Page 74 - ARTE!Brasileiros #58
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EXPOSIÇÕES SÃO PAULO





                  “TUNGA: CONJUNÇÕES


                  MAGNÉTICAS”


                  CELEBRA UMA OBRA


                  QUE PERMANECE





                                                  Em cartaz conjuntamente no Itaú Cultural
                                                  e no Instituto Tomie Ohtake, retrospectiva
                                                  do celebrado artista abre reflexões
                                                  em torno da atitude frente à arte


                                                  por leonor amarante


                 os esCritos De artistas tornaram-se estruturas oni- e desconexos, confirma a organicidade do universo de
                  presentes no circuito internacional de arte por volta dos  Tunga. Ele sempre gostou de bagunça. Não de ordem
                  anos 1960, quando novas narrativas ganharam espaço   nem desordem. “Bagunça!”, como ele dizia. “O que
                  e aprofundam a natureza do exercício da crítica. Essa   tenho na mão vou mexendo até perder, para depois
                  atitude representou uma transformação significativa   achar de novo. Achando o que perdi, acho o novo de
                  na articulação da teoria da arte.               novo, reencontro o novo no velho - é como a luz, a velha
                    A retrospectiva Tunga: conjunções magnéticas, com- luz, descansada e sempre nova de novo”. Essa narrativa,
                  posta de aproximadamente 300 obras expostas no Itaú   tão repetida por ele, abre o livro Barroco de Lírios (1997),
                  Cultural e no Instituto Tomie Ohtake - com correaliza- editado pela Cosac & Naify.
                  ção do Instituto Tunga - é permeada de pensamentos,   Antônio José de Barros Carvalho e Mello Mourão
                  curiosamente híbridos, revelados em texto ou na fala   (1952-2016), ou simplesmente Tunga, nasceu em Pal-
                  do artista.  Seu imaginário ficcional é paradigma dos   mares (PE), cresceu e viveu no Rio de Janeiro. Morou
                  insights afetivos que potencializam a construção de   numa mansão de Cosme Velho, de seu avô materno, o
                  mitologias individuais apoiadas na ciência, arqueologia,  senador Barros de Carvalho, colecionador de arte bra-
                  zoologia e, sobretudo, na literatura. A psicanálise emerge   sileira moderna e barroca. Ele foi um dos responsáveis
                  em pequenos apartes narrativos, como agente de um   pelas leituras sistemáticas de Tunga sobre grandes
                  exercício da transitoriedade com doses de razão, humor  filósofos, escritores e poetas. Nem por isso o artista
                  e ironia. A linguagem de Tunga, repleta de metáforas   projetou intelectualizar sua arte, ele escolheu e codificou
                  em sua essência simbólica, vivencia desvios, penetra   visualmente os objetos, retirando-os do cotidiano ou
                  em estruturas precárias carregadas de prazer sensual   não, fazendo-os dialogar naturalmente com o espaço.
                  e secreta provocação.                           Os textos ficcionais de Tunga são desenvolvidos com
                    A curadoria de Paulo Venancio Filho promove boas   escritas que surgem a partir de mitologias pessoais
                  e amplas escolhas e coloca em pauta obras/verdades   com as quais ele constrói, desconstrói, reconstrói sua
                  de Tunga em uma exposição sem ordem cronológica   obra, em releituras permanentes. A palavra e a ima-        FOTO: GABI CARRERA / ACERVO INSTITUTO TUNGA
                  e que mistura trabalhos de todas as épocas, até 2016,  gem, segundo ele, tocam-se intimamente, sem relação
                  ano da morte do artista. O espaço torna-se exíguo para   hierárquica entre elas, mas numa espécie de cópula,
                  expor tamanha produção, mas a expografia é salva   fricção que gera um terceiro elemento. Há muitas his-
                  pelas vitrines e ilhas instaladas pelo espaço expositivo.  tórias diluídas em suas “instaurações”, termo que ele
                 A infinidade de objetos, aparentemente embaralhados   cunhou para substituir “instalações”, como em From


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