Page 72 - ARTE!Brasileiros #58
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CRÍTICA RAIO-QUE-O-PARTA
Still do filme Um céu partido ao meio, de Danielle Fonseca
designadas na época, pode ser na parede, mas que conduz a florestas, antecipando o papel
vista agora em um contexto de mostra para o debate decolonial de arrasador do agronegócio.
revisão sobre lugar de fala. Algo maneira explícita. Esse, aliás, é um Uma exposição tão abrangente -
semelhante ocorre com os vasos dos méritos da exposição: vamos relembrar, são 650 obras,
de prata de Maria Hirsch da Silva apresentar uma visualidade incluindo até o tríptico Sôdade de
Braga (1875-1960), muito potente e diversificada, mesclada a Cordão, de 1940, do artista
impressionantes aliás, ornados em textos pontuais críticos que ucraniano radicado no Brasil
padronagens indígenas. Hoje, tais problematizam questões Dimitri Ismailovitch (1892-1976) -
obras são questionadas por se vinculadas às obras selecionadas. em um espaço difícil e pequeno,
apropriarem de outras culturas. Assim ocorre também nos ganha potência graças a uma
“Ao presumir que os indígenas demais módulos, Centauros montagem arquitetônica simples e
estariam ‘extintos’ ou ‘aculturados’ iconoclastas, que aborda ações modesta, que deixa as obras em
e que, por isso, supostamente performativas e transformações; primeiro plano. Seria excelente um
deveriam ter suas memórias Eu vou reunir, eu vou guarnecer, catálogo que documentasse essa
‘preservadas’ pela obra de artistas sobre a festa e a criação coletiva; e, ampla pesquisa, afinal são os
brancos, a arte nutriu uma finalmente, Vândalos do catálogos que ficam para a história.
economia simbólica ancorada na apocalipse, que trata das ruínas e E, nessa narrativa, Tarsila do
impossibilidade histórica de catástrofes derivadas do projeto Amaral e Anita Malfatti, finalmente, FOTOS: REPRODUÇÃO | EVELSON DE FREITAS / DIVULGAÇÃO
autorrepresentação que, por sua modernista nacional. É nesse não são as protagonistas. Mesmo
vez, se atualiza constantemente no último que estão pinturas de José faltando um registro para o futuro,
‘bem-intencionado’ e lucrativo Antonio da Silva (1909-1996), como trata-se de uma das mais
horizonte estético e político da Trem e Lavoura, de 1959, onde a contundentes reparações sobre
representação do Outro”, discorre visão de progresso já era o modernismo e sobre a Semana
a curadoria em um discreto texto denunciada como a destruição das no presente.
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