Page 43 - ARTE!Brasileiros #53
P. 43
Antes das rupturas e interrupções não fosse a consumidora – o consciência negra, arremedos
“por falta de luz”, o jogo fundamento afro-índio-mestiço- de cidadania, resquícios da
modernista prosseguia com luso-brasileiro é vislumbrado dialética do senhor e do escravo
excelentes jogadores que agora na forma desse game se todos nós somos mais ou
explicitaram a identidade afro- over deprimente que nos menos escravos dos números
indígena brasileira; na “zaga”: acorda: a perda da bela partida e dos algoritmos? Apenas para
Sérgio Buarque de Holanda, antropofágica que parecia de falar o óbvio ululante de que “uns
Gilberto Freyre, Caio Prado Jr.; vitória tão certa aos olhos joviais são mais iguais que outros”?
tivemos poucos bons goleiros!, de um Mário e um Oswald De que negros também fazem
mas atacantes, sim, muito bons: de Andrade. arte? De que Black lives matter?
Guerreiro Ramos, Florestan Os Macunaímas das ruas, A única resposta possível é que
Fernandes, Darcy Ribeiro, Mário assim como os Timótheos e tendências sociais muito mais
Pedrosa, Antônio Cândido, Joel Estevam Silvas dos museus, profundas advindas da trágica
Rufino, entre tantos outros. Mas estão sendo cirurgicamente (ou patética) lógica cultural do
hoje, com estes jogadores física exterminados na raiz. Premia- capitalismo tardio impuseram a
e ideologicamente mortos e com se o garrancho na estética da todos nós, seres biológicos, que
este jogo sem possibilidades de sociedade de consumo, porque joguemos no mesmo time: o dos
prorrogação, quão gigante deverá o escândalo foi deglutido e derrotados; mas sem crises de
ser o peso para a consciência da naturalizado. É por isso que hoje, identidade, porque não há como
historiografia da arte brasileira apesar do noticiário mainstream falar de uma arte brasileira se ela
se o negro e o índio tiverem de e dos “mapas da violência”, o não for realmente brasileira.
ser incluídos “por cotas” ou racismo na era digital volta à Arte afro-brasileira, a
apenas na forma do sentimento esfera da indiferença ou do tabu. propósito, não é um estilo, não é
de culpa?! Pior ainda, que Na era da pós-verdade e do uma vanguarda, sequer mesmo
reedição de um desastre social “salve-se quem puder” impostos um movimento social ou artístico;
emergiria se essa inclusão pelas grandes corporações e é a arte do Brasil – senão
acontecesse no mundo artístico novas oligarquias, a diminuição da pleonasmo. Mas, neste caso,
apenas por pressão forçada dignidade humana é proporcional ter vergonha do que somos ou
a partir do multiculturalismo ao aumento da dignidade da tentar nos livrar do prefixo “afro”,
(em sua contraditória evocação máquina, assim como a elite deste substantivo composto,
pós-racial)? Que estratégia de negra e os negros artistas ora união semântica de palavras
negócios acolheriam os negros chamados ao gueto pelas ondas tão sinonímias, supondo que
em museus e galerias senão de valorização institucionais das com isso aliviaríamos tensões
a mesma dos algoritmos e quais participam como alimentos, sociais, pesos de consciência
anúncios focais – a dos números? o fazem dentro de um risco ou pressões temáticas sobre
No momento desse massacre calculado: não por dignidade e uma certa “liberdade do artista”,
cultural da sociedade digital –, talento, mas pela vazão deste seria o mesmo que refrear aquela
esta que ajudou a dar o último sentimento de culpa mesclados pulsão carnavalesca que reside
golpe para fazer desaparecer não ao cumprimento das ordens do em cada brasileiro e força-la de
só a identidade negra dentro da politicamente correto. volta para o inconsciente de onde
brasileira, mas o próprio interesse Como falar agora de invariavelmente ela voltará a
numa identidade qualquer que arte brasileira, corpo negro, gritar: Arte! Afro-Brasileiros!
43