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ENTREVISTA ARACY AMARAL
mexendo com as novas mídias, trabalhando com
vídeo, todas as formas de expressão não usuais,
em 1973. Daí comecei a ser chamada também, fui
fazer palestra em Buenos Aires...
É a partir daí que você começa a circular mais
intensamente pela América Latina ou essa cone-
xão já existia?
Eu já tinha esse vínculo. Não sei se porque quando
a gente era pequena, meu pai trabalhando com o
Instituto Brasileiro de Café (iBC), nós moramos na
Argentina. Fiz o primário lá. Aí eu voltei, tive umas
aulas aqui para tirar todo o espanholismo de minha
fala e fiz o ginásio em Santos. Mas não sei se terá
sido isso. Por que eu me interessei pela América Obra de Miguel Rio Branco exposta no 34º Panorama da Arte
Latina? Será que foi pelo precedente da Argentina? Brasileira, Da pedra Da terra Daqui, com curadoria de Aracy
Por que eu conhecia a história argentina melhor
do que a nossa? Por que eu tinha feito primário lá?
algum congresso fotografar essas casas. Eram muito
Talvez porque você não tenha partido do lugar similares, muitas persistiram até o século xix. Não
tradicional que o Brasil reserva aos vizinhos. O adianta que o Julio Katinsky, o Carlos Lemos fiquem
Brasil evita olhar para o lado. falando de isolamento da casa paulista. Ela existe
Pois é, pode ser. O Brasil olha para fora. Eu sempre em toda a América do Sul, como um prolongamento.
falei que os dois países mais similares na América
do Sul são Venezuela e Brasil. Ambos têm os olhos Você descobriu que a imagem da padroeira argen-
postos fora e se interessam muito pelo que ocor- tina é brasileira?
re nos Estados Unidos, na Europa, e menos pelo Quando fiz esse estudo, em correspondência com
que ocorre na América do Sul. Tanto é assim que a um historiador jesuíta de Buenos Aires, descobri
Venezuela vai ter os grandes cinéticos e o Brasil vai que a Imaculada Conceição, que se tornou a Nossa
ter outras gerações de artistas plásticos também Senhora de Luján, padroeira da Argentina, é uma
voltados para o exterior, com interesse na informação imagem paulista. E de qualidade menor que aque-
que vem de fora. Ao passo que os países andinos las feitas em Santana do Parnaíba ou Mogi, mas
são mais fechados dentro de si próprios em suas havia, ao mesmo tempo, um comércio entre Lima
tradições e Argentina, Uruguai e Chile são mais e São Paulo. Temos que lembrar que havia outro
ligados à Europa. Retomando, eu estava cansada tipo de intercâmbio, que depois foi superado. E os
de fazer trabalhos sobre o modernismo e Tarsila, arquitetos aqui não tinham se dado conta disso
tinha encerrado esse aspecto, tinha encerrado já porque nunca tinham viajado pela América do
a Expo-Projeção e comecei a viajar pela América Sul. Preferiam viajar para Paris, para outros lados,
Latina. Tive uma iluminação através de um livro então fixaram a ideia de que São Paulo tinha uma
encontrado na casa da minha mãe. Estava fazendo casa que só tinha aqui. Quando eu publiquei a A
muitos trabalhos com Luís Saia, sobre o patrimô- Hispanidade em São Paulo, eles não reconhece-
nio em São Paulo. Percebi que as casas que eles ram o trabalho, em primeiro lugar porque eu era
chamavam, entre aspas, de bandeiristas não eram mulher, um fator a ser considerado queira ou não.
senão uma “casa de hacienda”. Há inúmeros casos Em segundo lugar porque eu não era arquiteta e
muito similares. Em São Paulo essas casas eram estava falando de arquitetura e a fau nesse aspecto
também todas distantes do centro, seja no Caxin- não perdoa. Havia uma discriminação. Você não FOTOS: DIVULGAÇÃO | EVERTON BALLARDIN
gui, seja no Butantã, em São Bento... Comecei a é arquiteta, você fica no seu lugar, escreve sobre
ver essas plantas, fui viajar, estive no Paraguai, fui história da arte, o que você quiser, mas não entre
para a Bolívia, Equador, Colômbia, Venezuela. Ia nas num terreno que não é o seu. Eu nem defendi a
minhas férias da usp e muitas vezes quando ia para livre-docência com essa pesquisa porque eles
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