Page 42 - ARTE!Brasileiros #53
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ARTIGO ARTE BRASILEIRA















            ARTE!AFRO-BRASILEIROS




            “Arte Afro-Brasileira, a propósito, não é um estilo, não é uma vanguarda, sequer
            mesmo um movimento social ou artístico; é a arte do Brasil – senão pleonasmo”,
            escreve o pesquisador Renato Araújo em artigo para a arte!brasileiros

            por renato araújo Da silva







            ainDa Com Crise De iDentiDaDe   atletas tinham de mais “primitivo”,   agrário, atado ao passado
            e às margens do centenário     “genuíno” e “autêntico” – isso   colonial, oligárquico, clientelista,
            da Semana de 22 e do período    a despeito da agressividade e   entre outros atrasos que tanto
            africano de Picasso, a arte     violência com que foram tratados   nos definem. No entanto, há
            brasileira, em sua “virada cultural”,   no país desde sempre. Enquanto   algo de extremamente notável
            continua o seu rumo procurando   o fundamento dessa identidade   na arte brasileira, ainda difuso e
            possíveis respostas para o velho   afro-indígena brasileira no flerte   mesmo assim bastante óbvio e
            desafio modernista. Como        próprio das classes médias      que, tão logo emerge, vai sendo
            a arte do início do século xxi   culturais esteve continuamente   constantemente varrido para
            poderia fazer frente ao seu uso   em ebulição, não supúnhamos   debaixo do tapete: no campo
            instrumental asfixiante dentro do   que também estivesse em jogo.   onde se joga a arte, uma das
            multiculturalismo, identitarismo   Passado esse tempo, o que    regras do jogo é o racismo.
            e a aflição de se tornar uma mera   impediu a realização da vitória   Tal como aquela agressividade
            inclusão social (financeira) de   modernista neste jogo da arte   que o ego (identidade) introjeta,
            alguns artistas e instituições,   e da sociedade? Dito de outra   internaliza no sentido de si
            quase todos ciclicamente à      forma, por que o “herói da nossa   próprio criando o superego
            beira da insolvência, quer seja   gente” e a divisa tupi or not   e o sentimento de culpa, a
            econômica, moral ou existencial?   tupi deixaram rapidamente de   agressividade contra a identidade
            Cem anos percorridos, aboliu-se   fazer sentido já lá atrás, em seu   mestiça ou afro-indígena na
            mesmo o futuro primitivo?       lapso histórico original, porém   civilização brasileira - ou seja,
               Para o nacional modernismo,   isolado, quase idealista? Os   o nosso racismo - expressou-se
            parece que o desafio estrutural   historiadores sociais que se   na forma de uma necessidade
            era uma busca sincera por uma   debruçaram sobre esse problema   de punição e autopunição.
            identidade brasileira distinta   culparam acertadamente as      Como o indígena foi absolvido
            das imposições externas, ainda   modificações advindas da       dentro de nós citadinos ou fora
            que vagamente identificada às   segunda grande guerra (a        expulso do jogo e desde o início
            culturas mestiça, indígena e negra   política da boa vizinhança), as   desterritorializado, como é
            nacionais. Como técnicos, os    ditaduras Vargas e a militar, o   extemporâneo, isto é, já nasceu
            modernistas quiseram organizar   fado provinciano daquele Brasil   assassinado, que se puna,
            essa equipe, naquilo que os    “país do futuro” eternamente     então, o negro!

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