Page 68 - ARTE!Brasileiros #58
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CENTENÁRIO SEMANA DE 22 ARTIGO
farão retornar à antropofagia uma “arte nacional” . Esse não Rompera com Oswald havia
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enquanto projeto filosófico. engajamento da artista ao anos e distanciou-se de Tarsila,
A recente publicação de seu nacionalismo dos temas de seus Menotti e mesmo de Anita, com
Diário Confessional apresenta quadros fará com que a aceitação quem manteve por mais tempo
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um intelectual no final da vida, de seus trabalhos pelos outros uma próxima relação.
sofrendo com doenças reais e modernistas se atenue cada vez
imaginárias, ao mesmo tempo em mais, levando-a, como pintora, ***
que buscava sobreviver, ele e sua para uma situação de virtual Menotti Del Picchia, o Helios,
família, à bancarrota financeira. apagamento dentro da cena sobreviveu a todos os amigos
Onde a paz e a tranquilidade para paulistana. O reconhecimento de representados no desenho de
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complementar sua obra seu papel de “pioneira” do Anita . Até o final da vida
exemplarmente? Não houve modernismo de São Paulo, que se aderente ao poder político e
paz e serenidade no final inicia com alguma timidez após o cultural do estado e do país, o
da vida de Oswald. final da Segunda Guerra Mundial, intelectual tem uma produção
encontra uma artista já esvaziada, poética e literária vasta, e uma
*** sem mais nada com que contribuir produção jornalística - artigos e
Amigas no início dos anos para o ambiente da arte local. crônicas - que, apesar de já ter
1920, Anita e Tarsila também se Mais dramático ainda foi o que tido parte compilada e estudada ,
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distanciam com o passar do ocorreu com Tarsila. Principal ainda aguarda novos estudos.
tempo, embora nos últimos anos nome da pintura moderna durante Durante sua trajetória, depois
de suas vidas tenham vivido os anos 1920, após meados da de ter sua imagem registrada no
situações semelhantes. Ambas, década seguinte sua carreira desenho de Anita, Del Picchia foi
aos poucos, foram deixando a entra em franco declínio, agravado aumentando suas divergências
vitalidade de suas produções ainda mais pela tentativa de estético/ideológicas com Mário de
iniciais para entrarem num Tarsila, praticamente no final da Andrade e com Oswald, sem, ao
processo de desmoronamento vida, querer reviver a potência de que parece, romper definitivamente
que não permitiria que sua pintura do início da carreira. com esse último. Inclusive,
ambas constituíssem uma Anita e Tarsila, cada uma a seu mereceria um estudo mais
verdadeira obra. tempo, pioneiras na renovação da cuidadoso a relação conflituosa,
Tal processo, iniciou antes com visualidade do país; Anita e Tarsila, mas quase sempre bem-humorada,
Anita que – saída dos cada uma do seu jeito, no que se estabelece entre os dois
experimentalismos alemão e melancólico final de suas vidas, intelectuais durante os anos 1920,
norte-americano –, envereda por ícones da precariedade do meio percebida em seus artigos
uma pintura de travo anacrônico, artístico brasileiro. publicados no Correio Paulistano,
sem nenhum compromisso com em que Del Picchia comentava e/
*** ou glosava os textos de Oswald.
Mário de Andrade, o autor da O espírito áulico que
principal obra do movimento caracterizou a personalidade de Del
antropofágico – Macunaíma – e de Picchia, aliada à sua carreira política
estudos e ensaios críticos valiosos - sempre conectada ao poder,
para a cultura do país, falece sem independentemente de onde ele
os amigos de 1922, doente e emanava -, explicam como sua FOTO: REPRODUÇÃO | PINACOTECA DE SÃO PAULO
amargurado. Como ele próprio capacidade literária foi
declarou, já nos últimos anos de desperdiçada. Sua produção
sua vida, dizia-se desconfiado do poética e literária, que nunca perdeu
Mario Amaral, violonista popular descrito seu passado e dos rumos que dera o acento passadista, poderia ter
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no texto de Menotti del Picchia para seu trabalho . sido, quem sabe, melhor explorada,
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