Page 62 - ARTE!Brasileiros #58
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CENTENÁRIO SEMANA DE 22 REPORTAGEM
Vista da exposição Esse Extraordinário
Mário de Andrade, no Museu Afro Brasil
louvar encontros carnavalizados”, conclui, lembrando Segundo Simioni, um dos efeitos positivos de cele-
que naquele início de século o projeto vigente desde brações como essa em torno da Semana seria uma
o final do século 19 era o branqueamento da nação. E recuperação do modernismo como tema de pesquisa,
ele alerta: “Quando a gente troca um recalque imperial com destaque para estudos que buscam resgatar artis-
solene por outro recalque, não é um desrecalque”. tas ou fases menos estudadas, sobretudo entre artistas
mulheres que foram longo tempo relegadas a um papel
mulheres moDernistas secundário ou inexistente na história da arte. Uma
Nem só de Mários e Oswalds, Anitas e Tarsilas se faz o dessas figuras que segundo ela mereceria ser melhor
modernismo. Evidentemente, os Andrade, como muitos conhecida é Nair de Teffé, primeira caricaturista do
chamam os dois escritores maiores do modernismo e que Brasil e possivelmente do mundo e que se casou com
fizeram sua aparição de primeira ordem com a Semana ninguém menos que o presidente Hermes da Fonseca.
de 22, são incontornáveis. Afinal, desenvolveram ao Dentre os vários méritos de Nair está o de ter levado O
longo de décadas alguns dos mais sólidos projetos de corta-jaca, composição popular de Chiquinha Gonzaga,
cultura para o país, bastando citar o Manifesto Antropo- para dentro do Palácio do Catete em 1914.
fágico, formulado por Oswald em 1928, e todo o projeto “Nos digladiamos pelo passado porque vivemos um
de levantamento e preservação do patrimônio nacional presente de destruição”, diz Ana Paula, em sintonia com
capitaneado pelo autor de Macunaíma. Mário, aliás, é a ideia defendida por Lauro Cavalcanti de que mais do
um dos poucos a ser lembrado nessas celebrações com que nunca é necessário comemorar a modernidade,
uma exposição individual, em cartaz no Museu Afro Brasil. como forma de se contrapor a destruição de seu legado
No caso das duas pintoras, é interessante notar como - basta ver o desmonte das estruturas culturais que vem
elas foram ao mesmo tempo eleitas a um papel de des- sendo estrategicamente orquestrada pelo atual governo,
taque na arte brasileira a partir da proximidade com os como por exemplo desmantelamento do Instituto do
ideários da Semana, mas ao mesmo tempo pagaram um Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (IPHAN), um
preço por isso. Como demonstra Ana Paula Simioni em dos mais importantes legados de Mário de Andrade e
Mulheres Modernistas, seu envolvimento com o grupo de sua geração - sem cair na armadilha de usar questões
acabou fazendo com que o olhar sobre suas produções vitais da contemporaneidade para, anacronicamente,
se restringisse ao período inicial, com o resto de sua fazer cobranças aos agentes de antigamente. Afinal, é
obra sendo por muito tempo vista como decadente ou preciso ter consciência de que, como diz Thiago Virava,
inferior. Elas também acabam sendo enquadradas em temos uma “modernidade incompleta, falha e cheia de
buracos”.
modelos estreitos, Anita sendo eternamente enquadrada
FOTO: DIVULGAÇÃO no papel de “mártir”, vítima dos ataques de Monteiro Academia Paulista de Letras
Lobato na crítica à sua exposição de 1917, e Tarsila no
https://culturaemcasa.com.br/s%C3%A9rie/modernismo-hoje-
papel de “musa”, da mulher bela e sedutora.
estudos-atuais
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