Page 31 - ARTE!Brasileiros #58
P. 31

Detalhe da obra Parede da Memória, de Rosana Paulino

                  de banana” (Ermakoff 2004, p. 116),   Essas imagens são imagens   obra anteriormente comentada a
                  ao lado de reproduções de três   encobridoras, Deckerinnerungen,   frase que dá título a esta obra: A
                  representações “científicas” de   nos termos de Freud. Essa mulher   ciência é luz da verdade? No
                  temas da botânica, uma          anônima fotografada por Marc     centro vemos uma fotomontagem
                  radiografia de uma bacia e um   Ferrez em torno de 1885 também   que sobrepõe a uma imagem de
                  retalho branco com inscrições em   foi enquadrada por ele em uma   azulejo duas caveiras, uma acima
                  letras maiúsculas em vermelho,   moldura dupla, ao lado de outra   da outra. O tema da ciência é
                  de diferentes tamanhos, citando a   negra vestida como “baiana”.   recorrente na obra de Paulino e
                  conhecida marchinha de carnaval   Estamos, portanto, da baiana à   remete em grande parte às
                  “yES, NÓS tEMoS BANANA”. Aqui   “mulata do samba”, em pleno      doutrinas eugenistas (defendidas
                  vemos um traço irônico na obra de   nascedouro de uma poderosa   por Nina Rodrigues, assim como
                  Paulino. Irônico, mas sarcástico   construção da imagem da mulher   por alguns dos fotógrafos e
                  também, com relação aos clichês   brasileira negra, de seu corpo e de   artistas que circularam no Brasil
                  que constituem a “brasilidade”. Ao   seu comportamento.  Esse clichê   no século 19). Assim, sua obra
                  costurar esses “retalhos”, cacos   (fotográfico e de papel social) vai   Atlântico vermelho, de 2017, monta
                  da história montados pela artista,   aos ares com a montagem    11 pedaços de tecido, sendo que
                  novamente ela descostura as     costurada por Paulino.           no do canto superior esquerdo
                  estruturas do imaginário colonial   Outra obra com recursos      temos uma das famosas
                  realizando o que eu gostaria de   semelhantes é A ciência é luz da   fotografias antropométricas
                  chamar de um anarquivamento do   verdade 3?, de 2016. Ela é      realizadas por August Stahl.
                  arquivo colonial. As fotografias e   composta por três “retalhos”   Stahl foi um fotógrafo de
                  imagens coloniais dos negros os   costurados um ao lado do outro.   origem alemã que chegou a Recife
                  enquadram em um imaginário que   Os dois da ponta reproduzem com   em 1853, tendo se instalado a
                  busca reproduzir a opressão.    as mesmas letras vermelhas da    partir de 1870 no Rio de Janeiro.


                                                                                                              31





                                                                                                                25/03/2022   10:59
         Book_ARTE_58.indb   31
         Book_ARTE_58.indb   31                                                                                 25/03/2022   10:59
   26   27   28   29   30   31   32   33   34   35   36