Page 28 - ARTE!Brasileiros #58
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ARTIGO DEMOCRACIA E REPARAÇÃO



                  parte da produção de arte       (2016-2017), no Instituto Itaú   Com esse material, Lauriano
                  afrodescendente, mas suas obras   Cultural, São Paulo, com      retraçou o mapa do Brasil, essa
                  incidem criticamente sobre o    curadoria de Rosana Paulino e   linha política, como parte de uma
                  dispositivo colonial. A virada   Diane Lima; Agora somos todxs   política do corpo e de
                  política decolonial não está de   Negrxs? (2017), no Galpão     autoafirmação. Usurpando o
                  modo algum restrita a artistas   VideoBrasil, com curadoria de   poder de traçamento dos agentes
                  afrodescendentes.               Daniel Lima; PretAtitude (2018), no   cartógrafos a serviço do poder,
                                                  Sesc Ribeirão Preto, com        ele inscreve com pemba branca
                  artistas afroDesCenDentes       curadoria de Claudinei Roberto   limites ressignificados: o branco
                  DeColoniais                     (Menezes 2018, p.591-592); e    da pemba vira agente de inscrição
                   A referida exposição que ocorreu   acrescento a exposição mais   das populações historicamente
                  no MASP e no Instituto Tomie    recente de Rosana Paulino, A    oprimidas. Seu título estampa em
                  Ohtake em São Paulo em  2018,    costura da memória (2018-2019),   tom irônico: República
                  Histórias Afro-Atlânticas, com   ocorrida na Pinacoteca de São   (democracia racial) (2015). E,
                  curadoria de Adriano Pedrosa,   Paulo, com curadoria de Valéria   tensionando a imagem com um
                  Ayrson Heráclito, Hélio Menezes,   Piccoli e Pedro Nery. Também   texto, Lauriano inscreve ao pé do
                  Lilia Schwarcz e Tomás Toledo, foi   incluiria nesse hall de exposições   mapa do Brasil uma estrofe do
                  uma das mais importantes sobre   as Bienais Videobrasil, com   “Hino à Proclamação da
                  o tema da negritude já feitas no   curadoria de Solange Farkas, e a   República”, um verdadeiro
                  Brasil, mas é importante ver como   exposição A empresa colonial   monumento ao esquecimento, já
                  ela faz parte de um percurso que   (2015-2016). Farkas é curadora   que suas palavras (de autoria de
                  pode ser traçado desde a        geral do Festival de Arte       Medeiros de Albuquerque)
                  exposição A mão afro-brasileira,   Contemporânea Videobrasil que   perpetram: “Nós nem cremos que
                  de 1988, passando por muitas    acontece desde 1983. Sua        escravos outrora/ Tenha havido
                  outras também essenciais.       perspectiva voltada para o eixo   em tão nobre País.../ Hoje o rubro
                  Inspirado no levantamento feito   sul-sul tem participado de modo   lampejo da aurora/ Acha irmãos,
                  por Hélio Menezes para seu texto   muito importante na afirmação de   não tiranos hostis”. Esse texto foi
                  no catálogo de Histórias Afro-  uma arte mais comprometida com   escrito em 1889, apenas um ano,
                  Atlânticas eu destaco as seguintes   os temas da decolonialidade. Em   portanto, após a “abolição” oficial
                  exposições: Incorporações – Arte   2000 ela foi curadora, ao lado do   do sistema de escravidão. A
                  afro-brasileira contemporânea   crítico sul-africano Clive Kellner,   abolição revela-se, como lemos
                  (2011/2012), no International Arts   da exposição Mostra Africana de   com Abdias Nascimento (2016),
                  Festival Europalia, Bruxelas,   arte contemporânea, que ocorreu   um modo de aniquilamento, de
                  curadoria de Roberto Conduru;   no Sesc Pompeia, em São Paulo.   morte e de política do
                  Afro como ascendência, arte     A exposição A empresa colonial,   esquecimento. Lauriano tem
                  como procedência (2013-2014), no   ocorrida na Caixa Cultural São   outras importantes obras feitas
                  Sesc Pinheiros, São Paulo, com   Paulo, com curadoria de Tomás   com pemba sobre fundo negro
                  curadoria de Alexandre Araújo   Toledo, apesar de não ser uma   que traçam os contornos do mapa
                  Bispo; Histórias Mestiças (2014),   exposição com proposta      do Brasil para repensar esses
                  no Instituto Tomie Ohtake, com   curatorial étnica, tratou com muita   limites do ponto de vista
                  curadoria de Adriano Pedrosa e   propriedade do tema da         decolonial. Recordo aqui seu
                  Lilia Schwarcz; Territórios: artistas   continuidade do poder colonial no   impressionante Invasão, etnocídio,
                  afrodescendentes no acervo da   Brasil contemporâneo.           democracia racial e apropriação
                  Pinacoteca (2015-2016), na        Jaime Lauriano, um dos mais   cultural, de 2017, que esteve na
                  Pinacoteca de São Paulo, com    importantes artistas negros no   mencionada exposição Agora
                  curadoria de Tadeu Chiarelli; A cor   Brasil hoje, emprega em uma de   somos todxs Negrxs?
                  do Brasil (2016-2017), no Museu de   suas obras dessa última       O que corre nessas
                  Arte do Rio, com curadoria de   exposição uma “pemba branca”,   exposições, curadorias e com
                  Paulo Herkenhoff e Marcelo      giz utilizado em rituais de     essa multiplicação de artistas
                  Campos; Diálogos ausentes       umbanda, sobre “algodão preto”.   negrxs? Antes de mais nada, a


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