Page 23 - ARTE!Brasileiros #58
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Araújo, no misticismo da Minha linguagem plás tico- vi- Por fim, não posso deixar de
gravura de Hélio Oliveira, e na sual- sig no gráfica está ligada destacar no catálogo de Araújo de
cerâmica e pintura de Miguel aos valores míticos profundos 1988 o capítulo da fotógrafa e
dos Santos (1988, 248). de uma cultura afro-brasileira crítica de arte Stefania Bril sobre o
(mestiça-animista-fetichista). Olhar Fotográfico em preto e
Vejamos a contribuição Com o peso da Bahia sobre branco, que retoma o trabalho de
intelectual de Rubem Valentim mim – a cultura vivenciada; com fotógrafos como José Medeiros
que nos anos 1970 formulou o sangue negro nas veias – o (1921-1990), Januário Garcia (1943),
de modo claro uma proposta atavismo; com os olhos abertos e Walter Firmo (1937). Esses
de revisão do campo estético para o que se faz no mundo – a fotógrafos também dão prova de
e da colonialidade a partir contemporaneidade; criando os uma nova arte negra feita por
da arte negra. meus signos-símbolos procuro artistas negros e voltada para
transformar em lin guagem visual redesenhar as geopolíticas,
o Manifesto tardio De rubem o mundo encantado, mágico, permitindo se imaginar outras
valentim: a luta “Contra o provavel mente místico que flui constelações de vida em comum.
Colonialismo Cultural” con tinuamente dentro de mim Os artistas negros destacados por
Surpreende na coletânea de (1988, 294). Aracy Amaral e esses fotógrafos
1988 de Emanoel Araújo o levantados por Stefania Bril são a
pequeno e contundente Em diálogo com os concretistas prova de que ao longo do século
Manifesto Tardio que veio paulistas, seus contemporâneos, 20 foi se constituindo uma arte
justamente da pena de Rubem Valentim busca fazer dessa negra feita por negros no Brasil
Valentim, uma das exceções linguagem a referida ponte entre voltada para uma política da
destacadas por Aracy Amaral, o mundo da africanidade negritude, que emanciparam os
como um dos poucos recalcado e o seu presente. Ele vê artistas afrodescendentes dos
representantes de uma arte no seu projeto uma luta política: modelos acadêmicos e também
negra. Esse manifesto de 1976 é “A arte é tanto uma arma poética libertaram o corpo negro do papel
adjetivado como sendo “tardio” para lutar contra a violência, de objetos de representação.
por seu autor e de fato o é, se como um exercício de liberdade
pensarmos na longa história da contra as forças repressivas: o abDias nasCimento
produção artística negra no país. verdadeiro criador é um ser que Um autor-chave nesse processo
Não podemos esquecer que o vive dialeticamente entre a foi Abdias Nascimento. Em 1944
tempo, quando estamos no repressão e a liberdade.” (Id., ele criou o Teatro Experimental do
campo dos traumas, é o tempo 1988) Essas palavras, escritas em Negro, que marcou gerações de
do “tarde demais”, do despertar meio à repressão da ditadura artistas, produziu uma importante
“atrasado”, après coup. Mas ele militar, e sob o signo da luta obra como artista plástico e foi
também se adianta em muitos “contra o colonialismo cultural” um dos primeiros a formular de
FOTO: SERGIO GUERINI / CORTESIA ALMEIDA & DALE GALERIA DE ARTE
aspectos à virada étnica que viria (Id., 1988), voltam a ecoar nas modo claro a importância de uma
a acontecer apenas após 1988, lutas que se organizam hoje, em resistência negra, contra a
com a nova constituição pós- 2020, quando esse campo da necropolítica, por meio da arte.
ditadura e com suas cláusulas de resistência negra, armada pelas Seu livro O genocídio negro
reconhecimento das culturas artes e que se desenvolveu nos brasileiro: Processo de um
indígena e quilombola, incluindo últimos 20 anos, está sendo racismo mascarado foi publicado
o direito à demarcação de suas novamente assediado por em 1976 em inglês, próximo,
terras. Cláusulas estas, é sempre poderosas forças aniquiladoras. portanto, do manifesto de Rubem
importante destacar, Note-se de passagem que o fato Valentim. Como ocorre com este
conquistadas por conta de muita dessas palavras de Valentim não último, também Nascimento
luta por parte dos indígenas serem mais reproduzidas e reconhece seu “lugar de fala”
e dos movimentos negros. recordadas é um sintoma de que como constituinte de seu saber,
Valentim abre seu manifesto essas forças aniquiladoras estão como se passara também em
afirmando: vencendo a batalha. Frantz Fanon no seu primeiro e
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