Page 65 - ARTE!Brasileiros #58
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A partir da esquerda, Anita Malfatti, Mário de Andrade, Menotti del Picchia, Oswald de Andrade e Tarsila do Amaral; infelizmente, o
                  desenho Grupo dos Cinco não ilustra este artigo por conta do valor exorbitante cobrado para sua reprodução pública


                      dos mantons de Manilla, riquezas   Um pouco mais do texto:   internacional daquele período -
                      do bric-á-brac fidalgo dessa    A música, sugestiva, emotiva   uma época de refluxo das
                      esgalgada e linda artista Tarsila   recortou, no crepúsculo que   vanguardas e uma aderência a um
                      do Amaral, o violão de Mário    invadira o atelier, a paisagem   realismo sintético efetivo, típicos
                      evocava toda a música de raça...  brasileira, na hora parada do dia   do já mencionado Retorno à
                      Absortos, olhar vago, Jacques   em transe de morte, dolente de   Ordem - percebe-se, tanto pela
                      d’Avray, o poeta estranho das   melopeias, ciciante de favônios   pintura que produzia à época
                      Baladas; Mário de Andrade, o    esfrolando as ervas macias.  quanto pelo décor de seu ateliê,
                      longo  Pierrot  taciturno  dos   Depois, no “Céu Azul” alargou- que Tarsila do Amaral ainda
                      desvarios da Pauliceia; Anita   nos na alma um firmamento    possuía uma subjetividade
                      Malfatti, a incompreendida      vasto, uma região de paz e de   atrelada ao período anterior à
                      criadora do Homem Amarelo;      eternidade...  Parecia haver cora- Primeira Grande Guerra, questão
                      Helios, desalteravam sua sede   ções aos soluços, lá, no alto, onde   que a artista começaria a querer
                      de beleza no cascatear cristalino   as paixões desbordam livres de   superar justamente a partir do
                      de harmonias que brotavam,      convencionalistas e de peias.  conhecimento que adquirira com
                      como num jorro vivo do violão     A  grande  arte  de  Mario   seus novos amigos brasileiros,
                      mágico e sonoro...              Amaral tem, entretanto, todos   Anita, Menotti, Mario e Oswald.
                        Fora andava uma tarde         os prismas. E, aos “pizzicatos”   Porém, em 1922, seu ateliê
                      [ilegível], a esmaecer em lacas   ingenuamente grotescos de   estava mais próximo da descrição
                      violetas, esmolando aos reflexos   “Melindres”, preciosos, salti- de Helios do que do desenho de
                      dos vidros uma esmola de luz,   tantes, sensitivos, pareceu-nos   Anita. E tanto Tarsila quanto
                      para seus olhos mortos. Nenhum   ver escorregarem no losango   Helios nunca abandonariam
                      rumor profano feria o religioso   do vasto tapete persa figuras   totalmente aquele apego à
                      silêncio, cheio apenas pela     bizarras de bailarinas miúdas e   suntuosidade amaneirada e ao
                      música  divina  que  as  mãos   lépidas, de pesinhos ariscos, de   exótico. Fato que, no caso da
                      nervosas de Mário Amaral        gestos dengosos, deslizando,  pintora, pode ser percebido, tanto
                      acordavam. [4]                  sorriso na boca, deslizando,  na manutenção daquele clima
                                                      sorriso na boca, alma nos olhos,  empolado do seu ateliê - ainda no
                  Se Anita zera o ambiente pesado e   nua ciranda brincalhona e tre pi- final dos anos 1920 -, quanto pelos
                  exótico do ateliê, parece que é     dante ritmada pelas sístoles dos   trajes extravagantes e vistosos
                  justamente a dimensão meio          nossos corações em festas... [5]  que a artista adorava ostentar em
                  inebriante desse clima quem dirige
                                                                                   determinadas ocasiões. Por outro
    FOTOS: REPRODUÇÃO  a escrita de Helios, totalmente   com questões próprias da arte   lado, se quisermos perceber o
                                                                  ***
                                                     Se Anita, no segundo semestre
                  marcada por um viés decadentista,
                                                                                   quanto Tarsila também buscava,
                  repleto de uma adjetivação afetada,  de 1922, se encontra conectada
                                                                                   em sua produção, certo interesse
                                                                                   pelo exótico e misterioso, basta
                  distante da objetividade moderna.
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