Page 45 - ARTE!Brasileiros #53
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década de 1920 e depois, com a queda da bolsa de Você diz do ponto de vista museológico, ou do ponto
Nova York, a alteração de rumos, com a federalização, de vista de vida?
o surgimento de um nacionalismo de outro gênero.
Vamos passar por toda essa transformação que vive Dos dois.
o Brasil nesse período, a eletrificação, a reconstrução Acho que é um enigma, a gente não sabe. Estamos
de várias cidades como São Paulo e sobretudo Rio tateando, sem saber que tipo de comportamento
de Janeiro, enfim, o que vai acontecendo no país. poderemos vir a ter. Está todo mundo grudado na
As artes, nesse aspecto, são apenas uma ilustração. tela, esgotado de ter ou dar aulas por computador.
E nós vamos querer que no catálogo haja ensaios. A gente não sabe o que vai acontecer no dia de ama-
Já tratamos com vários autores: Felipe Chaimovich, nhã, se as vacinas vão sair. Principalmente num país
que vai escrever sobre o pré-modernismo; Ana Maria como o Brasil, em que tudo é imponderável, fruto
Belluzzo, que vai escrever sobre modernismo; sobre de caprichos eleitoreiros, não há um planejamento
poesia e literatura vai escrever a professora Flora visando a sociedade como um todo. No caso das
Süssekind; o Ruy Castro vai falar sobre o Rio de classes menos favorecidas, que são as que mais
Janeiro; Cacá Machado vai escrever sobre música; sofrem, com o desemprego, com falta de recursos, a
e Luis Felipe de Alencastro vai escrever sobre a pro- situação é de caos. Vivemos um momento de espera
blemática política econômica e social no país nesse e ao mesmo tempo caótico.
período. Nós queremos que seja como um debate,
um catálogo sobre o que se passou nesse período. Fazendo um paralelo com o período da exposição
que você está trabalhando, acho que essa diferen-
É uma mostra histórica então, com uma trama ça é fundamental: hoje a gente não tem projeto.
bem complexa. Você disse que nunca tinha feito Vivemos um momento de desestruturação de tudo.
uma curadoria tão difícil. Por que? Pois é. E no caso do nosso país você não sente
O interesse é que seja histórico. Agora, estamos ninguém à frente do governo, com uma capacidade
tendo muita dificuldade de conseguir as obras pensante que diga: temos um norte, estamos proje-
porque as instituições se fecham, cada uma quer tando isso para a região Norte, isso para o Nordeste...
fazer o seu. O mam-sp quis fazer um ano antes (das É tudo um enigma, não existe uma firmeza. Isso é
comemorações de 22) justamente para não enfrentar doloroso, para um país de 210 milhões de habitantes.
essa competição de obras. Mas acontece que todos
recusam, pensando no que farão no ano seguinte. Uma coisa que você sempre defendeu, como pro-
Claro que a Pinacoteca não abre mão da Antro- fessora, é que o aprendizado de arte se dá olhando.
pofagia, e agora estamos pendentes da resposta Como fazer hoje?
do Museu Nacional de Belas Artes. Enfim, é uma Acho que ninguém está olhando, inclusive porque
batalha diária. Nunca fiz uma curadoria tão árdua, os jovens não leem livros, nem do ponto de vista de
tão dura, a gente tem que recomeçar várias vezes. literatura nem do ponto de vista de história da arte.
Eu e a Regina já fizemos várias relações de obras. Sei lá, eu lia muito. A gente tinha que fazer resumo,
Em um momento em que está tudo fechado, a gente tinha que fazer apreciação, tinha uma formação
não pode ir ao Rio, não se pode mais ver as obras que hoje não existe mais. Eu me sinto totalmente
ao vivo, não podemos falar diretamente com as obsoleta do ponto de vista de aprendizado e do
pessoas, é tudo por celular, computador. É mais ponto de vista de o que eles leem hoje. Não é o livro
complicado, muito pesado. Portanto, dependemos em si. Acho, por exemplo, que só se debruça sobre
muito da boa vontade dos interlocutores. literatura quem está fazendo literatura.
Em geral a nova geração só vê o celular, veem quan-
Falando em pandemia, qual você acha que vai ser do muito o computador, quando tem que fazer os
o principal efeito disso tudo, pensando no futuro. trabalhos escolares ou universitários. Tive um ex-aluno,
Esse olho no olho, esse contato pessoal é muito que hoje é professor na Escola de Comunicações e
importante para um trabalho de garimpo como Artes (eCa-usp), que disse que seus alunos de artes
esse, não? Você acha que a gente vai conseguir visuais da eCa nunca foram ao masp. Eles são de São
achar um novo modelo, ou que a gente retoma do Paulo e nunca foram ao masp! Se a gente sabe que
mesmo ponto? eles não têm o hábito de olhar, o hábito de ver, de
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