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CENTENÁRIO SEMANA DE 22 REPORTAGEM























                                                                                  Vista da exposição Esse Extraordinário
                                                                                  Mário de Andrade, no Museu Afro Brasil





                  louvar encontros carnavalizados”, conclui, lembrando   Segundo Simioni, um dos efeitos positivos de cele-
                  que naquele início de século o projeto vigente desde   brações como essa em torno da Semana seria uma
                  o final do século 19 era o branqueamento da nação. E  recuperação do modernismo como tema de pesquisa,
                  ele alerta: “Quando a gente troca um recalque imperial   com destaque para estudos que buscam resgatar artis-
                  solene por outro recalque, não é um desrecalque”.  tas ou fases menos estudadas, sobretudo entre artistas
                                                                  mulheres que foram longo tempo relegadas a um papel
                  mulheres moDernistas                            secundário ou inexistente na história da arte. Uma
                  Nem só de Mários e Oswalds, Anitas e Tarsilas se faz o   dessas figuras que segundo ela mereceria ser melhor
                  modernismo. Evidentemente, os Andrade, como muitos   conhecida é Nair de Teffé, primeira caricaturista do
                  chamam os dois escritores maiores do modernismo e que   Brasil e possivelmente do mundo e que se casou com
                  fizeram sua aparição de primeira ordem com a Semana   ninguém menos que o presidente Hermes da Fonseca.
                  de 22, são incontornáveis. Afinal, desenvolveram ao   Dentre os vários méritos de Nair está o de ter levado O
                  longo de décadas alguns dos mais sólidos projetos de   corta-jaca, composição popular de Chiquinha Gonzaga,
                  cultura para o país, bastando citar o Manifesto Antropo- para dentro do Palácio do Catete em 1914.
                  fágico, formulado por Oswald em 1928, e todo o projeto   “Nos digladiamos pelo passado porque vivemos um
                  de levantamento e preservação do patrimônio nacional   presente de destruição”, diz Ana Paula, em sintonia com
                  capitaneado pelo autor de Macunaíma. Mário, aliás, é   a ideia defendida por Lauro Cavalcanti de que mais do
                  um dos poucos a ser lembrado nessas celebrações com   que nunca é necessário comemorar a modernidade,
                  uma exposição individual, em cartaz no Museu Afro Brasil.  como forma de se contrapor a destruição de seu legado
                    No caso das duas pintoras, é interessante notar como  - basta ver o desmonte das estruturas culturais que vem
                  elas foram ao mesmo tempo eleitas a um papel de des- sendo estrategicamente orquestrada pelo atual governo,
                  taque na arte brasileira a partir da proximidade com os   como por exemplo desmantelamento do Instituto do
                  ideários da Semana, mas ao mesmo tempo pagaram um   Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (IPHAN), um
                  preço por isso. Como demonstra Ana Paula Simioni em   dos mais importantes legados de Mário de Andrade e
                  Mulheres Modernistas, seu envolvimento com o grupo   de sua geração - sem cair na armadilha de usar questões
                  acabou fazendo com que o olhar sobre suas produções   vitais da contemporaneidade para, anacronicamente,
                  se restringisse ao período inicial, com o resto de sua   fazer cobranças aos agentes de antigamente. Afinal, é
                  obra sendo por muito tempo vista como decadente ou   preciso ter consciência de que, como diz Thiago Virava,
                  inferior. Elas também acabam sendo enquadradas em   temos uma “modernidade incompleta, falha e cheia de
                                                                  buracos”.
                  modelos estreitos, Anita sendo eternamente enquadrada
           FOTO: DIVULGAÇÃO  no papel de “mártir”, vítima dos ataques de Monteiro   Academia Paulista de Letras
                  Lobato na crítica à sua exposição de 1917, e Tarsila no
                                                                  https://culturaemcasa.com.br/s%C3%A9rie/modernismo-hoje-
                  papel de “musa”, da mulher bela e sedutora.
                                                                  estudos-atuais
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