Page 59 - ARTE!Brasileiros #58
P. 59
Apesar das acusações de excessivo paulistocen- Aliás, os termos adotados nos títulos das inúme-
trismo e de um certo esforço de apontar para uma ras publicações já lançadas ou ainda no prelo sobre o
série de lacunas e contradições presentes naquele tema são muito ilustrativos: Semana de 22: Antes do
grupo, é cada vez mais consensual entre os pesquisa- Começo, depois do fim (Estação Brasil), Modernidade
dores a ideia de que a importância da Semana é mais em Branco e Preto e Modernismos 1922-2022 (Cia. das
simbólica do que real. Também não é mais novidade Letras) traduzem de forma bastante sintética algumas
o fato de que muitos dos autores participantes só das questões fundamentais que constituem a coluna
futuramente consolidaram sua modernidade e que é vertebral de como o movimento de São Paulo vem
preciso expandir o olhar para além de São Paulo, para sendo pensado na atualidade.
fora dos marcos de 1922 e para segmentos sociais Afinal, como 2022 vê 1922? E como essa visão foi
ignorados pelos modernistas no período. Isso não sendo transformada ao longo do tempo, ajudando-nos
tira a importância emblemática da Semana, enquanto a compreender mais sobre o momento histórico e tam-
momento de condensação de um processo lento e bém sobre o momento atual? Como escreve Ana Maria
mais abrangente de modernização no país. Talvez haja de Moraes Belluzzo em texto publicado no catálogo
nessa observação mais atenta e diversa a confirmação de Moderno onde? Moderno quando?, trata-se de um
de que algo premonitório havia na resposta dada por projeto coletivo de interpretação nacional, que nos
Manuel Bandeira a um repórter em 1952. Disse o poeta, coloca diante de diferentes modernismos. Ela lembra
cujo poema Os Sapos, lido durante a semana, foi alvo que não podemos esquecer que, para além da Semana
de vaias: “Acho perfeitamente dispensável comemorar de 22, temos outros momentos de grande densidade
o trigésimo aniversário da Semana. Que esperem o histórica que ajudaram a compor a nossa modernidade,
centenário. Se no ano 2022 ainda se lembrarem disso, como por exemplo o Salão Revolucionário de 1931, do
então sim”. qual participaram em intensidade ainda maior grandes
nomes da arte nacional (como Cícero Dias, Ismael Nery,
visões que se transformam Guignard, Goeldi...). Como outros eventos de destaque
O pontapé inicial para as reflexões acerca dos desdo- no campo modernista é possível citar ainda o Congresso
bramentos da semana teve início no ano passado, com Regionalista, realizado em 1926 em Recife, além de uma
uma série de encontros patrocinados por um consórcio série de publicações, revistas ou manifestos publicados
de instituições culturais paulistas: Pinacoteca do Estado, em diferentes lugares do território brasileiro sem que
Museu de Arte Contemporânea de São Paulo e Instituto a Semana fosse sequer mencionada. “O modernismo
Moreira Salles. Iluminar pontos cegos, situar a Semana não pode ser visto como um cânone, mas sim como
num contexto menos mítico e mais real, inserindo-a um momento de riqueza muito grande”, diz ela. “Não
em um processo de formação da cultura nacional mais sei porque esse pessoal continua querendo saber onde
plural, foram alguns dos objetivos do evento, que se começa. Não começa, pipoca”, ironiza ela. “Quem faz
desdobrou em 10 encontros entre março e dezembro, essa pergunta pensa que a história é um processo linear”,
com dezenas de convidados e que podem ser vistos no explica a pesquisadora, que organiza este ano o programa
Youtube dos organizadores. Também foi em 2021 que Modernismo Hoje, uma série de 11 episódios que discu-
muitos museus (MAM-SP, MAC-USP e Pinacoteca, entre tem a emergência e desenvolvimento do modernismo,
eles) preferiram realizar suas exposições em torno do uma iniciativa da Academia Paulista de Letras.
modernismo, desvinculando-se da obrigatoriedade Ninguém sabia direito o que era aquilo em 1922, expli-
de participar do calendário celebratório e optando por ca Thiago Gil de Oliveira Virava, autor de Um Boxeur na
uma ótica menos nuclear. O Museu de Arte Moderna Arena: Oswald de Andrade e as Artes Visuais no Brasil, a
ser lançado esse ano pela Biblioteca Brasiliana e o Sesc,
destacou-se com a mostra e o catálogo Moderno onde?
FOTO: CORTESIA CASA ROBERTO MARINHO Regina Teixeira de Barros, e que não por acaso adotou nossa dupla celebração do ano: o centenário da Semana
junto com outros trabalhos premiados que tratam da
Moderno quando?, com curadoria de Aracy Amaral e
como intertítulo a frase: “A Semana de 22 como moti- de Arte Moderna e o bicentenário da Independência.
vação”, evidenciando a importância da Semana como
Naquele momento, segundo ele, o que diferencia o
movimento é que existe um grupo, que começou a se
elemento fundamental, mas não necessariamente a
locomotiva do processo de “aggiornamento” da arte
formar em torno da exposição de Anita Malfatti em 1917,
brasileira, que se desdobrou de maneiras diversas no
cujos participantes se defendem uns aos outros e se
preparam para essa ofensiva. Evidentemente havia uma
tempo e no território.
59
25/03/2022 10:59
Book_ARTE_58.indb 59
Book_ARTE_58.indb 59 25/03/2022 10:59