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CENTENÁRIO SEMANA DE 22 REPORTAGEM






                  articulação política e não à toa escolheram o ano de   como é possível descobrir nas páginas da antologia.
                 1922 (chegaram a cogitar organizar a Semana em 1921,  Ali estão reunidos desde estudos que ajudam a com-
                  mas a coincidência com as celebrações do centenário   preender a simbiose entre o projeto da Semana e um
                  da Independência os fez adiar a execução). O projeto   projeto maior de elevação de São Paulo à liderança
                  vai se constituindo aos poucos, tendo como base tanto   política e econômica nacional. Felipe Chaimovich faz, por
                  uma articulação com as vanguardas parisienses – com   exemplo, uma interessante análise sobre as articulações
                 Tarsila e Oswald posteriormente, entre 1923 e 1928,  da família Prado com as formas de ver e patrocinar as
                  atuando como espécies de embaixadores na capital   artes brasileiras. E Luiz Ruffato ilumina a experiência
                  francesa – e a tentativa de criar uma rede nacional   fundamental das revistas literárias que brotaram por
                  de troca e interlocução. “O que não significa que eles   toda a parte no Brasil na primeira metade do século
                  estivessem determinando como seria o modernismo   20. Também sobressaem-se em muitos desses textos
                  nesses lugares”, alerta.                        críticas e reflexões sobre o caráter elitista e excludente
                                                                  do movimento (em termos raciais e de gênero, sobre-
                  um tema que não se esgota                       tudo na literatura), mas predomina o esforço coletivo
                 “1922 é um marco do modernismo, se foi construído   de tentar entender como as interpretações em torno
                  a posteriori, não importa” destaca Lauro Cavalcanti,  do movimento paulista foram tornando-se diferentes
                  diretor da Casa Roberto Marinho e curador da mostra   e mais complexas ao longo do tempo.
                  Fluxos do Moderno, em cartaz no instituto carioca até   Dilui-se, portanto, a associação entre a Semana e
                  junho. Reunindo obras de nomes incontornáveis da   a ideia de vanguarda. Para usar um outro termo militar,
                  Semana e artistas menos conhecidos na atualidade,  que não o de pelotão de frente (afinal, a modernidade
                  como Roberto Rodrigues, irmão de Nelson Rodrigues   foi importada da França, com anos de atraso, e adap-
                  que foi assassinado aos 23 anos por uma jornalista - que   tou-se de diferentes maneiras pelo país afora), pode-se
                  se indignou com a publicação de uma charge aludindo   adotar a metáfora do canhão, como instrumento que
                  uma suposta traição dela -, a mostra tem momentos   lança um projétil muito à frente, como uma arma de
                  de grande atualidade e defesa dos ideais modernistas.  efeito prolongado.
                 “Mais do que nunca no Brasil é necessário comemorar
                  a modernidade. Estamos num período de trevas e essa   moDernismos alternativos e Cultura popular
                  resistência, esse momento de força de possibilidades,  Há, sobretudo em São Paulo, opções de todas as ordens
                  de abertura é fundamental”, conclui.            para quem quiser mergulhar nesse universo. A exposição
                    “Este é um tema que não se esgota”, afirma Gêne- Era uma vez o Moderno, em cartaz no Centro Cultural
                  se Andrade, organizadora da antologia Modernismos   Fiesp e organizada em parceria com o Instituto de Estu-
                 1922-2022 e que define a Semana como a primeira per- dos Brasileiros (IEB), vem sendo apontada como a maior
                  formance de grande repercussão no país. “Como as   mostra sobre o modernismo brasileiro já realizada, com
                  performances costumam ser, foi muito pouco vista.  mais de 300 obras e documentos que normalmente
                  Fala-se sobre uma cena sobre a qual há apenas uma   ficam preservados do público nas reservas técnicas da
                  memória turva, uma fama sem lastro muitas vezes”,  instituição da USP, que tem entre suas preciosidades
                  afirma. Talvez seja por esses contornos tão fluidos   os arquivos e a coleção de Mário de Andrade, material
                  que ela se preste tão bem ao papel de síntese de um   fartamente revisitado em publicações, estudos e teses.
                  processo díspar, espalhado, prolongado e desigual   Também com dimensões estonteantes há a exposição
                  como foi a penetração do pensamento e da linguagem   Raio-que-o-parta (leia crítica na página xx) que faz parte
                  moderna no Brasil.                              das celebrações do Sesc-SP em torno da Semana e que
                    Um outro aspecto interessante desse centenário e   reúne um conjunto expressivo de mais de 600 trabalhos,
                  que possivelmente venha a render frutos no futuro é o   realizados por 200 artistas de diferentes regiões, gerações
                  esforço de colocar em diálogo pensadores de diferentes   e linguagens. A mostra dá espaço importante para for-
                  formações, áreas de conhecimento, regiões do país e   mas de expressão mais populares como os impressos, a
                  até mesmo de diferentes gerações. Memórias, reflexões,  fotografia e a arte popular, usualmente menos valorizados
                  questionamentos compõem um panorama diverso, às   pela elite letrada, mas que têm um papel fundamental
                  vezes até mesmo contraditório, mas complementar,  na disseminação do moderno no país.


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