Page 61 - ARTE!Brasileiros #58
P. 61

À esq., Estudo do homem, Anita Malfatti, 1915-16; à dir., Composição
                                                                  (Retirantes), de Cândido Portinari, expostas em Era uma vez o Moderno






                     A força da cultura popular e o apagamento da ques- no ciclo de eventos organizado pelo próprio Theatro
                  tão racial também constituem elementos importantes   Municipal, palco das ações de 100 anos atrás. Numa fala
                  do livro Modernidade em Preto e Branco, de autoria   marcada por denúncia e reflexão, o poeta e pesquisador
                  do pesquisador Rafael Cardoso. “Os nomes do nosso  Allan da Rosa desconstruiu mitos e não apenas demarcou
                  cânone derivam quase exclusivamente das esferas eli- claramente o caráter elitista do evento, como descreveu
           FOTOS: COLEÇÃO DE ARTES VISUAIS DO IEB-USP / DIVULGAÇÃO  rados”, escreve o autor que analisa, dentre outros, os   falou sobre urbanidade, exclusão, opacidade e esque-
                  tistas de literatura, arquitetura, arte e música eruditas,  o que ocorria na cidade de São Paulo enquanto a elite se
                                                                  digladiava nos palcos do teatro. Avesso à celebração do
                  enquanto os modernismos alternativos que brotaram
                  da cultura popular e de massa são esquecidos ou igno- popular como explosão de alegria carnavalesca, Allan


                  casos de Arthur Thimoteo da Costa e Lima Barreto,  cimentos. Segundo ele, apenas lembrar que a Semana
                                                                  foi feita sob o patrocínio da aristocracia cafeeira, aliada
                  pintor e escultor negros, ambos mortos em 1922, cujo
                  modernismo “alternativo” foi longamente ignorado.  ao capital financeiro e ao capital comercial, é chover
                                                                  no molhado. É importante olhar para a cultura urbana,
                  Mas como diz o próprio Cardoso, “o passado sempre
                                                                  ignorada, presente nos cantos de trabalho, na cozinha,
                  dá um jeito de voltar a assombrar o presente”.
                     A questão racial, que nos últimos anos têm rendido
                                                                  no cotidiano. É importante pensar naquelas pessoas
                                                                  que nem souberam da Semana, pois esta trazia “um
                  algumas das mais inovadoras reinterpretações da história
                  do país, também esteve presente de forma marcante
                                                                  olhar muito branco, tetricamente branco, apesar de
                                                                                                              61





                                                                                                                25/03/2022   11:00
         Book_ARTE_58.indb   61
         Book_ARTE_58.indb   61                                                                                 25/03/2022   11:00
   56   57   58   59   60   61   62   63   64   65   66