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CRÍTICA RAIO-QUE-O-PARTA








































                  Still do filme Um céu partido ao meio, de Danielle Fonseca




                  designadas na época, pode ser   na parede, mas que conduz a     florestas, antecipando o papel
                  vista agora em um contexto de   mostra para o debate decolonial de   arrasador do agronegócio.
                  revisão sobre lugar de fala. Algo   maneira explícita. Esse, aliás, é um   Uma exposição tão abrangente -
                  semelhante ocorre com os vasos   dos méritos da exposição:      vamos relembrar, são 650 obras,
                  de prata de Maria Hirsch da Silva   apresentar uma visualidade   incluindo até o tríptico Sôdade de
                  Braga (1875-1960), muito        potente e diversificada, mesclada a   Cordão, de 1940, do artista
                  impressionantes aliás, ornados em   textos pontuais críticos que   ucraniano radicado no Brasil
                  padronagens indígenas. Hoje, tais   problematizam questões      Dimitri Ismailovitch (1892-1976) -
                  obras são questionadas por se   vinculadas às obras selecionadas.  em um espaço difícil e pequeno,
                  apropriarem de outras culturas.    Assim ocorre também nos      ganha potência graças a uma
                    “Ao presumir que os indígenas   demais módulos, Centauros     montagem arquitetônica simples e
                  estariam ‘extintos’ ou ‘aculturados’   iconoclastas, que aborda ações   modesta, que deixa as obras em
                  e que, por isso, supostamente   performativas e transformações;   primeiro plano. Seria excelente um
                  deveriam ter suas memórias      Eu vou reunir, eu vou guarnecer,   catálogo que documentasse essa
                 ‘preservadas’ pela obra de artistas   sobre a festa e a criação coletiva; e,   ampla pesquisa, afinal são os
                  brancos, a arte nutriu uma      finalmente, Vândalos do         catálogos que ficam para a história.
                  economia simbólica ancorada na   apocalipse, que trata das ruínas e   E, nessa narrativa, Tarsila do
                  impossibilidade histórica de    catástrofes derivadas do projeto   Amaral e Anita Malfatti, finalmente,   FOTOS: REPRODUÇÃO |  EVELSON DE FREITAS / DIVULGAÇÃO
                  autorrepresentação que, por sua   modernista nacional. É nesse   não são as protagonistas. Mesmo
                  vez, se atualiza constantemente no   último que estão pinturas de José   faltando um registro para o futuro,
                 ‘bem-intencionado’ e lucrativo   Antonio da Silva (1909-1996), como   trata-se de uma das mais
                  horizonte estético e político da   Trem e Lavoura, de 1959, onde a   contundentes reparações sobre
                  representação do Outro”, discorre   visão de progresso já era   o modernismo e sobre a Semana
                  a curadoria em um discreto texto   denunciada como a destruição das   no presente.


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