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ARTIGO ARTISTAS AFRO-BRASILEIROS
Quando vivo, Sidney Amaral esteve muito
próximo de Rosana Paulino, que ele
chamava de “madrinha”; partilhavam ideais
estéticos e a crença no poder transgressivo
e transformador da educação
por ClauDinei roberto Da silva
GERAÇÃO EM DIÁLOGO
a julgar por aQuilo Que observamos à estéticos e a crença no poder transgressivo e
partir da movimentação de museus, institui- transformador da educação. Sidney Amaral,
ções culturais, galerias, espaços formais e a despeito de sua ascensão artística, perma-
informais, a produção de artistas negros e neceu professor da rede pública de ensino até
negras do país vem confirmando a caracte- sua morte. Essa dupla jornada de trabalho
rística resiliência daquela parte da população que intercalava o ateliê e as salas de aula não
da qual esses artistas fazem parte. Pois suas contrariava Amaral ou Paulino. O magistério
realizações vêm ganhando visibilidade e proe- sempre esteve em suas cogitações e na pers-
minência na mesma proporção em que avan- pectiva de ambos, o que apenas confirma a
çam as ações antirracistas e anti-colonialistas complexidade e as exigências da prática artís-
que pretendem mitigar as mazelas sociais tica atravessada por preocupações de ordem
derivadas do racismo que asfixia e mata, e social. Em comum, Paulino tinha com Amaral
que ainda hoje é negado por aquela parcela o interesse pela história pretérita e atual da
da população que dele sempre se beneficiou. diáspora afro-brasileira; Rosana Paulino é uma
Seria possível cogitar uma família artística artista pesquisadora, fundamenta suas pro-
afro-brasileira contemporânea”? Sobre uma posições a partir de diligentes investigações
genealogia qualquer capaz de agrupar artis- e isto não tem significado um esfriamento de
tas em linhagens de projetos que por algum sua poética. Pelo contrário, ela parece extrair
motivo se imantem? Essa genealogia seria de das verdades prospectadas a contundência
confecção tão arredia quanto qualquer outra de trabalhos como Assentamento, e não por
que se refira ao povo preto brasileiro. Mas, no acaso a artista mantém em seu ateliê uma
intuito de conter ou denunciar o epistemicidio alentada biblioteca replicando a mesma atitude
que corre paralelo ao genocídio da população que, quando vivo, acalentava Sidney Amaral
negra, a prospecção das memórias e ancestra- - que, além disso, procurava organizar uma
lidades dos descentes dos escravizados africa- hemeroteca onde arquivava imagens e textos
nos vem se constituindo em uma das tarefas a os mais variados, que costumavam abastecê-
que tem se dedicado uma parte expressiva de -lo de ideias e alimentavam sua indignação.
artistas afro-brasileiros que têm na sondagem Em 2018 Rosana Paulino teve sua obra
da história, na construção de identidades e contemplada em uma mostra retrospectiva na
na desconstrução de preconceitos o mote Pinacoteca do Estado de São Paulo, instituição
de suas poéticas. Este talvez seja um índice. que foi dirigida pelo curador Tadeu Chiarelli,
Quando vivo, Sidney Amaral (1973-2017) que era professor titular do Departamento de
esteve muito próximo de Rosana Paulino, que Arte da Universidade de São Paulo quando da
ele chamava de “madrinha”. Partilhavam ideais passagem da artista por lá; foi ali que, em 1994,
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