Gabriel Sierra, CCCC, 2018. FOTO: Edouard Fraipont

A natureza dinâmica e fragmentária da arte se abre a todo tipo de delírios e pode neutralizar simplificações e mesmices. A galeria Luisa Strina dá um sopro poético no congestionado circuito de arte deste mês com a mostra Você sonha com o quê?,  uma indagação de como a arrogância do mundo pode ser questionada com devaneios e imaginação. A curadora mexicana Magali Arriola monta um jogo a partir da obra A Flor Mohole, do filipino David Medalla e Espaços Virtuais do brasileiro Cildo Meireles. No utópico Projeto Mohole, 1957/1966, o artista imagina plantar uma flor no centro da Terra para fazer ressurgi-la “com pétalas, rolando na crista de uma onda chegando à costa”, em diferentes formas e locais.  Já Espaços Virtuais de Cildo, da década de 1960, questiona como nos aproximamos do espaço e de que como a geometria pode modificar nossa relação com ele, centrada na obra A Penteadeira, de 1967.

A coletiva utópica e orgânica que toca nos conceitos de dentro/fora, cima e embaixo, reúne obras de Marcel Duchamp, Pierre Huyghe, Laura Lima e Zé Carlos Garcia, Marie Lund, David Medalla, Cildo Meireles, Theo Michael e Gabriel Sierra. O conjunto revela os limiares de percepção que conectam luz e sombra, explora dramaticidade e poesia como a que se desprende de Pássaro, 2015/2018, escultura de Laura Lina e de José Carlos Garcia.  No MMMMM… Manifesto, 1965, Medalla sonha com esculturas que “migrem, em massa, para o Polo Norte”.  Laura Lima fala do Pássaro, inserida no desejo de fazer uma obra pública. “Percebi como a arquitetura está muito presente em meu trabalho e, quando coloquei esse pássaro agigantado, pensei mais como escultura e não como uma performance”.

David Medalla, ‘A Flor Mohole’.

Laura imaginou situação de cataclismo em relação ao povo, como se colocasse um pássaro sobre um pequeno bonsai. “Pensei num pássaro caído no meio da cidade e imediatamente elegi José Carlos Garcia, para trabalhar comigo. Ele   faz esculturas com asas, pássaros, é um grande escultor. Garcia diz que esse projeto revela por onde o pássaro entrou, onde ele bateu e morreu. Para ele, esse cenário é uma grande paisagem que cada espectador vai fazer na sua cabeça. “Cada um aponta para um lugar, para achar sua paisagem onírica”, comenta.

Devaneios giram também em torno da obra do colombiano Gabriel Sierra, que se vale de matéria orgânica para reinventar planetas, um trabalho que funciona como um experimento. “Me interessa como vemos o espaço em que habitamos. Para expandir criatividade e ideias, as pessoas buscam mais espaço, como metáfora da suposta falta de espaço, como se o planeta Terra fosse insuficiente para a criatividade”. Com o curioso título CCCC (chispa, corpo, casa, cosmo) ele faz uma alusão ao espírito que habita esses territórios. Está em jogo a liberdade de pensar sem fronteiras. “É uma forma de escapar do território que conhecemos na Terra”. De cada obsessão de Medalla e observação de Cildo fica um trabalho, uma experiência, um modo de vivenciar o espaço. Seja real, onírico, distante ou profundo.

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