados às demandas atuais. Tudo pontuado por referências ao tempo aderido a detalhes como o uso dos tijolos originais nas colunas. Parte da estrutura metálica que queimou foi recuperada e pintada. Não mais apóia o peso da construção: ancora a memória construtiva do conjunto, de grande leveza visual.

A reabertura do espaço expositivo do Liceu acontece com uma curadoria de Denise Mattar articulada em três momentos O Ontem, o Hoje e o Amanhã e duas mostras simultâneas e complementares, em cartaz desde final de agosto. Uma, sob curadoria da designer Fernanda Sarmento, denominada “Design Brasil Século XXI”, fica em cartaz por quatro meses e é uma afinada prospecção de projetos de móveis que reduzem o impacto ambiental de sua produção. O elenco coloca lado a lado nomes consagrados como os irmãos Campana e certeiras apostas em jovens talentos.

A outra mostra, denominada “História e Memória”, resultou de pesquisa que ocupou Denise e sua equipe por mais de dois anos e ficará em cartaz até agosto de 2019. O minucioso levantamento da instituição centenária, fundada em 1873 por um grupo de prósperos empresários ligados à cafeicultura, rendeu uma linha do tempo que costura todo o percurso da mostra. Os 145 anos do Liceu, com seus personagens e obras, são materializados em fotografias e ampliações fotográficas entremeadas com objetos (móveis, luminárias, desenhos e instrumentos de trabalho).

A marcenaria e ao lado, os novos salões. Foto: Patricia Rousseaux

Há fotos curiosíssimas, como o almoço oferecido pelo Liceu à equipe de artesãos que fez a fundição da estátua eqüestre de Duque de Caxias, obra do escultor modernista Victor Brecheret (1894-1955) instalada na praça Princesa Isabel. O local do almoço: o interior da barriga do cavalo, ainda sem a metade superior.

O Liceu surge aos olhos dos visitantes como história viva e importante testemunho de um projeto exemplar de qualificação de mão de obra para atender a demanda por marcenaria e serralheria de alta qualidade na época em que a cidade se sofisticava.O período mais importante desses começos, situa Denise, “foi entre 1895 e 1928, quando o arquiteto Ramos de Azevedo orientava os trabalhos de acabamento de seus prédios no Liceu”.

Moldes originais feitos na serralheria do Liceu

Foi nas oficinas do Liceu que se faziam os móveis e elementos decorativos dos ambientes que ainda constituem o centro antigo da cidade. Foi lá que foram feitas as poltronas em veludo vermelho esculpidas em madeira do Theatro Municipal, assim como o desenho e a fundição das sinuosas grades de ferro das antigas sedes centrais do Banco do Brasil e outros prédios da região mais antiga da metrópole.

A coleção de gessos com réplicas em tamanho natural de famosas esculturas da História da Arte, que serviram de modelo para aulas de desenho, foram muito atingidas pelo fogo. Livio de Vivo, presidente do Conselho do Liceu, lembra que, das 28 peças existentes na coleção, restaram apenas oito. Quatro delas estão na exposição, com destaque para uma cópia da Pietá de Michelangelo, restaurada por Júlio Moraes, nome de excelência no setor no país.

A renomada escola ligada ao Liceu, que ganhou muitos prêmios internacionais (Saint Louis, EUA; Turim, Itália, etc…), oferece ensino médio regular pago e curso técnico gratuito em período semi-integral para alunos carentes. Neste segundo semestre de 2018, passa a ter cursos de teoria e prática para soluções tecnológicas avançadas em automação industrial e internet das coisas. “A Liceu Tech atualiza e desenvolve a missão de excelência iniciada pelo Liceu”, observa Patrícia Macedo, diretora da escola. Os alunos fazem estágio em empresas parceiras, porta de entrada para o mercado de trabalho. O Brasil que deu certo está a ensinar o Brasil que precisa dar certo.

Pufe Balanço branco de Nido Campolongo na exposição de design